PCE - 0603134-26.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/01/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se de prestação de contas apresentada por ADRIANO MARQUES DORNELLES, candidato não eleito ao cargo de deputado estadual pelo Partido Liberal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

Passo ao exame das irregularidades indicadas no parecer conclusivo.

1. Da Omissão de Despesas Eleitorais

A unidade técnica, analisando a contabilidade, apontou o recebimento de recursos de origem não identificada devido à detecção de nota fiscal emitida contra o CNPJ de campanha, mas não declarada entre os gastos eleitorais do candidato, consoante o seguinte fragmento do relatório de análise:

3.1 Foram identificadas as seguintes divergências entre as informações relativas às despesas, constantes da prestação de contas, e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, I, g, da Resolução TSE n. 23.607/2019:

Com efeito, a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa eleitoral, conforme preceitua o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, se o gasto não ocorreu ou o prestador não reconhece a despesa, a nota fiscal deveria ter sido cancelada junto ao estabelecimento emissor, consoante os procedimentos previstos no art. 92, § 6°, da Resolução TSE n. 23.607/19, o que não se observou no caso em exame.

Portanto, a existência de nota fiscal contra o número de CNPJ do candidato, ausente provas do efetivo cancelamento, retificação ou estorno, tem o condão de caracterizar a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em sua defesa, o prestador acostou aos autos declarações de ambos os fornecedores atestando equívoco no lançamento do CNPJ de campanha nos documentos fiscais, bem como asseverando que não foi possível o cancelamento das notas fiscais em razão do decurso de mais de trinta dias das emissões (ID 45458918 e seguintes).

Nada obstante, a jurisprudência deste Tribunal é firme no sentido de que a juntada de declaração unilateral da empresa fornecedora não substitui as providências para o cancelamento da nota fiscal junto ao órgão fazendário:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINAR. JUNTADA DE DOCUMENTOS NA VIA RECURSAL. POSSIBILIDADE. ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL. OMISSÃO DE GASTOS. NOTA FISCAL EMITIDA CONTRA O CNPJ DE CAMPANHA. PRESUNÇÃO DE EXISTÊNCIA DA DESPESA. DECLARAÇÃO UNILATERAL. DESPESA DE COMBUSTÍVEL. VEÍCULO UTILIZADO PELO CANDIDATO. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. IRREGULARIDADE DE PERCENTUAL E VALORES MÓDICOS. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

(…).

 4. Nos termos do art. 35, § 6º, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19, o pagamento de combustível em veículo de uso do próprio candidato não pode ser originário de receitas de campanha, quer públicas, quer privadas. Para o afastamento da irregularidade, seria necessário o cancelamento da nota fiscal expedida contra o CNPJ de campanha, consoante previsão do art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, ao efeito de descaracterizar a aquisição de combustíveis como gasto eleitoral. A simples declaração unilateral do prestador ou de seu fornecedor não constituem meios de comprovação idôneos para desconstituir o conteúdo da nota fiscal emitida, conferindo à despesa natureza de cunho pessoal.

(…).

(Recurso Eleitoral n 060027728, ACÓRDÃO de 10/12/2021, Relator: DES. ELEITORAL FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE ) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. CARGO DE VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. SERVIÇOS CONTÁBEIS. NOTA FISCAL NÃO APRESENTADA. ESTORNO NÃO REALIZADO. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO FISCAL IDÔNEO. ALEGADO EQUÍVOCO NA EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS CONTRA O CNPJ DA CAMPANHA. NÃO DEMONSTRADO CANCELAMENTO. INCABÍVEL MERA DECLARAÇÃO DA EMPRESA. CARACTERIZADO USO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. QUANTIA POUCO EXPRESSIVA DAS FALHAS. INCIDÊNCIA DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REJEITADO PEDIDO DE APLICAÇÃO DA LEI DO PARTIDOS POLÍTICOS. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

(…).

