PCE - 0602553-11.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/01/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se de prestação de contas apresentada por LUIS FERNANDO MORETTI GROSS, candidato ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

Passo à análise dos apontamentos realizados pelo órgão de análise técnica em seu parecer conclusivo (ID 45515023).

1. Da Comprovação de Gastos com Recursos do FEFC

A unidade técnica constatou as seguintes falhas na comprovação dos gastos com recursos do FEFC:

4.1.1. DESPESAS PAGAS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC) CONSIDERADAS IRREGULARES

A – Não foi apresentado documento fiscal comprovando a despesa, em conformidade ao art.53, II e de forma a comprovar os art. 35 e 60 da Resolução TSE 23.607/2019.

B – Existem dois pagamentos para o fornecedor MATHEUS NAIBERT DE OLIVEIRA no extrato bancário: R$ 4.000,00 em 01/09/2022 e R$4.000,00 em 30/09/2022, sendo apresentada uma única Nota Fiscal (nº 202294) para os dois pagamentos (ID 45239107 e ID 45239115) em descumprimento ao art.53, II e de forma a comprovar os art. 35 e 60 da Resolução TSE 23.607/2019.

 

Com efeito, não se observa lastro documental para a despesa paga com fundo público declarada à fornecedora VICTORIA FAÉ DE FREITAS, no valor de R$ 2.000,00, por serviços advocatícios, pois, embora exista referência à emissão de “recibo” no Demonstrativo de Despesas com Advogados (ID 45239084), nenhum documento da espécie foi juntado às contas.

Ainda que se vislumbre o efetivo pagamento, mediante Pix, do valor de R$ 2.000,00, à VICTORIA FAE DE FREITAS (CPF n. 857.960.690-04), nos extratos eletrônicos disponibilizados no Sistema de Divulgação de Contas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001621329/extratos), não há documento hábil a discriminar os específicos serviços oferecidos em contraprestação.

Outrossim, a procuração outorgada pelo candidato à referida advogada (ID 45342598) não fornece os contornos mínimos da contratação e do serviço prestado, não preenchendo os requisitos exigidos pelo art. 60, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e, portanto, não suprindo a omissão de instrumento contratual ou documento equivalente.

Nos termos do art. 35, § 3º, da mesma Resolução, “as despesas com consultoria, assessoria e pagamento de honorários realizadas em decorrência da prestação de serviços advocatícios e de contabilidade no curso das campanhas eleitorais serão consideradas gastos eleitorais”, razão pela qual devem ser contabilizadas e comprovadas por documentos idôneos, apenas sendo excluídas do limite de gastos de campanha.

Assim, não apresentados documento fiscal, instrumento contratual ou recibo acerca do gasto, deve ser reconhecida a irregularidade na utilização de recursos do FEFC.

De igual sorte, impõe-se tomar por irregular a despesa junto ao fornecedor Matheus Naibert de Oliveira, no valor de R$ 4.000,00 por não encontrar suporte probatório.

Na hipótese, foram contabilizados dois pagamentos de R$ 4.000,00 ao referido fornecedor, o primeiro referente à nota fiscal n. 202288, em 1º.9.2022, e o segundo envolvendo a nota fiscal n. 202294, em 29.9.2022 (ID 45239088).

Contudo, há somente um documento fiscal acostado aos autos, qual seja, a nota fiscal n. 202294, apresentada no ID 45239107 que se repete no ID 45239115 e no ID 45515024.

O candidato não acostou aos autos a nota fiscal n. 202288, no valor de R$ 4.000,00, e não é possível o seu acesso a partir do Sistema de Divulgação de Contas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001621329/nfes), razão pela qual houve a insuficiente comprovação do gasto com recursos do FEFC.

Assim, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, deve ser comandado o recolhimento do montante de R$ 6.000,00 ao Tesouro Nacional.

 

2. Das Despesas com Impulsionamento de Conteúdos na Internet

O segundo apontamento envolvendo recursos do FEFC está assim descrito no parecer técnico conclusivo (ID 45515023):

4.1.2. As despesas com impulsionamento de conteúdo pagas com FEFC R$ 15.100,00, não estão totalmente comprovadas com documento fiscal, apenas R$ 13.338,28, sendo R$ 1.761,72 irregulares, conforme tabela abaixo, em descumprimento ao § 2º do Art. 35 da Resolução TSE 23.607/2019:

 

Portanto, o candidato encerrou sua campanha com créditos não utilizados junto ao Facebook, no valor de R$ 1.761,72 (R$ 15.100,00 – R$ R$ 13.338,28), oriundos de recursos do FEFC, os quais deveriam ter sido devolvidos ao candidato pela empresa fornecedora, pois não houve contraprestação de serviços, e, então, restituídos ao Tesouro Nacional, consoante prevê o art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução:

[...].

