ED no(a) REl - 0600790-22.2020.6.21.0007 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/01/2024 às 16:00

VOTO

Os embargos de declaração são tempestivos e comportam conhecimento.

No mérito, os embargantes opõem segundos embargos de declaração, sustentando a ocorrência de cinco omissões no julgado embargado, as quais persistiriam, embora rejeitados os seus primeiros embargos, referindo que foram “rejeitados sem que tenham sido enfrentadas as matérias trazidas à tona”.

Em relação às três primeiras omissões alegadas, os embargantes deduzem as seguintes razões:

III. I. Do artigo 97-A da Lei n° 9.504/97 (LE):

Divaldo Vieira Lara foi eleito no processo eleitoral de 2020 com 50% dos votos válidos, tudo em uma contenda que contou com sete candidaturas majoritárias, tendo sido assim proclamado, diplomado e empossado. Divaldo, de mais a mais, se encontra, desde então, como também foi referido acima, há aproximados três anos (!), no pleno exercício do mandato eletivo que lhe foi nova, livre e legitimamente outorgado pelo povo bajeense. Já de acordo com o artigo 97-A, e §1°, da LE, naquilo que vem dar máxima concretude ao inciso LXXVIII do artigo 5º da CF, “[...] considera-se duração razoável do processo que possa resultar em perda de mandato eletivo o período máximo de 1 (um) ano, contado da sua apresentação à Justiça Eleitoral; A duração do processo de que trata o caput abrange a tramitação em todas as instâncias da Justiça Eleitoral”. Trata-se, por oportuno, da duração razoável do processo judicial eleitoral. Pergunta-se, então: qual a utilidade desta demanda acusatória? Eventual cassação, tal como pretende, sem razões, o recorrente, só faria causar instabilidade social e política no Município, em desrespeito à soberania popular e ao princípio democrático, o que, convenhamos, não é nada saudável. Mais: votos importam em uma democracia representativa. E mais, ainda: ano que vem teremos eleições municipais. Impor-se-ia uma cassação e o consequente afastamento justamente no ano da outra eleição, passados mais de três anos de exercício do mandato? Far-se-ia duas eleições? Que utilidade possui esta demanda, afinal? Ela não deve, eis o ponto, servir para dar vazão a instabilidades políticas, passados, pois, três anos de mandato – que segue e seguirá.

O aresto embargado, mesmo provocado, deixou de referir a matéria, pelo que, consequentemente, ela vem reiterada nesta nova ocasião.

Requerem, então, os embargantes, novamente a manifestação da Corte acerca do artigo de lei em voga, especialmente à luz do contexto fático subjacente ao caso.

III. II. Da persistência de omissão quanto ao quadro eleitoral bajeense: relevância da matéria: respeito ao princípio democrático: da necessária referência expressa por parte do Tribunal:

Divaldo Vieira Lara foi eleito no processo eleitoral de 2020 com 50% dos votos válidos, tudo em uma contenda que contou com sete candidaturas majoritárias, tendo sido assim proclamado, diplomado e empossado. Houvesse segundo-turno ele teria sido eleito no primeiro. Divaldo, de mais a mais, se encontra, desde então, como foi referido acima, há aproximados três anos (!), no pleno exercício do mandato eletivo que lhe foi nova, livre e legitimamente outorgado pelo povo bajeense. O candidato da parte recorrente, por fim, não foi sequer o segundo colocado no pleito de 2020, mas o terceiro, tendo ficado atrás das abstenções, e, portanto, de quem não saiu sequer de casa (era tempo de pandemia).

Falamos de possível abuso. E, para tanto, são indispensáveis dois aspectos: o qualitativo e o quantitativo. Com efeito, sob o aspecto qualitativo, tratou-se de um único fato, apenas. A acusação, por sua vez, não indica quantas pessoas estiveram presentes no ocorrido. Quanto às visualizações, a acusação consigna a existência de mil visualizações (a inicial diz isso!), ignorando, pois, tratar-se de seguidores da página de Divaldo (página privada no Facebook) e, portanto, considerado o aspecto passivo da comunicação, de apoiadores da sua candidatura, algo que afasta qualquer potencial de angariar votos novos. Essas visualizações, no mais, não indicam nada expressivo, considerado o eleitorado bajeense, que se aproxima de cem mil eleitores. Não fosse o bastante, não há indicativo de um centavo sequer dispendido ao fato ocorrido no dia 11 de novembro de 2020 e, portanto, quanto ao aspecto econômico da conduta, a acusação segue sendo lacônica. A birra acusatória segue sendo quanto ao conteúdo de fala de Luciano. E só.

Já quanto ao aspecto quantitativo, vez mais. Ora, Divaldo Lara foi reeleito com 50% dos votos válidos em uma campanha que contou com sete candidaturas majoritárias. No que, indaga-se, o ocorrido, único fato, teria quebrado a legitimidade da escolha popular, considerada tamanha vantagem? Nada. E a acusação simplesmente não traça nenhum parâmetro a demonstrar. Mas ainda há mais.

Divaldo Lara e Mario Mena concorreram contra seis outras candidaturas majoritárias. Seis outras. Qual foi a arrecadação e os gastos destas candidaturas? As candidaturas majoritárias adversárias, inclusive a de Mainardi, arrecadaram e gastaram mais (vide DivulgaContas). Como falar, pois, em abuso de poder econômico em uma campanha onde a principal candidatura adversária gastou cerca de oitenta mil reais a mais? Não há como.

E os opositores, reitere-se, perderam para quem não saiu de casa.

Requerem, então, novamente que tal realidade seja consignada de maneira expressa no bojo do aresto embargado, sobretudo para possibilitar que os embargantes possam manejar a questão fática perante a instância extraordinária, observada a ampla defesa.