3. Alegado equívoco na emissão de duas notas fiscais contra o CNPJ da campanha, relativas a pagamento de serviços de contabilidade, sem, contudo, ter havido apresentação de documento fiscal de cancelamento. Cabe à candidata, e não às empresas, prestar contas perante a Justiça Eleitoral e ser responsabilizada por eventual incorreta emissão de nota fiscal para a sua campanha, pois o art. 45, § 2°, da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao determinar a responsabilidade dos candidatos, em solidariedade com seus administradores financeiros, pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha. Assim, a mera declaração da empresa no sentido de que a nota foi incorretamente emitida, sem o documento fiscal de cancelamento ou de estorno da despesa, não justifica o gasto omitido das contas. Cabia à candidata providenciar a regularização do documento junto à empresa emitente. Ainda, a justificativa de que uma das notas fiscais teria sido custeada pelo convivente da prestadora e por equívoco emitida contra o seu CNPJ, não afasta o apontamento, mas tão somente corrobora o fato de que candidata recebeu e utilizou recursos de origem não identificada na campanha. Determinado o recolhimento ao erário, na forma do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

(…).

(Recurso Eleitoral n 060041718, ACÓRDÃO de 14/10/2021, Relator: DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE) (Grifei.)

 

Logo, incide na espécie o entendimento do TSE de que “gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, (...) constituem omissão de despesas” (TSE; Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJE, Tomo 241, Data: 16.12.2019, p. 73).

Ademais, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada.

Nesse sentido, cito o seguinte precedente desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. VEREADORA. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. SAQUE ELETRÔNICO DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CONFIABILIDADE CONTÁBIL. MACULADA. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. RECOLHIMENTO DOS VALORES AO TESOURO NACIONAL. VALOR NOMINAL DAS IRREGULARIDADES. DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO. PROVIMENTO PARCIAL. (...). 2. Detectadas 07 (sete) notas fiscais emitidas contra o CNPJ de campanha, sem que os recursos para quitação da despesa tenham transitado pelas contas bancárias da candidata, indicando omissão de gasto eleitoral. Os gastos não contabilizados afrontam o art. 53, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil. 3. As despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de modo paralelo à contabilidade formal da candidata, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19. (...).

(TRE-RS, REl 06006545520206210094, Relator: Des. Francisco José Moesch, Data de Julgamento: 03.2.2022.) (Grifei.)

 

Desse modo, restou caracterizada a irregularidade, devendo o montante de R$ 4.955,03 ser recolhido ao Tesouro Nacional, na forma prescrita pelo art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

2. Da Aplicação Irregular de Recurso do Fundo Partidário

No tocante ao segundo apontamento, a SAI também identificou irregularidades quanto ao uso de valores do Fundo Especial de Assistência dos Partidos Políticos, nos seguintes termos (ID 45526780, fl. 5):

Foram identificados pagamentos para Dlocal Brasil Instituição de Pagamento S.A, CNPJ n. 25.021.356/0001-32, no valor total de R$ 6.500,00, referentes ao processamento de pagamentos para a empresa FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA., CNPJ n. 13.347.016/0001-17, por prestação de serviços de impulsionamento de conteúdo na internet.

Finalizada a prestação de serviços, o Facebook emitiu nota fiscal n. 51757315 no valor total de R$ 3.663,98. Não foi identificada a devolução da diferença (saldo) no valor de R$ 2.836,02 à agremiação partidária ao final da campanha, observado o disposto no art. 35, §2º, II, da Resolução TSE nº 23.607/2019. Contudo, tendo em vista a não comprovação de sua respectiva devolução e por se tratar de recurso público, o montante de R$ 2.836,02 deverá ser recolhido ao Tesouro Nacional, na forma do que preconiza o art. 79, §1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Portanto, o candidato encerrou sua campanha com créditos não utilizados junto ao Facebook, no valor de R$ 2.836,02, oriundos de recursos do Fundo Partidário, os quais deveriam ter sido transferidos até o final da campanha ao partido político, via conta Fundo Partidário, consoante prevê o art. 35, § 2º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução:

[...].

§ 2º Os gastos de impulsionamento a que se refere o inciso XII deste artigo são aqueles efetivamente prestados, devendo eventuais créditos contratados e não utilizados até o final da campanha serem transferidos como sobras de campanha:

II – ao partido político, via conta Fundo Partidário ou Outros Recursos, a depender da origem dos recursos.

O prestador, visando sanar as irregularidades, referiu que efetuou tentativas de reaver da empresa FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL S.A., a mencionada diferença (ID 45458918), inclusive ajuizando ação na Justiça Estadual com pedido de tutela de urgência, protocolado sob o número 52290723220228210001 (ID 45458921).

No julgamento da PCE n. 0603167-16.2022.6.21.0000, sob a relatoria da eminente Desa. Eleitoral Elaine Maria Canto da Fonseca, em 19.06.2023, pontuei minhas preocupações a respeito de eventuais entraves criados pela empresa Meta na restituição de valores públicos creditados, mas não utilizados, especialmente quando as quantias permanecem represadas como fornecedor após o transcurso do período eleitoral.

