PCE - 0603224-34.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/02/2024 às 14:00

VOTO

Cuida-se de prestação de contas apresentada por EMERSON FERNANDO LOURENÇO, candidato ao cargo de deputado estadual pelo Partido AVANTE, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

Após exame inicial da contabilidade e intimação do prestador, a Secretaria de Auditoria Interna (SAI) emitiu parecer conclusivo pela desaprovação das contas, porquanto persistentes irregularidades quanto ao uso de recursos de origem não identificada (RONI) e relativas a gastos realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

O item 3.1 do Parecer Conclusivo apontou que os recursos próprios aplicados na campanha superaram o valor do patrimônio declarado por ocasião do registro de candidatura, considerando a quantia como recursos de origem não identificada.

Intimada, a parte não exerceu seu direito de manifestação quanto ao ponto, como previsto no § 1º do art. 69 da Resolução TSE n. 23.607/19, e não apresentou esclarecimentos e comprovantes que alterem as falhas apontadas.

Com efeito, observa-se que o candidato investiu recursos próprios em sua campanha, na quantia de R$ 2.800,00, e declarou, no processo RCand n. 0601357-06.2022.6.21.0000, não possuir bens em seu nome.

Porém, em seu parecer, a PRE diverge da SAI nesse ponto, acostando consulta informando que o prestador declarou ser empresário e vereador no Município de Novo Hamburgo:

Isso porque é possível constatar que o candidato, embora não tenha informado patrimônio por ocasião do registro de candidatura, declarou ser empresário (RCand nº 0601357-06.2022.6.21.0000). Ademais, conforme informação disponível na internet, atualmente exerce o mandato de vereador em Novo Hamburgo, inclusive presidindo a Câmara Municipal (https://portal.camaranh.rs.gov.br/pm3/processolegislativo/parlamentares/fernando-lourenco), sendo forçoso concluir que dispõe de renda lícita e pode investir na própria campanha

 

Com razão a Procuradoria Regional Eleitoral.

O prestador não apenas exerce o cargo de vereador no momento, como já o fazia durante a legislatura de 2016, de sorte que reeleito, inegável a capacidade econômica do candidato frente ao montante tido por irregular.

Nessa senda, entendo que os elementos presentes permitem concluir pela existência de capacidade financeira do prestador para doar recursos à própria campanha, de modo a evidenciar o lastro para o autofinanciamento de R$ 2.800,00.

Abaixo, ementa de aresto desta Corte nesta linha:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. USO EM CAMPANHA DE RECURSOS FINANCEIROS PRÓPRIOS. DEMONSTRADA CAPACIDADE FINANCEIRA DO PRESTADOR. AFASTADO O APONTAMENTO. APROVAÇÃO. 1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022. 2. Recursos de origem não identificada. Identificado aporte financeiro pelo candidato em sua conta bancária eleitoral, extrapolando o patrimônio declarado no registro de candidatura, o que configuraria recebimento de recursos de origem não identificada. Contudo, o uso em campanha de recursos financeiros próprios em montante superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura não compromete o exame da movimentação contábil, não atraindo a conclusão de recebimento de recursos de fonte vedada ou de origem não identificada, caso o valor impugnado tenha sido devidamente registrado na prestação de contas e mostre–se compatível com a atividade profissional declarada. Ademais, a ausência de patrimônio não significa inexistência de renda. Demonstrada a capacidade financeira do prestador. Afastado o apontamento. 3. Aprovação.

(TRE-RS - PCE: 06021512720226210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 26/09/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 179, Data: 29/09/2023.) (Grifei.)

 

Afasto, portanto, o apontamento.

Por fim, o item 4.1 do Parecer Conclusivo registra irregularidade na aplicação de recursos procedentes do Fundo Especial de Financiamento de campanha (FEFC), no montante total de R$ 5.000,00.

Apesar da retificação do caderno contábil e da juntada de documentos, manteve-se a falha quanto ao Fornecedor GUILHERME OSCAR KAYSER, CPF n. 03644192022, no valor de R$ 5.000,00 (ID 45520153).

A nota fiscal não apresenta os pormenores da operação “edição de estatística e de outras informações para divulgação na internet”. Assim, a unidade técnica solicitou a descrição qualitativa e quantitativa dos serviços prestados e/ou documento adicional, de forma a comprovar a prestação efetiva do serviço, em conformidade com art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, o que não foi atendido pelo prestador.

