REl - 0600051-61.2022.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/01/2024 às 14:00

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cuida-se de recurso interposto pelo Diretório Municipal do Partido Democrático Trabalhista- PDT de Santo Ângelo/RS contra a sentença do Juízo da 045ª Zona Eleitoral, que julgou desaprovadas as contas referentes ao exercício de 2021. A sentença determinou “o recolhimento ao Tesouro Nacional das seguintes importâncias: R$ 201,37 a título de recebimento de fonte vedada e R$ 49.800,00 a título de irregularidade no uso do Fundo Partidário, acrescido de multa prevista no art. 48, caput, da Resolução TSE n. 23.604/19, a qual fixo em 20%, a ser recolhida ao Fundo Partidário, forte no art. 38, inc. I, da Lei n. 9096/95, e transferência de R$ 2.500,00 para a conta específica do programa de participação política de mulheres” (ID 45553620).

A irregularidade consistiu em gastos quitados com verbas provenientes da conta do Fundo Partidário, em desacordo com o art. 18, § 4º, da Resolução TSE n. 23.604/19, pois as despesas partidárias não foram pagas mediante a emissão de cheque nominativo cruzado ou por transação bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário.

As irregularidades totalizam R$ 49.800,00, sendo R$ 40.000,00 em transferências para Rodrigo Thomas Flores, R$ 2.800,00 em cheque para César Augusto Meira dos Santos, R$ 7.000,00 em cheque para César Augusto Meira dos Santos e R$ 87,40 com tarifas bancárias.

Ademais, a unidade técnica apontou divergência entre os beneficiários dos pagamentos, Rodrigo Thomas Flores e César Augusto Meira dos Santos, e os efetivos prestadores de serviço enumerados no SPCA: R$ 18.000,00 - Antônio Augusto Mayer dos Santos; R$ 10.000,00 - Meirelles e Correa Adv. Associados; R$ 12.000,00 - Rogério Colpo Callegaro; R$ 7.000,00 - Meirelles e Correa Adv. Associados e R$ 2.800,00 - Iloni Dreilich.

O prestador sustenta que os gastos foram devidamente comprovados por meio de documentação idônea, na forma do art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19. Junta contratos e recibos (IDs 113596719, 113596721, 113596722, 113596723, 113596734 e 113596736), a fim de comprovar as referidas despesas, demonstrar o efetivo valor do serviço prestado, assim como o detalhamento e a execução do objeto das prestações de serviços. Alega que o tesoureiro Rodrigo Thomas Flores teve problemas na operacionalização do PIX, por essa razão realizou transferências para si próprio, com o intuito de sacar os recursos e quitar as obrigações do partido. E que César Augusto Meira dos Santos foi intermediário dos pagamentos, sacando e repassando os valores a título de aluguel para Iloni Dreilich, que necessitava receber os valores em espécie pelo fato de ser cego.

Conforme descrito pela unidade técnica no parecer conclusivo, os gastos no total de R$ 40.000,00 consistiram em 08 transferências entre contas, no valor de R$ 5.000,00 cada, para Rodrigo Thomas Flores, em desacordo com o art. 18 e art. 29, inc. V, combinados com o art. 36 § 2º, todos da Resolução TSE n. 23.604/19.

A legislação exige que os gastos sejam pagos mediante a emissão de cheque nominativo cruzado ou por transação bancária que identifique o CPF ou o CNPJ do beneficiário, justamente para evitar o procedimento adotado pela agremiação, ou seja, que se verifique um beneficiário que não corresponda ao efetivo executor da prestação do serviço. Conforme documentação juntada pelo prestador, consta como beneficiário Rodrigo Thomas Flores; contudo, seriam os efetivos credores:

-Antonio Augusto Mayer dos Santos: juntados contrato e recibos (documentos iguais) no ID 113596721; ID 115463981; ID 115463984; ID 115463987; ID 115463989; ID 117141694; ID 117141697; ID 117141700 e ID 117141702;

- Rogerio Colpo Callegaro: contrato e recibo (documentos iguais) no ID 113596722; ID 115463985; ID 115463988; ID 115463990; ID 115463999; ID 117141698; ID 117141701; ID 117141703; 117142062;

- Meirelles e Correa Adv Associados: Nota Fiscal eletrônica (documentos iguais) no ID 113596723; ID 115463983; ID 115463993; ID 115464000; ID 117141696; ID 117141706; ID 117142063.

