PCE - 0603289-29.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/01/2024 às 16:00

VOTO

LORENA GORGEN, candidata não eleita ao cargo de deputada estadual, apresenta prestação de contas relativa às Eleições de 2022.

Após a realização do exame inicial da contabilidade, a Secretaria de Auditoria Interna – SAI concluiu remanescer irregularidades consistentes na utilização de recurso de origem não identificada - RONI e na ausência de comprovação de gastos realizados com verba do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Foram apontadas impropriedades de ausência de extratos bancários e de ausência de instrumento de representação processual.

Passo à análise.

1. Impropriedades

1.1. Ausência dos extratos bancários.

A despeito de o art. 53 da Resolução TSE n. 23.607/19 incluir os extratos bancários entre as peças obrigatórias a integralizar as prestações de contas apresentadas, tem-se que tais documentos disponibilizados nos bancos de dados da Justiça Eleitoral, a partir de convênio firmado com o Banco Central do Brasil, permitem a análise das contas, de modo que a omissão se constitui em falha formal, apta a ensejar, apenas, meras ressalvas no julgamento da contabilidade.

1.2. Ausência de instrumento de procuração.

Relativamente à impropriedade de ausência de instrumento de outorga de poderes a advogado, certificada no documento de ID 45122741, destaco que a candidata foi validamente citada para regularizar sua representação processual, sob pena de prosseguimento regular do feito, com fluência dos respectivos prazos processuais a partir da data da publicação do ato judicial no Diário da Justiça Eletrônico (ID 45306306), mantendo-se inerte, conforme certidão de ID 45357082.

É consabida a posição do e. TSE, adotada por ocasião do julgamento da Instrução n. 0600749–95/DF, quando a Corte Superior aprovou a alteração da Res. TSE n. 23.607/19 e revogou o § 3º do art. 74 dessa norma, que impunha o julgamento das contas como não prestadas na hipótese de ausência de procuração outorgando os devidos poderes ao patrono do candidato, passando a prevalecer o entendimento de que a inexistência de instrumento de mandato não pode representar, por si só, a não prestação de contas (Ac. De 2.9.2022 no RespEl n. 060038448, rel. Min. Mauro Campbell Marques).

Nessa linha, reputo o feito em condições de julgamento, pois a prestadora foi intimada pessoalmente e pelo DJE-RS, para regularizar a representação.

2. Recurso de origem não identificada – RONI.

2.1. Nota fiscal não apresentada.

No concernente à utilização de recurso de origem não identificada – RONI, a unidade técnica observou omissão de despesa na prestação de contas em exame, identificada por meio das informações constantes na base de dados da Justiça Eleitoral, consistente na Nota Fiscal n. 1152219, emitida em 17.9.2022, por COMERCIAL DE COMBUSTIVEIS SETEMBRINO LTDA, no valor de R$ 224,50.

O dispêndio não integra os gastos declarados pela candidata que não aproveitou a oportunidade concedida para a apresentação de esclarecimentos.

Assim, como não foi esclarecida a fonte do recurso utilizado para pagamento da despesa de campanha, a permitir a inferência de sua quitação por meio de valores que não transitaram pelas contas bancárias declaradas, a quantia de R$ 224,50 resta caracterizada como recurso de origem não identificada - RONI e, portanto, passível de recolhimento ao Tesouro Nacional nos termos do art. 14 e art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2.2. Dívida de campanha

A unidade técnica destacou a declaração da candidata de existência de dívida de campanha no montante de R$ 60,00 sem a observância dos §§ 2° e 3° do art. 33 da Resolução TSE n. 23.607/19:

(...)

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º; e Código Civil, art. 299).

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência da pessoa credora;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

 

Ainda que a falha esteja configurada, o recolhimento não deve ser determinado por falta de amparo normativo, conforme entendimento pacífico desta Corte, esposado exemplificativamente no processo 0600604-54.20206210021, rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, julgado em 07.3.2023, em linha com o posicionamento do TSE firmado no acórdão do RESPE n. 0601205-46.2018.6.12.000, redator designado o Ministro Luís Roberto Barroso.

No entanto, ainda que incabível a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, a irregularidade no valor de R$ 60,00 há de ser considerada para juízo de aprovação, ressalvas ou desaprovação das contas.

3. Verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

O exame das contas registrou três diferentes espécies de irregularidades na comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

3.1. Ausência de documento fiscal relativo à despesa com material impresso.

No ponto, o parecer conclusivo especifica as despesas conforme quadro que segue:

 

 

De fato, no Sistema DivulgaCandContas (1) há o registro dessas despesas contratadas com o fornecedor indicado, contudo as informações prestadas não relatam o gasto; (2) os extratos bancários apresentam dois pagamentos nos valores referidos, porém para diferente beneficiário - Criarte Serviços - igualmente sem documentação correlata no conjunto de documentos do processo; e (3) inexistem notas fiscais relativas às alegadas operações.

Sublinho que a correta comprovação dos gastos eleitorais viabiliza o controle da aplicação dos recursos de campanha, especialmente os recursos públicos disponíveis aos candidatos e às candidatas, e deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço, nos termos do art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Portanto, não comprovado o gasto realizado com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, considera-se irregular o montante de R$ 730,00.

3.2. Ausência de comprovação de contratação de serviço

Foi informado pela prestadora, por meio do “recibo de pagamento referente a contrato com fins eleitorais” (ID 45391589), que Elaine Farias Vaz recebeu o valor de R$ 80,00 pela atividade de militância de rua (cabo eleitoral). No entanto, não houve a juntada de contrato de prestação de serviço, e o extrato bancário não reflete tal operação em favor da contratada.

Destaco que as despesas com pessoal devem ser comprovadas por documento que detalhe a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, os locais de trabalho, as horas trabalhadas, a especificação das atividades executadas e a justificativa do preço contratado, em atenção ao que determina o §12 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, não providenciada a comprovação do gasto por meio de documento hábil a permitir o rastreio da verba pública ao real fornecedor, impõe-se o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia irregularmente utilizada, na importância de R$ 80,00.

3.3. Ausência de justificativa de preço

O parecer técnico contábil apontou ausência de justificativa de preço em relação ao contratado Guilherme Gomes de Azevedo, que recebeu da campanha da prestadora, por meio de 13 transferências bancárias com valores variáveis entre R$ 70,00 e R$ 770,00, o montante total de R$ 5.620,00.

Com efeito, verifica-se que 5 (cinco) pessoas foram contratadas para a atividade de militância e mobilização de rua - um deles sem documento contratual, objeto do item 3.2.

As demais possuem peculiaridades no contrato: (1) Eduarda Nunes, por R$ 70,00 o dia ou R$ 40,00 meio turno, de segunda a sábado; (2) Tatiane Fagundes, por R$ R$ 70,00 o dia, de segunda a sexta; (3) Rubia Oliveira, por R$ 294,50, em qualquer turno de trabalho; e (4) Guilherme Azevedo, por R$ 5.620,00, de segunda a domingo.

As atividades descritas em três dos quatro contratos encontram-se em perfeita identidade e coerência. Indica o caso de Rubia Oliveira, que inclui “organização de militantes de rua remunerados, organização de documentos, acompanhamento do(a) candidato(a) em reunião e eventos”, e justifica o valor estipulado a maior em relação à Eduarda e à Tatiane.

Contudo, mostra-se diferente a situação de Guilherme que, embora conste o domingo como dia de execução da atividade, recebeu um valor desproporcionalmente maior que as colaboradoras em mesma atividade, Eduarda e Tatiane, e quase 20 vezes o que Rubia, responsável por organizar os militantes. O valor de R$ 5.620,00 repassado a Guilherme é forçoso concluir que é absolutamente injustificado, e chama atenção pela discrepância.

3.4. Sobra de campanha

A análise técnica verificou que a prestadora apresentou a Guia de Recolhimento da União no valor de R$ 35,50, relativa à sobra de campanha de recursos oriundos do FEFC.

Contudo, deixou de juntar o comprovante de pagamento.

Assim, resta configurada a irregularidade na aplicação da verba pública, em montante de R$ 6.465,50 (R$ 730,00 + R$ 80,00 + R$ 5.620,00 + R$ 35,50), e a quantia equivalente deve ser devolvida ao Tesouro Nacional, conforme o art. 79, §1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por fim, destaco que as irregularidades no valor de R$ 6.750,00 (R$ 284,50, RONI, e R$ 6.465,50, FEFC) representam o equivalente a 55,85% das receitas declaradas na prestação (R$ 12.086,00), circunstância que impõe um juízo de desaprovação das contas.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação da prestação de contas de LORENA GORGEN, candidata ao cargo de deputada estadual, e determino o recolhimento do valor de R$ 6.690,00 (R$ 224,50, RONI e R$ 6.465,50, FEFC) ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.