REl - 0600903-56.2020.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/02/2024 às 14:00

VOTO

I. Da Admissibilidade Recursal

Os recursos são tempestivos, pois interpostos dentro do tríduo legal, e preenchem os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual deles conheço.

 

II. Das Considerações Iniciais

Antes de adentrar propriamente no enfrentamento das preliminares e análise do mérito recursal, destaco que a tramitação do feito no primeiro grau foi evidentemente árdua e laboriosa, culminando em julgamento de parcial procedência lavrado em 413 laudas (ID 45436264, 45436265, 45436266 e 45436267). 

Os 05 (cinco) recursos que desafiam a sentença somam mais 577 páginas (ID 45436289, 45436291, 45436293, 45436296 e 45436300) e foram considerados com a máxima atenção, tendo também recebido a priorização recomendada no § 3º do art. 257 do Código Eleitoral.

O destaque se faz necessário para pontuar que, apesar de prolixas e muitas vezes repetidas, todas as teses e argumentos deduzidos pelos recorrentes foram devidamente apreciados e cotejados com as provas produzidas nos autos, sendo que este julgador procurou, no exame dos autos, conciliar o postulado da razoável duração do processo com o princípio da motivação das decisões judiciais, de forma a garantir um julgamento justo, efetivo e harmonizado com o primado da celeridade processual.

Ainda, cumpre mencionar que a mesma investigação que ensejou esta ação também deu origem a duas outras Ações de Investigação Judicial Eleitoral, cujos recursos já foram examinados por este Tribunal Regional Eleitoral.

Envolvendo também a figura da servidora CLEUSA TERESINHA DE MELO, na AIJE n. 0600902-71.2020.6.21.0045, ajuizada contra o suplente EVANDRO CARLOS NOLASCO, o julgamento concluiu pela manutenção da sentença que julgou procedente a ação por prática de abuso de poder político e econômico e por conduta vedada, para o fim de cassar o diploma de suplente, declarar sua inelegibilidade e aplicar-lhe multa de R$ 10.641,00, em virtude da entrega de cestas básicas em troca de votos. A decisão colegiada, na linha do voto do relator, Des. Eleitoral Gerson Fischmann, foi assim ementada:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO POR CONDUTA VEDADA E AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. SUPLENTE. VEREADOR. ENCAMINHAMENTO DE ELEITORES PARA ENTREGA DE CESTAS BÁSICAS. INTERMEDIAÇÃO JUNTO À SECRETARIA MUNICIPAL. PERÍODO ELEITORAL. MALFERIMENTO DA ISONOMIA DO PLEITO. GRAVIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS. COMPROVADA. ART. 22, INC. XVI, DA LC N. 64/90. CONDUTA VEDADA. ART. 73, INC. IV, DA LEI DAS ELEIÇÕES. PROMOÇÃO PESSOAL. SANCIONAMENTO. MULTA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. MEDIDAS ADEQUADAS. NULIDADE DOS VOTOS DO RECORRENTE. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. ART. 198, INC. II, AL. "B", DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.611/19. PREQUESTIONAMENTO. CUMPRIMENTO E REGISTRO DAS SANÇÕES. COMUNICAÇÃO À ZONA ELEITORAL. DESPROVIMENTO.

1. Irresignação de vereador classificado como suplente nas eleições de 2020 contra sentença que julgou procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE por prática de abuso poder político e econômico e por condutas vedadas,

para cassar seu diploma, declarar a inelegibilidade e aplicar-lhe multa em razão de conduta vedada.

2. Comprovada a atuação do candidato no encaminhamento de eleitores a funcionária com quem tinha proximidade, responsável pelo fornecimento de cestas básicas no órgão municipal competente. Flagrante o conteúdo econômico do benefício e o consequente prejuízo à isonomia no pleito, diante da vantagem obtida pelo recorrente frente aos demais concorrentes.

3. O inc. XVI do art. 22 da LC n. 64/90 estabelece que, para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam, sendo, portanto, irrelevante que o candidato não tenha logrado eleição, uma vez que foi diplomado como suplente. 

4. O caderno probatório é robusto, concreto e invencível quanto à gravidade da conduta diante da legitimidade da votação do recorrente, pois o seu proceder envolvia a entrega de alimentos a pessoas carentes, sendo inegável que o seu contato com a servidora municipal foi utilizado como capital político perante os eleitores. Demonstrada a finalidade eleitoreira da ação, perpetrada em datas muito próximas ao pleito, durante o período de campanha. 

5. Perfectibilizada a conduta vedada descrita no inc. IV do art. 73 da Lei das Eleições, pois houve promoção pessoal do candidato, valendo-se da distribuição gratuita de cestas básicas. Razoável e proporcional a multa fixada no dobro do mínimo legal, em virtude da quantidade de pessoas agraciadas.

6. Manifesta a prática das infrações, a cassação do diploma e a declaração da inelegibilidade são medidas impositivas. Nulidade dos votos atribuídos ao recorrente, devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19.

7. Desprovimento do recurso.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral nº 060090271, Acórdão, Relator(a) Des. GERSON FISCHMANN, Publicação:  DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 11/02/2022.)

 

Já na AIJE n. 0600901-86.2020.6.21.0045, o julgamento do recurso resultou na manutenção da decisão que determinou a cassação do diploma de suplente de vereador de EVERALDO DE OLIVEIRA BATISTA, na declaração da inelegibilidade por 8 anos subsequentes à Eleição de 2020, e na aplicação de multas nos valores de R$ 10.641,00 e R$ 5.320,50. O processo, de relatoria do Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, recebeu a seguinte ementa:

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. PROCEDÊNCIA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. INELEGIBILIDADE. MULTAS. PRELIMINAR DE NULIDADE DE SENTENÇA ANALISADA COM O MÉRITO. CONFIGURADAS CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E A PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA. ACERVO PROBATÓRIO SUFICIENTE A CARACTERIZAR OS ILÍCITOS. COMPROVADA A ENTREGA DE BENESSES EM TROCA DE VOTOS POR SERVIDOR PÚBLICO EM ÓRGÃO MUNICIPAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência em face de sentença que julgou procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE. Condenação à cassação do diploma de suplente, inelegibilidade por 8 anos subsequentes à eleição de 2020 e aplicação de multas, com base nos arts. 41-A e 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97, ao entender caracterizada a captação ilícita de sufrágio e a prática de conduta vedada.

2. A suscitada preliminar de nulidade confunde-se com o mérito do recurso e nele será examinada.

3. Inequívoca a conduta irregular do recorrente, que promoveu verdadeiro palanque eleitoral, por meio da entrega de benesses a eleitores em situação de extrema pobreza, em troca de votos. Além da distribuição generalizada de cestas básicas por intermédio de servidora pública, a prova demonstra que o candidato, direta e pessoalmente, negociava a concessão de outras benesses (cargas de terra, poste de luz, medicamentos, promessa de entrega de material de construção, pagamento de conta de luz, gasolina, gás) para angariar dividendos eleitorais.

4. Configuradas a captação ilícita de sufrágio e a prática de conduta vedada. Acervo probatório suficiente a demonstrar a ocorrência dos ilícitos. Improcedência da alegação recursal, no sentido de não considerar como compra de voto o encaminhamento de eleitores aos entes públicos, visto a conduta não ter alterado o desfecho do pleito no qual logrou apenas a suplência. A caracterização dos ilícitos independe do resultado da eleição, importando para sua configuração a violação ao bem jurídico protegido, vinculada à gravidade da conduta, capaz de alterar a normalidade do pleito, sem a necessidade da demonstração de que, sem a conduta abusiva, o resultado da contenda eleitoral seria diferente. Manutenção da sentença de procedência da ação.

5. Desprovimento.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral nº 060090186, Acórdão, Relator(a) Des. DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, Publicação:  DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 14/03/2022.)

 

Nos processos mencionados, foram demandados apenas os candidatos ao cargo de vereador envolvidos nas denúncias, ao passo que aqui também se examinam as condutas de candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador, e de servidores, tendo a ação sido proposta, ainda, contra a COLIGAÇÃO “AVANÇA SANTO ÂNGELO” (“JUNTOS PARA FAZER MAIS”) (PDT/MDB/PTB/REDE/PSB/PV/PV/PSD/PSDB/PCdoB) de Santo Ângelo-RS.

Ainda, registro que o presente processo foi distribuído por prevenção a esta relatoria, considerando o Recurso Eleitoral - REl n. 0600449-76.2020.6.21.0045, o Mandado de Segurança Cível - MSCiv n. 0600141-44.2021.6.21.0000 e a Exceção de Suspeição - Exc n. 0600156-72.2021.6.21.0045. Com exceção do primeiro, que tratava de fatos não associados ao caso que ora se analisa, as duas outras demandas foram decididas da forma explicitada nas ementas que seguem:

MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO PROFERIDA EM ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO DO PROMOTOR ELEITORAL. AUTOS DE AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. NÃO DEMONSTRADA A RELEVÂNCIA DOS FUNDAMENTOS INVOCADOS. DECISÃO COERENTE E SATISFATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. INCIDENTE DE SUSPEIÇÃO NÃO SUSPENDE A TRAMITAÇÃO DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE CONTORNOS ILEGAIS, ABUSIVOS OU TERATOLÓGICOS. MANTIDA A DECISÃO PROFERIDA PELO JUÍZO A QUO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.

1. Mandado de segurança, com pedido liminar, impetrado contra decisão proferida pelo juízo eleitoral em arguição de suspeição do agente ministerial nos autos de Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE, lide que a impetrante

integra na condição de requerida.

2. Os pressupostos que autorizam a concessão de medida liminar em mandado de segurança são: a relevância dos fundamentos invocados e o risco de ineficácia da medida se concedida somente ao final, conforme prevê o art. 7º, inc. III, da Lei n. 12.016/09. Não demonstrada a relevância dos fundamentos invocados, tampouco ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada a sustentar a impetração. A decisão é coerente e apreciou de forma satisfatória a postulação trazida nos embargos de declaração, amparada expressamente no texto legal. Embora a alegada omissão, os argumentos da embargante constituem mero inconformismo com o indeferimento de seu pedido de suspensão do andamento da AIJE até o julgamento da exceção de suspeição. A legislação processual é clara ao dispor que o incidente de suspeição não suspende a tramitação do processo que lhe deu ensejo. 

3. A omissão apta a amparar os embargos declaratórios é aquela relativa ao exame de pedidos formulados. Não demonstrada a descrição de qualquer omissão apta a ser examinada por via dos aclaratórios. O juízo eleitoral adotou fundamentação necessária e suficiente no exame dos argumentos trazidos nos declaratórios, tendo apreciado de modo satisfatório as questões pertinentes à espécie - ausência de vício e tentativa de rediscussão do mérito por via que não comporta tal desiderato. Não demonstrada violação do art. 489, § 1º, inc. III, do CPC, uma vez que, mesmo de forma sucinta, a decisão proferida nos autos examinou dentro dos limites o pedido formulado nos declaratórios.

4. O mandado de segurança não merece prosperar, uma vez que manejado como forma de combater comando expresso do Código de Processo Civil. Inexistência de contornos ilegais, abusivos ou teratológicos no ato judicial impugnado, capaz

de violar direito líquido e certo, circunstância que não justifica a impetração do writ. Mantida a decisão proferida pelo juízo a quo.

5. Denegação da segurança.

(TRE-RS, MANDADO DE SEGURANÇA nº 060014144, Acórdão, Relator Des. FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Publicação:  PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE)

 

EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. OCORRIDO NATURAL AFASTAMENTO DA EXCEPTA. FIM DO BIÊNIO. RECONHECIDA PERDA DO OBJETO. PREJUDICADA A EXCEÇÃO. ART. 485, INC. IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO.

1. Arguida exceção de suspeição de magistrado para condução de Ação de Investigação Judicial Eleitoral, com pedido liminar de suspensão da tramitação do processo até o julgamento definitivo da exceção. Liminar indeferida. Recebido o incidente sem efeito suspensivo.

2. Matéria disciplinada no Regimento Interno deste Tribunal, combinado com os dispositivos pertinentes do Código de Processo Civil.

3. Encerramento do biênio da magistrada excepta. Acolhida, por este Colegiado, a indicação de novo magistrado para exercer a titularidade da Zona Eleitoral. Como as decisões interlocutórias proferidas no curso do processo originário não precluem, os excipientes podem buscar sua revisão no decorrer da instrução pelo magistrado que passou a exercer a jurisdição. Ocorrido o natural afastamento da excepta e tendo a suspeição caráter personalíssimo, impõe-se o reconhecimento da perda de objeto do pedido constante nesses autos.

4. Prejudicada a exceção de suspeição em razão da perda do objeto. Extinto o feito sem julgamento de mérito, nos termos do art. 485, inc. IV, do Código de Processo Civil.

(TRE-RS, Exceção nº 060015672, Acórdão, Relator Des. FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Publicação:  DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 26/10/2021.)

 

Ainda, cumpre esclarecer que os fatos examinados nestes autos dizem respeito às imputações de abuso de poder econômico e político, conduta vedada e captação ilícita de sufrágio, condutas atribuídas, no que envolve o exame dos recursos, a dois candidatos eleitos ao cargo de vereador em Santo Ângelo nas Eleições 2020 e a seus cabos eleitorais, esses últimos, servidores públicos. Trata-se do candidato MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO e de seus cabos eleitorais CLEUSA TERESINHA DE MELO e JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR (Grafite) e do candidato PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ (Pedrão) e seus cabos eleitorais ISMARA POZZEBON SCHMITT e LEANDRO NUNES TEIXEIRA.

Feitos tais registros, passo à análise das preliminares.

 

Das Preliminares

III.1. Da decadência 

Os recorrentes PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ, JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR e CLEUSA TERESINHA DE MELO postulam o reconhecimento da decadência em face do ajuizamento da ação duas horas após a diplomação dos eleitos, pugnando pela extinção do processo sem resolução do mérito.

A preliminar não merece acolhimento, pois, na esteira do entendimento sufragado pelo Tribunal Superior Eleitoral, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE pode ser intentada até a data da diplomação dos eleitos. Tal marco – data da diplomação dos eleitos - deve ser entendido de modo geral e objetivo como o último dia fixado na Resolução do Tribunal Superior Eleitoral que disciplina o Calendário Eleitoral, confira-se:

AGRAVO. CONVERSÃO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO. VICE–PREFEITO AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ART. 22 DA LC 64/90. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41–A DA LEI 9.504/97. PRAZO DECADENCIAL. NÃO OCORRÊNCIA. ARESTO DO TRE/SP. ANULAÇÃO. RESTABELECIMENTO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. REABERTURA. PRAZO RECURSAL. PROVIMENTO.

1. Recurso especial interposto pelo segundo colocado ao cargo de prefeito de Tejupá/SP nas Eleições 2020 contra aresto em que o TRE/SP, mantendo sentença proferida em segundos embargos declaratórios – na qual, por sua vez, se afastou a condenação dos vencedores por abuso do poder econômico (art. 22 da LC 64/90) e captação ilícita de sufrágio (art. 41–A da Lei 9.504/97) –, reiterou a decadência na propositura da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), conforme o art. 487, II, do CPC/2015.

2. Na origem, reconheceu–se a decadência por se entender que, embora a AIJE tenha sido ajuizada tempestivamente em 16/12/2020, data da diplomação dos eleitos em Tejupá/SP, o autor emendou a peça inicial apenas no dia 17/12/2020.

3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) pode ser intentada até a diplomação dos eleitos. Essa data deve ser entendida de modo geral e objetivo como sendo o último dia fixado na resolução deste Tribunal Superior que disciplina o Calendário Eleitoral.
4. Em processo de registro de candidatos, também se entende que a data definida no Calendário Eleitoral como último dia para diplomação é que deve ser considerada – nesses casos, para analisar eventual fato superveniente que repercuta na candidatura –, independentemente de a solenidade ter ocorrido antes em determinada circunscrição. Essa regra deve incidir, por simetria, ao prazo de propositura da AIJE, não sendo razoável conferir duas interpretações distintas ao mesmo marco temporal.

(...)

8. Recurso especial a que se dá provimento a fim de afastar a decadência e, por conseguinte, anular o aresto a quo e a decisão proferida nos segundos embargos pelo juízo de primeira instância, restabelecendo–se a sentença condenatória, com reabertura do prazo recursal.

(TSE, AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060099458, Acórdão, Relator Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 28/04/2023)  (Grifo meu)

 

Na mesma linha, é o entendimento desta Corte:

 

RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. ELEIÇÕES 2020. CARGO. VEREADOR. CONDUTAS VEDADAS. AFASTADA ALEGAÇÃO DE DECADÊNCIA. DATA DA DIPLOMAÇÃO. TERMO AD QUEM. USO DE BEM PÚBLICO EM CAMPANHA ELEITORAL. ILICITUDE. CONDUTA DEMONSTRADA. FIXAÇÃO DA REPRIMENDA. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO DA MULTA. PATAMAR MÍNIMO LEGAL PROVIMENTO PARCIAL.