III. III. Da persistência de omissão quanto às razões acerca da visita e da fala de Luciano Hang: mera resposta ao candidato da parte recorrente: ausência de preparo e premeditação: ausência de evento oficial: ausência de logística: ausência de organização: liberdade de expressão e direito de resposta: direitos fundamentais: enfrentamento da matéria à luz do direito de resposta:

Conforme consignado na contestação (id 55776703), a pretensão da Coligação adversária é estabelecer um padrão de comportamento adequado aos seus valores, censurando ou penalizando manifestação de pensamento político diverso, propondo a interferência judicial, de modo a uniformizar as manifestações veiculadas no período eleitoral dentro de um arquétipo alinhado com sua vantagem. Na estreiteza da argumentação posta a pluralidade de ideias é inconcebível.

Ocorre, no entanto, que o próprio candidato ao cargo de Prefeito pela Coligação autora, em tom de crítica áspera, afirmou, no período de campanha, dia antes de Luciano responde-lo, que seus estabelecimentos “vendiam quinquilharias da China”. Um velho vendedor de quinquilharias. Por quê Luciano Hang não poderia responde-lo? As pessoas podem falar. E têm direito de resposta. E Hang foi a Bagé, passou por lá pouco tempo, e assim o foi para responder ao candidato que o havia ofendido.

O mesmo candidato adversário promoveu, inclusive em sua propaganda eleitoral, críticas à conduta da administração de Divaldo Lara que, segundo ele, estaria privilegiando o empresariado de fora do Município em detrimento dos empreendedores locais, que, com isso, apoiariam a sua campanha e o seu projeto, caso eleito. Note-se, então, que o debate acerca da economia local, da geração de empregos, da chegada de empresas de fora ou do privilegiar do empreendedor residente em Bagé permeou a própria campanha. Com críticas de lá. Defesas de cá. Críticas de cá. E acusações de lá. E, portanto, em pé de igualdade, tudo em um ambiente próprio para tanto, ou de excelência, tal como o é o âmago de uma campanha eleitoral (docs. acostados na contestação). Para que fique mais claro: se Divaldo Lara fez ou disse que faria algo, Mainardi esteve lá para, em pé de igualdade, criticar a proposta.

Luciano Hang fez a fala em resposta ao candidato da oposição. E o direito de resposta, assim como a liberdade de expressão, é um direito fundamental, tal e qual consagrado no artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal – “é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo...”. E esse argumento, por sua vez, é central à defesa, merecendo, por certo, manifestação expressa, até mesmo para evitar cerceio dos embargantes perante a instância extraordinária, observadas as restrições inerentes à Sum. TSE n° 24.

Requerem, por via de consequência, a manifestação expressa da Corte acerca desta facticidade, bem como à luz do dispositivo constitucional precitado, até para evitar negativa de jurisdição.

 

Tais questão têm os mesmos conteúdos daquelas deduzidas pelos ora embargantes nas razões dos primeiros embargos de declaração, os quais foram rejeitados pelo Tribunal, com fundamentação suficiente e idônea, concluindo-se pela ausência de lacunas no julgado, in verbis:

A primeira omissão sustentada envolve o enfrentamento do art. 97-A, caput e § 1º, da Lei n. 9.504/97, com a seguinte redação:

Art. 97-A. Nos termos do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, considera-se duração razoável do processo que possa resultar em perda de mandato eletivo o período máximo de 1 (um) ano, contado da sua apresentação à Justiça Eleitoral. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 1º A duração do processo de que trata o caput abrange a tramitação em todas as instâncias da Justiça Eleitoral. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

Com base no preceito legal transcrito, os embargantes questionam que, dado o tempo de exercício do mandato já transcorrido, a demanda “só faria causar instabilidade social e política no Município”, considerando, ainda, a possibilidade de duas eleições municipais no ano de 2024.

Contudo, o dispositivo legal invocado não prevê qualquer consequência de ordem prescricional, decadencial ou de natureza processual que obste o prosseguimento do feito até a sua resolução final, ainda que ultrapassado o prazo nele indicado.

Ademais, tendo em vista que também é objeto autônomo da demanda a aplicação da sanção de inelegibilidade aos investigados Luciano Hang e Divaldo Vieira Lara, eventual inviabilidade de renovação das eleições não impede o prosseguimento do processo quanto a essa penalidade (TSE; AgR-AgR-RO 5376-10/MG; Relator: Min. EDSON FACHIN, DJe de 13.3.2020; e REspEl: 38519/MA, Relator: Min. LUÍS ROBERTO BARROSO, DJe de 31.03.2022).

De todo modo, o argumento e o dispositivo legal em questão não foram suscitados pela defesa no curso da instrução ou em contrarrazões recursais (ID 45131998), constituindo inovação argumentativa incabível em sede de embargos declaratórios (TSE - ED-RE n. 13210, Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 05.04.2017, e ED-AgR-AI n. 96-25, Relator: Min. Og Fernandes, DJe de 5.11.2019).

Sobre a segunda omissão aventada, os embargantes requerem seja consignado no julgado dados relacionados ao “quadro eleitoral bajeense”, especialmente o desempenho do candidato Divaldo Lara e o número de visualizações da postagem investigada.

Em verdade, tais questões fáticas foram analisadas nas razões de decidir dos Membros do Colegiado e expressamente expostas em diversos trechos dos votos escritos que compõem o acórdão, conforme ilustram as seguintes passagens:

Desa. Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira:

[...].

A primeira questão que entendo ser relevante para o exame do caso em tela é o fato de que a gravação foi realizada no ápice da campanha, 4 dias antes do pleito, teve duração de cerca de 20 minutos, e foi transmitida no perfil de Facebook do Prefeito e candidato à reeleição Divaldo Lara.

A live permanece divulgada na rede social, e o recurso da Coligação Unidos por Bagé afirma que a divulgação obteve 146.000 (cento e quarenta e seis mil) visualizações, mais de 2.400 (dois mil e quatrocentos) comentários e mais de 3.200 (três mil e duzentas) curtidas, ou seja, um engajamento altíssimo.

Esses dados podem ser verificados na consulta atual ao endereço do link de divulgação (https://www.facebook.com/divaldolaraoficial/videos/1067991400280219/), merecendo registro o fato de a inicial apontar que a transmissão ao vivo ocorreu para mil expectadores, circunstância também reconhecida pelos recorridos em sede de contrarrazões.

[...].