Naquela oportunidade, em que restei vencido, lancei voto-vista nos seguintes termos:

(...) pedi vista dos autos para colher observações da unidade técnica deste Tribunal e aprofundar a reflexão sobre o caso concreto, uma vez que reputo inadequado o tratamento imposto unilateralmente pelo Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. para o estorno de quantias de natureza pública.

 

Trago à consideração também o fato de que a empresa em questão figura na primeira posição do ranking de fornecedores nas eleições de 2022, tanto no critério de número de candidatos contratantes (19.014) quanto em volume de recursos recebidos (R$ 126.591.103,83), consoante dados disponíveis do Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/consulta/doadores-fornecedores/2040602022/individual/13347016000117).

 

Grande parcela desse lucro alcançado provém de verbas públicas, tal como na espécie, o que recomenda maior atenção pelos órgãos de fiscalização no tocante à movimentação financeira.

 

No aspecto, deve a Justiça Eleitoral atuar não apenas para a recomposição dos valores aos cofres públicos, mas também com o objetivo de repelir possíveis locupletamentos ilícitos ou sem causa por meio de malversação de dotações públicas por aqueles que participam, de qualquer forma, das campanhas eleitorais.

 

Ressalto, ainda, que, uma vez julgadas as presentes contas, com a determinação de recolhimento de valores pelo candidato, a Justiça Eleitoral não disporá de meios para acompanhar a devolução da verba pela empresa, ou mesmo para impor a sua devida destinação, caso o fornecedor mantenha os valores em seu poder.

 

Ademais, ainda que a empresa efetivamente realize a transferência à agremiação, o diretório partidário tenderá a recolher também ao Tesouro Nacional, configurando a dupla restituição: pelo candidato condenado e pelo partido político.

 

Isso porque tal triangulação entre fornecedor, partido e candidato será de difícil constatação pelo diretório partidário, que não participou do gasto nem do processo de contas originário. Assim, sob o risco de ser penalizada por doação de pessoa jurídica, é presumível que a grei política igualmente proceda ao recolhimento em favor do Tesouro Nacional, a fim de mitigar possíveis sanções.

 

Pode-se cogitar, ainda, que, ignorando o incidente nas contas do candidato, o órgão partidário estorne o valor ao próprio Facebook, por reputar proveniente de fonte vedada na forma prescrita pelo art. 11, § 5º, da Resolução TSE n. 23.604/19, levando, novamente, ao enriquecimento sem causa da empresa.

 

Em qualquer hipótese, a intermediação pelo órgão partidário não encontra amparo legal, posto que o partido político somente faz jus aos créditos remanescentes se originários de recursos do Fundo Partidário ou de verbas privadas, a teor do art. 35, § 2º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Além disso, o procedimento pretendido pelo Facebook retira qualquer possibilidade de ação do efetivo responsável pelas contas e transfere tal encargo à agremiação, pondo fim à fiscalização sobre a operação nas pertinentes contas de campanha.

 

A partir de tais ponderações, entendo que a proposição de restituição dos recursos não utilizados à conta do partido político não cumpre os postulados da legalidade, da probidade e da transparência, posto que se afasta das previsões normativas, cria uma situação pendente nas contas e ao alvedrio do fornecedor de serviços, bem como prejudica o rastreamento, pela Justiça Eleitoral, do fluxo financeiro dos recursos públicos.

 

Não sendo cabível que o Facebook Ltda. persista na guarda desses valores pertencentes ao Tesouro Nacional, é possível depreender que a única razão jurídica para condicionar a transferência da verba à agremiação seja o desconhecimento de que os recursos são provenientes do FEFC, razão pela qual a empresa os trata como sobras de campanha em geral.

 

Desse modo, julgo necessário e suficiente para o saneamento da falha e para o escorreito tratamento dos recursos públicos que o fornecedor seja intimado sobre a natureza da quantia e para que providencie o seu depósito ao Tesouro Nacional, na forma do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

[...].

