RecCrimEleit - 0600071-18.2021.6.21.0100 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/02/2024 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Da Preliminar de Ilicitude da Prova

Preliminarmente, o recorrente suscita a ilicitude da prova consistente na sua conversa com Katiane, via aplicativo WhatsApp, pois não houve a extração do arquivo digital pela Autoridade Policial.

Não assiste razão ao recorrente.

No caso concreto, a exordial acusatória imputa ao recorrente a participação no crime de corrupção eleitoral previsto no art. 299 do Código Eleitoral, relatando que (ID 45467194):

(…)

Entre os dias 10 e 16 de novembro de 2020, no Município de Santa Cecília do Sul/RS, os denunciados, Alex Mioto e João Sirineu Pelissaro, ofereceram e deram dinheiro para a eleitora Katiane Silva Rodrigues, para obter o seu voto para o candidato a prefeito João Sirineu, durante o pleito eleitoral municipal de 2020. Na ocasião, o denunciado ALEX, na qualidade de cabo eleitoral do candidato a prefeito JOÃO SIRINEU, através de conversa pelo aplicativo whatsapp, ofereceu R$2.000,00 (dois mil reais) em troca do voto da eleitora Katiane. A eleitora aceitou a proposta e recebeu metade do valor prometido, sendo que o restante seria entregue após as eleições, caso o candidato João Pelissaro se elegesse. Porém, a eleitora registrou BO sobre os fatos e entregou o dinheiro recebido à autoridade policial, conforme termo de arrecadação de fls.

 

A denúncia está amparada em prints de WhatsApp que evidenciariam a suposta prática do delito de corrupção eleitoral, no pleito eleitoral de 2020, no Município de Santa Cecília do Sul, consistente na entrega de valores à eleitora Katiane Silva Rodrigues, no intuito de obter voto para o candidato João Pelissaro, e em elementos colhidos no curso do inquérito policial respectivo, quais sejam, boletim de ocorrência, prints das conversas de WhatsApp, além do depoimento de Katiane e Ariosto.

Destaco que a ilicitude da prova já fora suscitada e não acolhida em outras duas oportunidades, em decisão judicial (ID 45467241) como também na sentença (ID 45467343).

A Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer, elucida a questão, colacionando o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o sigilo garantido pelo art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal apenas se refere à comunicação de dados, não aos dados em si mesmos:

Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em flagrante do corréu, terem realizado a análise dos últimos registros telefônicos dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do art. 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados, e não dos dados. Art. 6º do CPP: dever da autoridade policial de proceder à coleta do material comprobatório da prática da infração penal. Ao proceder à pesquisa na agenda eletrônica dos aparelhos devidamente apreendidos, meio material indireto de prova, a autoridade policial, cumprindo o seu mister, buscou, unicamente, colher elementos de informação hábeis a esclarecer a autoria e a materialidade do delito (dessa análise logrou encontrar ligações entre o executor do homicídio e o ora paciente). Verificação que permitiu a orientação inicial da linha investigatória a ser adotada, bem como possibilitou concluir que os aparelhos seriam relevantes para a investigação...”[HC 91.867, rel. min. Gilmar Mendes, j. 24-4-2012, 2ª T, DJE de 20-9-2012]. (Grifo no original)


 

No caso dos autos, não há que se cogitar em violação da privacidade, pois o celular foi entregue pela proprietária do aparelho, acompanhado dos prints.

