PCE - 0602635-42.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/01/2024 às 14:00

VOTO

Cuida-se de prestação de contas apresentada por JOÃO BATISTA PIRES MARTINS, candidato que alcançou a suplência para o cargo de deputado estadual pelo Partido Social Democrático, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

Após exame inicial da contabilidade e intimação do prestador, a Secretaria de Auditoria Interna (SAI) emitiu parecer conclusivo, no qual apontou persistirem irregularidades quanto ao uso de recursos de origem não identificada (RONI) e malversação de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

No que diz respeito à utilização de verbas sem demonstração de origem, as falhas vêm consubstanciadas no inadimplemento de despesas, sem a respetiva assunção dos débitos pelo partido pelo qual concorreu, e na omissão de despesas, a indicar, em ambas as situações, a utilização de recursos de origem não identificada (RONI) para o pagamento dos débitos.

A unidade técnica relatou a existência do montante de R$ 15.735,00 em dívidas de campanha não quitadas pelo prestador e tampouco assumidas por sua grei, em afronta ao art. 33, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 33. Partidos políticos e candidatas ou candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

(...)

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º ; e Código Civil, art. 299) .

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência da pessoa credora;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

(…)

 

Tal cenário inviabiliza a aferição da fonte dos recursos versados no adimplemento dos débitos de campanha, a sinalizar o uso irregular de valores sem demonstração de origem.

No entanto, ainda que mantida a mácula, a cifra irregular não está sujeita a recolhimento ao Tesouro Nacional, porquanto ausente previsão normativa expressa.

Explico.

O e. Tribunal Superior Eleitoral entendeu que as dívidas de campanha consistem em categoria com regulamentação específica, que não prevê o recolhimento de valores em caso de infringência, restringindo-se o art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19 a estabelecer a possibilidade de desaprovação das contas:

Art. 34. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 3º do art. 33 desta Resolução, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas da candidata ou do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

 

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO FEDERAL. DÍVIDA DE CAMPANHA. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DA QUANTIA AO ERÁRIO. REJEIÇÃO DAS CONTAS. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

1. Trata-se de recurso especial eleitoral interposto contra acórdão do TRE/MS que desaprovou as contas de candidato ao cargo de deputado federal nas Eleições 2018.

2. Na origem, o TRE/MS, por unanimidade, concluiu haver irregularidades graves na prestação de contas, notadamente dívidas de campanha no montante de R$ 110.422,50 (cento e dez mil, quatrocentos e vinte e dois reais e cinquenta centavos), que não foram assumidas pelo órgão partidário nacional. No entanto, deixou de determinar a devolução deste valor ao Tesouro Nacional, por não considerar que se tratasse de utilização de recurso de origem não identificada.

3. O Ministro Relator propõe que se acolha a tese suscitada no recurso especial do Ministério Público, para além da desaprovação das contas, determinar-se ainda a devolução ao Tesouro Nacional da quantia referente às dívidas de campanha, pelos seguintes fundamentos: (i) a infringência ao art. 35 da Res.-TSE nº 23.553/2017 impede que a Justiça Eleitoral controle a regularidade da movimentação financeira do candidato, logo o pagamento das despesas, se realizado, será com recurso cuja origem não estará comprovada nos autos da prestação de contas; e (ii) à luz da interpretação sistemática da legislação, é devido o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor referente aos débitos de campanha não quitados e não assumidos pelo partido político, porque não comprovada a procedência das verbas a serem futuramente utilizadas, caracterizando-as como recurso de origem não identificada.

4. Contudo, observo que não há respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse.

5. Isso porque (i) a assunção da dívida pelo partido não é um procedimento obrigatório e, tampouco, afasta a possibilidade de que o candidato obtenha diretamente os recursos para quitar as obrigações junto aos fornecedores; (ii) incabível considerar como de “origem não identificada” recursos que sequer foram captados, pois significaria, em última análise, impedir o candidato de quitar a obrigação pela qual responde pessoal e individualmente; e (iii) a medida apenas agrava o problema detectado pelo Relator, pois o candidato terá que duplicar o esforço de arrecadação de recursos junto a fontes não controladas pela Justiça Eleitoral, para além de pagar fornecedores, realizar o recolhimento ao Tesouro.

