PCE - 0603630-55.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 31/01/2024 às 14:00

VOTO

Cuida-se de prestação de contas apresentada por MARIA HELENA NUNES TRELHA DA SILVA, candidata que alcançou a suplência para o cargo de deputada federal pelo partido UNIÃO, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

Em parecer conclusivo, a Secretaria de Auditoria Interna (SAI) apontou irregularidades quanto ao uso indevido de valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), recomendando, ao fim, a desaprovação das contas.

As falhas na utilização da verba pública vêm consubstanciadas no uso dos recursos no adimplemento de atividades de militância, sem, contudo, ser possível identificar os beneficiários dos valores, porquanto ausentes CPF/CNPJ destes nos extratos bancários.

A prestadora apresentou manifestação aduzindo, em síntese, que os pagamentos respeitaram a norma eleitoral e, considerando seus valores módicos, quando individualizados, seriam caracterizados como despesas de pequeno vulto, quitados com Fundo de Caixa, nos termos dos arts. 39 e 40 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Sem razão.

A uma, pois os artigos aludidos pela candidata se referem ao uso de Fundo de Caixa para adimplemento de expensas de valor módico, respeitado o limite 2% dos gastos contratados, nos termos do inc. I do art. 39.

Consta do DivulgaCand o saque eletrônico de R$ 5.000,00 na data de 15.9.2022 (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001601873/extratos. Acesso em 27.10.2023).

O Demonstrativo de Receitas e Despesas, ID 45253510, indica um total de gastos contratados de R$ 20.000,00, ou seja, o montante autorizado a compor o Fundo de Caixa seria de, no máximo, R$ 400,00, enquanto o valor destinado pela prestadora foi de R$ 5.000,00, quantia que representa 25% dos dispêndios.

Seguem ementas de arestos desta Corte a ilustrar o entendimento pela inadequação das despesas nesses casos:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. FUNDO DE CAIXA. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE. ALTO PERCENTUAL DA FALHA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. 1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022. 2. Ausência de comprovação de gastos realizados com verba do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. O saque de recursos para a o atendimento de pequenas despesas é autorizado pelas normas de regência. Contudo, a constituição do Fundo de Caixa limita–se a 2% do total de gastos contratados, vedada sua recomposição, nos termos do art. 39, inc. I, da Resolução TSE n. 23.604/19. Na hipótese, houve comprometimento da integralidade do recursos públicos recebidos. Ademais, não foram apresentados documentos fiscais a comprovar eventuais despesas, em afronta ao art. 40, parágrafo único, e art. 60, caput, ambos da citada Resolução. Determinado o recolhimento da quantia ao erário. 3. A falha constatada representa 100% das receitas auferidas, em montante que se afigura prejudicial à transparência e à confiabilidade das contas. 4. Desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 06031550220226210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. Afif Jorge Simoes Neto, Data de Julgamento: 22.9.2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 178, Data: 28.9.2023.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. DEPUTADA ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. DESPESAS IRREGULARES RELATIVAS À UTILIZAÇÃO DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. ALUGUÉIS DE VEÍCULOS. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE 20%. INFRAÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 42, INC. II, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESPESA COM PESSOAL. VERBA DE NATUREZA PÚBLICA. IRREGULARIDADE VERIFICADA. FALHAS QUE REPRESENTAM ELEVADO PERCENTUAL. DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. 1. Prestação de contas apresentada por candidata ao cargo de deputada estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022. 2. Aplicação irregular de recursos oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. 2.1. Extrapolação do limite de 20% dos gastos de campanha contratados com aluguel de veículos. Infração ao disposto no art. 42, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19. Como consequência da caracterização da falha, deve ser reconhecida a obrigatoriedade de transferência do valor ao Tesouro Nacional, consoante determina o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. 2.2. Despesa com pessoal sem a devida comprovação. Os documentos apresentados na prestação de contas retificadoras não afastam a irregularidade verificada. Matéria disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, cujo escopo é garantir que os valores sejam direcionados diretamente aos respectivos fornecedores de campanha, de modo a viabilizar a rastreabilidade dos recursos envolvidos. No caso, inviável concluir que a quantia sacada em espécie tenha sido utilizada para pagamento dos prestadores de serviço de panfletagem descritos nos contratos, uma vez que não é possível ao Sistema Financeiro Nacional rastrear o destino do valor sacado. Ainda, o conjunto de operações em tela não está sob o manto do art. 39 da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante o qual para o pagamento de gastos de pequeno vulto (despesas individuais que não ultrapassem o limite de meio salário mínimo), os partidos e candidatos podem constituir reserva em dinheiro (Fundo de Caixa), que deve ser limitada a 2% dos gastos contratados, vedada a recomposição. 3. As irregularidades representam 80% do montante de recursos recebidos e encontram–se acima do parâmetro legal de R$ 1.064,10 admitido pela jurisprudência como “balizador, para as prestações de contas de candidatos” e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 5.11.2019), sendo adequado, razoável e proporcional, no presente caso, um julgamento desaprovador em controle judicial de contas. 4. Desaprovação. Determinado o recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 06021807720226210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. Patricia Da Silveira Oliveira, Data de Julgamento: 21.9.2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 175, Data: 25.9.2023.)

