REl - 0600029-20.2020.6.21.0159 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/01/2024 às 14:00

VOTO

Cuida-se de recurso interposto contra sentença que aprovou com ressalvas a prestação de contas do PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT, Diretório Municipal de Porto Alegre, relativa ao exercício financeiro de 2019, em virtude do recebimento de doações provenientes de fonte vedada, oriundas de pessoas que exerciam cargos de chefia ou direção/autoridade.

No parecer inicial, a unidade técnica verificou, mediante extratos bancários referentes à conta-corrente 60621790-6, Banco Banrisul, a ocorrência de contribuições, no valor total de R$ 2.452,50, ao PARTIDO DOS TRABALHADORES, oriundas de pessoas físicas que exerciam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, durante o exercício do ano de 2019 (ID 44995694).

Nomino os contribuintes e os respectivos valores doados:

- FRANCO MARTINS MARQUES R$ 22,50

- GLADIMIRO DANTAS MACHADO R$ 50,00

- JACSON RODRIGUES DE CAMPOS R$ 270,00

- JOSÉ CARLOS ALBINO R$ 270,00

- JOÃO BATISTA CORREA R$ 300,00

- LUIS CLAUDIO CRUZ CORREA R$ 225,00

- MARLISE MARIA FERNANDES R$ 480,00

- MARLON AUGUSTO DA SILVA MACEDO R$ 300,00

- NILSON ALENCAR ALMEIDA RODRIGUES R$ 45,00

- PAULO SERGIO PEREIRA DE CARVALHO R$ 270,00

- VALDEMIR RODRIGUES BARCELLOS R$ 270,00

O recorrente, em suas razões, argumenta que as doações verificadas pela auditoria não foram realizadas por pessoas que exerciam cargos de chefia e/ou direção, mas promovidas por ocupantes de cargos de assessoramento, sendo tal argumento suficiente para afastar o apontamento de recebimento de recursos de fonte vedada.

Acrescenta, também, que os contribuintes identificados no exame técnico são filiados ao PT e que as filiações estão demonstradas mediante informações constantes do sistema interno do FILIA.

Pois bem, ao analisar os autos, observo que a situação em exame se enquadra nitidamente no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…) V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

(Inciso V acrescido pelo art. 2º da Lei nº 13.488/2017)…

O dispositivo supra é, inclusive, regulamentado pelo Tribunal Superior Eleitoral na Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...) IV - autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

Nesse trilhar, ao contrário do afirmado pela grei, a vedação aos servidores públicos demissíveis ad nutum nada tem a ver com a possibilidade de que esses servidores venham a influenciar em decisões estratégicas de órgãos públicos.

Consigno, ainda, que a discussão aventada pela agremiação de que as doações por ela percebidas são provenientes de pessoas exercentes de cargos de assessoramento, e não de cargos de autoridade, perdeu o objeto a partir da nova redação do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, introduzida pela Lei n. 14.488/17, porquanto o atual regramento ampliou a vedação, inclusive alcançando os cargos de simples assessoramento, à exceção, apenas, dos filiados a partido político.

Esta Corte Eleitoral, inclusive, já enfrentou aludida temática, elidindo, por completo, o debate atinente à natureza das competências desempenhadas por servidores públicos de livre nomeação e exoneração. Colaciono o julgado abaixo:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2019. DISCREPÂNCIA NA APLICAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. FALHA SANADA. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. BAIXO PERCENTUAL. INVIÁVEL APLICAÇÃO DE MULTA E SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas de diretório estadual de partido político, relativa ao exercício financeiro de 2019, disciplinadas quanto ao mérito pela Resolução TSE n. 23.546/17. 2. Recebimento de recursos de fonte vedada. No exercício de 2019, consideram–se de fonte vedada os recursos recebidos de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados ao partido político, não cabendo mais discussão sobre a natureza das atribuições. Não comprovado que os doadores dos valores, ocupantes de cargos e funções em comissão, eram filiados ao partido político, apesar das oportunidades para manifestação sobre o apontamento durante a instrução, de forma que não enquadrados na exceção prevista do § 1º do inc. IV do art. 12 da Resolução TSE n. 23.546/17. Impositiva a confirmação da irregularidade. 3. Lançamento de despesas com verbas do Fundo Partidário. Discrepância entre o valor total das despesas, apurado nos extratos bancários, e o total lançado no sistema SPCA. Não identificada a procedência da receita utilizada para o pagamento da diferença, concluindo que a verba não teve trânsito por conta bancária. Esclarecimentos do prestador comprovando que a diferença diz respeito à incidência de IOF e IR sobre os resgates de aplicações financeiras onde mantidos os recursos do Fundo Partidário. Afastada a falha. 4. A irregularidade remanescente representa 2,36% de toda a receita arrecadada no exercício de 2019, mostrando–se razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas com ressalvas. 5. Suspensão do Fundo Partidário. Este Tribunal, ao interpretar o art. 36 da Lei dos Partidos Políticos, entende que, em se tratando de aprovação com ressalvas, não há fixação da referida penalidade por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que o apontamento de ressalva não descaracteriza o fato de que as contas foram aprovadas, ainda que não integralmente. Diretriz alinhada ao entendimento do TSE, segundo o qual a aprovação das contas com ressalvas não acarreta a sanção de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário. 6. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PC-PP: 06001989620206210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Data de Julgamento: 23/01/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 27, Data: 15/02/2023.) (Grifei.)