Nessa perspectiva, deve-se ter em mente que a campanha majoritária de Bagé, em 2020, contava com 7 candidatos, e que a conduta impugnada nos autos, materializada na transmissão de Facebook divulgada pelos recorridos, deve ser examinada sob a ótica do desequilíbrio do pleito em relação aos 6 demais candidatos que participavam da disputa.

[...].

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira:

[...].

Esta é a distinção que se deve fazer em relação ao caso sub judice, pois aqui, ao contrário de Brusque, não houve reiteração de condutas, ao revés, como bem pontuado no voto do Relator, há um único encontro, sem aparente participação de eleitores, e ocorreu uma única postagem (live) na página do próprio candidato Divaldo Lara, tendo obtido, de acordo com a própria inicial (datada de 12-12-2020), apenas mil visualizações, num universo de quase cem mil eleitores no município (o que importa para o julgamento é a data da divulgação do vídeo e a data do pleito, razão pela qual não se pode tomar por base o número atual de visualizações no Facebook).

[...].

Des. Eleitoral Afif Jorge Simões Neto:

[...].

Não vislumbro como algo plausível e coerente a cassação de um prefeito, legitimamente eleito com exatos 50% (cinquenta por cento) dos votos válidos de uma cidade pujante e histórica como Bagé, apenas porque postou no seu Facebook a visita que um empresário fez à Rainha da Fronteira.

Ainda que o dito empresário (que professa o mesmo posicionamento ideológico do prefeito) seja nome de projeção nacional, parece evidente que a tal postagem jamais mudaria os rumos da eleição, cujo resultado merece ser observado e mantido. AQUI, ressalto que não me impressionam os números de “curtidas” ou “comentários”, ocorridos na medida de poucos milhares. Em relação às “curtidas", há a intransponível dificuldade de aferição do exato período em que ocorridas, (um internauta pode, mesmo após a eleição e até hoje, “curtir” a manifestação do prefeito), e, em relação aos comentários, nem todos são elogiosos, pois houve também numerosas críticas, a estampar o caráter sanguíneo do debate eleitoral instaurado, e não abuso de poder.

Ademais, mesmo que fosse possível exercer tais filtros – identificar a exata dimensão de “curtidas” e “comentários” de apoio ocorridos entre os quatro dias da postagem e a eleição –, não se pode olvidar que o Prefeito Divaldo Lara é, para o bem e para o mal, pessoa pública de destaque regional (atualmente, na rede social congênere Instagram, conta com mais de 21.600 seguidores), de modo que os números que envolvem a postagem sob exame se encontram dentro do contexto de destaque do perfil particular do representado, no qual ele poderia, obviamente, exercer seu direito de livre manifestação do pensamento.

[...].

 

Assim, não há de se cogitar em omissão no julgado quanto a tais pontos.

Por sua vez, a terceira e quarta omissões alegadas envolvem a análise de aspectos fáticos e teses enfatizadas pela defesa no curso do processo, inferidas assim nas razões dos aclaratórios:

II. III. Da omissão quanto às razões acerca da visita e da fala de Luciano Hang: mera resposta ao candidato da parte recorrente: ausência de preparo e premeditação: ausência de evento oficial: ausência de logística: ausência de organização: liberdade de expressão e direito de resposta:

[...].

Ocorre, no entanto, que o próprio candidato ao cargo de Prefeito pela Coligação autora, em tom de crítica áspera, afirmou, no período de campanha, dia antes de Luciano responde-lo, que seus estabelecimentos “vendiam quinquilharias da China”. Um velho vendedor de quinquilharias. Por quê Luciano Hang não poderia responde-lo? As pessoas podem falar. E têm direito de resposta. E Hang foi a Bagé, passou por lá pouco tempo, e assim o foi para responder ao candidato que o havia ofendido.

O mesmo candidato adversário promoveu, inclusive em sua propaganda eleitoral, críticas à conduta da administração de Divaldo Lara que, segundo ele, estaria privilegiando o empresariado de fora do Município em detrimento dos empreendedores locais, que, com isso, apoiariam a sua campanha e o seu projeto, caso eleito. [...].

Luciano Hang fez a fala em resposta ao candidato da oposição. E o direito de resposta, assim como a liberdade de expressão, é um direito fundamental, tal e qual consagrado no artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal – “é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo...”.

Requerem, pois, vez mais, os embargantes, a manifestação expressa da Corte acerca desta facticidade, bem como à luz do dispositivo constitucional precitado.

II. IV. Do necessário esclarecimento acerca do teor da fala do empresário: de como ele jamais vinculou a instalação de loja à vitória de Divaldo:

Ademais, registre-se que Luciano Hang jamais vinculou a loja à vitória de Divaldo e, portanto, não chantageou o eleitorado bajeense. A sentença é esclarecedora:

[...].

Por fim, considerando que temos um contexto que envolve um estabelecimento comercial e a eleição, inexiste, na espécie, a facticidade reconhecida pelo TSE apta ao reconhecimento de eventual conduta abusiva, qual seja: utilização efetiva do aparato, dispêndio real de recursos financeiros ou patrimoniais, relação de subordinação e coação, além de desinformação.

[...].

Requerem, então, que seja consignado expressamente no bojo do acórdão o panorama trazido acima, especialmente quanto à sentença, quanto a inexistência de uso de aparato, dispêndio de recursos, relação de subordinação, coação e desinformação.