O parecer ministerial, quanto ao ponto, opina pela irregularidade da despesa.

Nesse cenário, ausente manifestação quanto ao item, tendo o prestador apenas juntado a nota fiscal sem a descrição detalhada do serviço. Ainda que declaradas as despesas, resta inviável a aferição da finalidade da verba pública, de sorte que o montante irregular deve ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Sobre o tema, esta colenda Corte tem entendimento consolidado pela necessidade de comprovação dos dispêndios com recursos do FEFC por meio de documento fiscal emitido pelo respectivo fornecedor, com descrição detalhada do serviço ou material, sob pena de configuração de irregularidade na aplicação de verbas públicas:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020. PARTIDO POLÍTICO. FUSÃO PARTIDÁRIA. DIRETÓRIO ESTADUAL. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE REGULARIZAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. PARECER PELA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). AUSÊNCIA DE REGISTRO DE DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. GASTOS NÃO ELEITORAIS. CONTRATAÇÕES NÃO COMPROVADAS. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO FISCAL IDÔNEO. RECURSOS DO FEFC TRANSFERIDOS A CANDIDATOS APÓS A DATA DAS ELEIÇÕES. NÃO COMPROVADA CAPACIDADE OPERACIONAL E TÉCNICA DE EMPRESA CONTRATADA. SERVIÇOS DE ADVOCACIA SEM FINALIDADE ELEITORAL. OMISSÃO DE NOTAS FISCAIS. CARACTERIZAÇÃO DE RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PERDA DO DIREITO AO RECEBIMENTO DE QUOTA DO FUNDO PARTIDÁRIO. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. 1. Prestação de contas de diretório estadual de partido político, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições 2020. Ocorrência de fusão partidária durante o processamento da contabilidade, dando origem a novo partido, que sucedeu o prestador de contas originário na autuação. 2. Preliminar. Ausência de regularização de representação processual. Transcorrido in albis o prazo concedido para que o partido resultante da fusão constituísse procurador. Entretanto, estando representados nos autos os dirigentes de um dos partidos à época da prestação de contas, resta autorizada a realização do julgamento. Ademais, considerando que o exame do mérito da prestação de contas é mais favorável à agremiação do que a declaração de omissão, a qual deve ser evitada sempre que possível, o defeito na representação processual não configuraria nulidade, na hipótese. Prosseguimento do exame. 3. Aplicação irregular do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), cujo montante somente pode ser utilizado para custear gastos de campanha. A redação do § 11 do art. 16–C da Lei n. 9.504/97 determina que os “recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha que não forem utilizados nas campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional, integralmente, no momento da apresentação da respectiva prestação de contas”. Existência de recursos que permaneceram nas contas de campanha dos candidatos após a data das eleições, não tendo sido utilizados para quitar as obrigações por eles contraídas no período eleitoral. Ainda que o § 1º do art. 33 da resolução de regência permita que partidos políticos arrecadem recursos, após o dia da eleição, exclusivamente para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o pleito, a permissão não abrange os recursos do FEFC repassados com infringência ao § 5ºdo art. 50 da Resolução TSE n. 23.607/19, os quais deveriam ter sido recolhidos ao Tesouro Nacional. 4. Ausência de registro de doações estimáveis em dinheiro para diretórios municipais em relação a gastos com pagamento de locação de imóveis. A dispensa de emissão de recibos não afasta a obrigatoriedade do referido registro na prestação de contas dos doadores e de seus beneficiários. Demonstrado que o lapso temporal da campanha eleitoral não foi observado, bem como a destinação, em vários casos, não é específica para campanha, de forma que as despesas não poderiam ter sido pagas com recursos do FEFC. Falta de comprovação da “atividade de caráter eleitoral” das contratações. Configurado gastos não eleitorais. 5. Gastos irregulares com recursos do FEFC em razão da ausência ou desconformidade de documentos que comprovariam contratações. Pagamento de reembolso de despesas arcadas por candidato, com divergência de identidade entre o beneficiário do pagamento e o fornecedor constante dos documentos fiscais juntados. Descumprimento dos arts. 38 e 53, inc. II, c e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Não evidenciados vínculos com a atividade eleitoral. Ausência de documento fiscal de pessoa jurídica apto a comprovar o gasto, bem como falta de detalhamento do serviço prestado. Impossibilitada a verificação do gasto pelo Justiça Eleitoral. 