1. Recursos interpostos contra sentença que julgou parcialmente procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral ¿ AIJE, reconhecendo a prática das condutas vedadas previstas no art. 73, incs. I, II e III, da Lei n. 9.504/97,
condenando os representados ao pagamento de multa, com fundamento no art. 73, § 4º, da Lei das Eleições.

2. Afastada a alegação de decadência do direito de ação. A representação contra a inobservância do disposto no art. 73, § 12, da Lei 9.504/97 segue o rito do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 e pode ser ajuizada até a data da diplomação. O prazo, na espécie, conta-se em dias, e não em horas, circunstância que inclui a data da cerimônia, em qualquer horário, no dies ad quem para a propositura da AIJE.

(...)
5. Provimento parcial a ambos os recursos.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral nº 060031137, Acórdão, Relator Des. DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, Publicação:  DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 27/07/2021.)

 

No caso, a ação foi proposta na data da diplomação dos eleitos (18.12.2020), sendo irrelevante o horário de sua distribuição. Esse entendimento confere segurança jurídica na definição do termo final para a propositura de AIJE, garantindo que nenhum dos legitimados ativos seja surpreendido com eventual antecipação da cerimônia de diplomação dos eleitos.

Assim, em consonância com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e desta Corte, afasto a preliminar de decadência.

 

III.2. Da nulidade da atuação do GAECO, da Brigada Militar e da Polícia Civil

Os recorrentes PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ, JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR, CLEUSA TERESINHA DE MELO, MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO, ISMARA POZZEBON SCHMITT e LEANDRO NUNES TEIXEIRA pugnam pelo reconhecimento da nulidade da atuação do GAECO, da Brigada Militar e da Polícia Civil, ao argumento de que houve usurpação da competência da Polícia Federal, uma vez que a investigação eleitoral não poderia ter sido conduzida por aquelas instituições, que somente poderiam atuar de forma supletiva.

Sem razão.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 593.727, em sede repercussão geral (Tema 184 - Poder de investigação do Ministério Público), fixou a tese de que

O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/1994, art. 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa Instituição.

(STF, RE 593727, Relator: CEZAR PELUSO, Relator p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 14-05-2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-175  DIVULG 04-09-2015  PUBLIC 08-09-2015)

 

No caso, a investigação eleitoral foi conduzida por membro do Ministério Público, cuja competência para atuação por conta própria foi atestada pelo Supremo Tribunal Federal, e não especificamente pelo GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, órgão do Ministério Público), Brigada Militar e/ou Polícia Civil, que se limitaram a apoiar as atividades investigativas presididas pelo Promotor de Justiça designado para a função eleitoral. 

Com efeito, não há que se falar em usurpação de competência da Polícia Federal, já que a investigação não foi conduzida por aqueles órgãos, e sim por quem detinha competência para tanto.

Além do mais, destaco que a atuação da Polícia Federal no âmbito da Justiça Eleitoral não é exclusiva e não impede a atuação de outros órgãos no apoio e suporte ao cumprimento de diligências para a apuração de ilícitos eleitorais.

Dessa forma, inexiste qualquer ilegalidade e/ou nulidade em razão da utilização acessória de outros órgãos públicos disponíveis para conferir eficácia às investigações promovidas pelo Ministério Público Eleitoral, desde que, obviamente, observados os direitos e garantias individuais do investigado.

Dito isso, tenho que a atuação do Promotor de Justiça, no caso, observou as diretrizes traçadas pelo Supremo Tribunal Federal e encontra-se em consonância com as atribuições previstas no art. 74 da Portaria PGR/PGE n. 01/19, que regulamenta o disposto no art. 7º, inc. II, da Lei Complementar n. 75/93, in verbis:

Art. 74. Na condução de PPE e PIC, poderá o membro do Ministério Público Eleitoral, sem prejuízo de outras providências inerentes às suas atribuições funcionais previstas em lei: 

I - fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências, inclusive em organizações militares; 

II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades, órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; 

III - requisitar informações e documentos de entidades privadas, inclusive de natureza cadastral;

IV - notificar testemunhas e vítimas e requisitar sua condução coercitiva, nos casos de ausência injustificada, ressalvadas as prerrogativas legais; 

V - acompanhar buscas e apreensões deferidas pela autoridade judiciária; 

VI - acompanhar cumprimento de mandados de prisão preventiva ou temporária deferidas pela autoridade judiciária; 

VII - expedir notificações e intimações necessárias; 

VIII - realizar oitivas para colheita de informações e esclarecimentos; 

IX - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública; 

X - requisitar auxílio de força policial. 

 

Logo, rejeito a preliminar de nulidade da atuação do GAECO, da Brigada Militar e da Polícia Civil no apoio das atividades investigativas conduzidas pelo Ministério Público Eleitoral.

 

III.3.  Da Ilegalidade da obtenção da prova testemunhal na fase inquisitorial

Os recorrentes JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR e CLEUSA TERESINHA DE MELO questionam a legalidade da obtenção da prova testemunhal na fase inquisitorial, em especial de Deise Machado dos Santos, cuja inquirição reputam ter revelado situação constrangedora, dada a forma arbitrária como o Ministério Público Eleitoral teria conduzido os questionamentos, induzindo a testemunha a responder de acordo com o que seriam os fatos que o Promotor Eleitoral buscava confirmar, valendo-se até da inquirição do filho da testemunha sem a observância dos procedimentos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.

Sem razão.

A Portaria PGR/PGE n. 01/19 estabeleceu algumas regras na condução, dentre outros, dos Procedimentos Preparatórios Eleitorais e Procedimentos Investigatórios Criminais (PPE e PIC), destinados a coletar subsídios para propositura das medidas judiciais cabíveis em face da prática de ilícitos eleitorais.

Nesse sentido, o art. 74 da referida Portaria autoriza o membro do Ministério Público Eleitoral, sem prejuízo de outras providências, a realizar oitivas para colheita de informações e esclarecimentos.

No caso, da análise dos depoimentos colhidos pelo Promotor Eleitoral em sede inquisitorial, não vislumbro arbitrariedade e/ou induzimento das testemunhas, em especial de Deise Machado dos Santos.

Pelo contrário, ao meu sentir, a atuação do Promotor Eleitoral se deu dentro da normalidade, sem qualquer constrangimento ilegal, sendo que a insistência e reiteração nos questionamentos foi fundamental para o órgão ministerial compreender a percepção da testemunha sobre os fatos investigados, não relevando nenhum ato ilícito passível de censura.

Igualmente, não vislumbro nenhuma ilegalidade quanto ao questionamento dirigido ao filho da testemunha Deise Machado dos Santos. No ponto, conforme bem decidido pelo Juízo a quo, não houve inquirição ou tomada de depoimento do menor. Em verdade, o Promotor Eleitoral, na fase administrativa, dirigiu uma pergunta pontual ao filho da testemunha, que estava sentado ao lado da mãe, tão somente sobre o veículo que foi até o bairro, nada mais. 

Com efeito, inexistente qualquer violação às medidas protetivas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.

Nessa linha, afasto a preliminar suscitada.

 

III.4. Da nulidade das provas produzidas na diligência realizada na Secretaria Municipal de Assistência Social 

Os recorrentes PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ, JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR, CLEUSA TERESINHA DE MELO, MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO, ISMARA POZZEBON SCHMITT e LEANDRO NUNES TEIXEIRA suscitam várias nulidades nas provas produzidas na diligência realizada na Secretaria Municipal de Assistência Social, quais sejam, resumidamente: desnecessidade de intervenção do Ministério Público Eleitoral na diligência determinada pelo juízo eleitoral; conduta abusiva do Promotor Eleitoral, que teria determinado que todos os presentes se abstivessem de se movimentar ou de utilizar seus celulares, agindo de modo truculento e sem prévio mandado judicial, atuando em ato do qual seria testemunha, o que impediria a sua atuação, nos termos do art. 252 do Código de Processo Penal - CPP; ilegalidade na apreensão de documentos e de aparelho celular, já que retidos antes da obtenção de mandado judicial; ilegalidade do interrogatório e da revista à bolsa da recorrente CLEUSA DE MELO, que não teria sido advertida do direito ao silêncio e de se fazer acompanhar por um advogado. 

Igualmente, sem razão.

Da análise dos autos, verifico que a atuação do Promotor Eleitoral na coleta das provas nas diligências realizadas na Secretaria Municipal de Assistência Social não transbordou suas esferas de competência e atribuições, como tentam fazer crer as teses defensivas.

A já citada Portaria PGR/PGE n. 01/19 dispõe, em seu art. 74, que o Ministério Público Eleitoral poderá fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências, acompanhar buscas e cumprimento de mandados, realizar oitivas para colheita de informações e esclarecimentos, dentre outras medidas.

Por conseguinte, ao Ministério Público Eleitoral é lícito adotar medidas necessárias para preservar as provas e evidências que possam ser adulteradas ou suprimidas, inclusive determinando a permanência em seus lugares, no intuito de preservar o estado e a conservação dos objetos que serão submetidos ao crivo judicial como provas. 

Na mesma linha são as considerações tecidas pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, que adoto como razões de decidir. Confira-se:

A despeito da controvérsia na prova testemunhal acerca da dinâmica da vistoria, deve-se salientar que o MPE pode adotar as medidas necessárias para garantir que eventuais provas e evidências das irregularidades que estavam sob investigação não fossem adulteradas ou suprimidas, determinando a todos os presentes que se mantivessem em seus lugares, de modo a evitar que algum documento fosse retirado do local, cautela igualmente válida quanto ao uso do aparelho celular de CLEUSA DE MELO. 

Nesse contexto, observa-se que o MPE, ao realizar a vistoria sobre a Secretaria de Assistência Social, tem à sua disposição as medidas previstas no art. 6º do Código de Processo Penal, que visa a preservar o estado e a conservação das coisas que serão objeto de escrutínio processual, evitando que as provas se percam no momento em que a investigação avança sobre os vestígios das atividades ilícitas. 

Nesse sentido, a controversa determinação de que CLEUSA DE MELO não mais utilizasse seu aparelho celular, enquanto pendente a apreciação e expedição de mandado de apreensão, não se confunde com a antecipação da medida de apreensão e acesso ao conteúdo, sob reserva de jurisdição, uma vez que consiste numa providência cautelar, que não viola a privacidade da servidora, pois não houve acesso ao conteúdo do aparelho, traduzindo-se numa restrição temporária e justificada do acesso ao celular, voltada à preservação de seu conteúdo. 

 

Note-se, por conseguinte, que não há nenhuma ilegalidade na postura do Ministério Público Eleitoral ao determinar  que a sra. CLEUSA DE MELO se abstivesse de utilizar seu celular até a expedição do mandado de busca pela autoridade judicial, já que evidenciado o intuito de preservar provas e evidências, providência prevista no Código de Processo Penal, o que, em hipótese alguma, pode ser confundido como antecipação de busca e apreensão de bens.

Em verdade, a atuação do Promotor Eleitoral teve natureza cautelar, sem violação à reserva jurisdicional, na medida em que não houve apreensão do aparelho até a expedição do respectivo mandado judicial, que foi deferido pelo juízo a quo após a solicitação pelo Ministério Público.

Sobre o momento da apreensão do celular de CLEUSA, não restam dúvidas de que o mesmo somente foi efetivamente apreendido após a expedição do competente mandado de busca e apreensão, conforme certidão da oficial de Justiça (ID 45435205) e depoimento prestados em juízo.

No ponto, sobre o depoimento prestado por Carlos Alberto, no sentido de que o Promotor de Justiça se apossou do celular antes do mandado, tenho que a questão foi bem analisada na sentença, sendo irretocável sua conclusão:

A testemunha comum defensiva CARLOS ALBERTO GROMOSKI DE OLIVEIRA, Secretário Municipal de Assistência Social há época, declarou ter comparecido na secretaria na ocasião dos fatos, relatando o seguinte, no que importa aqui: "[...]. O que me chamou a atenção foi o fato de o Promotor ao entrar a sala ele começou a falar algumas averiguações e começou a averiguar o lixo, os armários, as gavetas e inclusive quando ele pega a bolsa de pessoa da dona CLEUSA ele tira o telefone da bolsa, não lembro se foi de dentro da bolsa ou se tava em cima da bolsa e quando ele identificou que era o telefona da dona CLEUSA ele declarou que o telefone estava preso, ele disse estou prendendo esse telefone, esse telefone está preso e a Sra dona CLEUSA não pode mais tocar no telefone, não pode mais mexer no telefone […] ... 

o que me chamou a atenção foi o fato de ele ter solicitado um mandado judicial após ele ter feito a apreensão dos materiais, a apreensão do telefone e após ter sido questionado pelo gestor da pasta ...[...]". 

Ao que se infere, o depoimento prestado pela referida testemunha colide com o externado pela Oficiala de Justiça. Com efeito, enquanto THAIS refere que CLEUSA alcançou a bolsa ao Promotor de Justiça e autorizou ele a olhar dentro, CARLOS ALBERTO declarou que o Dr. GARIBALDI se apossou da mesma. Ainda, enquanto CARLOS ALBERTO disse que o celular estava dentro da bolsa um em cima dela e que o Promotor de Justiça apanhou o celular e disse que estava preso e que CLEUSA não poderia mais tocar e mexer do aparelho, THAIS mencionou que o celular foi deixado sobre a mesa e ali ficou, sem que fosse ordenado que não fosse mexido. 

No cotejo, com a devida vênia, deve-se dar prevalência ao externado pela Oficiala da Justiça, servidora munida de fé pública, sem qualquer vinculação ou animosidade com as partes. De outro lado, a testemunha CARLOS ALBERTO, embora compromissado, exercia cargo comissionado na administração municipal como Secretário, filiado ao PDT e superior hierárquico da demandada CLEUSA. 

 

Quanto ao bilhete encontrado na Secretaria Municipal de Assistência Social, embora haja referência no auto de cumprimento de que o mesmo estava na bolsa de CLEUSA, o depoimento da Oficiala de Justiça Thais da Silva Carretta esclareceu que o bilhete foi encontrado no lixo: "lembro que ele mexeu no lixo e ele achou uma papelzinho amassado, pequenininho, não era uma folha de ofício, era pequenininho, que tinha escrito os nomes, não lembro os nomes, mas era nomes que, assim, pra mim, não diziam nada. ... Depois que fiquei sabendo que era vereadores ou candidatos, uma coisa assim".

E prossegue:

(...)

TESTEMUNHA: Não, não, esse manuscrito aqui é do lixo, certeza, não é da bolsa ... 

DEFESA: Essa certidão tá incoerente com o local do papel, Doutor 

TESTEMUNHA: É, então deve ter acontecido um equívoco. O papel foi no lixo, na bolsa era uma notinha 

DEFESA: Tais, o papel é isso aqui, né? 

TESTEMUNHA: É, tava no lixo, ele tava amassadinho no lixo

(...)

 

Essa versão também é ratificada pelo testemunho de Maicon Oliveira Elegda, policial civil que presenciou a descoberta do papel no lixo:

"[...]. MP: Encontrou alguma coisa suspeita ou passível de envolvimento em ilícito eleitoral? 

TESTEMUNHA: Eu lembro o telefone de CLEUSA foi apreendido e alguns papeis que tavam no lixo sobre a eleição, alguns nomes de candidatos 

MP: Quando o Doutor encontrou esse papel no lixo tu já tava lá? 

TESTEMUNHA: Sim, sim 

MP: Chegou a ver isso? 

TESTEMUNHA: Sim! [...]" 

 

Devidamente esclarecida a localização do bilhete, não há nulidade a ser declarada nesse ponto, pois, em tendo sido o documento encontrado no lixo de um órgão público, sem qualquer reflexo nas atividades pessoais dos servidores envolvidos, desnecessária a expedição de mandado judicial específico para apreensão desse documento.

De outra banda, o argumento de que o Ministério Público Eleitoral agiu como testemunha do ato, atraindo vedação relacionada ao impedimento do juiz contida no art. 252 do Código de Processo Penal, igualmente não merece guarida, pois o Promotor Eleitoral estava agindo em nome próprio na condição de presidente das investigações, e não na condição de mera testemunha.

Por fim, a suscitada ilegalidade do interrogatório e da revista à bolsa da recorrente CLEUSA DE MELO, que não teria sido advertida do direito ao silêncio e de se fazer acompanhada de um advogado, igualmente, não prospera, pois o relato da oficiala de Justiça demonstra que a servidora CLEUSA autorizou e alcançou sua bolsa ao Promotor Eleitoral para verificação, perdendo sentido a objeção defensiva.

