PCE - 0602190-24.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/01/2024 às 16:00

VOTO

Cuida-se de prestação de contas apresentada por HENRIQUE MACHADO, candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

Em parecer conclusivo, a Secretaria de Auditoria Interna apontou irregularidade relativa ao inadimplemento de despesas sem a respetiva assunção dos débitos pela grei, a indicar a utilização de recursos de origem não identificada (RONI) na sua quitação.

No caso, há um somatório de R$ 5.800,00 decorrente de dívidas não pagas e não assumidas pelo partido, em afronta ao art. 33, §§ 2º e 3º da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 33. Partidos políticos e candidatas ou candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

(...)

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º ; e Código Civil, art. 299) .

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência da pessoa credora;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

(…)

 

A falha aponta para o uso de valores sem comprovação de origem na quitação dos gastos, pratica vedada na linha do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

 

O prestador, visando mitigar o vício, apresentou nota explicativa na qual relatou não ter recebido o valor esperado de seu partido, o que deu azo as suas dívidas de campanha. Na peça, informa que a agremiação assumiu o débito remanescente, todavia, o documento colacionado não atende aos contornos delineados no art. 33 supra (ID 45463493 e 45245515).

Tal cenário inviabiliza a aferição da fonte dos recursos versados no adimplemento dos débitos de campanha, a sinalizar o uso irregular de valores sem demonstração de origem.

Com efeito, entendeu o e. Tribunal Superior Eleitoral que as dívidas de campanha consistem em categoria com regulamentação específica, que não prevê o recolhimento de valores em caso de infringência, restringindo-se o art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19 a estabelecer a possibilidade de desaprovação das contas:

Art. 34. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 3º do art. 33 desta Resolução, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas da candidata ou do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

 

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO FEDERAL. DÍVIDA DE CAMPANHA. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DA QUANTIA AO ERÁRIO. REJEIÇÃO DAS CONTAS. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

1. Trata-se de recurso especial eleitoral interposto contra acórdão do TRE/MS que desaprovou as contas de candidato ao cargo de deputado federal nas Eleições 2018.

2. Na origem, o TRE/MS, por unanimidade, concluiu haver irregularidades graves na prestação de contas, notadamente dívidas de campanha no montante de R$ 110.422,50 (cento e dez mil, quatrocentos e vinte e dois reais e cinquenta centavos), que não foram assumidas pelo órgão partidário nacional. No entanto, deixou de determinar a devolução deste valor ao Tesouro Nacional, por não considerar que se tratasse de utilização de recurso de origem não identificada.

3. O Ministro Relator propõe que se acolha a tese suscitada no recurso especial do Ministério Público, para além da desaprovação das contas, determinar-se ainda a devolução ao Tesouro Nacional da quantia referente às dívidas de campanha, pelos seguintes fundamentos: (i) a infringência ao art. 35 da Res.-TSE nº 23.553/2017 impede que a Justiça Eleitoral controle a regularidade da movimentação financeira do candidato, logo o pagamento das despesas, se realizado, será com recurso cuja origem não estará comprovada nos autos da prestação de contas; e (ii) à luz da interpretação sistemática da legislação, é devido o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor referente aos débitos de campanha não quitados e não assumidos pelo partido político, porque não comprovada a procedência das verbas a serem futuramente utilizadas, caracterizando-as como recurso de origem não identificada.

4. Contudo, observo que não há respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse.

5. Isso porque (i) a assunção da dívida pelo partido não é um procedimento obrigatório e, tampouco, afasta a possibilidade de que o candidato obtenha diretamente os recursos para quitar as obrigações junto aos fornecedores; (ii) incabível considerar como de “origem não identificada” recursos que sequer foram captados, pois significaria, em última análise, impedir o candidato de quitar a obrigação pela qual responde pessoal e individualmente; e (iii) a medida apenas agrava o problema detectado pelo Relator, pois o candidato terá que duplicar o esforço de arrecadação de recursos junto a fontes não controladas pela Justiça Eleitoral, para além de pagar fornecedores, realizar o recolhimento ao Tesouro.

6. Com essas considerações, divirjo do voto do Ministro relator, para negar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral.

(TSE; REspEl 0601205–46/MS; Redator para o acórdão: Min. Luís Roberto Barroso, sessão de 8.2.2022) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DESAPROVAÇÃO NA INSTÂNCIA DE ORIGEM. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE PRESENTES. AGRAVO PROVIDO. DÍVIDA DE CAMPANHA. ASSUNÇÃO PELO PARTIDO. IRREGULARIDADE NO PROCEDIMENTO. EQUIPARAÇÃO A RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE RESPALDO NORMATIVO. PRECEDENTE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.1. Hipótese em que o TRE/SP, por unanimidade, desaprovou as contas de campanha de candidata ao cargo de deputado federal nas eleições de 2018, devido à existência de dívida de campanha assumida pelo partido, mas cujo procedimento estava em desacordo com o previsto no art. 35, § 3º, da Res.–TSE nº 23.553/2017.2. Agravo conhecido e provido, porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso especial. 3. Não há "[...] respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse" (REspEl nº 0601205–46/MS, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 8.2.2022, DJe de 30.3.2022).4. Recurso especial parcialmente provido tão somente para afastar a determinação de devolução de R$ 4.048,00 ao Tesouro Nacional, mantida a desaprovação das contas.

(TSE, AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060851176, Acórdão, Relator: Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 175, Data: 09/09/2022) (Grifei.)

 

Trata-se de posicionamento acolhido neste Tribunal para as Eleições de 2022:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO NÃO ELEITO. DEPUTADO FEDERAL. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. DÍVIDA DE CAMPANHA. AUSÊNCIA DO TERMO DE ASSUNÇÃO DE DÍVIDA. VALOR IRREGULAR NÃO SUJEITO À DEVOLUÇÃO. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. ALTO PERCENTUAL. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DESAPROVAÇÃO.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022.

2. Verificada dívida de campanha sem a apresentação do respectivo termo de assunção do passivo pelo partido, na forma prevista no art. 33, §§ 2° e 3°, da Resolução TSE n. 23.607/19. Valor apontado como irregular não sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional. O Tribunal Superior Eleitoral tem entendido que as dívidas de campanha consistem em categoria com regulamentação específica, que não prevê o recolhimento de valores em caso de infringência, restringindo-se o art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19 a estabelecer a possibilidade de desaprovação das contas.

3. Irregularidade que representa 37,21% do montante de recursos declarados pelo prestador, situação que afasta a possibilidade de aprovação com ressalvas, conforme pacífica jurisprudência deste Tribunal, ainda que incabível a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

4. Desaprovação.

(TRE-RS. PCE n. 0602454-41.2022.6.21.0000. Relator Des. Eleitoral Volnei dos Santos Coelho. Julgado em 13.12.2023. Publicado em 18.12.2023 - DJE/TRE-RS, edição n. 229/2023)

 

No entanto, ainda que mantida a mácula e que as quantias extrapolem, em valores nominais e percentuais, os parâmetros utilizados por esta Corte para aprovar as contas com ressalvas, de forma a ensejar a sua desaprovação, o montante irregular não está sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, porquanto ausente previsão normativa expressa.

Portanto, apesar da irregularidade verificada, que implica efetivamente na rejeição das contas, incabível a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas de HENRIQUE MACHADO com fundamento no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.