6. Com essas considerações, divirjo do voto do Ministro relator, para negar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral.

(TSE; REspEl 0601205–46/MS; Redator para o acórdão: Min. Luís Roberto Barroso, sessão de 8.2.2022) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DESAPROVAÇÃO NA INSTÂNCIA DE ORIGEM. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE PRESENTES. AGRAVO PROVIDO. DÍVIDA DE CAMPANHA. ASSUNÇÃO PELO PARTIDO. IRREGULARIDADE NO PROCEDIMENTO. EQUIPARAÇÃO A RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE RESPALDO NORMATIVO. PRECEDENTE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.1. Hipótese em que o TRE/SP, por unanimidade, desaprovou as contas de campanha de candidata ao cargo de deputado federal nas eleições de 2018, devido à existência de dívida de campanha assumida pelo partido, mas cujo procedimento estava em desacordo com o previsto no art. 35, § 3º, da Res.–TSE nº 23.553/2017.2. Agravo conhecido e provido, porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso especial. 3. Não há "[...] respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse" (REspEl nº 0601205–46/MS, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 8.2.2022, DJe de 30.3.2022).4. Recurso especial parcialmente provido tão somente para afastar a determinação de devolução de R$ 4.048,00 ao Tesouro Nacional, mantida a desaprovação das contas.

(TSE, AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060851176, Acórdão, Relator: Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 175, Data: 09/09/2022) (Grifei.)

 

Trata-se de posicionamento acolhido neste Tribunal para as Eleições de 2022, consoante julgamentos ocorridos na sessão de 09.12.2022: PCE n. 0603217-42.2022.6.21.0000; Relator: Des. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, e PCE n. 0602652-78.2022.6.21.0000; Relator: Des. Caetano Cuervo Lo Pumo.

Ultrapassado o ponto, consta do relatório técnico a existência de omissão de despesas.

Do cotejo entre o declarado pelo prestador e as notas fiscais eletrônicas, foram identificados gastos, não registrados, na casa de R$ 1.475,00, decorrentes de operações junto à ECCHER & ECCHER LTDA (R$ 715,00) e KLEIN IMPRESSOS LTDA. (R$ 760,00).

Com efeito, verificando no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (DivulgaCand), é possível aferir a emissão das notas fiscais nos valores acima citados contra o CNPJ de campanha do prestador (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001613992/nfes. Acesso em 06.9.2023).

O prestador silenciou quanto à diligência.

Os dispêndios não declarados, nessa linha, apontam para sua quitação com recursos de origem não identificada, a demandar seu recolhimento ao erário.

Passo à irregularidade no uso de valor do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Durante o pleito, houve a locação de imóvel de Edgar Elmar Grever, no valor de R$ 6.000,00, para instalação do comitê de campanha do prestador (ID 45262291).

Todavia, conforme parecer conclusivo, não foi colacionado ao feito documento comprovando a propriedade do bem do locado em nome de Edgar Grever.

Não houve manifestação do prestador quanto ao ponto, de sorte que a glosa deve ser mantida e o valor recolhido ao Tesouro Nacional.

Em suma, o montante irregular perfaz R$ 23.210,00 (R$ 15.735,00 + R$ 1.475,00 + R$ 6.000,00), correspondente a 93,70% do total de recursos recebidos para a campanha do prestador (R$ 24.769,98), cifra que supera em muito as balizas definidas por esta Corte para, mediante aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, mitigar o juízo de reprovação das contas.

Dessarte, é impositiva a desaprovação das contas, bem como a determinação de recolhimento do valor de R$ 7.475,00 ao erário, atinente ao uso de recursos de origem não identificada (R$ 1.475,00) e à malversação de verbas do FEFC (R$ 6.000,00), afastada, nos termos da fundamentação, a necessidade de recolhimento do importe relativo às dívidas de campanha em aberto.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas de JOÃO BATISTA PIRES MARTINS, com base no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e determino o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 7.475,00, nos seguintes termos:

a) R$ 1.475,00 – Recursos de origem não identificada; e

b) R$ 6.000,00 – Fundo Especial de Financiamento de Campanha.