Precedente recente da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça aceitou o uso de prints de WhatsApp como prova, em caso no qual o celular foi apreendido, lacrado, não houve nenhum indício de adulteração da prova ou alteração da ordem cronológica da conversa e ainda que o fato delituoso tenha sido comprovado por outros meios de prova:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. CRIMES DE CORRUPÇÃO ATIVA, PECULATO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONDENAÇÃO MANTIDA EM GRAU DE APELAÇÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADES. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ALTERAÇÃO DE PATRONO. RECEBIMENTO DO PROCESSO NO ESTADO EM QUE SE ENCONTRA. PRINTS DE MENSAGENS PELO WHATSAPP. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO VERIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE ADULTERAÇÃO DA PROVA OU DE ALTERAÇÃO DA ORDEM CRONOLÓGICA DAS CONVERSAS. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. DEMAIS PROVAS DOS AUTOS SUFICIENTES PARA FUNDAMENTAR A CONDENAÇÃO. RECONHECIMENTO DA AUSÊNCIA DE DOLO E ABSOLVIÇÃO DO RÉU POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. INVIABILIDADE NA VIA ELEITA. ALTERAÇÃO QUE DEMANDARIA O REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Como é de conhecimento, matéria não apreciada pelo Tribunal de origem inviabiliza a análise por esta Corte Superior, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância, mesmo em caso de suposta nulidade absoluta.

2. Na hipótese, as teses de nulidade pela deficiência da antiga defesa técnica em grau de apelação, pelo não enfrentamento na sentença de todas as teses levantadas em alegações finais, pela ausência de fundamentação quanto à negativa ao pedido de produção de prova da defesa e pela atipicidade da imputação por organização criminosa não foram efetivamente debatidas pelo Tribunal de origem, com a análise das particularidades do caso, motivo pelo qual esta Corte Superior fica impedida de se antecipar à matéria, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância e violação dos princípios do duplo grau de jurisdição e devido processo legal.

3. Ademais, cumpre destacar que, na esteira da jurisprudência desta Corte Superior, ainda que o réu troque de advogados após o esgotamento da jurisdição da Corte local, os novos causídicos assumem o processo no estado em que se encontra, sem direito à reabertura de oportunidade para a prática de atos já preclusos.

4. Se as instâncias ordinárias compreenderam que não foi constatado qualquer comprometimento da cadeia de custódia ou ofensa às determinações contidas no art. 158-A do CPP, o seu reconhecimento, neste momento processual, demandaria amplo revolvimento do conjunto fático-probatório, o que, como é sabido, não é possível na via do habeas corpus (AgRg no HC n. 752.444/SC, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 10/10/2022).

5. In casu, o Juízo de primeiro grau e a Corte local não verificaram a ocorrência da quebra da cadeia de custódia ora alegada, pois o aparelho celular do corréu Mario, bem como outros bens apreendidos durante o cumprimento de mandados de busca e apreensão, foram devidamente lacrados e identificados, inexistindo nos autos qualquer indício de adulteração da prova, ou de alteração da ordem cronológica da conversa de WhatsApp obtida por meio dos prints da tela do referido telefone.

6. Inclusive, conforme destacado pela Corte local, os prints de WhatsApp não foram os únicos elementos probatórios a respaldar a condenação do paciente e dos corréus, que foi calcada também em outros elementos de prova. Desse modo, a alteração da conclusão do Tribunal a quo quanto à regularidade das provas que deram respaldo à condenação do paciente, nos moldes pretendidos pela defesa, dependeria de revolvimento do acervo fático fático-probatório, providência totalmente incompatível com os estreitos limites do habeas corpus, que, em função do seu rito célere e de cognição sumária, não admite dilação probatória.

7. Nessa linha de intelecção, diante da exaustiva fundamentação apresentada pela Corte local (soberana na análise dos fatos e provas) para manter a condenação do paciente - apontado como administrador oculto da empresa Riccado Valle - pelos crimes de corrupção ativa, peculato e de integrar organização criminosa, mostra-se inviável acatar os pedidos de ausência de dolo quanto às condutas imputadas ao paciente e de absolvição por ausência de provas suficientes para sustentar a condenação, pois demandam o reexame aprofundado de todo o acervo fáticoprobatório, o que é sabidamente vedado na via eleita.

8. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no HC n. 831.602/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 18/9/2023.)


 

Com essas considerações, rejeito a preliminar de ilicitude da prova.