 

Entretanto, ressalvado meu posicionamento pessoal, alinho-me ao entendimento majoritário deste Colegiado no sentido de que, em sede de prestação de contas, a responsabilidade pela gestão dos valores destinados à campanha eleitoral cabe direta e exclusivamente ao candidato, a qual não é mitigada pela omissão de fornecedor no ressarcimento dos valores, consoante a ementa havida daquele aludido julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. SUPLENTE. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. NÃO UTILIZAÇÃO DE CRÉDITO OBTIDO COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. FACEBOOK. BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato que alcançou a suplência ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

2. Persistência de irregularidade quanto à utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Sobra de valores públicos, relativos a montante despendido em impulsionamento no Facebook, os quais devem retornar ao erário, na forma do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Responsabilidade do candidato pela gestão dos recursos destinados à própria campanha eleitoral, não cabendo à Justiça Eleitoral oficiar à empresa que detém o crédito impugnado para que restitua os valores, como pretendido pelo prestador.

3. Falha que representa 2,37% da arrecadação, permitindo a aprovação das contas com ressalvas, mediante a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

4. Aprovação das contas com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 0603167-16.2022.6.21.0000, PORTO ALEGRE - RS, Relator: Desa. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Data de Julgamento: 19/06/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Edição 111/2023, Data 22/06/2023) (Grifei.)

Aliás, essa tese se sagrou vencedora no egrégio Tribunal Superior Eleitoral, conforme se verifica do julgamento do REspEl n. 0601308-31.2018.6.20.0000, de relatoria do Min. Alexandre de Moraes, julgado em 08.10.2020, que entendeu que a entrega de impulsionamentos em número menor que o contratado, pagos com verbas do FEFC ou do Fundo Partidário, configura malversação de recursos, justificando a desaprovação das contas e a devolução dos respectivos valores, ainda que o prestador alegue desconhecimento do parcial descumprimento pelo fornecedor de serviços, tendo em vista ser dele a responsabilidade pela higidez das contas e pelo controle dos recursos empregados:

AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. SENADOR. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INEXISTÊNCIA. GASTOS IRREGULARES COM RECURSOS PÚBLICOS. DÍVIDA DE CAMPANHA NÃO ASSUMIDA PELA AGREMIAÇÃO. FALHAS GRAVES E INSANÁVEIS. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. REAPRECIAÇÃO DE PROVAS. SÚMULA 24.

1. Não há falar em ofensa ao devido processo legal, pois o candidato teve oportunidade de se manifestar, apresentar provas e justificar todas as incongruências apontadas no relatório preliminar.

2. A teor do aresto regional, a desaprovação das contas se deu em razão de falhas graves e insanáveis, relacionadas com (i) gastos realizados com recursos públicos e (ii) a existência de dívida de campanha não assumida pelo órgão partidário. A argumentação recursal traz versão dos fatos diversa da exposta no acórdão, de modo que o acolhimento do recurso passa, necessariamente, pela revisão do conjunto fático–probatório. Reafirmo, portanto, o óbice da Súmula 24 desta Corte.

3. O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta CORTE SUPERIOR, no sentido de que: (i) "a não comprovação de gastos custeados com recursos do Fundo Partidário constitui irregularidade grave que, em tese, justifica a desaprovação das contas" PC 21897 (Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, DJe de 28/4/2020), (ii) a existência de "dívida de campanha contraída pelo agravante e não assumida pela agremiação partidária é vício insanável" REspe 86278 (Rel. Min. ROSA WEBER, DJe de 18/6/2018).

4. Embora os desajustes contratuais relacionados à entrega de um volume de impulsionamentos menor do que aqueles efetivamente contratados pelo candidato não possam ser enquadrados como sobras de campanha (art. 53, I e § 1º, da Res.–TSE 23.553/2017), no que diz respeito a verbas advindas do Fundo Partidário (FP) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), tal irregularidade pode ser entendida como malversação de recurso, o que justifica a desaprovação das contas e a devolução dos respectivos recursos ao Tesouro Nacional.

5. A alegação de desconhecimento sobre a existência de saldo positivo em dinheiro, em razão do descumprimento parcial do contrato pelo tomador de serviço, não afasta do candidato a obrigação de devolver a verba pública porventura não utilizada, porque é dele a responsabilidade pela higidez das contas e pelo efetivo controle dos recursos públicos empregados. Considerando o desajuste contratual, nada impede de pleitear o ressarcimento junto à empresa contratada, de modo a compensar eventual prejuízo e, por outro lado, impedir o enriquecimento sem causa do provedor de impulsionamento.

6. Agravo Regimental desprovido.

(AgR-REspEl n. 0601308-31.2018.6.20.0000/RN, Acórdão, Relator Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 224, Data 04.11.2020).