§ 2º Os gastos de impulsionamento a que se refere o inciso XII deste artigo são aqueles efetivamente prestados, devendo eventuais créditos contratados e não utilizados até o final da campanha serem transferidos como sobras de campanha:

I - ao Tesouro Nacional, na hipótese de pagamento com recursos do FEFC;

 

Acerca do tema, no julgamento da PCE n. 0603167-16.2022.6.21.0000, sob a relatoria da eminente Desembargadora Eleitoral Elaine Maria Canto da Fonseca, em 19.6.2023, pontuei minhas preocupações a respeito de eventuais entraves criados pela empresa Meta na restituição de valores públicos creditados, mas não utilizados, especialmente quando as quantias permanecem represadas pelo fornecedor após o transcurso do período eleitoral.

Naquela oportunidade, em que restei vencido, lancei voto-vista nos seguintes termos:

(...) pedi vista dos autos para colher observações da unidade técnica deste Tribunal e aprofundar a reflexão sobre o caso concreto, uma vez que reputo inadequado o tratamento imposto unilateralmente pelo Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. para o estorno de quantias de natureza pública.

Trago à consideração também o fato de que a empresa em questão figura na primeira posição do ranking de fornecedores nas eleições de 2022, tanto no critério de número de candidatos contratantes (19.014) quanto em volume de recursos recebidos (R$ 126.591.103,83), consoante dados disponíveis do Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/consulta/doadores-fornecedores/2040602022/individual/13347016000117).

Grande parcela desse lucro alcançado provém de verbas públicas, tal como na espécie, o que recomenda maior atenção pelos órgãos de fiscalização no tocante à movimentação financeira.

No aspecto, deve a Justiça Eleitoral atuar não apenas para a recomposição dos valores aos cofres públicos, mas também com o objetivo de repelir possíveis locupletamentos ilícitos ou sem causa por meio de malversação de dotações públicas por aqueles que participam, de qualquer forma, das campanhas eleitorais.

Ressalto, ainda, que, uma vez julgadas as presentes contas, com a determinação de recolhimento de valores pelo candidato, a Justiça Eleitoral não disporá de meios para acompanhar a devolução da verba pela empresa, ou mesmo para impor a sua devida destinação, caso o fornecedor mantenha os valores em seu poder.

Ademais, ainda que a empresa efetivamente realize a transferência à agremiação, o diretório partidário tenderá a recolher também ao Tesouro Nacional, configurando a dupla restituição: pelo candidato condenado e pelo partido político.

Isso porque tal triangulação entre fornecedor, partido e candidato será de difícil constatação pelo diretório partidário, que não participou do gasto nem do processo de contas originário. Assim, sob o risco de ser penalizada por doação de pessoa jurídica, é presumível que a grei política igualmente proceda ao recolhimento em favor do Tesouro Nacional, a fim de mitigar possíveis sanções.

Pode-se cogitar, ainda, que, ignorando o incidente nas contas do candidato, o órgão partidário estorne o valor ao próprio Facebook, por reputar proveniente de fonte vedada na forma prescrita pelo art. 11, § 5º, da Resolução TSE n. 23.604/19, levando, novamente, ao enriquecimento sem causa da empresa.

Em qualquer hipótese, a intermediação pelo órgão partidário não encontra amparo legal, posto que o partido político somente faz jus aos créditos remanescentes se originários de recursos do Fundo Partidário ou de verbas privadas, a teor do art. 35, § 2º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Além disso, o procedimento pretendido pelo Facebook retira qualquer possibilidade de ação do efetivo responsável pelas contas e transfere tal encargo à agremiação, pondo fim à fiscalização sobre a operação nas pertinentes contas de campanha.

A partir de tais ponderações, entendo que a proposição de restituição dos recursos não utilizados à conta do partido político não cumpre os postulados da legalidade, da probidade e da transparência, posto que se afasta das previsões normativas, cria uma situação pendente nas contas e ao alvedrio do fornecedor de serviços, bem como prejudica o rastreamento, pela Justiça Eleitoral, do fluxo financeiro dos recursos públicos.