Ocorre que as omissões apontadas, envolvendo, resumidamente, a caracterização de um ato oficial da prefeitura, a liberdade de expressão do empresário no contexto eleitoral e o condicionamento da instalação da loja à reeleição do prefeito, foram claramente abordadas e explicitadas no voto condutor e constam, inclusive, na ementa do acórdão, conforme evidenciam os trechos em destaque:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – AIJE. ABUSO DE PODER POLÍTICO OU ECONÔMICO. IMPROCEDENTE. MATÉRIA PRELIMINAR. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO ENVOLVENDO O PRESIDENTE DA REPÚBLICA À ÉPOCA DOS FATOS. QUESTÃO JÁ ENFRENTADA E AFASTADA POR ESTE TRIBUNAL. PRECLUSÃO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA SUSCITADA DE OFÍCIO. EXTINÇÃO DO FEITO EM RELAÇÃO À COLIGAÇÃO RECORRIDA. MÉRITO. PARTICIPAÇÃO DE EMPRESÁRIO EM CAMPANHA MAJORITÁRIA. EXIBIÇÃO DE VÍDEO EM REDES SOCIAIS. DISCURSO QUE TERIA VINCULADO A INSTALAÇÃO DE LOJA MEDIANTE VOTO NO CANDIDATO À REELEIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DESRESPEITO À LEGISLAÇÃO ELEITORAL OU EXISTÊNCIA DE ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. INOCORRÊNCIA DE ATO OFICIAL. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE QUE O ENCONTRO ESTAVA INSERIDO EM AGENDA OFICIAL DA PREFEITURA OU QUE TENHA SIDO DIRETA OU INDIRETAMENTE CUSTEADO COM RECURSOS PÚBLICOS. NÃO DEMONSTRADA PARTICIPAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS DURANTE JORNADA DE TRABALHO. CIRCUNSTÂNCIAS QUE NÃO EVIDENCIAM DE MODO INDUVIDOSO A UTILIZAÇÃO DE EXPEDIENTE DE TEMOR, AMEAÇA OU COAÇÃO ELEITORAL CAPAZ DE AFETAR A LEGITIMIDADE DO PLEITO. DESPROVIMENTO.

1. Recurso eleitoral interposto por coligação contra sentença que julgou improcedente ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) diante da inexistência de provas do alegado abuso de poder político.

2. Matéria preliminar. 2.1. A alegação de litisconsórcio passivo necessário envolvendo o Presidente da República à época dos fatos já foi enfrentada e afastada por este tribunal nestes mesmos autos, que extinguiu a ação diante do reconhecimento da decadência e da ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos beneficiários e o autor do fato tido como ilícito. 2.2. Preclusão. Ocorrência. O art. 1.013 do CPC, ao consagrar o princípio tantum devolutum quantum appellatum, é expresso ao prever que a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, podendo ser objeto de apreciação e julgamento todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas por inteiro em primeira instância, mas desde que relativas ao capítulo impugnado Na hipótese, o recurso não impugnou especificamente o mérito decisório da questão envolvendo as manifestações do ex-presidente, encontrando-se o tema precluso. 2.3. Ilegitimidade passiva suscitada de ofício, uma vez que os partidos e as coligações não podem sofrer as sanções previstas em caso de procedência da ação de investigação judicial eleitoral. Jurisprudência sedimentada de que não são legitimados para figurar no polo passivo por não restarem alcançados pelas penalidades de cassação de registro ou diploma e declaração de inelegibilidade. Extinção do feito, sem resolução de mérito, em relação à coligação recorrida, com fundamento no art. 485, inc. VI, do CPC.

3. Mérito. Controvérsia recursal em relação ao fato de o candidato recorrido, então no efetivo exercício do cargo de prefeito do município, ter iniciado uma transmissão ao vivo em sua página pessoal no Facebook, na qual, com outros empresários, secretários municipais e políticos locais, recebeu empresário em visita ao terreno onde seria instalada uma nova unidade de sua rede de lojas. No contexto apresentado, a participação do empresário em vídeo de campanha eleitoral, ainda que pedindo votos ao candidato de sua preferência e desqualificando o concorrente e seu partido, não implica desrespeito à legislação eleitoral ou abuso de poder político e econômico, uma vez que a pessoa física do empresário detém direito à participação política e à livre manifestação de seu pensamento. Jurisprudência consolidada pela possibilidade de manifestação política de empresários e figuras públicas na propaganda eleitoral, a qual se insere na livre manifestação do pensamento constitucionalmente protegida (art. 5º, inc. IV, da CF/88).

4. Inocorrência de abuso a partir da alegação de que o encontro iniciou em um ato oficial transmudado em evento de campanha e realizado em horário de expediente da Prefeitura e aproveitando-se do aparato público. Apesar do esforço argumentativo da recorrente, não há nos autos indícios mínimos de que o encontro estava inserido na agenda oficial da Prefeitura, que tenha sido direta ou indiretamente custeado com recursos públicos ou efetuado por meio do uso de servidores públicos em jornada de trabalho. Do vídeo acostado, extrai-se que o encontro ocorreu na rua, em frente ao terreno em que seria instalado o novo empreendimento, sem a presença massiva de público e sem a realização de formalidades ou protocolos oficiais. Nítida a diferença entre o caso em tela e a decisão liminar referendada pelo Plenário do TSE nos autos da AIJE n. 0601002-78.2022.6.00.0000, invocada como possível paradigma pela coligação recorrente.

5. Alegação de que a fala do empresário teria excedido os limites da sua liberdade de expressão e do mero proselitismo político para emitir um “discurso ameaçador”, condicionando o investimento na nova loja a um resultado das urnas favorável ao então prefeito. Fato bastante semelhante foi analisado por esta Corte que entendeu pela inexistência de conduta eleitoralmente abusiva e com gravidade suficiente a justificar a desconstituição do mandato eletivo (REl n. 0600658-54.2020.6.21.0042, de Relatoria do Des. Amadeo Henrique Ramella Buttelli, procedente de Santa Rosa). Assim, nada de concreto e sério é dito a ponto de fazer crer que um resultado diferente na eleição poderia retirar, por vontade de uma única pessoa, seja do candidato concorrente ou do empresário, o investimento já iniciado no município. Portanto, no caso, as circunstâncias não revelam o uso indevido ou exorbitante de recursos público ou privados para alavancar ou prejudicar determinado candidato na realização do vídeo, tampouco evidenciam, de modo cabal e induvidoso, a utilização de expediente de temor, ameaça ou coação eleitoral capaz de afetar a legitimidade do pleito.

6. Desprovimento.

 

Naquele julgamento assentei, ainda, que “a pretensão dos embargantes, portanto, cinge-se ao dissenso com a posição vencida e ao pedido de reafirmação ou aprofundamento de questões já decididas, o que não é cabível em embargos de declaração”.