Do Mérito

Conforme referido, consta na inicial que, entre os dias 10 e 16.11.2020, o cabo eleitoral Alex Miotto ofereceu R$ 2.000,00 (dois mil reais) em troca do voto da eleitora Katiane Silva Rodrigues para o candidato a prefeito João Sirineu Pelissaro, durante o pleito eleitoral municipal de 2020. A eleitora aceitou a proposta e recebeu metade do valor prometido, sendo que o restante seria entregue após as eleições, caso o candidato se elegesse. Porém, a eleitora registrou B.O. sobre os fatos e entregou o dinheiro recebido à autoridade policial.

As provas que sustentam a denúncia se resumem aos prints da conversa de WhatsApp e ao depoimento de Katiane.

Com efeito, o testemunho de Ariosto dos Santos Rodrigues, pai de Katiane, é inservível como elemento de prova, pois não presenciou o fato, tampouco a negociação e a entrega do dinheiro (IDs 45467313, 45467314, 45467315, 45467316):

(...) que não presenciou nada, que na época a filha morava no endereço atual, mas estava sempre na sua casa, relata que no dia da eleição (não lembra se foi em novembro, quando foi o dia) que estava trabalhando de plantão à noite na saúde e pela manhã às 7:30 ligaram para ele ir a Tapejara para trabalhar no cartório eleitoral, pois o motorista que iria adoeceu. (…) relata que ele não estava em casa e não viu, sendo só isso o que tem a dizer do Alex, se aconteceu isso foi errado, pois não estava em casa, estava trabalhando e não gostou (...)

 

Segue a conversa constante nos prints, os quais estão reproduzidos abaixo:

(…).

10 de novembro de 2020

Alex: oi vou te ageitar um troco

Katiane: Oi preciso antes das eleições, pq s não não vou votar em ngm

 

11 de novembro de 2020

Katiane: E ae vai me ageitar os troco?

Alex: vamos ver hg

Alex: mas cuando

Alex: cuanto

Katiane: Olha fikei sabendo q tão pagando bem..entao veja qto vc vai me consegui...se eu tiver q por adesivos e me mostrar quero uma grana boa

 

12 de novembro de 2020

Alex: viu vamos cê fala

Alex: tenho uma proposta

Alex: não pode vir a Tapejara de tarde

Alex: da um pulo aqui

Katiane: Tô sem carro

Alex: vou ver se vou pra lá

Katiane: Tah. O meu carro vou ter q arrumar, estrago na viaje so gastei Katiane: Oi e ae não ia vim p ca?

Katiane: Faca tua proposta

Alex: fasa a tua

Alex: Mas cuando no total

Katiane: 2.000

Katiane: Agora e 500 se ganharem

Katiane: Pq tao oferecendo ate 5.00 p justificarem, p mim ngm faz estas propostas Alex: 1 antes e 1 depois

Katiane: Bah dae e pouco

Alex: mas e os houtros dão cuando

Katiane: P mim nd. E se for p votar de graca voto em branco

Katiane: Se eu não ganhar nd nem vou votar e mais vantagem, depois pago uma multa de 3,60 e deu não me estresso dae

Alex: tá te dou 1500 antes é 1000 depois

Katiane: Mais dae 1.000 s ganhar?

Alex: mas pref e vr

Alex: fesamos mas eu tenho como saber se vc votou

Katiane: Sla o problema q não tem nem como gravar

Katiane: Se não eu gravava Alex: mas vc vota mesmo

Katiane: Clr neh

Alex: então fica serto mais não comenta com ninguém

Katiane: Pra qdo?

Alex: i se vc não vota eu vou te que banca pra eles

Katiane: Somente eu e vc

Katiane: Oie bem home

Alex: eles tem como saber

Katiane: Eu disse q voto eu voto

Alex: pra sábado então

Alex: pode esperar

Katiane: Ok falemos então

Alex: você tem que pensar em vc

Katiane: Dae vc me traz o dinheiro em Mao? nao e periogoso?

Alex: sim mas apaga essas conversas

Katiane: Q conversas?ja apaguei

Katiane: Nao sou boba

Alex: Blz

Alex: Então

Katiane: Pra q hs sábado?