Confira-se o trecho:

Eu fiquei ali com ele, ele achou aqueles papeizinhos naquela sala, ai ele perguntou pra CLEUSA que nomes eram aqueles e a CLEUSA falou “nos estávamos fazendo...” tinha um nome e visto do lado, de alguns não sei de todos, mas do início tinha. E ele perguntou pra CLEUSA que nomes eram aqueles? E ela disse que estavam fazendo tipo, quem tu acha que vai se eleger e botando nome, era isso que ela falou que era. Ai conversaram sobre o assunto e ela colocou o papelzinho fora no lixo dela. Foi isso. Depois teve a questão do doutor que ele olhou a bolsa dela, mais mandado teve mandado de busca e apreensão na bolsa e no celular. A bolsa não teve nenhuma objeção por parte dela. Eu lembro inclusive dela alcançando a bolsa pro doutor Garibaldi, não lembro de não ter encontrado nada na bolsa. Nada que eu me recorde. E eu lembro que no celular ela não deixou dele mexer. Então, ele disse “não, se tu não me der a senha” ele falou termos bem técnico o doutor foi. “... só pra ti explicar, tu não é obrigada a me dar a senha nem nada, mas se tu não quer que eu mexa, eu vou ter que solicitar pra apreender o teu telefone que vai pra Porto Alegre ”, explicou pra ela, e ela disse “não, o celular eu não autorizo”. Isso foi na sala do aporte nutricional. (...). Thaís: ele tava fazendo, olhando toda sala, a bolsa ele olhou e perguntou “CLEUSA essa aqui é tua bolsa?” ela disse “sim”, ai ele falou “posso dar uma olhadinha?” e ela falou “pode!”. Promotor: Ela autorizou? Thaís: Ela autorizou! Ela alcançou a bolsa pra ele, isso tenho a cena até memória fotográfica, tinha uma janelinha mais alta ai ela pegou a bolsa e entregou pro doutor. O doutor olhou, mas era uma bolsinha pequena não cabia muita coisa dentro, era uma bolsinha pretinha pequena. Tinha uma notinha de mercado, uma coisa assim dentro, acho que só. 

 

Ainda, durante a diligência, não vislumbrei a hipótese de que a recorrente CLEUSA tenha sido interrogada, de forma a justificar a presença de advogado e a preservação do direito ao silêncio. A servidora CLEUSA, após a descoberta do bilhete no lixo, foi meramente questionada para prestar esclarecimentos, na permissiva do art. 74, inc. VIII, da Portaria PGR/PGE n. 01/19, que autoriza o órgão ministerial a coletar informações e esclarecimentos, o que não pode ser confundido com ato formal de interrogatório, em que realizada a coleta detalhada sobre eventual envolvimento dos acusados com os fatos apurados.

Por tais motivos, após análise conjunta dos elementos carreados aos autos, a conclusão é de que não restou configurada nenhuma nulidade na coleta das provas na diligência realizada na Secretaria de Assistência Social.

Isso posto, rejeito as preliminares.

 

III.5. Da nulidade do mandado de busca e apreensão e das provas resultantes do cumprimento e violação à cadeia de custódia

Os recorrentes PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ, JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR, CLEUSA TERESINHA DE MELO, MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO, ISMARA POZZEBON SCHMITT e LEANDRO NUNES TEIXEIRA suscitam a nulidade do mandado de busca e apreensão na Secretaria Municipal e no veículo de CLEUSA, pois baseada apenas em uma denúncia anônima e num bilhete amassado encontrado na lixeira próxima à mesa de CLEUSA DE MELO, o qual não poderia servir de indício de atos ilícitos, pois sequer constava o nome de um dos candidatos denunciados (Pedrão), revelando-se insuficiente para autorizar todas as medidas deferidas. Da mesma forma, é arguida a nulidade das provas obtidas com violação à cadeia de custódia, ao argumento de que o policial Maicon Elegda restou contaminado pelo depoimento prestado por Eliana ao Ministério Público Eleitoral, o que caracterizaria seu interesse na demanda, refletido na descrição incorreta (bolsa de CLEUSA) do local em que encontradas as anotações com nomes de vereadores, bem como em razão da ausência de indicação da cadeia de custódia da prova até o momento do “processamento”.

Novamente, é inviável o acolhimento das teses de nulidade.

Compulsando os autos, facilmente se percebe que a expedição do mandado de busca e apreensão não foi baseada apenas em uma denúncia anônima e num bilhete amassado encontrado na lixeira, como forçosamente tenta fazer crer a tese defensiva. 

A análise dos elementos dos autos demonstra que a investigação e apuração dos fatos teve início com a denúncia de Eliana Amaral da Silva, que narrou ilícitos eleitorais que vinham sendo praticados no bairro em que reside. A denunciante Eliana da Silva foi ouvida em três oportunidades (dias 21 e 23 de outubro de 2020 e dia 03 de novembro de 2020), tendo sido instaurados procedimentos preparatórios eleitorais pelo Ministério Público Eleitoral, com intuito de investigar os ilícitos eleitorais denunciados. No curso das investigações, o depoimento de Deise Machado dos Santos corroborou os fatos narrados por Eliana, configurando-se justa causa para o aprofundamento das investigações e adoção de medidas mais contundentes, a exemplo do acompanhamento pessoal do Ministério Público na vistoria realizada na Secretaria de Assistência Social.

Note-se, portanto, que no momento da vistoria realizada na Secretaria de Assistência Social, já havia fundados elementos acerca da ocorrência de ilícitos eleitorais, dentre outros, relacionados ao fornecimento de cestas básicas com intuito eleitoreiro. Por conseguinte, o bilhete encontrado pelo Promotor Eleitoral, quando do acompanhamento da vistoria realizada na Secretaria de Assistência Social, contendo o nome de candidatos que já estavam sendo investigados, somado aos demais elementos já apurados, trouxe substancial verossimilhança às denúncias apresentadas, justificando a expedição do mandado de busca e apreensão, que foi deferido pelo Juízo a quo com base nos elementos concretos indicados pelo Ministério Público Eleitoral (ID 45435205, pg 60), o que fragiliza a tese levantada pela defesa.

Nesse sentido, aliás, é o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

A decisão que acolhe os pedidos faz uma referência concisa aos elementos concretos indicados pelo Ministério Público (ID 45435205, p. 60), os quais, como antes apontado, são suficientes, tendo em vista a natureza da infração cometida, para justificar o aprofundamento das investigações, notadamente através do afastamento judicial da privacidade da comunicação da servidora CLEUSA DE MELO. 

 

Dessa forma, concluo que não houve nenhuma nulidade na expedição do mandado de busca e apreensão na Secretaria Municipal e no veículo de CLEUSA DE MELO, motivo pelo qual rechaço a nulidade suscitada.

Quanto ao argumento de nulidade das provas decorrentes da suposta violação à cadeia de custódia, igualmente, não merece guarida.

A Lei n. 13.964/19 (chamado Pacote Anticrime) regulamentou o instituto da cadeia de custódia no Código de Processo Penal - CPP, com a inclusão do art. 158-A, que recebeu a seguinte redação: 

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

 

O instituto foi introduzido no sistema processual penal brasileiro como forma de preservar e documentar o caminho da prova produzida no âmbito do processo criminal.

Com efeito, ainda que a presente demanda seja de natureza cível, portanto, não atraindo a aplicação das regras destinadas à preservação da guarda dos vestígios de delitos criminais, o que, por si só, já aniquila tese levantada, os recorrentes não comprovaram nos autos o efetivo prejuízo suportado com a alegada violação à cadeia de custódia, limitando-se a levantar teses genéricas, sem qualquer demonstração do liame objetivo entre a suposta nulidade e o impacto por ela causada, de forma a modificar a situação dos recorrentes.

No ponto, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é pacífico no sentido de que a decretação da nulidade decorrente da violação à cadeia de custódia depende de demonstração efetiva de prejuízo. Colaciono precedente que ilustra o posicionamento:

AGRAVO INTERNO NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. CRIMES DE CORRUPÇÃO ATIVA E DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. ARTIGOS 333 e 288 DO CÓDIGO PENAL. ALEGADA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE NULIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE DEMOSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DO 'PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF'. INEXISTÊNCIA DE TERATOLOGIA, ABUSO DE PODER OU FLAGRANTE ILEGALIDADE. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU REVISÃO CRIMINAL. REITERAÇÃO DAS RAZÕES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A nulidade alegada pressupõe a comprovação do prejuízo, nos termos do artigo 563 do Código de Processo Penal, sendo descabida a sua presunção, no afã de se evitar um excessivo formalismo em prejuízo da adequada prestação jurisdicional, bem como é vedado à defesa se valer de suposto prejuízo a que deu causa, nos termos do artigo 565 do Código do Processo Penal. [...] ii) o Tribunal a quo registrou que 'a defesa sequer indica especificamente qual seria o prejuízo por ela sofrido, porque não aponta nenhum elemento - dentre aqueles juntados posteriormente ao feito - que impactaria sua atividade ou modificaria a situação dos réus'. 3. O habeas corpus é ação inadequada para a valoração e exame minucioso do acervo fático-probatório engendrado nos autos. 4. O writ não pode ser manejado como sucedâneo de recurso ou revisão criminal. 5. A reiteração dos argumentos trazidos pelo agravante na petição inicial da impetração é insuscetível de modificar a decisão agravada. Precedentes: HC nº 136.071-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 9/5/2017; HC nº 122.904-AgR, Primeira Turma Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 17/5/2016; RHC nº 124.487-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 1º/7/2015. 7. Agravo interno desprovido. 

(STF, HC 216735 AgR, Relator: LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 14/11/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 18-11-2022 PUBLIC 21-11-2022) (Grifos meus) 

 

Também é assente o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que não se declara a nulidade do ato processual se não vier acompanhada da prova do efetivo prejuízo suportado pela parte, em homenagem ao princípio pas de nullité sans grief. Confira-se:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AIJE. VEREADOR. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DOS PODERES POLÍTICO E ECONÔMICO. OFERECIMENTO DE BENEFÍCIOS E DINHEIRO EM TROCA DE VOTOS. UTILIZAÇÃO DE BENS PÚBLICOS COM FIM ELEITOREIRO. PROCEDÊNCIA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RECURSO ESPECIAL NÃO ADMITIDO NA ORIGEM. PRELIMINAR DE ILEGALIDADE DAS PROVAS. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 24 DA SÚMULA DO TSE. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 30 DA SÚMULA DO TSE. MÉRITO. EXISTÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS E CONTUNDENTES DA CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E DO ABUSO DE PODER. PRETENSÃO DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 24 DA SÚMULA DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

1. Na origem, o TRE afastou a preliminar de nulidade das provas que instruíram a presente AIJE e a julgou procedente, tendo reconhecido a existência de provas robustas e contundentes da prática de captação ilícita de sufrágio e de abuso dos poderes político e econômico pelo ora agravante.

2. Conforme assentado na decisão agravada, reverter a conclusão da Corte regional a respeito da legalidade das provas, do caráter genérico das alegações de quebra da cadeia de custódia das provas e de não demonstração de prejuízo pelo ora agravante demandaria, necessariamente, o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial, nos termos do Enunciado nº 24 da Súmula do TSE.

3. Este Tribunal Superior possui jurisprudência pacífica no sentido de que, "[...] 'no sistema de nulidade, vigora o princípio pas de nullité sans grief, de acordo com o qual somente se proclama a nulidade de um ato processual quando houver efetivo prejuízo à parte devidamente demonstrada' (AgR–REspe nº 252–16/ES, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 22.11.2017). Na mesma linha: AgR–REspe nº 42–48/CE, Rel. Min. Jorge Mussi, redator para o acórdão Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 3.10.2019; AIJE nº 1943–58/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 12.9.2018; e AgR–AI nº 650–41/SC, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 13.5.2015" (2ºs ED–PC–PP nº 171–89/DF, rel. Min. Carlos Horbach, julgados em 12.5.2022, DJe de 7.6.2022). Incidência do Enunciado nº 30 da Súmula do TSE.

4. Quanto à matéria de fundo, o Tribunal a quo assegurou a presença de provas robustas da prática de captação ilícita de sufrágio pela oferta de vantagens a diversos eleitores condicionada ao seu voto, bem como do abuso dos poderes político e econômico decorrente do uso indevido de bens públicos da Prefeitura de Ipu/CE com finalidade eleitoreira.

5. A pretensão do agravante de reformar a conclusão da Corte de origem a respeito da configuração de captação ilícita de sufrágio e de abuso dos poderes político e econômico encontra obstáculo no já mencionado Verbete Sumular nº 24 do TSE, que veda o reexame de fatos e provas em âmbito recursal extraordinário.

6. Negado provimento ao agravo interno.

(TSE, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral n. 060032403/CE, Relator Min. Raul Araujo Filho, Acórdão de 30/03/2023, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico-67, data: 14/04/2023) (Grifo meu)

 

No caso, ainda que, hipoteticamente, pudesse ter ocorrido alguma falha no tratamento burocrático da prova, não há que se falar em nulidade por quebra da cadeia, pois além de o referido instituto ser inaplicável no âmbito de Ações de Investigação Judicial Eleitoral, inexiste comprovação do efetivo prejuízo apto a justificar a anulação das provas produzidas.

Por fim, quanto ao argumento de que o policial Maicon Elegda restou contaminado pelo depoimento prestado por Eliana ao Ministério Público Eleitoral, o que caracterizaria seu interesse na demanda, refletido na descrição incorreta (bolsa de CLEUSA) do local em que encontradas as anotações com nomes de vereadores, inexiste base legal que determine o afastamento de policiais simples e puramente por terem atuado em diversas etapas das apurações, sem a efetiva demonstração de postura desleal e/ou ilícita do investigador, ônus do qual, igualmente, não se desincumbiram os recorrentes, tratando-se de argumentos vazios e desprovidos de respaldo jurídico probatório.

Nessa linha, cumpre rejeitar as preliminares em apreço.

 

III.6. Da nulidade do acesso aos dados do celular

Os recorrentes JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR, CLEUSA TERESINHA DE MELO, MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO, ISMARA POZZEBON SCHMITT e LEANDRO NUNES TEIXEIRA pugnam pelo reconhecimento da nulidade do acesso e análise do conteúdo do aparelho celular, que teria sido realizado antes da autorização judicial, proferida em 07.11.2020, às 16:14h.

Sem razão.

Em consonância com a remansosa jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e do Superior Tribunal de Justiça, a ordem judicial de busca e apreensão de aparelho celular tem ínsita autorização para acesso aos dados constantes no aparelho apreendido, oriundas de mensagens de textos e conversas através de aplicativos (WhatsApp), sendo desnecessária nova ordem específica autorizando o acesso aos dados.

Ilustrativamente, seguem alguns precedentes das Cortes superiores nesse sentido:

ELEIÇÕES 2018. RECURSOS ORDINÁRIOS. DEPUTADA ESTADUAL. SUPLÊNCIA. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CONDENAÇÃO NA ORIGEM. UTILIZAÇÃO ELEITOREIRA DE PROGRAMA FILANTRÓPICO DENOMINADO DENTISTAS SEM FRONTEIRAS. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA. PROMESSA DE ENTREGA DE INSUMOS ODONTOLÓGICOS EM TROCA DE VOTOS. DIÁLOGOS NO WHATSAPP. LICITUDE. 

(...)

7.1. Esta Corte Superior entende que "[...] em caso de decisum judicial prévio em que se autorize expressamente a busca e apreensão [...], é lícito o acesso a dados estáticos contidos em aparelho celular, sendo despiciendo expedir novo ato para determinar a análise do conteúdo" (ED–REspe nº 324–68/MS, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 10.10.2019, DJe de 12.12.2019).

(...)

8. Recursos ordinários eleitorais parcialmente providos tão somente para afastar a condenação pelo abuso do poder econômico, julgando, por conseguinte improcedente a AIJE nº 0601730–77. Mantida as sanções impostas na Rp nº 0601707–34.

(TSE, RO-El nº 060170734  Acórdão  MACAPÁ - AP Relator(a): Min. Raul Araujo Filho Julgamento: 14/03/2023 Publicação: 17/04/2023)

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ART. 22 DA LC 64/90. TRANSPORTE ILEGAL DE ELEITORES NO DIA DO PLEITO. 

(...)

NULIDADE DE PROVAS DECORRENTES DE BUSCA E APREENSÃO E ACESSO INDEVIDO AO CONTEÚDO DE CELULAR APREENDIDO. REJEIÇÃO. 

8. A teor da jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça, em caso de decisum judicial prévio em que se autorize expressamente a busca e apreensão, como no caso, é lícito o acesso a dados estáticos contidos em aparelho celular, sendo despiciendo expedir novo ato para determinar a análise do conteúdo. Não há falar, assim, em ofensa ao Marco Civil da Internet.

(...)