 

Embora tenha realizado a juntada dos comprovantes, a falta de confiabilidade e de transparência sobre a origem e destinação dos recursos não restou afastada, pois o art. 18 da Resolução TSE n. 23.604/19 expressamente determina que a comprovação dos gastos somente poderá ser realizada pelos meios ali elencados.

Art. 18. A comprovação dos gastos deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo, sem emendas ou rasuras, devendo dele constar a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou pela razão social, o CPF ou o CNPJ e o endereço, e registrados na prestação de contas de forma concomitante à sua realização, com a inclusão da respectiva documentação comprobatória.

§ 1º Além do documento fiscal a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral pode admitir, para fins de comprovação de gasto, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou de prestação efetiva do serviço;

III - comprovante bancário de pagamento; ou

IV - Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP) ou por declaração ou formulário obtido no Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial).

§ 2º Quando dispensada a emissão de documento fiscal, na forma da legislação aplicável, a comprovação da despesa pode ser realizada por meio de documentação que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou da prestação, a identificação do destinatário e do emitente pelo nome ou pela razão social, o CPF ou o CNPJ e o endereço.

§ 3º Os documentos relativos aos gastos com a criação ou a manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres devem evidenciar a efetiva execução e manutenção dos referidos programas, nos termos do inciso V do art. 44 da Lei nº 9.096/95 , não sendo admissível mero provisionamento contábil.

§ 4º Os gastos devem ser pagos mediante a emissão de cheque nominativo cruzado ou por transação bancária que identifique o CPF ou o CNPJ do beneficiário, ressalvado o disposto no art. 19.

§ 5º O pagamento de gasto, na forma prevista no caput, pode envolver mais de uma operação, desde que o beneficiário do pagamento seja a mesma pessoa física ou jurídica.

§ 6º Nos serviços contratados com a finalidade de locação de mão de obra, é exigida a apresentação da relação do pessoal alocado para a prestação dos serviços, com a indicação do respectivo nome e CPF, além dos documentos previstos no art. 18, § 1º, inciso IV, relativos ao pessoal alocado para a prestação de serviços.

§ 7º Os comprovantes de gastos devem conter descrição detalhada, observando-se que:

I - nos gastos com publicidade, consultoria e pesquisa de opinião, os respectivos documentos fiscais devem identificar, no seu corpo ou em relação anexa, o nome de terceiros contratados ou subcontratados e devem ser acompanhados de prova material da contratação;

II - os gastos com passagens aéreas serão comprovados mediante apresentação de fatura ou duplicata emitida por agência de viagem, quando for o caso, e os beneficiários deverão atender ao interesse da respectiva agremiação e, nos casos de congressos, reuniões, convenções, palestras, poderão ser emitidas independentemente de filiação partidária segundo critérios interna corporis, vedada a exigência de apresentação de qualquer outro documento para esse fim (art. 37, § 10, da Lei nº 9.096/95) ; e

III - a comprovação de gastos relativos à hospedagem deve ser realizada mediante a apresentação de nota fiscal emitida pelo estabelecimento hoteleiro com identificação do hóspede.

§ 8º Além das provas documentais constantes do § 1º deste artigo, a Justiça Eleitoral poderá exigir a apresentação de elementos probatórios que comprovem a entrega dos produtos contratados ou a efetiva prestação dos serviços declarados.

 

No que diz respeito a 02 cheques nominais emitidos, um no valor de R$ 2.800,00 (cheque 850009) e outro no valor de R$ 7.000,00 (cheque 850010), ambos tendo como beneficiário César Augusto Meira dos Santos, de igual modo não há correspondência entre o recebedor e o executor da prestação de serviço, pois esses valores teriam sido destinados a pagamento de despesas contraídas com Iloni Dreilich (aluguel - ID 118202934) e com Meirelles e Correa Advogados Associados (ID 118202936).

O valor gasto em desacordo com a norma configura aplicação irregular de recursos públicos, no total de R$ 49.800,00, sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional conforme disposto no art. 14 da Resolução TSE n. 23.604/19:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º, sendo vedada a devolução ao doador originário.

