PCE - 0601992-84.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/02/2024 às 14:00

VOTO

Cuida-se de prestação de contas apresentada por DANIEL LAERTE LAHM, candidato que alcançou a suplência para o cargo de deputado federal pelo Partido PODEMOS – PODE, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

Após relatório preliminar de diligências e intimação do prestador, a Secretaria de Auditoria Interna (SAI) emitiu parecer conclusivo pela desaprovação das contas, na medida em que remanescentes irregularidades consubstanciadas no uso de recursos de origem não identificada (RONI) e na malversação de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

O item 3.1 do parecer conclusivo relatou a existência de 2 (duas) notas fiscais, nos valores de R$ 35,00 e R$ 897,66, emitidas pelo FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA., totalizando R$ 932,66, enquanto o valor declarado pelo prestador foi de R$ 500,00.

É dizer, uma diferença de R$ 432,66 foi quitada com valores que não transitaram previamente pelo sistema bancário nacional e que não foram arrolados em dívidas de campanha, a indicar o uso de recursos sem demonstração de origem no adimplemento.

A vedação ao uso de RONI vem estampada no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

 

Intimada, a parte não exerceu seu direito de manifestação, previsto no § 1º do art. 69 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, não há nos autos princípios que permitam atestar a conformidade da movimentação financeira com os termos da Resolução TSE n. 23.607/19, dado ser inquestionável que as notas fiscais foram emitidas contra o CNPJ de campanha, sendo que a conjectura, neste caso, aponta para o uso de recursos sem demonstração de origem, ao arrepio da norma eleitoral, os quais devem ser recolhidos ao erário.

Na mesma toada, jurisprudência desta Corte:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATA. DEPUTADA FEDERAL. SUPLENTE. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DIVERGÊNCIA DE GASTOS COM IMPULSIONAMENTO JUNTO AO FACEBOOK. CONTRATOS DE PESSOAL SEM OS DETALHAMENTOS LEGAIS. BAIXO PERCENTUAL. APLICADOS OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas apresentada por candidata suplente ao cargo de deputada federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022. 2. Recebimento de crédito via PIX, sem a identificação do CPF ou CNPJ da contraparte, configurando o recebimento de recursos de origem desconhecida. Contudo, a análise minuciosa dos autos revela que o CPF do doador está indicado no extrato bancário, tratando–se da própria da candidata, embora não conste do extrato bancário publicado no sistema DivulgaCandContas do TSE. A operação de autofinanciamento constou devidamente declarada e detalhada pela prestadora de contas no Demonstrativo de Receitas Financeiras. Afastado o apontamento. 3. Divergência de gastos com impulsionamento junto ao Facebook. As notas fiscais emitidas denotam valor superior ao lançado na contabilidade da candidata, havendo uma diferença de valores que não transitaram pelas contas de campanha, consistindo em recursos de origem não identificada. A candidata não se manifestou quanto ao ponto. Mantido o apontamento. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional, na forma prescrita pelo art. 32, caput e § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, por utilização de recursos que não se originaram das contas específicas de campanha. 4. Contratos de pessoal sem os detalhamentos legais. Identificados contratos de prestação de serviços com pessoal de campanha, os quais não contêm o detalhamento exigido pelo art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, consistindo em irregularidade envolvendo recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Documentos em desacordo com as exigências do art. 60, c/c o art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que não constituem instrumentos idôneos capazes de ensejar segurança acerca da especificação e/ou informação do local de trabalho, das horas trabalhadas e das atividades executadas, impedindo a fiscalização dos valores em exame. Determinado o recolhimento ao erário. 5. As irregularidades representam cerca de 8,7% do total arrecadado, autorizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, conforme entendimento consolidado desta Corte Regional. 6. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 06027038920226210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 24.10.2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 201, Data: 06.11.2023. ) (Grifei.)

 

No tocante ao uso indevido dos recursos procedentes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o parecer técnico aponta a malversação do montante de R$ 51.948,00.

Trata-se de gastos realizados com 15 (quinze) fornecedores, em 27 operações (vinte e sete), envolvendo irregularidades relativas à ausência de comprovante/nota fiscal da despesa, impossibilidade de identificação dos destinatários da verba pública e gastos com combustível desacompanhados dos respectivos registros de locação/cessão veicular, publicidade com carro de som ou uso de geradores de energia.

