AI - 0600275-03.2023.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/01/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a UNIÃO FEDERAL insurge-se contra a decisão do Juízo Eleitoral que, após a frustração de consulta ao SISBAJUD em relação ao DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PROGRESSISTAS DE SANTA ROSA, não acolheu o pedido de pesquisa e restrição de transferência de veículos em nome do executado, por meio do sistema RENAJUD, bem como de consulta ao sistema INFOJUD, referente aos últimos 2 anos, a fim de localizar bens que possam garantir a execução.

A decisão agravada, que entendeu que a Resolução TSE n. 23.709/22 não se aplica ao cumprimento de sentença em questão, sob pena de retroagir em desfavor da parte executada, está assim vazada (ID 45550649, fl. 4):

Vistos.

Considerando que, até o presente momento, apesar dos esforços empreendidos, não se obteve êxito nas tentativas de cobrança do débito. Considerando que já foi tentada diversas vezes acordo de conciliação, e consulta sem retorno positivo de sistemas como o Bacenjud. Considerando que as disposições previstas na Resolução TSE 23.709/2022, no que diz respeito ao comando sentencial, somente se aplicam às prestações de contas entregues a partir do exercício fiscal de 2022.

Diante destes fatos, temos que existem duas Resoluções do TSE atualmente regulando a matéria, uma vez que a Res. TSE 23.604/2019 estabelece o rito de procedimentos a ser adotado, quanto ao trâmite do processo no PJE.

Diante dessa circunstância, verifico que a dívida em questão remonta a processo de 2018, em análise de exercício fiscal de 2017.

Portanto, a Resolução atual não pode ser aplicada retroativamente, em desfavor da parte executada.

ANTE O EXPOSTO, em cumprimento ao Provimento CRE/RS n.º 04/2023, determino o sobrestamento dos autos, enquanto persiste a obrigação do partido de quitar a dívida.

 

Adianto que assiste razão à agravante.

Com efeito, não se está a falar de retroatividade da Resolução TSE n. 23.709/22, pois o diploma normativo, que regulamenta o procedimento de execução e cumprimento de decisões impositivas de multas e outras sanções de natureza pecuniária, exceto criminais, proferidas pela Justiça Eleitoral, possui natureza processual, aplicando-se imediatamente, desde a sua publicação, aos atos processuais futuros.

Cabe lembrar que, quanto à aplicação da lei processual no tempo, nosso sistema jurídico adota a teoria do isolamento dos atos processuais (art. 14 do CPC), pelo qual a nova norma se aplica imediatamente aos atos processuais a serem praticados, sem limitações atinentes à época em que deflagrado o processo de conhecimento ou o procedimento executivo.

A propósito, colho o ensejo para reproduzir excerto do parecer ministerial, que abordou o tema com profundidade (ID 45566810):

A base do raciocínio do Juízo de origem reside na irretroatividade da legislação processual, o que impediria a aplicação ao presente caso da Resolução TSE nº 23.709/2019, cujo art. 7º prevê a adoção dos sistemas Bacenjud, Infojud e Renajud no cumprimento de sentenças eleitorais.

Contudo, é assente na doutrina que, no campo do direito processual, observa-se um complexo de fatos e situações jurídicas, razão pela qual o processo é enquadrado na categoria “ato-complexo de formação sucessiva”, em que “os vários atos que compõem o tipo normativo sucedem-se no tempo” com o objetivo de atingir a prestação jurisdicional, e onde cada ato que o integra é um ato jurídico que merece proteção, nos termos do art. 5º, XXXVI, da CR/88.

Ou seja, os atos processuais já realizados têm proteção contra a irretroatividade da lei, mas os atos ainda não praticados são permeáveis à nova legislação. Daí surge o postulado básico segundo o qual, na dicção do art. 14 do CPC:

Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

 

Não bastassem tais fundamentos para o acolhimento da pretensão da parte agravante, a jurisprudência está de longa data pacificada no sentido de que, em fase de cumprimento de sentença, após o trânsito em julgado da condenação pecuniária aplicada pela Justiça Eleitoral, deve ser aplicado supletiva e subsidiariamente o CPC, conforme previsão contida em seu art. 15:

Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

 

Nessa linha, colaciono o seguinte julgado do TSE:

Direito Eleitoral e Processual Civil. Agravo Interno. Prestação de contas partidária. Exercício financeiro de 2011. Cumprimento de sentença. Débito. Honorários advocatícios. Incidência. Desprovimento. 1. Agravo interno contra ato judicial que, diante do não pagamento voluntário do débito apurado em cumprimento de sentença em prestação de contas partidárias, determinou o acréscimo de 10% (dez por cento) referente aos honorários advocatícios, nos termos do art. 523, § 1º, do CPC. 2. Inexistente regra eleitoral específica sobre a matéria, em razão da compatibilidade sistêmica, aplica–se a regra do CPC prevista no capítulo relativo ao cumprimento de sentença. Precedentes. 3. Agravo interno desprovido.

(TSE - PC-PP: 23286 BRASÍLIA - DF, Relator: Min. Luís Roberto Barroso, Data de Julgamento: 17/02/2022, Data de Publicação: 09/03/2022) (Grifei.)

 

Diante disso, importa destacar que, previamente à edição da Resolução TSE n. 23.709/22, já eram amplamente utilizados por esta Justiça Eleitoral, no âmbito dos procedimentos executivos, os sistemas SISBAJUD, RENAJUD e INFOJUD como meios de pesquisa de bens e de constrição patrimonial, com base na aplicação supletiva e subsidiária do CPC.

De fato, tais sistemas foram implementados pelo Conselho Nacional de Justiça muito antes da publicação da Resolução TSE n. 23.709/22, com massiva utilização pelos diversos ramos do Poder Judiciário. Nesses termos, por meio da Recomendação n. 51, de 23 de março de 2015, o CNJ resolveu “recomendar a todos os magistrados que utilizem exclusivamente os sistemas Bacenjud, Renajud e Infojud para transmissão de ordens judiciais ao Banco Central do Brasil, Departamento Nacional de Trânsito e Receita Federal do Brasil, respectivamente”.

É igualmente firme a jurisprudência no sentido de que “é legal a realização de pesquisas nos sistemas Bacenjud, Renajud e Infojud, porquanto são meios colocados à disposição da parte exequente para agilizar a satisfação de seus créditos, dispensando-se o esgotamento das buscas por outros bens do executado” (STJ - REsp: 1845322 RS 2019/0320514-6, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 10/12/2019, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/05/2020).

Verifica-se, portanto, que, ainda antes da Resolução TSE n. 23.709/22, as medidas postuladas pela UNIÃO já eram plenamente viáveis de ser aplicadas por esta Justiça Especializada no âmbito do cumprimento de sentença, permanecendo assim após a sua publicação.

Logo, revela-se equivocada a conclusão de que não haveria amparo legal para as consultas aos sistemas RENAJUD e INFOJUD nos cumprimentos de sentença originários de processos eleitorais antes do advento da Resolução TSE n. 23.709/22.

Prosseguindo no exame, tenho que, ante a consulta frustrada ao SISBAJUD, o pedido efetuado pela UNIÃO, de consulta e restrição de transferência de veículos em nome do executado, por meio do sistema RENAJUD, e de consulta ao INFOJUD, acaso a providência anterior se mostre infrutífera, merece deferimento.

Deveras, nos termos do art. 835 do CPC, a ordem a ser observada para penhora é a seguinte:

Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;

II - títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado;

III - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;

IV - veículos de via terrestre;

V - bens imóveis;

VI - bens móveis em geral;

VII - semoventes;

VIII - navios e aeronaves;

IX - ações e quotas de sociedades simples e empresárias;

X - percentual do faturamento de empresa devedora;

XI - pedras e metais preciosos;

XII - direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia;

XIII - outros direitos.

 

Logo, tendo sido inexitosa a penhora de dinheiro pelo SISBAJUD, adequada a providência tendente à restrição online de veículos automotores pelo RENAJUD ou a localização de bens pelo INFOJUD.

Portanto, em harmonia com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, deve ser dado provimento ao agravo de instrumento.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, para que seja deferido o pedido da UNIÃO, de consulta e restrição de transferência de veículos em nome do executado, por meio do sistema RENAJUD, e de consulta ao INFOJUD, caso a providência anterior se mostre infrutífera ou insuficiente.