(TSE, ED-REspe nº 324-68/MS, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 10.10.2019, DJe de 12.12.2019) 

 

PROCESSUAL PENAL. OPERAÇÃO "LAVA-JATO". MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. APREENSÃO DE APARELHOS DE TELEFONE CELULAR. LEI 9296/96. OFENSA AO ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. DECISÃO FUNDAMENTADA QUE NÃO SE SUBORDINA AOS DITAMES DA LEI 9296/96. ACESSO AO CONTEÚDO DE MENSAGENS ARQUIVADAS NO APARELHO. POSSIBILIDADE. LICITUDE DA PROVA. RECURSO DESPROVIDO.

I - A obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em aparelho de telefone celular ou smartphones não se subordina aos ditames da Lei 9296/96.
II - O acesso ao conteúdo armazenado em telefone celular ou smartphone, quando determinada judicialmente a busca e apreensão destes aparelhos, não ofende o art. 5º, inciso XII, da Constituição da República, porquanto o sigilo a que se refere o aludido preceito constitucional é em relação à interceptação telefônica ou telemática propriamente dita, ou seja, é da comunicação de dados, e não dos dados em si mesmos.
III - Não há nulidade quando a decisão que determina a busca e apreensão está suficientemente fundamentada, como ocorre na espécie.
IV - Na pressuposição da ordem de apreensão de aparelho celular ou smartphone está o acesso aos dados que neles estejam armazenados, sob pena de a busca e apreensão resultar em medida írrita, dado que o aparelho desprovido de conteúdo simplesmente não ostenta virtualidade de ser utilizado como prova criminal.

V - Hipótese em que, demais disso, a decisão judicial expressamente determinou o acesso aos dados armazenados nos aparelhos eventualmente apreendidos, robustecendo o alvitre quanto à licitude da prova.
Recurso desprovido. 

(STJ, RHC 75800/PR RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2016/0239483-8, RELATOR Ministro FELIX FISCHER, ÓRGÃO JULGADOR T5 - QUINTA TURMA, DATA DO JULGAMENTO 15/09/2016, DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 26/09/2016)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTIMAÇÃO ELETRÔNICA. TEMPESTIVIDADE DA INSURGÊNCIA DO PARQUET. ACESSO A DADOS DE CELULARES. VALIDADE DA PROVA. AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E FUNDAMENTADA DA AUTORIDADE JUDICIAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

[...]

3. Não existiu devassa arbitrária e indiscriminada de intimidade, uma vez que a quebra de sigilo telefônico estava previamente autorizada.

4. Consoante o entendimento desta Corte: "na pressuposição da ordem de apreensão de aparelho celular ou smartphone está o acesso aos dados que neles estejam armazenados, sob pena de a busca e apreensão resultar em medida írrita, dado que o aparelho desprovido de conteúdo simplesmente não ostenta virtualidade de ser utilizado como prova criminal [...]" (AgRg no HC n. 675.582/PE, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 30/8/2021).

5. Agravo regimental não provido.

(STJ, AgRg no AREsp n. 1.622.320/MA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 8/2/2022, DJe de 21/2/2022.)

(Grifos meus)

Dessa forma, considerando que a extração dos dados de aparelho celular apreendido por determinação judicial em cumprimento a mandado de busca e apreensão prescinde de nova e específica autorização, não há que se falar em nulidade por acesso aos dados momentos antes da autorização judicial específica, já que a apreensão dos celulares foi regularmente precedida de autorização judicial com intrínseca autorização de acesso aos dados neles contidos.

Note-se, por conseguinte, que o pedido específico para extração dos dados telefônicos após a apreensão dos aparelhos foi formulado por excesso de cautela do Promotor, já que prescindível no caso, sendo irrelevante o fato de o acesso aos dados ter ocorrido antes do deferimento expresso pela autoridade judicial, já que implicitamente autorizado na decisão que deferiu a busca e apreensão dos aparelhos.

Por tais motivos, afasto a preliminar.

 

III.7. Do cerceamento de defesa em razão do óbice ao acesso dos materiais apreendidos

A recorrente CLEUSA TERESINHA DE MELO alega cerceamento de defesa em razão do óbice ao acesso pela defesa da íntegra do material apreendido durante as investigações, inclusive em relação às mensagens existentes nos aparelhos celulares, cujo conteúdo foi transcrito de modo parcial, descontextualizado, mediante montagens que induzem a conclusões equivocadas, especialmente em relação aos controles de entrega de cestas básicas fora do período eleitoral, sustentando que o Ministério Público Eleitoral se utilizou de seletividade probatória.

Não lhe assiste razão.

Compulsando os autos, verifico que, apesar de o Promotor Eleitoral não ter transcrito integralmente na inicial os diálogos traçados, mas apenas reproduzido os trechos das conversas reputados relevantes, o que poderia dar azo à tese de seletividade da prova, fato é que os celulares, juntamente com DVD e HD, contendo a íntegra de todo o material apreendido, foram encaminhados ao juízo. Tais provas ficaram à disposição das partes durante a instrução do feito, garantindo-se o acesso irrestrito às conversas e demais materiais apreendidos aos interessados, que sobre eles se manifestaram, inexistindo violação aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.

Ademais, conforme bem referido pela Procuradora Regional Eleitoral, em seu parecer de ID 45496035, a inconformidade das partes em relação às conclusões promovidas pela acusação não configura cerceamento de defesa e nem utilização seletiva de provas, sendo insuficientes meras alegações sem contraposição pormenorizada das imputações, in verbis:

A lacônica alegação de que o MPE extraiu conclusões equivocadas do conteúdo probatório não justifica a alegação de cerceamento de defesa. Estando disponíveis para os recorrentes todas as mensagens existentes nos aparelhos celulares apreendidos ao longo da investigação (ID 45435269 e 45435270), devem estes contrapor às imputações feitas pelo MPE as conclusões que entendem corretas, não sendo suficiente a mera alegação de inconformidade do trabalho desenvolvido pela acusação. 

 

Ante o exposto, irretocável a decisão proferida pelo juízo monocrático que afastou a tese de seletividade probatória e violação aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, já que, diferente do sustentado pela recorrente, os celulares apreendidos e a íntegra dos diálogos foram encaminhados ao Juízo, estando inteiramente a disposição das partes.

A recorrente traça as seguintes considerações como exemplo de manipulação do conteúdo das mensagens contidas no celular (ID 45436293):

[...] esta conversa é um claro exemplo do que restou arguido. A Sra. Patrícia procurou a recorrente, via aplicativo de mensagem, para saber informações sobre como proceder seu cadastro para recebimento de cesta básica. A indagação foi prontamente respondida pela recorrente. Todo este diálogo ocorreu em maio de 2020, posteriormente, em 27 de setembro de 2020, num domingo, a recorrente encaminhou propaganda eletrônica sobre seus candidatos para todos os seus contatos. Não há qualquer ilegalidade neste ato, o envio da propaganda foi num domingo, e o fornecimento da informação correta, ocorrida 4 (quatro) meses antes, não foi condicionada ao recebimento de qualquer vantagem por parte da requerida, especialmente voto. Qual a ilegalidade?

 

Pois bem, o documento juntado pelo Parquet eleitoral em nenhum momento omite a data de envio das mensagens (ID 45435214 - pág. 77).

Logo, não há como se cogitar de qualquer adulteração ou manipulação da prova.

Por tais motivos, rejeito a preliminar.

 

III.8. Da Nulidade do processo por cerceamento de defesa em razão da ausência de procurador na audiência realizada no dia 17.5.2022 

O recorrente PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ suscita nulidade processual em razão da ausência do procurador na audiência realizada no dia 17.5.2022, o qual estava impossibilitado de comparecer ao ato por problemas de saúde. Argumenta que o Juízo a quo indeferiu o pedido de repetição das inquirições ao fundamento de que não houve prejuízo, visto que as testemunhas ouvidas foram arroladas pelo corréu MAURÍCIO LOUREIRO. Diz que prova produzida aproveita ao processo e não a um dos réus. Requer a decretação da nulidade com a reabertura da instrução.

Não há como acolher a tese.

Sobre a possibilidade de adiamento de audiência, cumpre ressaltar que o art. 362 do Código de Processo Civil dispõe que a justa causa deve ser comprovada até a abertura da audiência, in verbis: 

Art. 362. A audiência poderá ser adiada:

I - por convenção das partes;

II - se não puder comparecer, por motivo justificado, qualquer pessoa que dela deva necessariamente participar;

III - por atraso injustificado de seu início em tempo superior a 30 (trinta) minutos do horário marcado.

§ 1º O impedimento deverá ser comprovado até a abertura da audiência, e, não o sendo, o juiz procederá à instrução.

(...)

(grifei)

Compulsando os autos, verifico que o impedimento ao comparecimento na audiência realizada no dia 17.5.2022 somente foi levado ao conhecimento do juízo em 19.02.2022 (ID 45435963).

Com efeito, em não tendo sido comprovada a impossibilidade de comparecimento até a abertura da audiência, correta a decisão do juízo a quo que prosseguiu com a instrução, eis que em consonância com o disposto no § 1º do art. 362 do Código de Processo Civil.

Ademais, na referida audiência, foram inquiridas somente uma testemunha arrolada pelo Ministério Público Eleitoral e sete testemunhas arroladas pela defesa do recorrente MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO.

A tese defensiva é genérica, limitando-se a suscitar a nulidade do ato sem demonstrar, novamente, o nexo entre a alegada nulidade e o impacto dela decorrente, de modo a alterar a condição fática/jurídica dos recorrentes em razão da ausência de seu advogado na audiência designada para inquirição das testemunhas do corréu MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO.

Logo, é irretocável a conclusão do juízo a quo que afastou a nulidade e indeferiu o pedido de repetição da prova, já que, ante a ausência de comprovação do efetivo prejuízo causado, não há que se falar em nulidade do ato, conforme disposto no art. 219 do Código Eleitoral:

Art. 219. Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo.

 

Nesse sentido também é o entendimento do Superior Tribunal Eleitoral. Confira-se:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. RECEBIMENTO COMO RECURSO ORDINÁRIO. FUNGIBILIDADE. MANDADO DE SEGURANÇA. ORDEM DENEGADA. REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA. INDEFERIMENTO. PREJUÍZO INDEMONSTRADO. TERATOLOGIA NÃO EVIDENCIADA.

1. Contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE/ES), pelo qual denegada a segurança pleiteada contra ato da Juíza da 18ª Zona Eleitoral do Espírito Santo consistente no indeferimento do pedido de redesignação de audiência destinada à oitiva de testemunha, interpôs recurso especial Carlos Henrique Emerick Storck.

2. Contra o juízo negativo de admissibilidade recursal, manejou agravo "de admissão", o qual teve seguimento negado, monocraticamente, sob os seguintes fundamentos: i) vedado o uso do writ como sucedâneo recursal, não configurada teratologia a ensejar o cabimento da medida (Súmula nº 22/TSE); ii) ausente demonstração do prejuízo no indeferimento da redesignação da audiência para oitiva de testemunha, aplicada a fungibilidade para receber o especial como recurso em mandado de segurança.

Do agravo regimental

3. À luz da jurisprudência deste Tribunal Superior, somente cabível a impetração do remédio constitucional para atacar decisão judicial nas excepcionais hipóteses de manifesta ilegalidade ou teratologia, cristalizada a Súmula nº 22/TSE.

4. Não verificada teratologia no julgado hábil a justificar o cabimento do writ, não configurado cerceamento de defesa em decisão judicial que analisa a pertinência da prova. Precedentes

5. No sistema de nulidade vigora o princípio pas de nullité sans grief, de acordo com o qual somente se proclama a nulidade de um ato processual quando houver efetivo prejuízo à parte devidamente demonstrado. Precedente.

Conclusão

Agravo regimental ao qual se nega provimento. 

(TSE, Agravo Regimental Em Recurso Especial Eleitoral 25216/ES, Relatora Min. Rosa Weber, Acórdão de 17/10/2017, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico, data: 22/11/2017, pag. 22)


 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. CONFIGURAÇÃO. CONHECIMENTO PRÉVIO. DEMONSTRAÇÃO. MULTA PECUNIÁRIA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. NÃO PROVIMENTO. 

1. A decretação de nulidade de ato processual sob a alegação de cerceamento de defesa - inobservância do art. 22, I, a, da LC 64/90 - pressupõe a efetiva demonstração de prejuízo, nos termos do art. 219 do CE, o que não ocorreu no caso concreto. Precedentes. 

(...)

 7. Agravo regimental não provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 815659, Acórdão, Relatora Min. Fátima Nancy Andrighi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 026, Data 06/02/2012, Página 28). (Grifei.)

 

Igualmente, esta Corte analisou caso semelhante e concluiu que o cerceamento de defesa decorrente de ausência de parte em audiência deve ser efetivamente demonstrado, em precedente de relatoria do Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, que recebeu a seguinte ementa:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL CUMULADA COM REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROCEDENTE. PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA E ROMPIMENTO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL REJEITADAS. MÉRITO. PRÁTICA DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. COMPRA DE VOTO. FAVORECIMENTO. PREFEITA E CANDIDATOS A PREFEITO E A VICE–PREFEITO. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. AÇÃO IMPROCEDENTE. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados pelo Ministério Público Eleitoral em ação de investigação judicial eleitoral – AIJE por abuso de poder econômico e político, cumulada com representação por captação ilícita de sufrágio. Declaração de inelegibilidade e aplicação de multa individual.

2. Matéria preliminar rejeitada. (...). 2.2. Inexistência de nulidade do processo por cerceamento de defesa, visto que não restou indicado o específico dano processual sofrido pela ausência das partes durante a cerimônia de inquirição de testemunhas, tendo sido apenas alegado genericamente que tal fato “impediu a defesa de exercer seu direito amplo, efetuando questionamento que colocariam em contradição, ou desfazendo as invenções apresentadas no depoimento”. Necessidade de se demonstrar efetivo prejuízo para que seja declarada a nulidade de ato processual (pas de nullité sans grief), conforme previsto no art. 282, § 1º, do CPC e art. 219 do Código Eleitoral. Ademais, a instrução probatória postulada pelos então representados, referente à contradita, destinava–se a demonstrar exatamente o que a juíza eleitoral, ao cabo, entendeu comprovado, ou seja, que a testemunha revelou seu voto em favor dos adversários políticos, possivelmente tendo realizado atos de campanha em prol deles.

(...)

6. Recurso provido. Ação julgada improcedente.Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul. 

(TRE-RS, Recurso Eleitoral 060050711/RS, Relator Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Acórdão de 04/04/2023, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico-80, data: 09/05/2023)

 

Por fim, também na mesma linha, são as conclusões da Procuradoria Regional Eleitoral:

O recorrente se limita a afirmar que o seu advogado não pode comparecer à audiência, por motivos de saúde, mas não demonstra em que medida a sua ausência naquela oportunidade causou prejuízo para a sua defesa. Embora seja certo que as provas testemunhais, uma vez colhidas, servem para todo o processo e não apenas para a parte que a produziu, também é certo que a relevância da prova testemunhal para alguma das partes depende da pertinência entre o que a testemunha declara ou tem potencial para declarar. 
 

Ante o exposto, rejeito a preliminar, pois a decisão do juízo a quo se alinha ao entendimento do Tribunal Superior Eleitoral e desta Casa.

 

III.9. Da nulidade da apreensão de celulares da família Loureiro e do mandado de busca e apreensão cumprido em desfavor de Valmir Bastos 

O recorrente MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO sustenta a nulidade da apreensão dos celulares de membros da família Loureiro, o filho e a esposa de Roaldo Loureiro, pois ausente mandado judicial específico, o qual teria sido obtido posteriormente, sendo mantidos os aparelhos armazenados na Promotoria Eleitoral em prejuízo à cadeia de custódia, bem como a nulidade do mandado de busca e apreensão cumprido em desfavor de Valmir Bastos, pois não teria especificado o objeto ou a ordem específica, verificando-se a rasura na certidão de seu cumprimento.

A fim de examinar a tese, verifiquei que a decisão proferida na Cautelar Inominada nº 0600846-38.2020.6.21.0045 (ID 45435207, pg. 19) expressamente autorizou a apreensão dos celulares, bem como outros aparelhos e papéis que pudessem ter relação com as condutas investigadas em vários endereços, inclusive na residência de Roaldo Mousquer Loureiro e de MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO.

Note-se, por conseguinte, que a autorização judicial e o respectivo mandado de busca e apreensão (ID 45435216, pg. 24) foram abrangentes, possibilitando a apreensão de todos os celulares eventualmente localizados nos endereços dos investigados, dentre os quais, na residência de Roaldo Mousquer Loreiro.

Dessa forma, não há que se falar em nulidade, pois ao contrário do sustentado, a apreensão dos celulares da família Loureiro foi regularmente precedida de autorização e mandado judicial de busca e apreensão.