Agora, o expediente é reiterado pelos recorrentes, que buscam reanimar questões já debatidas nos primeiros embargos, rejeitadas pelo Tribunal e preclusas nesta instância.

A jurisprudência repudia a sucessiva oposição de aclaratórios que apenas buscam repisar argumentos já apreciados pelo Tribunal, conforme ilustra o seguinte julgado:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DE QUESTÕES DECIDIDAS. CARÁTER PROTELATÓRIO EVIDENCIADO. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 1.026, § 2º, DO CPC. 1. Os embargos de declaração, recurso de manejo limitado, são cabíveis tão somente nas restritas hipóteses previstas no art. 1.022 do CPC, quais sejam: (a) esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; (b) suprir omissão de ponto ou questão sobre a qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; e (c) corrigir erro material. 2. Não merece prosperar o recurso integrativo cujos argumentos, na verdade, tão somente reiteram a pretensão veiculada nos primeiros aclaratórios, envolvendo matéria já examinada e decidida pelo Colegiado. [...]. 4. Não merece louvor o manejo, pela segunda vez, do recurso aclaratório, para tentar rediscutir questão já examinada pela Turma. Isto porque, para além de sobrecarregar desnecessariamente o Judiciário, aumentando custos para o Estado, retarda injustamente a solução final do mandado de segurança, em violação aos aludidos princípios insertos nos artigos 4º e 6º do CPC. 5. Embargos de declaração rejeitados, com aplicação de multa.

(STJ - EDcl nos EDcl no AgInt no RMS: 63440 BA 2020/0101289-0, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 08/03/2021, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/03/2021) (Grifei.)

 

Na hipótese, este Tribunal já esgotou a matéria que lhe foi anteriormente submetida, de modo que o inconformismo dos embargantes com a rejeição dos primeiros aclaratórios deveria, em tese, ser oferecida à instância superior, na forma prevista no art. 1.025 do CPC, tal como, inclusive, expressamente aduzido no acórdão ora embargado:

De todo modo, considerando a disciplina do art. 1.025 do CPC, os elementos que a parte suscitou nos embargos de declaração serão considerados como prequestionados, mesmo com sua rejeição, desde que tribunal superior considere que houve erro, omissão, contradição ou obscuridade.

Em relação aos dois últimos vícios indicados, os embargantes assim discorrem:

III. IV. Da existência de omissão quanto à jurisprudência do TSE e quanto aos requisitos aptos à possível configuração de abuso de poder econômico: do REspe n° 0600856-53, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, e do RO n° 0605635-14, Rel. Min. Alexandre de Moraes:

Quanto aos aspectos hábeis à configuração de abuso de poder econômico, notadamente quando existente eventual achega de empresários, o TSE possui jurisprudência segundo a qual “Como se observa, ainda que se considere que o recorrente Adalberto Bergo Filho possua relação de hierarquia sobre os funcionários da empresa, tal fato, por si só, não se reveste da gravidade necessária à caracterização da conduta abusiva, especialmente se considerado o valor módico despendido com o referido evento, bem como a ausência de qualquer prova de que as poucas pessoas presentes no local tenham sido, de alguma forma, por ele coagidas ou ameaçadas” (Agravo Interno no REspe n° 0600856-53.2020.6.26.0333, Rel. Min. Ricardo Lewandowski).

Ou seja: além do uso real do aparato de empresa, incluindo funcionários e recursos financeiros, há outras achegas fáticas, como montante de valores, número de pessoas atingidas, coação ou ameaça fruto da relação de subordinação.

Nada disso está posto no caso dos autos, o que afasta o abuso. É necessário, então, o confronto do quadro fático inerente ao caso com essas premissas consagradas na instância superior.

Por sua vez, nos autos do RO n° 0605635-14, Rel. Min. Alexandre de Moraes, o TSE estabeleceu critérios para a participação de influenciadores em campanhas eleitorais, proibindo a sua contratação e o dispêndio de recursos. Quanto à participação de influenciadores, o TSE concluiu que o artigo 57-C da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições) veda a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, regra da qual é possível extrair a proibição da prática de contratar esses profissionais para fins de alavancar a popularidade dos candidatos. Nada obsta, por outro lado, a fala graciosa de um influenciador em prol de um candidato aqui ou acolá. Lucian o Hang, a seu turno, pode ser considerado como um influenciador digital, conforme reconhecido, aliás, por conhecido órgão de imprensa vinculado às aspirações políticas da parte contrária.

Requerem, então, que seja consignado expressamente no bojo do acórdão o panorama trazido acima, especialmente quanto à sentença, quanto a inexistência de uso de aparato público ou privado, dispêndio de recursos, relação de subordinação, coação e desinformação e, de mais a mais, quanto aos critérios estabelecidos pelo TSE para a participação de influenciadores em campanhas eleitorais, especialmente observada a inexistência de contratação/pagamento.

III. V. Das distinções existentes e da necessária referência expressa acerca delas no bojo do acórdão regional: matéria fática relevante também não consignada no bojo do acórdão: das profundas diferenças entre o caso de Bagé-RS e os casos de Brusque-SC e Santa Rosa-RS:

De início, naquilo que se refere ao caso de Brusque-SC, as seguintes distinções devem ser consignadas expressamente, tal e qual alegado pela defesa, a saber: trata-se, o Município catarinense, do domicílio de Luciano Hang. Há, na localidade, uma megaloja da Havan. E o voto condutor do julgado indica: transgressão à jurisprudência do Tribunal a partir da utilização da estrutura das lojas na campanha eleitoral; imagens claras de assédio eleitoral aos funcionários e aos fornecedores da empresa de Hang; desinformação, com fake news e com várias notícias falsas, pedindo voto. Veja-se: utilização direta da loja, dos recursos dela, com desinformação, coação e afins. Há, portanto, evidente distinção para com o caso de Bagé, sendo que tais diferenças merecem ser consignadas de modo expresso no aresto regional. O caso de Brusque-SC, eis o ponto, na esteira da tese defensiva, justifica a improcedência desta AIJE, afinal, segundo o próprio voto condutor do julgado do Estado vizinho, foi dito que “se utilizou toda a estrutura de uma empresa com campanha publicitária feita por meio das redes sociais para apoiar determinada candidatura". Aqui não há utilização de toda a estrutura, feitura de campanha publicitária e afins. Não há. O que há é apenas a fala de Luciano. E a fala, segundo o caso de Brusque, não é vedada.