Quanto à ressalva legal, o partido afirma que as doações foram efetuadas por contribuintes filiados à grei, limitando-se, entretanto, a fim de comprovar o que alega, a referir os registros internos da agremiação no Sistema FILIA e juntar aos autos fichas dos supostos filiados (ID 44995708 até ID 44995719).

Nesse aspecto, registro que nenhum dos doadores identificados no exame técnico teve seu vínculo ao PT comprovado. Foram juntados, pela serventia cartorária da 158ª Zona Eleitoral, documentos extraídos dos sistemas FILIA e PRESTCON referentes ao exercício financeiro de 2019 e com indicações de possível existência de  fontes vedadas. O que se apura da documentação é que todos os doadores listados não estão filiados ao partido de contribuição (ID 44995897).

Somado a isso, há ainda os documentos colacionados pelo recorrente, os quais, pelo caráter unilateral que comportam, seriam inúteis e insuficientes à comprovação do vínculo partidário, que somente se perfectibiliza por meio do registro da filiação no banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral (por exemplo, o RE n. 16-71.2019.6.21.0073, Rel. Des. Eleitoral Gustavo Diefenthäler. Julgado em 21.9.2020, unânime).

A prova da filiação é realizada por meio do registro no Sistema FILIA, porém são admitidos outros meios de comprovação quando o sistema não registrar corretamente a filiação, salvo documentos produzidos unilateralmente.

Assim dispõe a Súmula TSE n. 20:

A prova de filiação partidária daquele cujo nome não constou da lista de filiados de que trata o art. 19 da Lei nº 9.096/1995, pode ser realizada por outros elementos de convicção, salvo quando se tratar de documentos produzidos unilateralmente, destituídos de fé pública.

No caso em apreço, o recorrente, ao juntar nos autos prints dos registros internos de filiados e fichas de filiação, incorreu na produção unilateral de documentos, configurando, assim, provas inaptas, de forma que o partido não consegue se enquadrar na permissão legislativa produzida pela Lei n. 13.488/17 no art. 31 da Lei 9.096/95, que prevê que as pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, podem realizar contribuições a campanhas eleitorais desde que filiadas a partido político.

 

Este é, também, o posicionamento do e. Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. PROVA. DOCUMENTO UNILATERAL. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 20/TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO. 1. No decisum monocrático, manteve–se acórdão unânime do TRE/SE em que se indeferiu o registro de candidatura do agravante, não eleito ao cargo de vereador de Arauá/SE em 2020, por ausência de prova de filiação partidária antes dos seis meses que antecedem o pleito (art. 9º da Lei 9.504/97). 2. Nos termos da Súmula 20/TSE, "[a] prova de filiação partidária daquele cujo nome não constou da lista de filiados de que trata o art. 19 da Lei nº 9.096/1995, pode ser realizada por outros elementos de convicção, salvo quando se tratar de documentos produzidos unilateralmente, destituídos de fé pública". 3. No caso, conforme a moldura fática do aresto a quo, o candidato apresentou "relação interna do partido, ficha de filiação e declaração firmada pelo partido", documentos, contudo, insuficientes para comprovar o tempestivo ingresso nos quadros da grei. Precedentes. 4. De outra parte, concluir a respeito da regular filiação a partir de ata notarial, cuja transcrição exata não consta da moldura fática do acórdão regional, esbarra no óbice da Súmula 24/TSE, não sendo possível o reexame fático–probatório em sede extraordinária. 5. Agravo interno a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060019096, Relator Min. Luis Felipe Salomão, DJE 30.06.2021) (Grifei.)

 

Assim, caracterizada a irregularidade, correta a decisão que determinou o recolhimento da quantia indevidamente recebida ao Tesouro Nacional, conforme o disposto no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17, ressaltando-se que o total da falha (R$ 2.452,50) representa 0,77 % do total de Outros Recursos recebidos (R$ 318.516,83).

DIANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, para manter a sentença de aprovação com ressalvas das contas do exercício financeiro de 2019 do DIRETÓRIO MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE/RS DO PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) e a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 2.452,50, referente às receitas de fontes vedadas, acrescida de juros e correção monetária.