Igualmente, não vislumbro quebra da cadeia de custódia, pois conforme acertadamente decidido pelo juízo monocrático, o armazenamento dos celulares pelo Ministério Público decorre de natural apreensão e encaminhamento para análise dos conteúdos, devidamente autorizados pelo juízo, inexistindo, por si só, qualquer violação na preservação da prova.

Ademais, os celulares, juntamente com DVD e HD, contendo a íntegra de todo o material apreendido, foram encaminhados ao juízo, ficando tais provas à disposição das partes durante a instrução do feito, garantindo-se o acesso à íntegra das conversas e demais materiais apreendidos pelas partes.

Por tais motivos, rejeito a preliminar, uma vez que inexistente qualquer prova de efetivo prejuízo suportado com a alegada violação à cadeia de custódia.

Quanto ao mandado de busca e apreensão cumprido em desfavor de Valmir Bastos (ID 45435206, pg 82.), verifico que, ao contrário da tese defensiva, o mandado é claro ao autorizar a apreensão do aparelho de telefone de uso pessoal de Valmir Bastos (“ESTEFANI”), "em revista pessoal a ser procedida em local público ou de acesso ao público, ou mesmo em um dos endereços onde estiverem sendo cumpridos mandados de busca e apreensão, caso ele compareça num desses locais”. Logo, a tese levantada é notoriamente infundada e dissociada do conteúdo do mandado expedido em desfavor de Valmir Bastos.

Por fim, a rasura na certidão de ID 45435206, pg. 83, não tem o condão de nulificar o ato por dois motivos: primeiro, somente foi riscado o endereço pré-preenchido no formulário em razão do celular ter sido encontrado no interior de um veículo, abordado em via pública, circunstância essa expressamente consignada na certidão; segundo: o recorrente não comprovou o efetivo prejuízo suportado com a rasura do endereço na certidão, consoante postulado do princípio pas de nullité sans grief.

Ante o exposto, rejeito as preliminares.

 

III.10. Da inépcia da inicial

O recorrente JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR requer o reconhecimento da inépcia da inicial, em razão da descrição genérica de sua participação, sem a devida individualização da sua conduta.

Não se assiste razão.

Da análise da petição inicial, tenho que a descrição da conduta do recorrente, consubstanciada nas imputações de que JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR participava da organização da campanha eleitoral de MAURÍCIO e recebia as cestas básicas de CLEUSA a mando do candidato (ID 45435202, pg. 64), bem como entregava medicamentos, leite em pó e até um aparelho de ar condicionado em favor de eleitores, com finalidade de captar seus votos para MAURÍCIO (ID 45435202, pg. 73), e também de sua participação na compra de votos (ID 45435202, pg. 103), corroborada através de mensagens e demais documentos produzidos ao longo da investigação, são suficientes para atender aos requisitos previstos no art. 22, caput, da LC n. 64/90.

A exordial descreveu suficientemente os fatos e fundamentos de forma a viabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa, além do que os pedidos nela deduzidos são determinados e compatíveis entre si, sendo que dos fatos narrados decorre logicamente a conclusão, não havendo que se falar em inépcia da petição inicial.

No ponto, o Tribunal Superior Eleitoral é assente no sentido de que a “peça vestibular é apta se descreve os fatos e os fundamentos do pedido e possibilita à parte representada o efetivo exercício do direito de defesa e do contraditório” (Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 060177905, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação:  DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 44, Data 11/03/2021).

Ante o exposto, afasto a preliminar de inépcia da inicial.

 

IV. Do Mérito

No mérito, pontuo que serão apreciados, em conjunto, os recursos de PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ e MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO, em razão da similitude fática envolvendo a utilização da máquina pública municipal em prol de suas candidaturas, mediante emprego de influência política para intermediar a distribuição de bens e serviços, notadamente junto à Secretaria de Assistência Social do Município de Santo Ângelo.

Na sequência, serão analisados os recursos de JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR, CLEUSA TERESINHA DE MELO, LEANDRO NUNES TEIXEIRA e ISMARA POZZEBON SCHMITT.

Dito isso, passo à análise do mérito recursal.

 

IV.1 Dos recursos de PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ e MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO

O recorrente PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ, em suas razões recursais (ID 45436289), sustenta que a apuração dos fatos decorreu de uma denunciação caluniosa partida de Eliane, cujo marido era candidato a vereador, alegando que o recorrente nunca teria entregue ou autorizado terceiros a entregar cestas básicas ou outros benefícios a eleitores, conforme testemunho de Alexandra Menezes. Ventila que quando os vereadores e candidatos são abordados por pessoas em situação de vulnerabilidade, essas são encaminhadas à Assistência Social do município para recebimento de cestas básicas. Pondera que entre o depoimento de Eliana e Alexandra deve prevalecer o testemunho da Alexandra. Em relação à captação ilícita de sufrágio, sustenta que a sentença se baseia apenas na análise de diálogos de WhatsApp, mas esses não registram qualquer pedido de voto ou promessa de concessão de vantagem pelo recorrente. Diz que a representação do MPE e a sentença criminalizam a atuação dos Poderes Executivo e Legislativo no tocante ao atendimento das necessidades dos cidadãos, que são veiculadas por iniciativa destes, e que eram encaminhadas para os órgãos competentes pelo recorrente, nos termos do regimento interno da Câmara dos Vereadores de Santo Ângelo. Argumenta que as mensagens entre a sua ex-assessora e a ex-servidora Cleuza tinham por propósito apenas o encaminhamento dos necessitados ao órgão competente, sem qualquer ilícito, ao passo que as mensagens no celular do recorrente tampouco demonstram abuso de poder. Quanto aos pedidos que lhe são dirigidos em relação a um emprego no Hospital, material de construção, pagamento de conta de luz, custeio de um exame médico, fornecimento de poste de luz, aplicação de vacina, concessão de licença-prêmio, reparo em equipamento de energia elétrica, corte de árvores, embargo de obra, consulta médica, poda de árvores, melhorias no trânsito, transporte para atendimento de saúde, manutenção em posto de trabalho, dispensa da função de mesário e asfaltamento de rua, o recorrente sustenta que sua atuação se limita a encaminhar os pedidos aos órgãos competentes, o que está na esfera de atuação de um vereador, sem qualquer pedido ou promessa de voto pelos envolvidos, ou seja, sem indícios de ilícitos eleitorais. Afirma que o conteúdo do aparelho celular de sua ex-assessora, ISMARA POZZEBON, traz apenas diálogos normais entre o recorrente e sua assessora, que não revelam ilegalidades, senão o encaminhamento de demandas para os órgãos públicos competentes, ao passo que no celular de Romualdo Teixeira não foi identificada uma única mensagem com o recorrente, sustentando que não o autorizou a fazer qualquer oferta ou promessa a eleitores em troca de votos ou de colocação de placas de sua candidatura. Salienta que as conclusões apresentadas pelo Ministério Público Eleitoral baseiam-se na má compreensão das atividades dos vereadores e na interpretação equivocada das mensagens enviadas pelos interlocutores, destacando ainda o diálogo mantido com o prefeito sobre a comercialização de terrenos no cemitério municipal, onde não se encontra qualquer referência a votos, senão a atuação do parlamentar contra o que entendia ser uma exigência ilegal de servidores públicos, e as mensagens entre ISMARA e Rafa Câmara, que não suportam as conclusões extraídas pelo MPE, restando incorretas as conclusões apresentadas no sentido da captação ilícita de sufrágio ou da prática de abuso de poder. Em relação a este último ponto, afirma que não anuiu com qualquer ação que consista em ilícito eleitoral e que desempenhou suas funções de vereador dentro dos limites legais, e salienta que a acusação sequer demonstrou se os pedidos encaminhados aos órgãos público teriam sido atendidos e que tais encaminhamentos não se limitaram ao período eleitoral. Frisa que a alegação de que a situação geraria voto de gratidão é postura elitista do MPE, que afirma isso apenas por se tratar de eleitores pobres que teriam recebido atenção a suas pretensões, e que a atuação do recorrente não apresenta qualquer indício de “assistencialismo eleitoral”, mas o encaminhamento de pedidos que chegam a ele por parte da população carente. Por fim, quanto às condutas vedadas e demais atos de captação ilícita de sufrágio, faz remissão às matérias contestadas nos pontos específicos. Ao final, pugnou pela reforma da sentença para o fim de julgar improcedentes os pedidos constantes na inicial.

O recorrente MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO, em suas razões recursais (ID 45436296), sustenta que não há provas que justifiquem a condenação, discorrendo sobre o conteúdo da prova oral produzida ao longo da instrução processual, como o depoimento de Eliana da Silva, que teria interesse eleitoral e foi desmentida pelo depoimento de Alexandra Menezes; o depoimento de Maicon Elegda, que evidenciou a nulidade das provas obtidas, além de ter sido parcial em razão de sua atuação como Promotor de Justiça; o depoimento de Deise dos Santos, que contraria as denúncias inicialmente apresentadas; o depoimento de Alexandre Marques, que reconheceu a regularidade na entrega de cestas básicas; o depoimento de Vinícius Makvitz, que relatou o interesse da testemunha Eliana em depor contra MAURÍCIO LOUREIRO em razão de descontentamento em relação à atuação dos vereadores sobre pauta de rodeios; o testemunho de Rudiero Zalamena, que relatou o envolvimento de Roaldo no custeio das obras realizadas pelo recorrente; o depoimento de Elias Barbosa, que negou ter promovido eleitoralmente o recorrente após a doação de um aparelho de ar condicionado à sua igreja; o depoimento de João Barz, que confirmou a prestação de serviços por seu irmão ao recorrente, justificando a quitação de um boleto como antecipação de pagamento a serviços; o testemunho de Mateus Schedler, que esclareceu que as anotações realizadas a pedidos de eleitores eram apenas uma formalidade, pois não eram atendidas e tampouco repassadas ao recorrente; o depoimento de Dionísio Faganello, que relatou o interesse da testemunha Eliana em depor contra vereadores do PDT e a dinâmica de encaminhamento de pedidos por vereadores ao Poder Executivo; o depoimento de Roaldo Loureiro, que relatou a apreensão de celulares em sua residência e explica o contexto de mensagens descritas no processo, afastando a compra de votos; o depoimento de Thais Carreta, que narrou a diligência realizada pelo MPE na Secretaria Municipal de Assistência Social e comprovou a nulidade das provas colhidas pelo Promotor; o depoimento de Alexandra de Menezes, que desmentiu o depoimento de Eliana; o testemunho de Carlos de Oliveira e de Leandro Conti, que narram as circunstâncias da diligência realizada pelo MPE na Secretaria Municipal de Assistência Social e comprovam a ilegalidade das provas obtidas; o depoimento de Hilário Zancan e de Sueli Arruda, que relataram a dinâmica e legalidade da entrega de cestas básicas pela Secretaria de Assistência Social; o depoimento de Eduardo Loureiro, que relata a normalidade de encaminhamento de solicitações aos Secretários Municipais, sendo comum a utilização de denúncias eleitorais para alterar o resultado das eleições. Destaca, reiteradamente, que o depoimento de Alexandra de Menezes permite concluir que Eliane fez uma denúncia falsa ao Ministério Público em razão de seus interesses políticos, sem confirmação testemunhal de suas narrativas. Sustenta que não foram produzidas provas nas diligências realizadas na Secretaria Municipal de Assistência Social, sendo que a atuação ilegal de algum de seus servidores deveria ser apurada na esfera disciplinar. Em relação às mensagens utilizadas para demonstrar os ilícitos do recorrente, sustenta que a interpretação está equivocada, pois todas as entregas de cestas básicas eram destinadas a pessoas cadastradas, e o vereador se limitava a encaminhar pedidos da população ao órgão competente, sendo que eventual excesso de CLEUSA DE MELO não era do conhecimento do recorrente. Argumenta que as conclusões acerca do uso de mensagens cifradas estão equivocadas, conforme narrado pelas testemunhas. Diz que as mensagens trocadas entre o recorrente e seu pai, Roaldo Loureiro, não evidenciam ilicitude, pois são apenas conversas pessoais e que refletem angústias sobre a situação política e são insuficientes para demonstrar o abuso de poder econômico, assim como os objetos apreendidos em sua residência, pois, para a conclusão acerca da ocorrência de compra de votos, são necessárias provas robustas. Ventila que o conteúdo encontrado no celular de Valmir Bastos não permite apontar ilícitos eleitorais de responsabilidade do recorrente, visto que são atos unilaterais de Valmir. Afirma que são equivocadas as conclusões acerca da exploração eleitoral de ações assistenciais, não sendo possível basear a condenação em meras presunções, destacando que suas ações humanitárias não foram condicionadas ao recebimento de votos, de modo que deve ser afastada a caracterização de abuso de poder, prática de conduta vedada ou captação ilícita de sufrágio, notadamente porque a extrapolação dos limites de gastos não justifica, por si só, a configuração do abuso de poder econômico. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos, requerendo a restituição dos aparelhos telefônicos do recorrente e de seus familiares.

Na hipótese, tenho que o cotejo analítico entre as teses defensivas e as provas produzidas nos autos não deixa dúvidas de que os recorrentes fizeram uso da máquina pública em prol de suas candidaturas, mediante emprego de influência política para intermediar a distribuição de bens e serviços, notadamente junto à Secretaria de Assistência Social do Município de Santo Ângelo, desvirtuando a atividade estatal de seu fim jurídico-constitucional com objetivo de direcionar o sentido do voto e influenciar o comportamento eleitoral dos cidadãos do Município de Santo Ângelo, impondo-se sua responsabilização pelas condutas.

As provas produzidas nos autos, em especial os diálogos travados entre CLEUSA DE MELO e diversos interlocutores, extraídos do celular apreendido, revelam que houve sistêmica distribuição de cestas básicas custeadas pelo poder público associada às candidaturas de PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ e MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO, com intuito de angariar votos, em manifesta afronta à normalidade e à legitimidade do pleito.

Conforme bem apreciado pelo juízo a quo e pela Procuradoria Regional Eleitoral, os diálogos extraídos do aparelho celular de CLEUSA TERESINHA DE MELO, de fato, evidenciam a negociação de cestas básicas e utilização da máquina pública com intuito de beneficiar as candidaturas dos recorrentes, merecendo destaque os seguintes trechos:

1) Em 03.11.2020, Verônica Brites lembra CLEUSA sobre o dia em que ela estava entregando folhetos do vereador MAURÍCIO, quando conversaram sobre a distribuição de cestas básicas pela Assistência Social, e pergunta, em seguida, se precisa ir no CRAS para pegar tais cestas ou se pode ir direto na Assistência Social (ID 45435214, fls. 34/36);

2) Em 27.9.2020, CLEUSA encaminha propaganda de PEDRO à Marlise (manicure) e alguns dias depois pergunta em quem ela vai votar, orientando, no mesmo contexto, a buscar uma “cesta de emergência” na Secretaria de Assistência Social do município (ID 45435214, fls. 37/41);

3) Em 14.9.2020, CLEUSA explica a Eliane que é possível a retirada de apenas uma cesta básica por mês. Após insistência de Eliane, CLEUSA diz para ela ir até a Assistência e falar com ela, ao tempo em que envia santinhos de MAURÍCIO LOUREIRO (ID 45435214, fls. 42/47);

4) Em 14.10.2020, CLEUSA conversa com Ângela sobre uma placa de MAURÍCIO LOUREIRO e na sequência convida para buscar uma cesta colonial (ID 45435214, fls. 48/51);

5) Diversos diálogos entre CLEUSA e ISMARA POZZEBON SCHMITT (assessora de PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ), tratando de encaminhamentos de pessoas para buscarem cestas básicas na Assistência Social, com a adoção de cuidados no momento da retirada das cestas de forma a mascarar a utilização indevida da máquina pública em prol da campanha de “Pedrão”. Nesse sentido, as mensagens demonstram que ISMARA costumava encaminhar “listinhas” à CLEUSA, com o nome das pessoas que deveriam ser beneficiadas com as cestas básicas. Em 08.9.2020, são ajustados envios de cestas para Mara Alves Antunes e Neli dos Santos, oportunidade em que CLEUSA sugere que ISMARA oriente as beneficiárias a não dizerem que estão recebendo as cestas básicas por indicação do vereador ou algum de seus assessores. Adiante, ante o temor de que os diálogos estivessem sendo interceptados, houve interrupção da troca de mensagens entre 02.10.2020 e 28.10.2020. Em 28.10.2020, voltam as mensagens relativas ao uso promocional da doação das cestas básicas, tendo o aparelho de telefone celular de CLEUSA sido apreendido pouco tempo depois, no dia 04.11.2020 (ID 45435214, fls. 52/66);

6) Diversos diálogos entre CLEUSA e MAURÍCIO LOUREIRO, destacando-se o trecho em que CLEUSA solicita que o candidato fale com o prefeito para ver se ela pode levar cestas básicas e MAURÍCIO autoriza, respondendo que está “liberado”. Igualmente, os trechos em que MAURÍCIO pede para CLEUSA entregar as cestas básicas a Grafite (JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR) e a servidora responde que sempre que precisar “doar” cestas básicas é só pedir para ela. Também é relevante o trecho em que MAURÍCIO e CLEUSA tratam da contratação da servidora “Ana” para trabalhar na campanha, chegando a falar em aumentar o nível do cargo dela. Ainda, alguns trechos demonstram que MAURÍCIO LOUREIRO intermediava pessoalmente a doação de cestas básicas para seus eleitores, merecendo destaque a mensagem enviada por ele em 22.10.2020, em que orienta CLEUSA a cadastrar e mandar uma cesta básica reforçada para Eliziane Raquel Nunes de Oliveira, e a servidora responde - “pode mandar buscar”. Por fim, merece registro que, ante a proximidade do pleito, CLEUSA e MAURÍCIO não fizeram mais referências expressas às cestas básicas, passando a utilizar outros termos como: “chimarrão”, “cuias” e “mates”, no intuito de ocultar a ilicitude de suas condutas (ID 45435214, fls. 79/83 e ID 45435215, fls. 01/16); e

7) Em 08.9.2020 inicia a conversa entre CLEUSA e Marlei (faxina), em que esta solicita Cestas Básicas, com o que CLEUSA assente. Em 27.9.2020, pelo mesmo canal, CLEUSA envia propaganda eleitoral (às 09:39h), e às 16:56h Marlei afirma precisar de “mais uma sacola”, recebendo nova resposta afirmativa de CLEUSA, seguida do pedido - “Não esqueça de votar nesses que te mandei” -, logo após o trato sobre o período para retirada da benesse (ID 45435215, fls. 23/26).

