ED no(a) ED no(a) REl - 0600721-63.2020.6.21.0015 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/01/2024 às 14:00

VOTO

Os embargos de declaração são adequados, tempestivos e comportam conhecimento.

No mérito, a COLIGAÇÃO CARAZINHO JÁ alega que o acórdão embargado incorreu em omissões ao não enfrentar pontos relevantes do caso concreto.

Nesse passo, argumenta que o acórdão embargado afastou, de modo fundamentado, a alegação de violação ao § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97 pela distribuição de cartões de vale-compras, porém não o fez em relação à entrega de marmitas. Agrega que houve a distribuição de marmitas, realizada pela Administração Pública, no período de junho a setembro de 2020, tendente a afetar a igualdade entre os concorrentes ao Executivo Municipal, e que tal restou demonstrado por documentos oficiais, concluindo que:

Logo, como o acórdão limitou-se a dizer que “no pertinente à suposta entrega irregular de marmitas, a conclusão vertida da decisão embargada advém da debilidade da prova em relação às alegadas irregularidades e abusos, consignando que ‘o arcabouço probatório é assaz frágil no sentido de indicar ilicitude no campo eleitoral’”, sem, tal como a sentença e o acórdão inicial, tecer uma linha sequer em relação às respostas dadas no Pedido de Informação e fotos citadas, requer-se seja suprida a omissão com a manifestação sobre o poder probatório dos documentos oficiais em questão ou a indicação, pelo Juízo, do motivo da desconsideração ou insuficiência dos mesmos como prova do ilícito do § 10 do Art. 73.

 

Não procede a alegação.

Ora, as próprias razões de embargos bem colocam que “a justificativa para o afastamento da ilicitude da entrega das marmitas deu-se integralmente por suposta debilidade probatória quanto às irregularidades e abusos, fazendo remissão à análise probatória contida na sentença”, o que já se faz suficiente para a motivação do acórdão que confirmou a sentença recorrida.

Quanto ao mais, o aresto que julgou o recurso contra a sentença entendeu, relativamente à entrega de cartões de vale-compras às vésperas da eleição, que não restou configurada a conduta vedada tipificada no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, uma vez que “havia decreto declarando estado de calamidade pública em Carazinho, em razão do surto de COVID-19 (ID 44958549), que constitui exceção à regra plasmada no dispositivo”, e, especificamente quanto à entrega de marmitas, foi rechaçada a tese acusatória tendo em conta que “a proibição insculpida no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97 não incide à hipótese, porquanto se tratava de ato levado a efeito durante estado de calamidade” (ID 45546647).

A resposta ao Pedido de Informações OP 124/2021 (ID 44958646), que a embargante considera como não apreciado pelo Tribunal, está analisada no acórdão no trecho em que consigna que “a prefeitura, instada a informar as datas e os locais em que houve a entrega de marmitas, noticiou que foram 17 ações, no período de 02.6.2020 a 18.9.2020 (ID 44958646, fl. 9)”, o qual, porém, não indica ilicitude no campo eleitoral.

Em realidade, o documento corrobora a conclusão da sentença e do acórdão, ao esclarecer que “as entregas de marmitas foram ações emergenciais realizadas em dias de intenso frio, em locais diagnosticados com vulneráveis, segundo a base de dados do Cadastro Único” e que “visando a amenizar os riscos causados pelas restrições devido ao estado de calamidade pública por conta da pandemia do COVID 19, foram realizadas 17 ações nas seguintes datas, em locais de extrema vulnerabilidade social, (...)”.

Assim, não há se falar em omissão, pois foi adequadamente fundamentado o acórdão, ainda que de forma sintética, porque o dispositivo em referência é claro ao excetuar da proibição os casos de calamidade pública, como se percebe de sua redação, verbis:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

 

Portanto, inexiste no aresto o vício apontado.

Adiante, a embargante aponta que não houve “manifestação acerca das condições para o reconhecimento da excepcionalidade por calamidade pública prevista no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/97”.

No tocante a este tópico, expõe a recorrente:

Por óbvio, além do enquadramento das condutas dos Réus no ilícito do § 10 do Art. 73, há necessidade de se observar possível situação excepcional que afaste a ilicitude. Nesse sentido, o citado parágrafo assim dispõe:

[…]

Quanto à possibilidade de ser um programa social autorizado em lei e já em execução orçamentária no ano anterior, o Embargante juntou toda a  legislação pertinente à Assistência Social, inclusive as contemporâneas do período de pandemia, e ficou claro que não há previsão legal muito menos regulamentação da entrega de marmitas pela Prefeitura.

Aliás, cabe registrar que a própria Secretária de Desenvolvimento Social (Primeira-Dama), em resposta ao pedido de informação OP nº 124/2021 (ID 94205216), afirmou que as marmitas não se tratavam de benefício assistencial e que não coletou dados dos beneficiários, nem efetuou o registro das entregas:

[…]

Por óbvio, ainda que equivocada quanto à afirmação de que não se tratam de benefícios assistenciais, a Secretária deixa claro que as entregas não seguiram qualquer legislação, muito menos programa pré-existente.

Logo, resta apenas o enquadramento na CALAMIDADE PÚBLICA.