Já quanto ao caso de Santa Rosa-RS, muito falado pelos embargados, também não possui muito a ver com o caso de Bagé-RS. Primeiro, há uma multiplicidade de versões da acusação aqui. E quem tem muitas versões, no fim das contas, não tem nenhuma. Na inicial a acusação afirma que o caso de Bagé seria igual ao de Santa Rosa: “a situação é idêntica ao caso em tela” (pg. 05 – petição id 105090604). Veja-se: a parte recorrente disse que o caso seria idêntico, o que sequer aceitamos, diga-se, afinal, a situação do caso supracitado traria contornos mais específicos e, se ilícito fosse reconhecido, seria muitos mais contundente do que a situação fática presente no caso originário de Bagé. Mas a parte recorrente afirmou a similitude. Depois de se deparar com o insucesso perante a Corte Regional (desprovimento do RE e improcedência da AIJE de Santa Rosa), a mesma parte autora afirma que não (pg. 16 do apelo). Isso está posto às escâncaras nas razões do seu apelo. Não bastasse isso, com o parecer da PGE, vem a mesma parte autora e junta a peça, dizendo que os casos novamente seriam iguais. A peça foi desentranhada a pedido da defesa. Mas a fala da acusação esteve posta. Os casos, de toda forma, são distintos.

E as distinções são: Luciano desceu em Santa Rosa-RS em visita oficial (aí sim...), tanto que, na ocorrência, um então Ministro de Estado esteve presente. A viagem foi previamente programada. Ele foi à sede do Município. Tratou de assuntos oficiais, entre ele e o Município. E, veja, não foi para responder ninguém. Aqui não houve nada formal, previamente agendado. Não houve preparação. Não houve dispêndio de recursos públicos ou não. E Luciano não foi convidado, convocado. Nada disso. Foi uma mera fala em resposta ao candidato da oposição em via pública. E nada além!

Isso sem falar nos contornos quantitativos, observada a realidade eleitoral. Divaldo eleito com 50% dos votos válidos, em uma campanha com sete candidaturas, sendo que o candidato opositor ficou em terceiro, perdendo para quem não saiu de casa. Além de a oposição ter gastado mais.

Requerem, finalmente, a manifestação expressa do aresto regional, notadamente pelo voto condutor, acerca das distinções acima desenvolvidas, matéria fática que será levada ao TSE ali adiante, dependendo-se, todavia, antes, desse registro expresso (vide Sum. TSE n° 24).

 

Ocorre que os pontos trazidos pelos embargantes consistem exatamente no ponto fulcral do voto condutor do acórdão original, que cotejou de modo detido as circunstâncias fáticas do caso em análise como os precedentes originários de Brusque/SC e Santa Rosa/RS, exatamente para aquilatar eventual configuração de abuso de poder mediante a gravidade dos fatos em seus aspectos quantitativo e qualitativo, tendo por norte a jurisprudência deste Tribunal e do TSE. No ensejo, cabe transcrever os seguintes trechos do voto condutor:

[...].

Quanto à alegada prática de abuso de poder político por parte de Divaldo Lara, tem-se que merece ser mantido o julgamento de improcedência da ação, vez que, como referido na sentença, não há provas nos autos demonstrando a utilização de bens públicos para a realização e divulgação do ato, tampouco de que se tratava, de fato, de ato institucional. Conforme ressaltado pelo juízo, a live realizada com a presença de Luciano Hang foi transmitida no perfil pessoal do candidato, sem vinculação com a Prefeitura. O mesmo ocorre no tocante à reprodução da mensagem de apoio do Presidente da República, gravada no interior do Palácio da Alvorada, sua residência oficial.

Nítido, desse modo, a diferença entre o caso em tela e a decisão liminar referendada pelo Plenário do TSE nos autos da AIJE n. 0601002-78.2022.6.00.0000, invocada como possível paradigma pela coligação recorrente.

Nesse caso julgado pela Corte Superior, houve a concessão de tutela inibitória antecipada para proibir a veiculação de material de propaganda eleitoral que utilizasse imagens do Presidente da República capturadas durante o desfile cívico-militar de comemoração do Bicentenário da Independência, no qual não havia dúvidas de se tratar de “evento oficial custeado com mais de R$ 3.000.00,00 de recursos públicos”.

De qualquer modo, ainda não houve exame do caso sob a perspectiva do abuso de poder, pois o Tribunal Superior, ao referendar a liminar, expressamente ressaltou que “esse exame não se confunde e não antecipa a conclusão final de mérito, momento no qual deverão ser avaliados in concreto os efeitos das condutas praticadas, a fim de estabelecer se são graves o suficiente para conduzir à cassação de registro ou diploma e à inelegibilidade”.

Destarte, não merece reforma a sentença em relação ao ponto.

Outro aspecto realçado nas razões recursais refere-se ao próprio conteúdo da fala de Luciano Hang, o qual teria excedido os limites da sua liberdade de expressão e do mero proselitismo político para emitir um “discurso ameaçador”, condicionando o investimento na nova loja a um resultado das urnas favorável ao então prefeito, o que estaria evidenciado nos trechos destacados da transcrição antes apresentada.

Nesse ponto, merece atenção o julgamento deste Tribunal do REl n. 0600658-54.2020.6.21.0042, da relatoria do eminente Desembargador Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, procedente de Santa Rosa, na sessão de 16.05.2022, em que analisado fato bastante semelhante: encontro entre os candidatos ao cargo majoritária municipal e o empresário Luciano Hang a pretexto de anunciar a instalação de uma unidade da rede varejista Havan no município, em julgado assim ementado:

[...].

Naquele caso, houve a transmissão do evento, ao vivo, nas redes sociais do candidato ao pleito majoritária e em portal de notícias local (Portal Plural), com a presença do então Prefeito Alcides Vicini, do Deputado Federal Osmar Terra, dos candidatos a Prefeito e Vice, Anderson Mantei e Aldemir Ulrich, e do empresário Luciano Hang.