A fim de ilustrar a realização das condutas descritas, reproduzo algumas das imagens constantes nos autos:

 

 

Reproduzo, da mesma forma, imagem da propaganda eleitoral de MAURÍCIO que era enviada por CLEUSA aos eleitores, a qual pode ser facilmente localizada na internet: 

 

As mensagens comprovam, claramente, o esquema de encaminhamento de eleitores à Secretaria de Assistência Social do Município de Santo Ângelo, para recebimento de cestas básicas custeadas pelo poder público, por intermédio de CLEUSA DE MELO, e que a distribuição dos benefícios era associada às candidaturas de PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ e MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO.

No ponto, é irrelevante para o deslinde do presente feito eventual preenchimento ou não, pelas pessoas encaminhadas à Assistência Social, dos requisitos legais para fazerem jus às políticas públicas assistenciais, pois a configuração do abuso de poder político reside no desvirtuamento da ação estatal com objetivo de exercer indevida e ilegítima interferência no processo eleitoral em prol de suas candidaturas, ferindo os bens e valores fundamentais necessários à higidez do sistema eleitoral democrático, tais como: integralidade, igualdade, normalidade e/ou legitimidade do processo eleitoral, liberdade, dentre outros.

A postura dos candidatos em nada se assemelha ao encaminhamento de pessoas em situação de vulnerabilidade à Assistência Social do município para recebimento de cestas básicas, no regular exercício da função pública, conforme tentam fazer crer os recorrentes.

Em verdade, houve desvio de finalidade nas ações e atividades desenvolvidas pelos recorrentes, que, na condição de agentes públicos, se utilizaram de suas posições para colocar a máquina pública a serviço de suas candidaturas, mediante emprego de influência política para intermediar a distribuição de bens e serviços, com intuito político-promocional.

Quanto ao contestado depoimento de Eliana Amaral da Silva (ID 45435916), igualmente, não prospera a tese defensiva, pois mesmo tendo sido fortemente confrontada pelas defesas, a depoente foi firme e manteve suas declarações, as quais foram corroboradas por outros elementos probatórios produzidos nos autos, especialmente os extraídos dos celulares apreendidos por determinação judicial, que demonstraram, de forma inequívoca, o esquema de distribuição de cestas básicas vinculado às campanhas dos recorrentes.

Inclusive, em trecho de seu depoimento (ID 45435919), Eliana afirma que havia distribuição de “salame, abóbora, legumes… uma cestinha a mais”, fato que, igualmente, restou demonstrado através dos diálogos extraídos do celular de CLEUSA, especialmente no dia 14.10.2020, em que conversa com Ângela sobre uma placa de MAURÍCIO LOUREIRO e na sequência a convida para buscar uma “cesta colonial” (ID 45435214, fls. 48/51).

Na mesma linha, a testemunha Deise Machado dos Santos confirmou em juízo que na época da campanha eleitoral lhe foi oferecido cestas básicas em troca de colocação de placas de propaganda eleitoral em frente a sua casa, apesar de não ter identificado a pessoa e/ou o candidato que estava oferecendo a benesse em razão do uso da máscara para fins de contenção da propagação do Corona Vírus, declarando ainda que “estavam oferecendo em toda a vila” (ID 45435931).

Dessa forma, em que pese o testemunho de Alexandra Aparecida de Matos Menezes, moradora do Bairro Vera Cruz, ter sido no sentido de que não houve oferta ou distribuição de cestas básicas a eleitores no seu bairro, do cotejo analítico com as demais provas produzidas nos autos, não pairam dúvidas de que houve sim sistêmica utilização da máquina pública em prol da campanha dos recorrentes.

Os atos praticados pelos recorrentes configuram o que se chama de “assistencialismo eleitoreiro”, que é uma das formas mais graves e odiosas de abuso de poder político e econômico, pois manipula a consciência política dos cidadãos, especialmente daqueles em situação de vulnerabilidade, explorando a ignorância e o desespero alimentar de famílias em situação de miserabilidade em troca de votos.

A gravidade das circunstâncias, no caso, colocam em cheque a integridade do processo eleitoral no Município de Santo Ângelo, maculando, sem sombra de dúvidas, a legitimidade do pleito e a sinceridade popular expressa nas urnas, bens jurídicos-constitucionais que a legislação almeja proteger.

Aliás, o tema já foi discutido nesta Corte em precedente do Município de Santo Ângelo, oriundo de desdobramento dos ilícitos descobertos nas Eleições de 2020, notadamente envolvendo a intermediação de entrega de cestas básicas junto à Secretaria de Assistência Social, na AIJE n. 0600902-71.2020.6.21.0045, ajuizada contra o suplente EVANDRO CARLOS NOLASCO, de relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischmann, e na  AIJE n. 0600901-86.2020.6.21.0045, em face de EVERALDO DE OLIVEIRA BATISTA, distribuída ao Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, ambos já mencionados, com suas ementas transcritas anteriormente.

Ainda, o recorrente PEDRO SILVESTRE PERSKOSKI WASZKIEWICZ, mediante contato privilegiado com os servidores Vera, Antônio e Kalunga, normalmente intermediado por ISMARA POZZEBON e LEANDRO TEIXEIRA, praticou atos de abuso de poder político em outras esferas da administração pública municipal, especialmente na Secretaria Municipal de Meio Ambiente.

Os inúmeros diálogos extraídos do celular de “Pedrão” e de ISMARA (ID 45435208 e seguintes), somados aos demais elementos carreados aos autos, demonstram que diversas demandas feitas por eleitores foram encaminhadas por PEDRO SILVESTRE para ISMARA POZZEBON, que repassou para a servidora Vera, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, cuja incumbência era determinar a realização dos serviços solicitados.

Igualmente, está demonstrado que o recorrente exercia indevida influência sobre os servidores Antônio e Kalunga, que curvavam-se às demandas ilícitas do candidato, acionando a máquina pública em prol da candidatura de “Pedrão”.

Merecem destaque alguns diálogos bem sintetizados nas contrarrazões e no parecer ministerial, que ora reproduzo:

Assim, em 25.09.2020, Dalva Roberta manda mensagem a PEDRO SILVESTRE informando-lhe que fora visitar um primo e pedir seu voto. Diz que há falta de iluminação e que está precária a situação da Rua Bagé, próximo ao nº 1.100, cuja solução lhe poderia render eleitores. Após repassar as mensagens para ISMARA, esta encaminha o pedido a Vera (ID 45436307, p. 98-100 e ID 45435214, p 18).

A mesma dinâmica se repete quando PEDRO SILVESTRE recebe pedidos de corte de árvores, feito por Inês Bernardete, no dia 05.10.2020, e por Antônio Devicari, os quais são repassados a ISMARA POZZEBON, que, por sua vez, os encaminham a Vera, que se compromete e resolver as demandas (ID 45436307, p. 81-83; ID 45435214, p 23-25; ID 45435210, p. 3-5).

Além desses pedidos, observa-se que ISMARA POZZEBON encaminha diversas demandas a Vera, como pedidos de limpeza ou abertura de fossas (João Paiva, Wagner Goltz, Romilda Nascimento, Odiva Bueno, Edson Weber) recolhimento de galhos (Francieli Minusso e Paulo Lange), carga de terra (Francieli da Silva) (ID 45436308, p. 5-21). 

Em conversas mantidas com LEANDRO TEIXEIRA, é possível confirmar a influência de PEDRO SILVESTRE na SMMA, através do contato com os servidores Kalunga e Antônio, os quais atendiam a demandas encaminhadas pelo Vereador. 

Em 14.10.2020, LEANDRO TEIXEIRA informa PEDRO SILVESTRE que esteve na Travessa Lopes e não teria sido entregue a carga de cascalho e tampouco teria aparecido a “máquina”. PEDRO SILVESTRE esclarece que terá uma reunião com o Prefeito. No dia seguinte, PEDRO SILVESTRE pede a LEANDRO TEIXEIRA que verifique se foi atendida a demanda “naquele magrão que tava brabo” e LEANDRO TEIXEIRA, poucos minutos após responder que iria “agora lá”, esclarece que foram entregues seis cargas na frente da casa de Valdomiro, que estava ficando bom, mas seria importante “mandar um rolo (compressor) junto …Mais umas cargas e o rolo pra passar”. (ID 45435210, p. 23-24).

Nos dias seguintes, novos pedidos são repassados por PEDRO SILVESTRE a LEANDRO TEIXEIRA. No dia 16.10.2020, são repassados o endereço de Sônia Souza, com a indicação de 1 carga de terra, ocasião em que LEANDRO TEIXEIRA informa a PEDRO SILVESTRE que irá até a SEMMA, pois já estaria “certo com o Antônio”, e o endereço de Rômulo Wais, com a indicação de carga de terra. No dia 20.10.2020, PEDRO SILVESTRE cobra LEANDRO TEIXEIRA sobre a entrega da carga de terra para Sônia, sendo informado que o “Antônio ficou de mandar” (ID 45435210, p. 25, 27, 29).

LEANDRO TEIXEIRA evidencia a relação que se estabelece e o aproveitamento eleitoral dos serviços prestados pela SEMMA ao pedir que PEDRO SILVESTRE se lembre do “cascalho no vera cruz”, uma vez que já teria colocado “placa na nora e filho da senhora” (ID 45435210, p. 38).

Em 21.10.2020, ISMARA POZZEBON é avisada por Vera que, em razão do período eleitoral, não mais seria possível dar continuidade aos atendimentos realizados, pois teriam que ser encaminhados para a Secretaria de Habitação, mas a intervenção de PEDRO SILVESTRE junto ao Prefeito garante a continuidade da atuação da SEMMA, permitindo que demandas oriundas de eleitores fossem atendidas com maior presteza, já que eram encaminhadas ao órgão pelo Vereador (ID 45436308, p. 22 e 35).

 

Enfim, inúmeros são os atos de abuso de poder político perpetrados pelo recorrente PEDRO SILVESTRE PERSKOSKI WASZKIEWICZ que estão fartamente demonstrado nos autos, cuja magnitude, sem sombra de dúvidas, maculou a legitimidade e sinceridade popular expressa nas urnas nas Eleições de 2020.

De outra banda, os elementos probatórios também demonstram, de forma robusta, que além do abuso de poder político, o recorrente MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO praticou atos de abuso de poder econômico, caracterizados pela injeção de recursos financeiros, não declarados na prestação de contas, em prol de sua campanha, para pagamento de benefícios a eleitores, desestabilizando a normalidade e regularidade do pleito.

A questão foi bem analisada pelo juízo singular e pela Procuradoria Regional Eleitoral, no parecer de lavra da Exma. Procuradora Maria Emília Corrêa da Costa, cujas brilhantes conclusões peço vênia para transcrever e adotar como razões de decidir:

A partir da análise das mensagens gravadas nos telefones celulares de MAURÍCIO LOUREIRO e de seu pai, Roaldo, também identificado como Lico, foi observada a utilização de recursos doados por Roaldo para custear benefícios a eleitores contatados por MAURÍCIO. Tendo em vista a finalidade ilícita dos gastos, estes não foram, evidentemente, lançados na prestação de contas do candidato. 

Nesse sentido, verifica-se uma discussão entre pai e filho, quanto aos custos financeiros e às vantagens de seguir na carreira política eleitoral, e MAURÍCIO LOUREIRO pede que seu pai faça um depósito no valor de R$ 392,00 na conta bancária de Irela Hernandez, a quem prometera ajuda, supostamente para a compra de medicação, transferência que se consumou no dia 17.09.2020 (ID 45435208, p. 38). 

Da mesma forma, no dia 24.09.2020, MAURÍCIO LOUREIRO afirma que vai “fazer o brique com o pastor elias”, se referindo à compra de um ar condicionado para a “rádio da igreja”, o que poderia render o apoio eleitoral em relação a 17 pessoas (ID 45435208, p. 40-42), assim como, no dia 30.09.2020, pede que seu pai pague – e assim este o faz - um boleto bancário entregue ao candidato como contrapartida ao seu “apoio” (ID 45435208, p. 44-47). 

Trata-se de alguns exemplos concretizando inúmeros gastos realizados fora do controle da prestação de contas eleitoral, utilizados na concessão de vantagens ilegais para obter apoio, simpatia eleitoral e o voto, como se observa no conjunto de mensagens trocadas entre os dias 02 e 11.09.2020, com referências a “fazer um brique”, “duas lideranças importantes, confiáveis e barato” (ID 45435208, p. 1-30), bem como as discussões ocorridas em 08.10.2020, em relação ao cabo eleitoral Valmir, que tomou a iniciativa de fazer promessas para eleitores em nome de MAURÍCIO LOUREIRO, o que deixou o candidato preocupado, pois “o cara não pode fazer um brique e depois não conseguir cumprir, porque daí começam a falar mal da gente.” (ID 45435208, p. 53-54). 

Nas mensagens trocadas entre pai e filho, MAURÍCIO afirma que estaria gastando cerca de R$ 2.000,00 por dia e pede a Roaldo em diversas ocasiões que faça algum pagamento, lhe transfira dinheiro ou entregue uma quantia a alguém que tenha importância para a conquista de “apoio” eleitoral. 

O teor das mensagens traz luzes sobre a relevância e significado da apreensão de 08 envelopes contendo R$ 29.640,00 em espécie, além de uma agenda com anotações sobre gastos na campanha eleitoral, cujo teor coincide com as mensagens trocadas entre MAURÍCIO e Roaldo, conforme tabela elaborada pelo MPE compilando tais dados (ID 45436306, p. 105 - 108), destacando-se que dos 23 nomes associados a valores gastos, localizaram-se somente 5 que se harmonizam com aqueles lançados como “Despesas com Pessoal” na Prestação de Contras Eleitoral apresentada à Justiça Eleitoral. 

 

A fim de reforçar tais conclusões, segue imagem com as conversas entre Roaldo Loureiro (Lico) e MAURÍCIO. Nelas, se verifica a distribuição de quantia substancial de dinheiro em troca de votos e apoio, sendo que Lico faz relato sobre os valores que estaria repassando, pondera que “Até o fim 60 mil fora açougues e outras q nem sei” e, ao final afirma que “Já está fora de controle”, em 12/10/2020 (ID 45435202 – Pág. 82-83):

Anoto que MAURÍCIO LOUREIRO declarou em sua prestação de contas receitas no total de R$ 27.000,00, sendo que, desse montante, R$ 13.000,00 teriam sido doados por Roaldo, como pode ser verificado no DivulgaCandContas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88536/210000737374/integra/receitas) e consta na imagem que segue:

Ainda, chamam atenção as mensagens trocadas entre MAURÍCIO e Roaldo em 09/11/2020, em especial, na ocasião em que Lico apela para que o filho pare de gastar (ID 45435208 – Pág. 63):

Destarte, o acervo probatório é robusto e sólido na demonstração de que o recorrente MAURÍCIO LOUREIRO praticou atos de abuso de poder econômico, consubstanciado na utilização de recursos não declarados à Justiça Eleitoral, para concessão de vantagens indevidas a eleitores com fim de obter votos.