 

Diante disso, correta a sentença de primeira instância ao enquadrar como aplicação irregular do Fundo Partidário as despesas pagas no total de R$ 49.800,00 (quarenta e nove mil e oitocentos reais), bem como ao determinar sua devolução ao Tesouro Nacional.

O valor irregular representa 63,18% do total de recursos recebidos (R$ 78.812,64), ficando acima do percentual de 10% utilizado como parâmetro, de modo que é imperativa a desaprovação das contas e, assim, a aplicação da multa.

Entretanto, acolho a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral para reduzir a multa arbitrada ao percentual de 12% da importância tida por irregular, “para guardar proporção com o percentual das irregularidades”.

Quanto à segunda irregularidade, em parecer conclusivo, a unidade técnica apontou o ingresso de doação proveniente de contribuições de pessoas físicas não filiadas ao partido político, que exerceram função ou cargo público de livre nomeação e exoneração ou cargo ou emprego público temporário no exercício de 2021, no valor de R$ 201,37.

Com efeito, a percepção, pelo partido político, de recursos oriundos de tais fontes é expressamente vedada pelo art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…)

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

(Grifo nosso)

 

Como regra, o partido é proibido de receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário.

Conforme mencionado, a parte final do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95 estabelece uma exceção à vedação e, justamente por se tratar de uma salvaguarda, deve ser interpretada restritivamente, isso é, “quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação”.

A finalidade da ressalva é possibilitar ao partido o recebimento de contribuições ordinárias dos seus filiados a título de mensalidade, a fim de que a agremiação não se veja desfalcada dessa fonte de custeio pelo fato de o filiado ser alçado a função ou a cargo público de livre exoneração ou demissão.

Desse modo, consoante o inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95, somente é permitida a doação a partido político por parte de pessoa que exerça função ou cargo público de livre exoneração ou demissão, ou cargo ou emprego público temporário, quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação.

Esse é o entendimento adotado por esta Corte, conforme resposta apresentada à Consulta n. 0600076-83.2020.6.21.0000, de relatoria do Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga, julgada em 08.6.2020, quando indagado acerca da licitude de doações oriundas de filiados à agremiação diversa daquela destinatária dos recursos:

(...) Nos termos do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95, somente é permitida a doação a partido político por parte de pessoa que exerça função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação.

 

Em sede recursal, o prestador alega que “o partido desconhecia a situação de que o referido contribuinte era filiado ao MDB do município de Entre-Ijuís, resultando em vedação da fonte contributiva”. E que ao tomar conhecimento “a agremiação procedeu com a imediata devolução à origem (ao contribuinte doador) do valor de R$ 201,37, conforme comprovante PIX juntado no ID 113596724, a fim de sanar eventual irregularidade pela indicada fonte vedada (…)”.

Verifico que, conforme destacado pela Procuradoria Regional Eleitoral, a doação foi realizada em 2021 e a devolução do valor irregular ocorreu apenas em 23.02.2023, ou seja, fora do prazo determinado no art. 11, § 5º, da Resolução TSE n. 23.604/19:

Art. 11. (…) § 5º Os partidos políticos podem recusar doação identificável que seja creditada em suas contas bancárias indevidamente, promovendo o estorno do valor para o doador identificado até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito, ressalvado o disposto no art. 13.

 

Embora o recolhimento tenha sido feito, a falha, ou seja, o recebimento de contribuições de pessoas físicas não filiadas ao partido político, que exerceram função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário no exercício de 2021, permanece e deve ser registrada.

Assim, considero não sanada a irregularidade, contudo, dispenso a grei do recolhimento do valor de R$ 201,37 ao Tesouro Nacional, pois o valor já foi recolhido, mesmo que a destempo, sob pena da ocorrência de dupla restituição da importância.

Na espécie, as irregularidades apontadas totalizam R$ 49.800,00 (quarenta e nove mil e oitocentos reais), o que representa 63,18% das receitas declaradas (R$ 78.812,64), tornando imperativa a desaprovação das contas e o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, ao efeito de manter a sentença recorrida quanto às irregularidades apontadas e a desaprovação, porém, reduzindo a multa aplicada para 12% do valor tido como irregular.