Nessa esteira, possíveis conflitos ou danos havidos na relação contratual devem ser resolvidos posteriormente, na instância comum, uma vez que a conduta dos fornecedores não exime o candidato de sua responsabilidade pela regularidade das contas prestadas à Justiça Eleitoral, especialmente em relação ao destino de recursos públicos.

Portanto, havendo gasto em impulsionamento com o Facebook, quitado com recursos provenientes do Fundo Partidário, a sobra financeira deve retornar à agremiação partidária, na forma do citado art. 35, § 2º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, bem como do art. 50, §§ 3º e 5º do mesmo estatuto regulamentar, abaixo transcrito:

Art. 50. Constituem sobras de campanha:

[...]

§ 3º As sobras financeiras de recursos oriundos do Fundo Partidário devem ser transferidas para a conta bancária do partido político destinada à movimentação de recursos dessa natureza.

§ 4º As sobras financeiras de origem diversa da prevista no § 3º deste artigo devem ser depositadas na conta bancária do partido político destinada à movimentação de “Outros Recursos”, prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos.

§ 5º Os valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) eventualmente não utilizados não constituem sobras de campanha e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional integralmente por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) no momento da prestação de contas.

Nesse exato sentido, já decidiu esta Corte, por ocasião do julgamento, em 14.12.2023, do processo PCE n. 0603220-94.2022.6.21.0000, de relatoria do Des. Eleitoral José Luiz John dos Santos, cuja ementa segue reproduzida:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. SUPLENTE. USO INDEVIDO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC E DO FUNDO PARTIDÁRIO – FP. VERBAS PÚBLICAS. PAGAMENTO DE SINISTRO DE AUTOMÓVEL. IMPULSIONAMENTO. FACEBOOK. SOBRA DE VALORES. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL E À AGREMIAÇÃO POLÍTICA VIA CONTA DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESAPROVAÇÃO.

1. Prestação de contas apresentada por candidato que alcançou a suplência para o cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022.

2. Irregularidades atinentes ao uso indevido de valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do Fundo Partidário (FP), ao arrepio do disposto no art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19. 2.1. Pagamento de sinistro de automóvel e descontado dos valores do FEFC. Gasto não contemplado no rol de despesas eleitorais disposto no art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19. Inexistindo controvérsia quanto ao ponto, o montante malversado deve ser recolhido ao erário. 2.2. Expensas com impulsionamento na empresa FACEBOOK. Discrepância entre o valor constante em nota fiscal e o declarado pelo candidato. Diferença que deveria ter sido recolhida a título de sobra de valores. Ainda que juntada prestação de contas retificadora, a documentação carreada ao feito não contemplou o apontamento da unidade técnica referente ao restante dos créditos de impulsionamento no Facebook, quitados com verbas públicas e não ressarcidos, na medida em que não utilizados em sua integralidade. As sobras de valores públicos devem retornar ao erário, quando oriundos do FEFC, e à agremiação partidária, quando provenientes do FP, na forma do art. 35, § 2º, incs. I e II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. O valor vertido indevidamente representa 10,5% do montante auferido em campanha, inviabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para o fim de mitigar o juízo de desaprovação das contas.

4. Desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional e à agremiação partidária via conta do Fundo Partidário.

Pontuo que não se aplica o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que determina que, “verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional”, em face da especialidade da norma contida no art. 35, § 2º, inc. II antes referido.

Assim, deve o candidato devolver o montante de R$ 2.836,02 à agremiação, consoante dispõem os arts. 35, § 2º, inc. II, e 50, §§ 3º e 5º, todos da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Do Julgamento das Contas

As irregularidades verificadas totalizam a quantia de R$ 7.791,05, que representa 11,21% do total arrecadado (R$ 69.483,14), de maneira a inviabilizar a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como meio de atenuar a gravidade das máculas sobre o conjunto das contas, sendo, portanto, impositiva a desaprovação das contas.

Ainda, deve ser determinado o recolhimento de R$ 4.955,03 ao Tesouro Nacional, pelo manejo de recursos de origem não identificada (art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19) e a transferência de R$ 2.836,02 ao partido político, por aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário (art. 35, § 2º, inc. II, e art. 50, §§ 3º e 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas de ADRIANO MARQUES DORNELLES, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação de recolhimento de R$ 4.955,03 ao Tesouro Nacional, bem como de transferência de R$ 2.836,02 ao partido político, nos termos da fundamentação.