Na linha do parecer ministerial, devem ser feitos reparos pontuais na sentença recorrida, que assim concluiu, condenando os recorrentes por abuso de poder político e econômico:

 

De tudo o que foi reproduzido, extraído dos celulares apreendidos, pode-se concluir, sem margem de erro, que o demandado PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASZKIEWICZ ("Pedrão"), Vereador no Município de Santo Ângelo ao tempo dos fatos, abusando do seu poder politico e econômico, intermediou uma série de benesses já exaustivamente catalogadas, em seu favor, com o fim especial de se reeleger. 

Para tanto, contou a participação ou contribuição relevante de CLEUSA TEREZINHA DE MELO, Coordenadora do Aporte Nutricional da Secretaria de Assistência Social, ISMARA POZZEBON SCHIMITT, sua Assessora Legislativa e cabo eleitoral, e LEANDRO NUNES TEIXEIRA (“LEANDRO BOTINHA”), também seu cabo eleitoral, e demais pessoas vinculadas à administração municipal, caso, por exemplo, de “IVO” e “SUELEM”, lotados na Secretaria de Saúde do Município, e VERA, lotada na SEMMA. 

Não se tratou, portanto, de simples encaminhamentos. 

Aliás, não se desconhece as prerrogativas do vereador, notadamente àquelas voltadas ao atendimento das demandas da população, tais como saúde, educação, segurança, habilitação, transporte, entre outras. 

No entanto, isso deve se feito no sentido de orientar as pessoas a buscarem o que necessitam de acordo com os seus direitos, nos órgãos próprios e observando o regramento legal, sendo vedado qualquer prática assistencialista. 

Não é, rigorosamente, o que se verificou na espécie, bastando a leitura dos diálogos e mensagens de voz recedidos e enviados. 

MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO, da mesma forma, com abuso de (poder politico e econômico), não só intermediou inúmera benesses com o propósito eleitoral (compra de votos para se reeleger), como também, por intermédio de seu pai, ROALDO LOUREIRO, injetou na sua campanha valores extraordinários, superando em muito o limite de gastos, passando ao largo da prestação de contas.

Para tanto, contou também com a colaboração direta de CLEUSA TERESINHA DE MELO e JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR (“GRAFITE”) e servidores públicos municipais. 

Observa-se, assim, a toda evidência, que os parlamentares municipais, PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASZKIEWICZ e MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO, contando com a colaboração destacada de CLEUSA TERESINHA DE MELO, promoveram a distribuição de centenas, senão milhares de cestas básicas como forma de obter apoio e votos, devendo se destacado o caráter pessoal e promocional. 

(…)

Não obstante, com máxima vênia as defesas técnicas, de toda a prova reunida, consta-se, inequivocamente, que tanto PEDRÃO como MAURÍCIO, valendo-se do cargo de vereador com pretensão à reeleição, fizeram uso promocional das suas candidaturas em busca de apoio e voto, mediante a distribuição desenfreada de cestas básicas, dinheiro e demais benesses (bens e serviços públicos). Para tanto, abusando do poder de autoridade, político e econômico, contando com a colaboração relevante dos codemandados CLEUSA TERESINHA DE MELO, LEANDRO NUNES TEIXEIRA, ISMARA POZZEBON SCHIMITT e JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR. 

Verifico que a decisão veiculou substancial fundamentação sobre abuso de poder e concluiu, com fundamento no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90 (ID 45436267), por declarar a inelegibilidade de MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO, PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ, ISMARA POZZEBON SCHIMITT, CLEUSA TERESINHA DE MELO, JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR e LEANDRO NUNES TEIXEIRA, para as eleições que se realizem nos 08 (oito) anos subsequentes à eleição de 2020 e cassar os mandatos parlamentares de MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO e PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ, impondo-se a recontagem dos votos.

No entanto, como bem observado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, a responsabilização pela prática de abuso de poder político, todavia, deve recair apenas sobre os candidatos, pois consistem nos efetivos autores dos atos praticados, não havendo provas de que ISMARA POZZEBON, JOÃO LOURENÇO e LEANDRO TEIXEIRA tenham agido além da condição de meros mandatários ou auxiliares materiais do abuso de poder. Estes servidores não tinham poder de decisão e não atuavam em benefício eleitoral próprio. Já as condutas da servidora CLEUSA DE MELO, de forma diversa, apesar de não incidirem em abuso de poder, são melhor categorizadas pela prática de conduta vedada, como se tratará na sequência.

Em relação ao abuso de poder econômico, a prova dos autos não é suficiente para a condenação de PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ, já que este se valeu de sua influência junto ao Poder Público Municipal para obter vantagem eleitoral, mas não há provas de que sua conduta vá além disso.

Logo, fica confirmada a prática de abuso de poder político e econômico por MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO e a prática de abuso de poder político por PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ, mantida, com fundamento no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90, a declaração de inelegibilidade desses recorrentes para as eleições que se realizem nos 08 (oito) anos subsequentes à eleição de 2020, e a cassação de seus mandatos parlamentares, com a recontagem dos votos.

Em prosseguimento, é acertada a sentença que cassou os mandatos de MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO e PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ, aplicando-lhes multa no valor equivalente a 10.000 (dez mil) UFIRs, em razão da prática de conduta vedada descrita no inc. IV do art. 73 da Lei 9.504/97, in verbis:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

 

O doutrinador José Jairo Gomes elucida a proximidade existente entre as condutas vedadas e o abuso de poder político ou de autoridade. Vejamos:

Entre as inumeráveis situações que podem denotar uso abusivo de poder político ou de autoridade, o legislador destacou algumas em virtude de suas relevâncias e reconhecida gravidade no processo eleitoral, interditando-as expressamente. São as denominadas condutas vedadas, cujo rol encontra-se nos artigos 73 a 78 da Lei nº 9.504/97. Trata-se de numerus clausus, não se admitindo acréscimo no elenco legal. Sobretudo em razão de seu caráter sancionatório, as regras em apreço não podem ser interpretadas extensiva ou ampliativamente, de modo a abarcar situações não normatizadas.

[...]

O que se impõe para a perfeição da conduta vedada é que, além de ser típico e subsumir-se a seu respectivo conceito legal, o evento considerado tenha aptidão para lesionar o bem jurídico protegido, no caso, a igualdade na disputa, e não propriamente as eleições como um todo ou os seus resultados.

(Direito eleitoral – 14. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2018) 

 

As provas produzidas e já aqui analisadas demonstram o sistêmico uso político-promocional da distribuição gratuita de cestas básicas custeadas pelo poder público em favor das candidaturas de PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ e MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO, impondo-se, portanto, a manutenção da responsabilização dos recorrentes por prática de conduta vedada, conforme bem decidido pelo juízo de primeira instância e já examinada ao longo do presente voto.

No que toca à captação ilícita de sufrágio, o recurso merece provimento em relação à ausência de provas acerca do cometimento desse ilícito eleitoral por PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ.

As provas dos autos são seguras em relação ao abuso de poder político e às condutas vedadas, mas não se extrai a necessária certeza em relação à compra de votos. 

A situação é muito bem definida no parecer ministerial, que aponta que PEDRO “demonstra a sua aptidão em solucionar uma necessidade do eleitor, exercendo influência indevida em órgãos municipais, através da qual obtém um atendimento privilegiado àqueles pedidos encaminhados pelo candidato”. A conduta do candidato é mais sutil, e, ainda que possa angariar simpatia dos eleitores com o uso de sua influência, não estão tão bem delineados os elementos da captação ilícita de sufrágio. 

Como também mencionado pelo Parquet, não houve demonstração de que PEDRO tenha fornecido benesses que não fossem aquelas provenientes do Poder Público. O candidato recebe pedidos de fornecimento de gasolina e armação de ferro para caixa d’água, mas não se compromete com essas demandas, diversamente do que ocorre com solicitações ligadas à iluminação pública, corte de árvores, limpeza ou abertura de fossas, carga de cascalho e terra, por exemplo. 

Portanto, os ilícitos cometidos por PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ estão ligados ao abuso de poder político e a condutas vedadas, mas a prova dos autos não é suficientemente robusta para que se reconheça a captação ilícita de sufrágio.

Quanto ao candidato MAURÍCIO LOUREIRO, não restam dúvidas de que suas condutas, especialmente a doação de aparelho de ar condicionado ao Pastor Elias Saldanha Barbosa, encaminhado à Igreja do qual este era membro, que confirmou em Juízo o recebimento do aparelho, bem como a promessa de pagamento de boleto para o “chino”, em troca de votos, dentre outras, amoldam-se perfeitamente à figura tipificada no art. 41-A da Lei 9.504/97.

A troca de mensagens entre MAURÍCIO e Roaldo demonstra, ainda, que seu pai era responsável por efetuar os pagamentos em troca de votos para o filho e a distribuição de recursos em grandes quantidade a número substancial de pessoas, não havendo outro propósito senão a compra de votos.

Ainda, anoto que o reconhecimento do abuso de poder econômico não necessariamente inclui a captação ilícita de sufrágio. O candidato poderia ter despendido grandes somas de recursos na campanha em atividades lícitas, mas não foi o que se observou em Santo Ângelo.

Ainda, ressalto que “a mera promessa ou oferta de bem ou vantagem ao eleitor em troca de seu voto já é suficiente para enquadramento no art. 41-A da Lei 9.504/97”, consoante entendimento firmado por esta Corte sobre o tema, confira-se:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. VEREADOR ELEITO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROCEDENTE. CONDENAÇÃO. MULTA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. INELEGIBILIDADE. PRELIMINAR. NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEITADA. VALIDADE DA PROVA. MÉRITO. ART. 41–A DA LEI N. 9.504/97. PRESENTES TODOS OS ELEMENTOS QUE CONFIGURAM A COMPRA DE VOTOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DETERMINADO O RECÁLCULO DO QUOCIENTE ELEITORAL E PARTIDÁRIO. NEGADO PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou procedente representação pela prática de captação ilícita de sufrágio nas eleições municipais de 2020. Condenação ao pagamento de multa e cassação do diploma. Declarada ainda a inelegibilidade e a nulidade dos votos recebidos pelo vereador, determinando sua atribuição à legenda partidária.

2. Matéria preliminar. 2.1. Nulidade por cerceamento de defesa. A manifestação de defesa demonstra que o recorrente não teve nenhuma dificuldade na compreensão dos diálogos, cuja tradução foi juntada posteriormente aos autos. Não apresentada qualquer alegação concreta sobre a nulidade ventilada e muito menos demonstrado prejuízo ao recorrente. Ausente qualquer nulidade que implique cerceamento de defesa. 2.2. Validade da prova. A Procuradoria Regional Eleitoral suscita a necessidade de examinar a validade de gravação ambiental feita por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais. Entretanto, não discutida a questão em primeira instância e sequer invocada em razões recursais, descabe seu conhecimento de oficio por este Tribunal, sob pena de supressão de instância. Prova válida, que deixou de ser impugnada quando havia possibilidade.

3. Matéria fática. Oferta de bem a eleitor, com o fim de obter seu voto e o de sua esposa, feita por cabo eleitoral, com o conhecimento do representado, no período compreendido entre o registro da candidatura até o dia da eleição.

4. A mera promessa ou oferta de bem ou vantagem ao eleitor em troca de seu voto já é suficiente para enquadramento no art. 41–A da Lei n. 9.504/97, não sendo preciso que o ato se concretize, restando desnecessária a apresentação das cédulas utilizadas para o pagamento do voto do eleitor. Presentes no caso em análise todos os elementos que configuram a captação ilícita de sufrágio: (a) prática de qualquer das condutas previstas no art. 41–A, na espécie, oferecer ou entregar; (b) o dolo específico de obter o voto do eleitor; (c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; (d) a participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado, concordância ou conhecimento dos fatos que caracterizam o ilícito.

5. A gravação e os testemunhos colhidos em juízo demonstram a negociação da compra de votos, tratativas claras e evidentes acerca do pagamento e dos valores, bem como, no mínimo, a ciência e anuência do candidato com o que ali se passava, mesmo que a execução fosse majoritariamente conduzida pelo cabo eleitoral.

6. A PRE em seu parecer afirma que a sentença incorreu em erro material ao determinar a nulidade dos votos e estabelecer que devem ser atribuídos à legenda partidária. Esta Corte já reconheceu a preponderância do art. 222 do Código Eleitoral, dispositivo que embasa a sentença recorrida, fixando que “inexiste fundamento jurídico plausível para que sejam considerados, na competição eleitoral, os votos destinados ao candidato condenado, sob pena de reprovável benefício indevido. Reconhecidos os ilícitos perpetrados, devem ser considerados nulos os votos”, devendo ser determinado o recálculo do quociente eleitoral (Recurso Eleitoral n. 060059792, Acórdão, Relator Des. GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, Publicação: PJE – Processo Judicial Eletrônico–PJE).

7. Provimento negado. Determinado o recálculo do quociente eleitoral e partidário.

(RECURSO ELEITORAL nº 060069367, Acórdão, Relatora Des. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 108, Data: 19/06/2023)

 

Dessa forma, a prova dos autos demonstra a presença, no caso em concreto, de todos os elementos que configuram a captação ilícita de sufrágio por MAURÍCIO LOUREIRO, quais sejam: (a) prática de qualquer das condutas previstas no art. 41–A, na espécie, doar, prometer ou entregar; (b) dolo específico de obter o voto do eleitor; (c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; (d) participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado, concordância ou conhecimento dos fatos que caracterizam o ilícito, nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (Recurso Ordinário Eleitoral n. 433, Acórdão, Relator Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 85, Data: 09/05/2023). 

De qualquer sorte, tenho por oportuno mencionar que o Tribunal Superior Eleitoral sedimentou entendimento de que “a compra de um único voto é suficiente para configurar captação ilícita de sufrágio” (REspe nº 462-65/SP, Rel. Min. Rosa Weber, acórdão de 19.3.2019), já que o bem jurídico tutelado pela norma é a livre vontade do eleitor.

Ante o exposto, impõe-se a manutenção da responsabilização de  MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO por atos de captação ilícita de sufrágio.

De outra banda, acertada a decisão que determinou a recontagem dos votos, pois em consonância com o entendimento sufragado por esta Corte, que já reconheceu a preponderância do art. 222 do Código Eleitoral, fixando a tese de que “inexiste fundamento jurídico plausível para que sejam considerados, na competição eleitoral, os votos destinados ao candidato condenado, sob pena de reprovável benefício indevido. Reconhecidos os ilícitos perpetrados, devem ser considerados nulos os votos” (Recurso Eleitoral n. 060059792, Acórdão, Relator Des. Eleitoral GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, julgado em 17.03.2021, Publicação:  PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE), impondo-se o recálculo do quociente eleitoral e partidário.

Quanto ao pedido de restituição dos aparelhos telefônicos, formulado por MAURÍCIO em suas razões recursais (ID 45436296), tenho que inviável seu conhecimento em sede recursal, sob pena de supressão de instância. Nesse sentido, o pedido deve ser dirigido ao Juízo de primeiro grau, após o exame dos recursos, a quem compete decidir sobre a destinação dos materiais apreendidos em sede de investigação e/ou durante a instrução do feito.

Por fim, PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ afirma que a obtenção de mandato pelo recorrente ficou prejudicada em razão da ação “pirotécnica” do Ministério Público. Esclareço, no entanto, que atualmente PEDRO, que alcançou a condição de suplente do partido, exerce o mandato de vereador, como pode ser verificado em https://camarasa.rs.gov.br/legislatura/29. Para além do já explicitado ao longo deste voto, os reflexos da ação do Ministério Público não podem ser sindicados nestes autos, assim como é de se questionar que tais fatos tenham a relevância que lhes quer emprestar o recorrente, uma vez que o também investigado MAURÍCIO, assim como os integrantes da chapa majoritária, todos envolvidos na mesma investigação, foram eleitos naquela ocasião.

Ainda, mesmo que não existisse o acervo probatório que demonstra as interações entre o recorrente e seus assessores, não seria crível que o candidato não tivesse ciência e anuísse com as condutas de seus subordinados.

Assim, na linha do parecer ministerial, deve ser afastada a configuração de captação ilícita de sufrágio em relação a PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ e rejeitado o recurso de MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO no ponto.

Em reprise, da análise dos recursos dos candidatos, cumpre dar parcial provimento aos apelo de PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ, mantendo a condenação de MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO pela prática de abuso de poder político e econômico, conduta vedada e captação ilícita de sufrágio, e de PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ, por abuso de poder político e conduta vedada, bem como a declaração de inelegibilidade desses recorrentes para as eleições que se realizem nos 08 (oito) anos subsequentes à eleição de 2020, e a cassação de seus mandatos parlamentares, com a recontagem dos votos.

 

IV.2 Dos recursos de JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR, CLEUSA TERESINHA DE MELO, LEANDRO NUNES TEIXEIRA e ISMARA POZZEBON SCHMITT.