Alex: não sei mais fica tranquila

Alex: cê eu confio vc também tem q confia

Alex: Até sábado de noite passo La (...)

Katiane: Oi e ai agora q o João ganho será q vão ter meus outros mil? Eu quero, o trato era esse

Katiane: Ja q vc e cargo eleitoral do João, eu preciso


 

Ouvida em juízo (ID 45467309, 45467310, 45467311 e 45467312), Katiane confirmou a veracidade do conteúdo das mensagens e a materialidade do crime de corrupção eleitoral.

(…)

Ele veio oferecer o dinheiro e eu peguei e depois eu levei na Delegacia porque eu não preciso do dinheiro dele. Dinheiro sujo (…). Perguntada, respondeu que estava caminhando pela estrada e ele atacou, vivia atacando lá em volta, daí eu parei e ele começou a falar e então eu disse me arruma uns ‘troco’ né. E daí ele pegou e caiu. Começou a mandar mensagem pediu o número e daí eu não dei, mas daí eu não sei com quem ele pegou em Santa Cecília o meu número.

(…) Daí ele já veio querendo ofertar o dinheiro, não veio dizer o meu candidato vai lá falar umas propostas ou coisa assim; não, ele já veio falando em dinheiro. (…) Quando ele chegou ali na vila, ele me enxergou e veio ali na minha amiga. Aí ele disse: venha. E se foi indo lá para cima e entrou para dentro da casa do pai e eu fui atrás. Daí ele me entregou (o dinheiro) lá na casa do pai, não tinha ninguém praticamente, tinha a mulher do pai e que se apavorou também (...).

 

Isso posto, cumpre avaliar o contexto em que ocorreram os fatos, que podem ser extraídos em conjunto com a prova colhida nos autos da Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 0600508-93.2020.6.21.0100.

Naqueles autos, a controvérsia era sobre a ocorrência da captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Em acórdão transitado em julgado, da lavra do Eminente Desembargador Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, restou consignada a inexistência de prova do ilícito, não havendo comprovação da participação de Alex Miotto na compra de votos, conforme pode se verificar pela ementa do julgado em sessão de 31.8.2022:

RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – AIJE. ELEIÇÕES 2020. MAJORITÁRIA. PROCEDÊNCIA. PRELIMINAR DE DECADÊNCIA REJEITADA. ABUSO DE PODER. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PROVAS CONTUNDENTES. EXIGÊNCIA DE PROVA CABAL, CONCLUSIVA E IRREFUTÁVEL. REFORMA DA SENTENÇA. PROVIMENTO AO APELO DOS DEMANDADOS. PREJUDICADO O RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.

1. Insurgência dos investigados contra sentença que julgou procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE, por abuso de poder, cumulada com Representação por captação ilícita de votos. Determinada a cassação dos mandatos de prefeito e vice, a inelegibilidade de ambos e aplicada multa. Irresignação ministerial contra determinação da sentença.

2. Matéria preliminar rejeitada. Pleiteada a existência de decadência sob o argumento de que a ação originária foi ajuizada após a conclusão do ato administrativo de diplomação do prefeito e do vice-prefeito, isto é, de forma extemporânea e em desrespeito ao determinado pelo art. 41-A, § 3º, da Lei n. 9.504/97. Contudo, a ação foi proposta na mesma data da diplomação dos candidatos eleitos, o que inibe a ocorrência da decadência.

3. A aplicação do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 altera, em definitivo, o resultado das urnas, o que, em virtude do princípio do "in dubio pro suffragium", exige que a prova do ilícito e da participação ou anuência do candidato deve ser robusta, ultrapassando o campo das suposições. Sentença alicerçada na presunção de que não faria sentido que terceiros contribuíssem para os réus, em claro cometimento de ilícito, sem o conhecimento dos candidatos. Entretanto, inexiste nos autos prova contundente da participação ou da anuência dos investigados sobre quaisquer das condutas de captação de sufrágio. A jurisprudência, todavia, exige prova cabal, conclusiva, irrefutável de que o beneficiário tenha conhecimento do ato ilícito, sem a qual não se mostra possível aplicar a grave pena de cassação. Ademais, os demandados ganharam a eleição em chapa única. Todos os fatos versados e que foram objeto de prova ocorreram após o indeferimento da chapa adversária, não restando crível a realização de ilícito para alcançar a vitória no pleito, justamente por inexistir concorrência.