E finalmente chegamos ao segundo ponto em que é primordial a manifestação expressa do Juízo para autorizar o justo e legítimo debate jurídico.

Evidentemente, a entrega das marmitas foi realizada em período de calamidade pública em decorrência do Covid-19, e isso não se discute.

A discussão é: para a exceção relativa ao estado de calamidade pública (§º 10º do art. 73 da Lei nº 9.504/97), fica dispensada a necessidade:

a) de obediência à autorização legal?

b) de regulamentação?

c) de critérios objetivos para estabelecimento de beneficiários?

d) de identificação dos destinatários?

e) de estudo social prévio como condição para o benefício?

f) de transparência no acesso e fiscalização dos benefícios concedidos?

Reforça-se esse questionamento porque, NO CASO CONCRETO, claramente não existiu nenhum dos itens acima, e isso também é incontroverso.

[…]

Por isso, requer-se seja suprida a omissão apontada, com a manifestação do Juízo acerca da controvérsia: para a exceção relativa ao estado de calamidade pública (§º 10º do art. 73 da Lei nº 9.504/97), fica dispensada (ou não) a necessidade de obediência à autorização legal, regulamentação, critérios objetivos para estabelecimento de beneficiários e transparência no acesso e fiscalização?

Caso se entenda pela necessidade de tais exigências, requer-se seja atribuído o devido efeito infringente, para reconhecer a violação, pelos Réus, ao §º 10º do art. 73 da Lei nº 9.504/97.

 

Em relação a essa matéria, igualmente inexiste lacuna a ser integrada.

O acórdão proferido em recurso contra a sentença foi claro ao apontar que “o arcabouço probatório é assaz frágil no sentido de indicar ilicitude no campo eleitoral”, assim como apontou que, no que concerne ao “uso promocional em favor de candidato”, “não existe evidência de que tal tenha ocorrido por ocasião da distribuição de marmitas” (ID 45546647).

Na sequência, no decisum que julgou os primeiros aclaratórios, foi assentado que o aresto embargado “expressamente pontuou a ausência de provas suficientes de eventuais condutas vedadas ou abusivas, pois os documentos acostados aos autos indicam que o Poder Público se limitou a fornecer o cadastro de catadores de baixa renda e que os cartões de vale-compras foram custeados com recursos de entes assistenciais privados”, bem como o seguinte acerca da entrega de marmitas (ID 45565697):

Da mesma forma, no pertinente à suposta entrega irregular de marmitas, a conclusão vertida da decisão embargada advém da debilidade da prova em relação às alegadas irregularidades e abusos, consignando que “o arcabouço probatório é assaz frágil no sentido de indicar ilicitude no campo eleitoral”.

Em apoio, constou no voto expressa adoção da análise probatória exposta na sentença, então reproduzida no voto em relação ao ponto, por meio da técnica da fundamentação per relationem, que, nos termos da jurisprudência do TSE, é “compatível com o disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal, não podendo ser confundida com ausência ou eficiência de fundamentação” (TSE - RMS: 060017543/DF, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 10.04.2023, Data de Publicação: 25.04.2023).

 

Essas conclusões também abarcam as “fotos do Facebook oficial da Prefeitura Municipal (ID 89317893 a 89317900)” destacadas pela embargante em suas razões. No mais, conforme exposto no acórdão, em remissão aos fundamentos da sentença, “não há óbice legal que a entrega/oferta das marmitas fosse feita pela primeira-dama, então Secretária do Desenvolvimento Social nem por servidores investidos em cargos de comissão”, posto que todos vinculados à Secretária responsável, não havendo indícios de indevida promoção institucional ou eleitoral na conduta.

Vale dizer, a entrega de marmitas pela Administração Municipal, em pleno estado de calamidade pública, declarado na esfera nacional pelo Decreto Legislativo n. 6, de 20.3.2020, e pela municipalidade local, por intermédio do Decreto Executivo n. 18, de 19.3.2020 (ID 44958549), ocorreu sem provas de que tenha havido utilização eleitoreira da ação e sem a identificação de gravidade apta a comprometer a legitimidade do pleito.

Portanto, eventuais desconformidades administrativas que tenham sido praticadas na indigitada ação social levada a cabo pela prefeitura, desprovidas de comprovada repercussão sobre a normalidade do prélio eleitoral, não teriam aptidão para ensejar os graves efeitos do juízo de procedência de ação de investigação judicial eleitoral.

Ademais, ao mesmo tempo em que o § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97 excetua da proscrição de distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios o caso de calamidade pública, possibilita ao Ministério Público promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa, de modo a permitir a devida fiscalização por aquele órgão estatal.

Nesse aspecto, cabe anotar que o Ministério Público Eleitoral com atuação perante o primeiro grau, a quem competia o acompanhamento dos fatos nas instâncias civil e administrativas próprias, não vislumbrou falhas relevantes, tendo se manifestado pela improcedência da ação (ID 44958803), no que foi seguido pela douta Procuradoria Regional Eleitoral.

Portanto, não estão configurados os supostos vícios de fundamentação, pois as razões do apelo foram suficientemente enfrentadas por este Tribunal, cingindo-se a parte a buscar novo julgamento da causa.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.