A parte inicial daquele vídeo está, inclusive, anexada à exordial do presente processo (ID 44080883).

Na ocasião, Luciano Hang, ainda na pista de pouso pela qual chegou na localidade, com o avião da empresa Havan ao fundo, prolatou um discurso bastante similar ao que ora se avalia, destacando os vários municípios que percorria com a mesma finalidade, inclusive Bagé, como se evidencia do seguinte fragmento daquela fala, colhida do voto do Relator do caso (grifei):

[...].

Na hipótese ocorrida em Santa Rosa, destacam-se a divulgação, ao vivo, do encontro, não apenas na página de campanha do candidato, mas também em portal de notícias da região; a ostentação de avião da empresa como fundo dos acontecimentos e a participação de parlamentar federal no encontro, circunstâncias não evidenciadas no fato ocorrido em Uruguaiana.

De todo modo, nesse caso originário de Santa Rosa, entendeu o Pleno deste Tribunal, por unanimidade, pela manutenção da sentença de improcedência da AIJE diante da inexistência de conduta eleitoralmente abusiva e com gravidade suficiente a justificar a desconstituição do mandato eletivo, cabendo colher a seguinte passagem do voto do douto Relator daquele caso:

[...].

Conforme bem analisou o eminente Desembargador Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli em seu voto, o ativismo político de Luciano Hang é notório e até folclórico, sendo por todos conhecidas a sua conduta extravagante, suas atuações performáticas e suas falas radicais contra os partidos de esquerda e em favor de matizes ideológicas próximas ao “bolsonarismo” e à “extrema-direita”.

Outrossim, tanto na hipótese ocorrida em Santa Rosa como no caso de Bagé, ora em análise, o empresário afirma que seus projetos de investimentos nos municípios estariam oportunizados e garantidos a partir da manutenção de candidatos alinhados às suas concepções políticas, bem como relaciona os candidatos e partidos de esquerda a obstáculos e atrasos, em razão da “burocracia”, do “ódio ao empresário”, de serem “tudo vagabundo”, dentre outras pretensas vicissitudes que sustenta existirem.

Retornando especificamente ao caso sub judice, várias enunciações destacadas pelos recorrentes e pela Procuradoria Regional Eleitoral são bastante sugestivas de que a instalação da nova loja estaria comprometida ou seria mais morosa no caso de vitória de Mainardi, trazendo certa dúvida.

Contudo, tal como compreendido no feito proveniente de Santa Rosa, as frases referidas não denotam uma coação explícita e inequívoco ao eleitorado de Bagé.

Cabe considerar que as colocações sensacionalistas e exageradas, quase anedóticos, são bastante conhecidas por típicas da militância do empresário.

Ao cabo, o empresário defende, em síntese, que o grupo político ligado ao PT atuaria para dificultar suas iniciativas empresariais, o que ocorreria de modo geral, bem como que ainda dependeria de aprovações da Prefeitura para o andamento do projeto em Bagé, razão pela qual apoiava Divaldo Lara e pregava o voto contra o candidato Mainardi, o que se insere na liberdade de manifestação de certa perspectiva política.

Também se constata que a protocolo do projeto de instalação da futura loja ocorreu na Prefeitura de Bagé em 14.01.2021 (ID 44083933), ou seja, cerca de 20 meses antes do pleito.

Assim, nada de concreto e sério é dito a ponto de fazer crer que um resultado diferente na eleição poderia retirar, por vontade de uma única pessoa, seja do candidato concorrente ou do empresário, o investimento já iniciado em Bagé.

Cumpre também cotejar o presente caso com o precedente estabelecido no julgamento do AgR no AREspe 0600427-08.2020.6.24.0086, no qual, por 5 votos a 2, o Plenário do TSE cassou os mandatos do prefeito e vice-prefeito de Brusque/SC, impondo a eles e ao empresário Luciano Hang a inelegibilidade por 8 anos subsequentes ao pleito de 2020, por abuso do poder econômico.

Nesse caso analisado pela Corte Superior, constou no voto condutor, proferido a partir de vista pelo Ministro Alexandre de Moraes, o reconhecimento de que houve reiterada e massiva utilização da estrutura das lojas na campanha eleitoral, inclusive com assédio a funcionários e fornecedores da empresa, conforme trechos que reproduzo:

[...].

Percebe-se que o reconhecimento do abuso no pleito de Brusque/SC teve por fundamento uma sucessão de comportamentos consubstanciados na utilização ostensiva da estrutura de pessoa jurídica no âmbito da disputa eleitoral, inclusive logomarca, páginas em redes sociais, bens e funcionários.

Tais situações não são verificadas no caso em análise, em que ainda não existia loja instalada, há um único encontro sem aparente participação de eleitores e ocorreu uma única postagem na página do próprio candidato Divaldo Lara.

Ainda, frisou o acórdão do TSE que o reconhecimento do ilícito decorreu do uso da empresa em favor dos candidatos e não somente pelo ativismo político de Luciano Hang, o qual, como qualquer cidadão, tem o direito de se manifestar politicamente:

[...].

Cabe rememorar que, segundo o entendimento do TSE, o abuso do poder político decorre da utilização da estrutura da administração pública para beneficiar determinada candidatura ou, ainda, como forma de prejudicar eventuais adversários (REspEl n. 40898/SC, Relator: Min. Edson Fachin, DJe n. 150, de 06.08.2019). Por sua vez, o abuso de poder econômico caracteriza-se pela utilização desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade capaz de viciar a vontade do eleitor, desequilibrando a lisura do pleito e o seu resultado (AIJE n. 060177905/DF, Relator: Min. Luis Felipe Salomão, DJe n. 44, de 11.03.2021).

Em qualquer hipótese, ainda nos termos da jurisprudência do TSE, “[p]ara se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo)” (AIJE n. 060182324/DF, Relator: Ministro Jorge Mussi, DJe n. 187, Data 26.09.2019), de modo que, “se há fundadas dúvidas acerca da gravidade da conduta, é recomendável dar prevalência à vontade popular exsurgente das urnas” (REspE n. 114, Relator Min. Admar Gonzaga, DJE de 25.02.2019).