Não sendo cabível que o Facebook Ltda. persista na guarda desses valores pertencentes ao Tesouro Nacional, é possível depreender que a única razão jurídica para condicionar a transferência da verba à agremiação seja o desconhecimento de que os recursos são provenientes do FEFC, razão pela qual a empresa os trata como sobras de campanha em geral.

Desse modo, julgo necessário e suficiente para o saneamento da falha e para o escorreito tratamento dos recursos públicos que o fornecedor seja intimado sobre a natureza da quantia e para que providencie o seu depósito ao Tesouro Nacional, na forma do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

[...].

 

Entretanto, no caso concreto, o prestador não demonstrou minimamente algum entrave na restituição dos valores ou dificuldades na restituição da verba ao Tesouro Nacional.

De todo modo, deve ser aplicado o entendimento majoritário deste Colegiado no sentido de que, em sede de prestação de contas, a responsabilidade pela gestão dos valores destinados à campanha eleitoral cabe direta e exclusivamente ao candidato, a qual não é mitigada pela omissão de fornecedor no ressarcimento dos valores, consoante a ementa havida daquele aludido julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. SUPLENTE. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. NÃO UTILIZAÇÃO DE CRÉDITO OBTIDO COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. FACEBOOK. BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato que alcançou a suplência ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

2. Persistência de irregularidade quanto à utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Sobra de valores públicos, relativos a montante despendido em impulsionamento no Facebook, os quais devem retornar ao erário, na forma do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Responsabilidade do candidato pela gestão dos recursos destinados à própria campanha eleitoral, não cabendo à Justiça Eleitoral oficiar à empresa que detém o crédito impugnado para que restitua os valores, como pretendido pelo prestador.

3. Falha que representa 2,37% da arrecadação, permitindo a aprovação das contas com ressalvas, mediante a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

4. Aprovação das contas com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 0603167-16.2022.6.21.0000, PORTO ALEGRE - RS, Relator: Desa. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Data de Julgamento: 19/06/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Edição 111/2023, Data: 22/06/2023) (Grifei.)

 

Na esteira do referido entendimento jurisprudencial, possíveis conflitos ou danos havidos na relação contratual devem ser resolvidos posteriormente, na instância comum, uma vez que a conduta dos fornecedores não exime o candidato ou a candidata de sua responsabilidade pela regularidade das contas prestadas à Justiça Eleitoral, especialmente em relação ao destino de recursos públicos.

Vale dizer, o candidato não se desincumbiu do ônus quanto à devolução das verbas públicas não utilizadas ao Tesouro Nacional, impondo-se o reconhecimento da irregularidade e a determinação do recolhimento do aludido valor ao Tesouro Nacional, nos termos do arts. 35, § 2º, inc. I, e 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

3. Da Destinação dos Recursos do FEFC Não Utilizados

No ponto, o órgão técnico anotou que o prestador de contas declarou como sobras de recursos do FEFC a cifra de R$ 4,00, sem a devida identificação das contas de destino das sobras financeiras.

Com efeito, embora diminuta, a quantia deveria ter sido recolhida ao erário por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), visto se tratar de sobra de valores do FEFC.

In casu, não foi apresentado comprovante de recolhimento ao Tesouro Nacional, bem como não foi identificado registro de transferência no extrato bancário, infringindo a exigência do art. 50, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 50. Constituem sobras de campanha:

(...).

§ 5º Os valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) eventualmente não utilizados não constituem sobras de campanha e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional integralmente por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) no momento da prestação de contas.

 

Assim, ausente a comprovação quanto à devolução dos recursos do FEFC não utilizados, está configurada a irregularidade, que impõe o recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional, na forma do art. 50, § 5°, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Do Julgamento das Contas

Em conclusão, as irregularidades verificadas alcançam o total de R$ 7.765,72, que representa 15,5% do montante arrecadado pelo candidato (R$ 50,000.00), de maneira a inviabilizar a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como meio de atenuar a gravidade das máculas sobre o conjunto das contas, sendo, portanto, mandatória a desaprovação, em linha com o parecer ministerial.

Igualmente impositivo, o recolhimento do montante de R$ 7.765,72 ao Tesouro Nacional.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas de LUIS FERNANDO MORETTI GROSS, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação do recolhimento de R$ 7.765,72 ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, do mesmo diploma normativo.