4. Provimento ao apelo dos demandados. Improcedência da ação. Prejudicado o recurso do órgão ministerial. (Grifo nosso)

 

Em que pese a independência das instâncias (cível e criminal), não pode ser desconsiderado o cenário probatório que analisou a mesma conversa travada entre Alex Miotto e Katiane, que serviu de sustentáculo para a condenação criminal do ora recorrente.

Quanto à análise probatória, transcrevo a manifestação da douta Procuradoria Eleitoral, a qual foi reproduzida no acórdão da Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 0600508-93.2020.6.21.0100 (ID 45066313):

Com efeito, embora o teor das conversas entabuladas entre Alex e Katiane, nas quais se podem vislumbrar suspeitas acerca de uma suposta relação extraconjugal entre eles, o que poderia resultar em incertezas sobre a efetividade do ilícito, e conquanto tenham aportado aos autos provas da participação do pai de Katiane, Sr. Ariosto, na campanha eleitoral da chapa adversária (ID 44855956 – p. 8) e de benefícios por ele obtidos na gestão dos adversários10, e, ainda, que tenha sido demonstrado que Katiane apoiou a chapa adversária em suas redes sociais (ID 44855956 – p. 7), restam dúvidas, como dito, sobre a efetiva participação de Alex Miotto na campanha eleitoral dos demandados. Embora Alex seja filiado, há tempos, ao MDB, partido este que compõe a chapa majoritária da Coligação "Santa Cecília no Bom Caminho", identificou-se ao longo da instrução processual que houve uma ruptura na referida agremiação em razão de divergências ocorridas durante as convenções partidárias, o que resultou, segundo diversas testemunhas11, no apoio à chapa adversária por parte de muitos filiados e da maioria dos candidatos à vereança pelo MDB. Mesmo que a correligionaridade não possa ser fundamento para a vinculação do candidato à conduta ilícita perpetrada por seu aliado político, conforme antes explicitado, tem-se que no caso, a filiação partidária denota ainda menor potencialidade comprobatória devido à dubiedade dos filiados quanto ao apoio político nas eleições majoritárias, no pleito de 2020, no Município de Santa Cecília do Sul. Ademais, alguns testemunhos colhidos em juízo informaram que Alex Miotto sempre apoiou Jussene Consoladora Peruzzo, ex-Prefeita do Município e manifesta adversária política dos demandados, a qual, além disso, é tia do candidato opositor, Jones Rech. E salientaram que tal apoio vem de longa data, inclusive de quando Jussene foi candidata ao cargo de Veradora Outrossim, não aportou aos autos nenhuma prova acerca da vinculação entre o Sr. Alex Miotto e os demandados, salvo fotos em que aparece em uma padaria de propriedade de apoiadora política dos candidatos (local público) no dia das eleições (ID 44855770 – p. 29/38) e uma foto em que ele aparece supostamente em um gabinete da Prefeitura (ID 44855978), contudo sem indicação da data do registro fotográfico. Além disso, sequer houve a oitiva do referido cidadão, o que, no entender desta Procuradoria, seria imprescindível para o esclarecimento dos fatos apontados na inicial. Assim, diante da manifesta dúvida sobre a participação de Alex Miotto na campanha dos réus João e Leonardo, tem-se que deve ser desconsiderada tal prova para os fins pretendidos pelo autor da ação. Quanto aos fatos que envolvem Flávio, Nilton e Valdemar, embora não se possa falar em nulidade da captação ambiental do diálogo entabulado entre eles, como pretendido pelos apelantes, visto que ainda não houve julgamento da matéria vertida no Tema STF nº 979, no qual questionada a necessidade de autorização judicial para a utilização de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores como prova13, entende o Ministério Público Eleitoral que pairam incertezas sobre a suposta "compra de votos" praticada por Flávio e Nilton em face do eleitor Valdemar, sobretudo em razão das evidentes contradições existentes entre o depoimento de Valdemar prestado em juízo, sob o crivo do contraditório, e o depoimento posterior junto ao MPE, o qual entende-se que, para ter validade no processo, deveria ser renovado perante o Poder Judiciário.