No caso concreto, entendo que as circunstâncias não revelam o uso indevido ou exorbitante de recursos público ou privados para alavancar ou prejudicar determinado candidato na realização do vídeo, tampouco evidenciam, de modo cabal e induvidoso, a utilização de expediente de temor, ameaça ou coação eleitoral capaz de afetar a legitimidade do pleito.

Desse modo, não há razões para alterar a decisão de primeiro grau quanto à inocorrência da prática de abuso de poder econômico pelos demandados, devendo ser mantida a sentença que julgou integralmente improcedente a ação.

[...].

 

Outrossim, além de inexistentes, resta claro que as omissões alegadas consistem em inovação recursal em relação ao acórdão inicial que decidiu a causa.

Novos embargos cabem, evidentemente, se o julgado que apreciou os embargos imediatamente anteriores apresentar um dos vícios previstos no art. 1.026 do CPC.

Por outro lado, os segundos embargos não são cabíveis em face do acórdão original que julgou a causa, sobre os quais já se operou a preclusão consumativa. Vale dizer, diversamente da forma como manejados pelos ora embargantes, os segundos aclaratórios não servem como meio de aditamento das razões dos primeiros embargos, a fim de agregarem alegações não ventiladas no momento processual próprio.

Com esse posicionamento, colho o seguinte julgado:

PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO COMBATIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. ACOLHIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. INEXISTÊNCIA. PRECLUSÃO LÓGICA. INOVAÇÃO RECURSAL. 1. A jurisprudência desta Corte Superior pacificou o entendimento segundo o qual "os segundos embargos de declaração estão restritos ao argumento da existência de vícios no acórdão proferido nos primeiros aclaratórios, sendo descabida a discussão acerca da decisão anteriormente embargada, pois a oportunidade para a respectiva impugnação extinguiu-se em virtude da preclusão consumativa" (AgInt no REsp 1.897.694/ES, rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 08/02/2021, DJe 11/02/2021). [...]. 4. Agravo interno desprovido.

(STJ - AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp: 1526689 AL 2019/0177072-9, Data de Julgamento: 19/04/2022, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/04/2022) (Grifei.)

 

Ora, uma vez apreciados os primeiros embargos, não existe mais possibilidade de reanimar a discussão sobre supostas omissões que inquinariam o julgado inicial.

Em suma, os argumentos dos embargantes representam a tentativa de renovar a discussão sobre questões já apreciadas e sobre as quais já incidiu a preclusão, propósito para o qual não se prestam os embargos declaratórios.

Na verdade, a insistência em colocações já superadas e inovações processuais trazidas a destempo, em segundos embargos de declaração, indica o mero propósito de retardar a marcha processual, conforme reconhecido pela jurisprudência em casos semelhantes:

SEGUNDOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO (PSD). EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2014. OMISSÃO. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. REJULGAMENTO DA CAUSA. CARÁTER PROTELATÓRIO. MULTA. INCIDÊNCIA. EMBARGOS NÃO CONHECIDOS. 1. As omissões suscitadas pelo embargante foram devidamente enfrentadas por esta Corte Superior, conquanto em sentido contrário aos seus interesses. 2. As omissões apontadas revelam, em verdade, o nítido intuito em rediscutir matéria já devidamente apreciada. É cediço, contudo, que os embargos de declaração não se prestam a tal fim. Precedente. 3. Sobressai, in casu, a intenção manifestamente protelatória dos segundos embargos, porquanto as alegações veiculadas pelo embargante consistem na mera reprodução de teses enfrentadas no acórdão que julgou as contas e nos primeiros embargos, as quais foram pontualmente debatidas por esta Corte. 4. Embargos de declaração não conhecidos e declarados manifestamente protelatórios, com imposição de multa fixada em valor equivalente a 1,5 salário mínimo

(TSE - AI: 1173 TAUÁ - CE, Relator: Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Data de Julgamento: 20/02/2018, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 15/03/2018, Página 22) (Grifei.)

 

No presente caso, essa conclusão é corroborada pela circunstância de que o acórdão que confirmou a sentença de improcedência da demanda foi integralmente favorável aos ora embargantes e já se encontra encartado aos autos, desde 30.11.2023, o Recurso Especial interposto pela parte adversa.

Desse modo, a iniciativa recursal dos embargantes tem manifesto propósito protelatório, obstando o acesso dos adversários à instância especial, bem como fomentando a situação dita pelos próprios embargantes como prejudicial à “utilidade” da demanda e que “só faria causar instabilidade social e política no Município”, qual seja, o fato de Divaldo Lara ter cumprido mais de 3 anos de seu mandato.

Registro que, por ocasião dos primeiros embargos opostos, tanto a Coligação Unidos Por Bagé (ID 45586782), parte adversária, quanto a Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45589492), na condição de custos iuris, haviam requerido a penalização dos embargantes pelo intuito protelatório, o que, porém, não foi acolhido pelo Tribunal (ID 45591086).

Conforme exposto, as circunstâncias ora examinadas são diversas e mais contundentes, de modo que o sancionamento faz-se cabível e necessário.

Assim, tendo vista o caráter manifestamente protelatório dos presentes embargos, aplico aos embargantes a multa no valor de 1 (um) salário mínimo, com fulcro no art. 275, § 6º do Código Eleitoral.

Ressalto que a penalidade imposta não pretende censurar, de modo algum, o exercício regular do direito de ação e de defesa garantido pela Constituição Federal. A medida pretende, sim, preservar o postulado da duração razoável do processo (art. 5º, inc. LXXVIII, da Constituição Federal), que tem especial relevância na esfera eleitoral, de acordo com o disposto no art. 97-A da Lei n. 9.504/97.

Por fim, conforme  determina o art. 1.025 do CPC, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que os embargantes suscitaram para fins de prequestionamento.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração e pela aplicação de multa no valor de 1 (um) salário mínimo, com fulcro no art. 275, § 6º, do Código Eleitoral, aos embargantes.