 

É dizer, ainda que individualizados, os gastos foram realizados ao arrepio da norma eleitoral.

E, a duas, pois, superada a questão dos arts. 39 e 40, a previsão contida no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece que a execução de despesas eleitorais somente pode ocorrer via cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta, ou cartão de débito da conta bancária, de sorte que, quitada a despesa em desatenção aos itens desse rol taxativo, resta inviabilizada a aferição, por esta Justiça Especializada, dos reais fins da verba pública.

Anoto que, em razão da natureza pública da verba do FEFC, o escrutínio contábil, neste ponto, exige redobrada atenção aos requisitos do art. 38, e incisos, e art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, demandando exata vinculação do dispêndio efetivamente contratado. No caso dos autos, não é possível concluir que a quantia sacada em espécie tenha sido utilizada para pagamento dos contratados, uma vez que inviável ao Sistema Financeiro Nacional rastrear o real destino do valor sacado.

Por derradeiro, saliento que, ainda que os pagamentos fossem debitados por terceiros, possibilidade prevista quando do endosso de cheque nominal e cruzado, restaria atendida a norma eleitoral apenas se possibilitada a identificação da contraparte, na medida em que respeitado o escopo da regra, conforme entendimento sufragado por esta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PREFEITO E VICE. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS ORIUNDAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. FALHA PARCIALMENTE SANADA. PERSISTÊNCIA DO APONTAMENTO RELATIVO A CHEQUE SACADO SEM IDENTIFICAÇÃO DO ENDOSSATÁRIO. ALTO PERCENTUAL. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas relativas às eleições de 2020 de candidatos para os cargos de prefeito e vice, impondo a ordem de recolhimento de quantias irregulares ao Tesouro Nacional. 2. Pagamento de despesas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sem a identificação do beneficiário. Matéria disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, embora os cheques não tenham sido originalmente cruzados, foram efetivamente depositados nas contas bancárias dos endossatários, alcançando o objetivo de conferir transparência à contabilidade com o registro de cruzamento dos títulos de crédito. Em situações como esta, este Tribunal Regional Eleitoral vem decidindo que, havendo o depósito da ordem de pagamento em conta bancária de terceiro em razão de endosso do título de crédito, deve se entender que a finalidade da norma foi atingida. 3. Persistência da falha com relação ao cheque sacado sem identificação do endossatário. A ausência de depósito desse valor em conta impediu que os batimentos realizados pela Justiça Eleitoral por via do sistema bancário pudessem ser realizados em relação a esse pagamento. Os documentos que comprovam a contratação dos fornecedores - contratos, notas fiscais e recibos de pagamento - não suprem a necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito, conforme a diretriz jurisprudencial deste Regional. Recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, consoante prevê o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. 4. A irregularidade representa 11,97% do somatório das receitas auferidas para o custeio da campanha e ultrapassa o parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico, impedindo a incidência dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade. Manutenção do juízo de reprovação das contas. 5. Parcial provimento. Redução do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - REl: 06008217320206210029 SÉRIO - RS, Relator: Des. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Data de Julgamento: 25.4.2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 74, Data: 28.04.2023.)

 

Em suma, mantida a glosa quanto ao uso indevido dos recursos FEFC, no valor de R$ 5.000,00, montante que representa 12,64% do total auferido em campanha (R$ 39.545,00), a contabilidade deve ser desaprovada, porquanto a cifra irregular supera, seja em valor nominal ou percentual, o parâmetro utilizado por esta Corte para, visando mitigar o juízo denegatório das contas, a partir dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, aprovar as contas com ressalvas.

Assim, a contabilidade da prestadora deve ser reprovada.

 

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas de MARIA HELENA NUNES TRELHA DA SILVA, com base no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e determino o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ R$ 5.000,00, a título de recursos malversados do FEFC, nos termos da fundamentação.