O recorrente JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR, em suas razões recursais (ID 45436291), sustenta que não há provas que justifiquem a imposição da sanção de inelegibilidade contra o recorrente, sendo que a sentença não traz fundamentação suficiente para demonstrar a participação do recorrente, afirmando haver “meras conjecturas, que sequer podem dar suporte material a qualquer imputação ou simples elementos indiciários desvestidos de maior consistência probatória não se revestem, em sede judicial, de idoneidade jurídica”. Ao final, pugna pela reforma da sentença para o fim de julgar improcedentes os pedidos constantes na inicial.

  A recorrente CLEUSA TERESINHA DE MELO, em suas razões recursais (ID 45436293), quanto ao mérito, sustenta que não há provas que justifiquem a condenação, pois a entrega de cestas básicas realizada sob sua coordenação era efetuada de modo rigoroso, mediante controle dos beneficiários, observando-se um expressivo aumento na distribuição dos alimentos em decorrência da calamidade social instalada com a pandemia de COVID, sendo indevida a associação de tal ação do poder público com pretensões eleitorais. Salienta que em momento algum a investigação procurou avaliar se os beneficiários estavam inscritos em programas sociais, o que revelaria o caráter lícito da ação realizada pelo poder público. Sustenta que a lista com o nome de vereadores encontrada por ocasião da diligência realizada pelo Ministério Público Eleitoral nada prova, pois resulta de mera coleta de opinião entre os servidores quanto aos vereadores que seriam eleitos. Sustenta que o encaminhamento, quatro meses após o contato, de uma propaganda política para uma pessoa que lhe pedira orientações acerca do recebimento de cesta básica, não se revestiu de proveito eleitoral, situação repetida em outra ocasião, embora com um intervalo menor, de cerca de duas semanas, pois a recorrente enviou a propaganda eleitoral para todos os seus contatos. Sustenta que a mensagem trocada com sua manicure não revela o ilícito, pois decorre apenas de sua pretensão de esclarecer a possibilidade de receber o benefício alimentar. Afirma que a análise das mensagens pela investigação se limitou a um mês, no período eleitoral, sendo excluídas as mensagens que não interessavam à investigação e salienta que há comprovação de que as pessoas que foram contatadas pela recorrente e que receberam a cesta básica estavam cadastradas para tanto. Aponta que não há ilegalidade nos diálogos mantidos com Verônica, Eliane, Ângela, Ivone, com o grupo ”Ecos do Verde”, Otávio, Eduardo Braga, Baixinho PDT e Airton. Afirma que a sentença desconsiderou provas produzidas pela defesa, como o testemunho do então Secretário de Assistência Social, Carlos Alberto de Oliveira, em relação aos atos praticados pelo Promotor Eleitoral durante a diligência na Secretaria, a afirmação do policial civil acerca da condição de investigada de CLEUSA DE MELO, o testemunho de Alexandra de Matos, que nega o recebimento indevido de uma cesta básica, e de cinco servidores públicos municipais sobre a licitude da conduta dos recorrentes. Sustenta que não haveria motivo legítimo para realizar a busca e apreensão do veículo utilizado pela recorrente, mas que pertence a seu filho, sendo indevido o deslocamento do material de campanha lá encontrado para o interior da Secretaria de Assistência Social no curso da diligência investigativa. Por fim, salienta que durante a pandemia, a revisão dos cadastros de beneficiários de programas sociais ficou suspensa, o que causou alterações no trabalho realizado pela Secretaria de Assistência Social, exigindo flexibilização no cadastro de beneficiários e no atendimento de demandas, que foram direcionadas por diversos órgãos, inclusive vereadores e seus assessores, como no caso de ISMARA POZZEBON, que recebia atendimento como todos os demais. Ao final, pugna pelo reconhecimento das nulidades e, no mérito, pela improcedência da AIJE. Alternativamente, pleiteia a redução da multa para R$ 1.000,00, tendo em vista sua situação econômica, aposentada com renda mínima. 

Os recorrentes LEANDRO NUNES TEIXEIRA e ISMARA POZZEBON SCHMITT, em suas razões recursais (ID 45436300), sustentam que as acusações são frágeis, sem qualquer prova nos autos e rebatidas pelo depoimento das testemunhas. Afirmam que não houve benefício ilícito na concessão de jazigo no Cemitério Municipal a pedido do Vereador PEDRO WASZKIEWICZ, senão um equívoco administrativo na tramitação do pedido de Getúlio dos Reis e que toda a investigação realizada pelo Ministério Público Eleitoral baseou-se no depoimento prestado por uma testemunha que disse mentiras, inclusive com relatos obtidos por um usuário de drogas. Ao final, pugnam pelo provimento do recurso para julgar improcedentes os pedidos.

A sentença recorrida julgou parcialmente procedente a ação para: 1) Em relação à Ação de Investigação Judicial Eleitoral, declarar a inelegibilidade dos recorrentes para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição de 2020; 2) Em relação à Representação por Condutas Vedadas, aplicar multa de 10.000 (dez mil) UFIR para cada um.

Pois bem, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral possui natureza cível com caráter jurisdicional, que tem por objeto a apuração da prática de abuso de poder econômico, abuso de poder político ou de autoridade e o uso indevido dos meios de comunicação social em benefício de candidato ou de partido político.

As causas de pedir da ação são conceitos jurídicos indeterminados, aos quais a jurisprudência, em especial do Tribunal Superior Eleitoral, tem definido os contornos.

Nesse panorama, “o abuso de poder político, de que trata o art. 22, caput, da LC 64/90, configura-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade da disputa e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros” (RO nº 172365/ DF – Rel. Min. Admar Gonzaga – j. 07.12.2017 – DJe 27.02.2018).

No caso dos autos, diferente do sustentado, há provas robustas que demonstram, sem sombra de dúvidas, a prática organizada e reiterada, por parte de todos os recorrentes, de atos elementares no esquema de distribuição de bens e serviços, em diversas esferas da administração pública do município de Santo Ângelo, com acesso facilitado em razão de suas posições privilegiadas de agentes públicos, em manifesto desvio de finalidade, beneficiando as candidaturas de PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ e MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO em detrimento à legitimidade e regularidade do pleito, conforme bem decidido pelo juízo singular.

Inclusive, os diversos diálogos extraídos dos celulares apreendidos mediante decisão judicial (ID 45435207 e seguintes) demonstram, de forma muito clara, que os recorrentes desempenhavam algumas funções específicas e vitais no esquema ilícito desvendado nos autos.

Nesse sentido, ISMARA POZZEBON, assessora do candidato “Pedrão”, era responsável por intermediar e encaminhar pessoas para receberem diversas benesses, especialmente cestas básicas custeadas pelo poder público, com intuito de cooptar votos para PEDRO SILVESTRE. JOÃO LOURENÇO (Grafite), servidor público e cabo eleitoral de MAURÍCIO LOUREIRO, era encarregado de receber as cestas básicas custeados pelo poder público e entregar para eleitores em situação de vulnerabilidade, bem como era incumbido de distribuir outros bens, dentre os quais, um ar condicionado, em prol da campanha MAURÍCIO. LEANDRO TEIXEIRA (Leandro Botinha), servidor público e cabo eleitoral de “Pedrão”, era responsável por intermediar a concessão de vantagens indevidas, com finalidade de angariar votos para “Pedrão”. CLEUSA DE MELO, servidora pública e coordenadora da Secretaria de Assistência Social do Município de Santo Ângelo, era a pessoa encarregada de receber, encaminhar e entregar as cestas básicas custeadas pelo poder público às pessoas que eram dirigidas à Assistência Social, com finalidade político-promocional das candidaturas de PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ e MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO.

Apesar da gravidade dos fatos, é de se reconhecem, na linha do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, que ISMARA POZZEBON SCHIMITT, JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR e LEANDRO NUNES TEIXEIRA, embora envolvidos diretamente com os ilícitos e realizando campanha eleitoral em seus experientes, não tinham ingerência sobre a utilização da máquina pública no abuso de poder político, atuando como meros executores. Ainda que não se possa dizer o mesmo em relação à recorrente CLEUSA TERESINHA DE MELO, seus atos serão analisados sob a perspectiva das condutas vedadas.

Embora os recorrentes tenham participado de maneira direta, sistêmica, articulada e reiterada no esquema de distribuição de bens e serviços em diversas instâncias da administração pública do município de Santo Ângelo, as condutas e o modus operandi, amplamente comprovados nos autos, revelaram que os servidores ISMARA, JOÃO LOURENÇO e LEANDRO agiram sob as ordens de PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ e MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO.

Assim, os recursos comportam provimento para que seja afastada a declaração de inelegibilidade de todos os servidores que havia sido imputada com fundamento no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90.

Dando prosseguimento, os argumentos levantados pela recorrente CLEUSA DE MELO, no sentido de que a política de distribuição de cestas básicas pela assistência social era lícita, são irrelevantes para o deslinde do presente feito, conforme já referi acima, pois a configuração dos atos abusivos reside no desvirtuamento da ação estatal com objetivo de exercer indevida e ilegítima influência no processo eleitoral em prol da campanha dos candidatos, ferindo os bens e valores fundamentais necessários à higidez do sistema eleitoral democrático, tais como: integralidade, igualdade, normalidade e/ou legitimidade do processo eleitoral, liberdade, dentre outros.

Ou seja, independentemente de a entrega de cestas básicas ter sido realizada de modo rigoroso, mediante controle dos beneficiários, conforme repetidamente sustentado pela recorrente CLEUSA DE MELO, fato é que houve desvio de finalidade ao associar o fornecimento de cestas básicas custeadas pelo poder público às candidaturas de PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ e MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO.

Ainda que reconhecida a prática de condutas vedadas, merecem provimento os recursos apresentados por LEANDRO NUNES TEIXEIRA e ISMARA POZZEBON SCHMITT.

Isso porque, diferentemente dos conceitos jurídicos indeterminados das causas de pedir da ação de investigação judicial eleitoral, as condutas vedadas tipificadas no art. 73 da Lei 9.504/97 apresentam um rol exaustivo de situações que, dentre as inúmeras condutas que podem denotar abuso político ou de autoridade e o uso indevido dos meios de comunicação social, foram expressamente enumerados pelo legislador, dada sua grave repercussão no processo eleitoral.

É, pois, ante esse panorama, que, na análise das condutas vedadas, “imperam os princípios da tipicidade e da legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei” (TSE, REspe n. 626-30/DF, Relatora: Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4.2.2016).

São tipos fechados que, por presunção legal, tendem a afetar a isonomia entre os candidatos. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é pacífica no sentido de que as condutas vedadas previstas no art. 73 da Lei n. 9.504/97 se aperfeiçoam com a mera prática dos atos descritos na norma, independentemente da finalidade eleitoral, uma vez que constituem ilícitos de natureza objetiva (AgR–REspe 195–81, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 27.6.2019).

Estabelecidas tais premissas, concluo que, as condutas praticadas por LEANDRO NUNES TEIXEIRA e ISMARA POZZEBON SCHMITT, não obstante terem sido relevantes no esquema de distribuição de bens e serviços, não configuram prática de conduta vedada pela legislação, já que, de fato, os recorrentes não possuíam ingerência ou poder de decisão para fazer ou permitir o uso promocional da distribuição das cestas básicas e/ou prestação de serviços custeados pelo poder público, de forma a atrair a incidência da vedação constante no inc. IV do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

 

Igual sorte não assiste CLEUSA TERESINHA DE MELO, que na condição de servidora pública coordenadora da Secretaria de Assistência Social do Município de Santo Ângelo, com poder de decisão sobre o fornecimento das cestas básicas na repartição pública, era a pessoa responsável por operacionalizar o uso político-promocional da distribuição gratuita das cestas básicas em favor das candidaturas de PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ e MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO.

Esse comportamento subsume-se perfeitamente à conduta vedada pelo inc. IV do art. 73 da Lei n. 9.504/97, que não busca reprimir a política social de distribuição de cestas básicas em si, mas sim o uso promocional e eleitoreiro que dela foi feito, motivo pelo qual, voto por manter a procedência da representação por conduta vedada em face da recorrente CLEUSA DE MELO. 

Embora a executora do esquema, CLEUSA TERESINHA DE MELO, argumente não haver qualquer ilegalidade no encaminhamento de propaganda eleitoral por aplicativo de mensagem em seu celular em um domingo, é evidente que a confusão entre o papel de agente público, que utiliza o mesmo canal de comunicação para dar informações e orientações sobre a política pública assistencial, e a de cabo eleitoral, que envia propaganda de seu candidato e pede voto, resulta em utilização irregular da máquina pública e contamina a legitimidade do processo eleitoral. 

Nessa mesma linha, são as conclusões da Procuradoria Regional Eleitoral, confira-se:

Nada obstante, deve-se restringir a responsabilização de tais atos aos candidatos PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ e MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO, assim como à servidora CLEUSA DE MELO, pois ISMARA POZZEBON e LEANDRO TEIXEIRA agiram como meros terceiros aos atos. Ou seja, não possuem a qualidade de agente público responsáveis pelas condutas vedadas, nos termos do art. 73, §8º, da Lei nº 9.504/97. Ainda que ISMARA POZZEBON seja assessora parlamentar e LEANDRO TEIXEIRA seja vigilante municipal, a participação de ambos para a configuração dos ilícitos se deu fora das respectivas esferas de atribuição funcional, pois não tinham responsabilidade ou ingerência sobre a entrega de cestas básicas ou de outros bens ou quanto à prestação de serviços municipais, atuando, no caso, com meros interlocutores dos interesses de PEDRO SILVESTRE. 

Por fim, o pedido de redução da multa para R$ 1.000,00, em vista situação econômica da recorrente CLEUSA DE MELO, igualmente, não comporta provimento.

Para a estipulação do quantum de multa, é necessária a ponderação dos elementos constantes nos autos, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. No caso, os elementos dos autos demonstram que a conduta da recorrente foi extremamente grave, com relevante participação na desestabilização da legitimidade e regularidade do pleito em favor dos candidatos beneficiários, motivo pelo qual entendo como razoável e proporcional a estipulação da multa no montante de 10.000 (dez mil) Ufirs, equivalente ao valor de R$ 10.641,00 (Dez mil seiscentos e quarenta e um reais). Ainda, tais valores atendem ao postulado da função dissuasória e preventiva da responsabilização, de forma a desestimular a recorrente e outras pessoas de praticarem a mesma conduta ilícita.

No ponto, relevantes são os ensinamentos de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral – 15ª Edição – pg. 375):

Importa frisar que, se a responsabilização e a consequente imposição de sanção visam proteger os bens juridicamente tutelados pelo Direito Eleitoral, também têm o sentido de prevenção geral, notadamente no que se refere à defesa da ordem jurídico-eleitoral e à intimidação social, de sorte a se desestimular a prática de condutas ilícitas.

 

Em conclusão, na linha do parecer ministerial, deve ser afastada a multa imposta a ISMARA POZZEBON SCHIMITT e LEANDRO NUNES TEIXEIRA pela prática da conduta vedada do art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97.

 

ANTE O EXPOSTO, voto pela rejeição das preliminares de nulidade, por dar provimento aos recursos de JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR, LEANDRO NUNES TEIXEIRA E ISMARA POZZEBON SCHMITT e pelo parcial provimento dos recursos de CLEUSA TERESINHA DE MELO e PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ. Nessa linha, fica mantida a sentença quanto à declaração de inelegibilidade de MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO e PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ para as eleições que se realizem nos 08 (oito) anos subsequentes à eleição de 2020; e à cassação dos diplomas de MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO e PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ, com a anulação dos votos obtidos no pleito, nos termos do art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90, ficando reconhecido que MAURÍCIO praticou abuso de poder político e econômico e PEDRO, abuso de poder político. Ainda, por violação ao disposto no art. 73 da Lei n. 9.504/97, fica mantida a cassação dos diplomas de MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO e PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ, assim como a multa individual aplicada no patamar de 10.000 (dez mil) UFIRs, equivalente ao valor de R$ 10.641,00 (Dez mil seiscentos e quarenta e um reais), em desfavor de MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO, PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ e CLEUSA TERESINHA DE MELO. Nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, fica também mantida a multa de 7.500 (sete mil e quinhentas) UFIRs, equivalente ao valor de R$ 7.980,75 (Sete mil, novecentos e oitenta reais e setenta e cinco centavos), aplicada a MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO e a cassação do diploma obtido pelo candidato nas Eleições 2020 em razão desse ilícito.

Considero prequestionada toda a matéria invocada nos autos, a fim de facilitar o acesso à instância recursal.

Publicado o acórdão, comunique-se à respectiva Zona Eleitoral para cumprimento, registro das sanções nos sistemas pertinentes e recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, nos termos da fundamentação.

É o voto.