Antes de pormenorizar a situação acima elencada, registro que o prestador não carreou ao feito nenhuma nota, contrato, boleto ou recibo aptos a comprovar as expensas realizadas, o que, por si só, ensejaria a desaprovação do caderno contábil, porquanto inviabilizada a aferição dos gastos, em absoluta afronta à regra eleitoral. 

Corroborando, temos, ainda, a ausência de indicação da contraparte em 15 operações realizadas à margem da norma eleitoral, visto que os pagamentos devem ocorrer nos moldes definidos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, de maneira a permitir a fiscalização desta Justiça Especializada quanto à real destinação dos recursos de campanha.

Destaca-se, também, a existência de 02 (dois) gastos com combustível sem que tenha aportado ao feito documento indicando a locação, cessão de veículo, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia, na linha do art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Entretanto, compulsando o sistema DivulgaCand (Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais), consta a emissão de notas fiscais contra o CNPJ de campanha do prestador (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001596126/nfes. Acesso em 14.11.2023).

Nesse cenário, entendo comprovados os seguintes gastos, no somatório de R$ 15.500,00:

- R$ 11.100,00 - distribuição de panfletos pela empresa ANDERSON BATISTA CABREIRA,

CNPJ n. 23.690.396/0001-41; e

- R$ 4.400 - (R$ 2850,00+R$ 1.550,00)  - materiais impressos pela 1000 Impressões LTDA., CNPJ n. 43.545.241/0001-29.

 

No ponto, ainda que mantida a glosa quanto à inércia do prestador referente à juntada de documentos fiscais, as despesas restaram demonstradas e devem ser descontadas do montante a ser ressarcido ao erário.

Todavia, restaram débitos que, conquanto aferida sua execução, inarredáveis os vícios a eles atrelados. 

No caso, os R$ 350,02 (R$ 200,00+R$ 150,02) utilizados na aquisição de combustível da COMERCIAL DE COMBUSTIVEIS JCVL EIRELLI ocorreram ao arrepio da regra disposta no art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19, como já referido acima.

Na mesma linha, o dispêndio com publicidade em outdoor, no valor de R$ 1.498,00, realizado pela empresa ADRIANA GASTAL PULUPA E CIA LTDA., CNPJ n. 94.978.178/0001-55, na medida em que vedada tal modalidade de divulgação, nos termos da Resolução TSE n. 23.610/19, art. 26.

Ou seja, os gastos com combustível e publicidade proibida devem, ainda que comprovados, ser recolhidos ao Tesouro Nacional. 

As demais expensas,  porquanto irregulares e desprovidas de lastro probatório, igualmente, devem ter seu valor repassado ao erário, na linha do parecer ministerial:

O item 4.1 do parecer conclusivo aponta irregularidades na aplicação recursos do FEFC, em relação 1) a pagamentos que não registram como beneficiário o prestador dos serviços, além de pagamentos sem a indicação da contraparte, em ambos os casos, também sem a comprovação das despesas, nos termos do art. 60 da Res. TSE nº 23.607/19; 2) à ausência de comprovação de despesas, nos termos do art. 60 da Resolução TSE nº 23.607/2019 e 3) despesas com combustível sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia.
A prestação de contas em exame não contém um único comprovante das despesas realizadas. Não foram juntados contratos e tampouco notas fiscais emitidas por pessoas jurídicas.
A existência de pagamentos sem a apresentação dos respectivos instrumentos contratuais ou documentos fiscais impede a verificação da natureza dos serviços prestados.
Ademais, cumpre ressaltar que os meios de pagamento previstos no art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente.

Nesse contexto, seria possível concluir, de imediato, que todos os gastos, no valor de R$ 52.448,90, seriam irregulares, por ausência de comprovação, sendo possível observar, ainda, que parte dos pagamentos sequer foi feita em prol dos prestadores de servidos informados no Relatório de Despesas Efetuadas, preenchido no SPCE (ID 45397696). A unidade técnica, apontando irregularidades no valor de R$ 51.948,00, apenas excluiu do rol de irregularidades na aplicação dos recursos FEFC a despesa de R$ 500,00 com o Facebook e um saldo, irrisório, de R$ 0,90.