 

Assim, não houve demonstração de que Alex Miotto participou efetivamente da campanha de João Pelissaro, candidato que seria beneficiado com a compra de voto de Katiane.

Soma-se o fato de ter restado comprovado naqueles autos que Alex Miotto sempre apoiou Jussene Consoladora Peruzzo, ex-Prefeita do município e manifesta adversária política dos candidatos que seriam beneficiados pela suposta compra de votos.

Dessa forma, adoto integralmente as considerações finais que constaram no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45569184):

Diante das provas colhidas nos autos e em cotejo com as provas produzidas na AIJE nº 0600508-93.2020.6.21.0100, este membro do Ministério Público Eleitoral fica com sérias dúvidas sobre a autenticidade das mensagens trocadas entre o réu e Katiane e o fato relatado por esta.

Qual seria a motivação para o réu querer pagar R$ 2.500,00 por um único voto? (Pelo DivulgaCand a Receita do candidato vencedor foi em torno de R$ 29.000,00). Se não há prova do envolvimento do réu com a candidatura vencedora, qual o seu interesse no pleito? De outro lado, havia o interesse do pai de Katiane na candidatura adversária. Por que o réu teria resolvido pagar um valor altíssimo para uma pessoa cujo pai estava envolvido na campanha adversária?

Dessas dúvidas resulta o juízo de que os fatos imputados ao réu não foram suficientes comprovados e, por consequência, impõe-se a sua absolvição. Aplicação da máxima “in dubio por reo”, corolário do princípio da presunção de não culpabilidade.

 

O delito de corrupção eleitoral encontra-se insculpido no art. 299 do Código Eleitoral, nos seguintes termos:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

 

O dispositivo legal contém de forma precisa a indicação dos elementos exigidos para caracterização da infração, quais sejam: a oferta de valores com o objetivo de angariar o voto do eleitor.

Conforme a jurisprudência do TSE, exige-se para a consumação do tipo a comprovação inequívoca do dolo específico do agente, revelador da finalidade de obter ou dar o voto, ou conseguir abstenção.

No caso telado, não há prova do envolvimento do réu com a candidatura vencedora, ou seja, não restam configurados os elementos tipificadores do crime de corrupção, especialmente pela ausência de provas quanto à configuração do dolo específico do sujeito ativo.

De outra banda, não há prova da intenção de Alex comprar o voto de Katiane, e não se tem certeza do real envolvimento entre eles para que se possa apurar o cometimento do ilícito.

O TSE assentou que a corrupção eleitoral é um crime contra a liberdade do voto, sendo o voto livre o seu bem juridicamente tutelado (HC 3.160, Rel. Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, DJE 3.4.2014). Na sua forma ativa, o delito refere-se às condutas de “dar, oferecer ou prometer” dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, “para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção”.

Assim, “para a perfeição do crime é preciso que a causa da conduta esteja relacionada diretamente ao voto, isto é, obter ou dar voto, bem como conseguir ou prometer abstenção de voto. Caso contrário, atípica será a conduta” (Gomes, José Jairo. Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015, p. 56).

Dessa forma, a premissa essencial para que a conduta se amolde ao tipo de corrupção eleitoral é a de que a vantagem seja oferecida em troca do voto e condicionada a este, o que não restou demonstrado.

A sentença condenatória penal exige dados objetivos indiscutíveis que demonstrem o delito e a autoria, o que não é o caso dos autos.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela rejeição da matéria preliminar e, no mérito, pelo provimento do recurso para julgar improcedente a ação penal proposta contra Alex Miotto.