6. Irregularidades na comprovação dos gastos com alimentação (almoços) de pessoal, pagos com recursos do FEFC. A comprovação do gasto eleitoral demanda a juntada de documento fiscal idôneo com descrição detalhada da contratação (art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19), o que não foi observado pelo prestador. Impossibilidade de atestar a vinculação do gasto com a campanha eleitoral. 7. Recursos oriundos do FEFC transferidos a candidatos após a data das eleições. Matéria regulamentada pelo art. 33 da Resolução TSE n. 23.607/19. Inexistência de permissão para que partidos disponham, mediante doação ou transferência, de recursos públicos que detenham e que não tenham sido destinados oportunamente. Os saldos não utilizados do FEFC não constituem sobras de campanha e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional integralmente por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) no momento da prestação de contas (art. 50 e § 5º da Resolução TSE n. 23.607/19). Nesse sentido, jurisprudência deste Tribunal. Caracterizado o descumprimento da norma incidente. 8. Não comprovada capacidade operacional e técnica de empresa contratada. Inexistência de elementos que autorizem reconhecer que dispusesse de pessoal, em número suficiente e com a qualificação adequada, para levar a cabo o registro de todos os candidatos do partido prestador de contas no Estado. Gasto não comprovado adequadamente, em razão da ausência de prova da prestação efetiva do serviço. 9. Contratação de serviços de advocacia. 9.1. Considerado gastos eleitorais a prestação de serviços de advocacia contenciosa, possibilitando a utilização de recursos do FEFC. Este Tribunal Regional Eleitoral entendeu recentemente pela regularidade da utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC para custeio de honorários por serviços advocatícios ao examinar processo relativo às Eleições 2022 (PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS nº 060249508, Acórdão, Relator (a) Des. KALIN COGO RODRIGUES, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 15/12/2022). Na hipótese, possível irregularidade quanto às atividades prévias ao período eleitoral não serem gastos eleitorais não comprometem toda a despesa. Afastado o apontamento. 9.2. Contratação de serviço de advocacia sem finalidade eleitoral. O contrato afasta a possibilidade de prestação do serviço em prol de diretórios municipais e candidatos. A contratação não poderia ter sido custeada com recursos do FEFC, porque o gasto não se deu em favor da campanha eleitoral, mas na gestão financeira do partido político. Afronta ao art. 26 da Lei n. 9.504/97 e ao art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19. 10. Omissão de gasto eleitoral decorrente de nota fiscal emitida contra o CNPJ de campanha. Infringência ao disposto no art. 53, inc. I, al. g, da Resolução TSE n. 23.607/19. Documento fiscal não cancelado pela prestadora. Os valores não transitaram pelas contas bancárias da campanha como determina a legislação, o que configura recursos de origem não identificada. 11. O total das irregularidades representa 13,27% dos recursos recebidos. Fixação de perda do direito ao recebimento de quota do Fundo Partidário. Determinação de recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional. O partido político resultante da fusão será responsável pelas obrigações impostas. 12. Desaprovação.

(TRE-RS - PCE: 06004076520206210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Data de Julgamento: 22/05/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 97, Data: 01/06/2023.) (Grifei.)

 

Portanto, ausente o comprovante fiscal ou insuficientes as informações de que trata o art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, é adequado o recolhimento da quantia de R$ 5.000,00 ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Note-se, por oportuno, que as falhas foram indicadas no parecer de exame preliminar (ID 45516249). Todavia, apesar da manifestação do candidato, manteve-se silente quanto a este ponto, não fornecendo documentos ou explicações capazes de afastar os apontamentos técnicos destacados no parecer conclusivo (ID 45553366).

Em síntese, o vício totaliza R$ 5.000,00 e representa 2,32% do total auferido em campanha (R$ 215.600,00), devendo a contabilidade ser aprovada com ressalvas, na esteira do entendimento desta Corte, mediante aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Diante do exposto, alinhado com o parecer ministerial, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de EMERSON FERNANDO LOURENÇO, com base no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, e determino o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 5.000,00, a título de verbas malversadas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), nos termos da fundamentação.