 

Sobre o tema, esta colenda Corte tem entendimento consolidado pela necessidade de comprovação dos dispêndios com recursos do FEFC por meio de documento idôneo emitido pelo respectivo fornecedor, sob pena de configuração de irregularidade na aplicação de verbas públicas:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. DEPUTADA ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. IRREGULARIDADES NA UTILIZAÇÃO DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. EXTRAPOLAÇÃO DE GASTOS COM ALUGUEL DE VEÍCULOS AUTOMOTORES E AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO FISCAL COMPROBATÓRIO. IRREGULARIDADES QUE REPRESENTAM ELEVADO PERCENTUAL. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Prestação de contas apresentada por candidata ao cargo de deputada estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

2. Irregularidades na utilização de recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Extrapolação de gastos com aluguel de veículos automotores, em infringência ao art. 42, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, e ausência de apresentação de documento fiscal comprobatório, conforme art. 60 do citado normativo.

3. A irregularidade representa 41,67% da receita total declarada pela candidata, ensejando a desaprovação das contas, com a determinação de recolhimento do valor apontado como irregular ao Tesouro Nacional, conforme art. 79, § 1°, da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. Desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE/RS – PCE n. 0602838-04.2022.6.21.0000, Relator Des. Eleitoral Afif Jorge Simoões Neto, Publicação: DJE/TRE-RS, edição n. 198/2023.) (Grifou-se.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATA. DEPUTADA FEDERAL. IRREGULARIDADE NA COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. AUSÊNCIA DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E OUTROS DOCUMENTOS. ALTO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. 1. Prestação de contas apresentada por candidata não eleita ao cargo de deputada federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022. 2. Ausência de comprovação dos gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Verificado, no Relatório de Despesas Efetuadas, a contratação de fornecedor para o serviço de coordenação e organização de campanha. Omissão da candidata na apresentação dos documentos pertinentes ao contrato. 3. A irregularidade corresponde a 11.5% da receita total declarada pela candidata, tornando imperativo a desaprovação das contas e o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional, conforme o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. 4. Desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 06026102920226210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Data de Julgamento: 17/08/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 164, Data: 06/09/2023.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSO PÚBLICO. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. SAQUES ELETRÔNICOS. INOBSERVÂNCIA AO ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. ALTO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. 1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022. 2. Pagamento de despesas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), por meio de saques eletrônicos, sem observância da forma prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Em razão da natureza pública da verba, o escrutínio contábil exige redobrada atenção aos requisitos do art. 38, e incisos, da Resolução TSE n. 23.607/19, demandando exata vinculação do dispêndio efetivamente contratado. Tais regramentos destinam–se exatamente a fiscalizar se os valores registrados como pagos a um prestador de serviços são de fato a ele entregues, garantindo a necessária lisura das informações apresentadas. Inviabilizada a efetiva atuação fiscalizadora desta Justiça Especializada quanto ao correto emprego dos recursos públicos na campanha política. Recolhimento ao Tesouro Nacional. 3. A irregularidade representa 100% do montante de recursos recebidos e encontra–se acima do parâmetro legal de R$ 1.064,10 admitido pela jurisprudência “como espécie de tarifação do princípio da insignificância”. 4. Desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 06030529220226210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. Patricia Da Silveira Oliveira, Data de Julgamento: 21/09/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 175, Data: 25.09.2023.) (Grifos nossos.)

 

Portanto, ausente o comprovante fiscal ou insuficientes as informações de que trata o art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19 no uso das verbas do FEFC, figura adequado o recolhimento da quantia de R$ 36.448,00 (R$ 51.948,00 - R$ 11.100,00 - R$ 4.400,00) ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

O montante irregular perfaz R$ 36.880,66 (RONI R$ 432,66 + FEFC R$ 36.448,00), correspondentes a 70,32% dos recursos recebidos para a campanha do prestador (R$ 52.448,90), cifra que supera em muito as balizas definidas por esta Corte para, mediante aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, mitigar o juízo de reprovação das contas.

Diante do exposto, alinhado com o parecer ministerial, VOTO pela desaprovação das contas de DANIEL LAERTE LAHM, com base no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e determino o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 36.880,66, nos seguintes termos:

a) R$ 432,66 - uso de RONI; e 

b) R$ 36.448,00 - malversação das verbas do FEFC.