REl - 0600013-22.2023.6.21.0172 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/12/2023 às 09:30

VOTO

Inicialmente, consigno que, embora interposto sem a assistência de advogado, o presente recurso comporta conhecimento, nos termos da jurisprudência desta Casa que assentou a desnecessidade de atuação de procurador nos processos que tratam da apuração da ausência do mesário aos trabalhos eleitorais (nesse sentido, TRE/RS – REl n. 060009927, Relator Desembargador Caetano Cuervo Lo Pumo, Publicação: DJE, Tomo 182, 04.10.2023).

Quanto ao mérito, a recorrente alega ter comparecido no segundo turno para a função de mesária suplente e ter sido dispensada pelo administrador de prédio, Alexandre (ID 45482307).

Atestou a sua presença no local e a dispensa pelo administrador de prédio mediante declaração firmada pela mesária Olívia Maria Coelho Vieira Albuquerque, secretária da seção eleitoral n. 226, instalada em 30.10.2022 no Centro Administrativo Leopoldo Petry (ID 45489829).

Por seu turno, a Procuradoria Regional Eleitoral conclui que a declaração “não supre a ausência da comprovação do comparecimento da recorrente (assinatura da folha de presença) ou a sua dispensa (relato pelo administrador de prédio)” (ID 45557575).

Observo, a esse respeito, que a imposição de multa ao mesário faltoso é procedimento administrativo vinculado, sendo a observância à forma requisito de sua validade. A ausência de um ou mais membros das mesas receptoras deve ser consignada em ata pelo presidente da mesa, na forma do art. 105, §§ 3º, 4º e 5º, da Resolução TSE n. 23.669/21:

Art. 105. (...)

§ 3º Na hipótese de ausência de um ou mais membros(as) da mesa receptora, o(a) presidente ou quem assumir a presidência da mesa comunicará o fato à juíza ou ao juiz eleitoral, que poderá:

(...)

§ 4º As ocorrências descritas neste artigo deverão ser consignadas na Ata da Mesa Receptora.

§ 5º Se a adoção do procedimento for o remanejamento referido no inciso I do § 3º deste artigo, a ocorrência deverá ser registrada igualmente na Ata da Mesa Receptora da seção de origem. (grifei).

Assim, muito embora louvável, e ainda que caracterize uma prática não regulamentada de convocação, o chamamento de mesários-reserva para suprir o não comparecimento às seções no dia da votação deve observar o procedimento de registro da ausência dos convocados, por aquele que esteja designado pelo Juízo Eleitoral como responsável pelo respectivo local de votação.

A propósito, nada consta ao lado do nome de Janete Fabíola na lista de frequência de ID 45482288. Diversamente, em lista similar referente ao primeiro turno, consignou-se expressamente “faltou” para a outra mesária suplente, Luiza Vanessa Cardoso (ID 45489809, p. 2). Em ambos os documentos, aliás, faltam a identificação e a assinatura do responsável pelo controle de presença.

Reforço, ainda, que a prática da convocação prévia de mesário suplente se destina a suprir a eventual falta de membro da mesa receptora, ocorrendo sua dispensa no início do processo de votação, momento que demanda muita atenção do administrador de prédio aos eleitores.

Ao mesmo tempo, em defesa, a recorrente afirma ser servidora aposentada (ID 45482307), não necessitando de certidão de dispensa para o trabalho ou para o gozo de folgas pelo serviço eleitoral prestado.

Portanto, é verossímil a possibilidade de simples descuido com a tomada da presença de mesária dispensada, bem como seu aparente desinteresse na obtenção do referido documento.

Nesse contexto, inexistindo o relato sobre os fatos ocorridos no dia do pleito pelos administradores de prédio Alexandre Jacó da Silva ou Carlos Alberto Batista Bierhals (certidão, ID 45489808), ganha relevo o testemunho de Olívia Maria Coelho Vieira Albuquerque, secretária da seção eleitoral n. 226, instalada em 30.10.2022 no Centro Administrativo Leopoldo Petry: “a colega Janete Fabíola Togni que se fez presente no prédio à disposição por um período até avaliarem a necessidade de substituição em alguma seção (…) Posteriormente, a colega comunicou para mim sua dispensa concedida pelo administrador do prédio o que, por consequência, resultou na sua ausência do local” (ID 45489829, p. 2).

Nesse ponto, não acompanho a conclusão da Procuradoria Regional Eleitoral no sentido de que a declaração de mesária que trabalhou no local (ID 45489814) “não supre a ausência da comprovação do comparecimento da recorrente (assinatura da folha de presença) ou a sua dispensa (relato pelo administrador de prédio)”.

Ora, este Tribunal tem jurisprudência consolidada no sentido da observância do registro em ata para confirmar ou afastar a penalidade de multa ao mesário, consoante julgado abaixo colacionado:

Recurso. Mesário Faltoso. Art. 124 do Código Eleitoral. Eleições 2014. A saída antecipada de mesário não equivale a abandono aos trabalhos eleitorais quando há anuência do presidente de mesa. A apresentação voluntária ao serviço eleitoral e a intenção em continuar contribuindo com esta Justiça Especializada evidencia a boa-fé do recorrente. Multa afastada. Provimento.

(TRE/RS – Recurso Eleitoral nº 6755, Relator Desembargador Eleitoral Paulo Roberto Lessa Franz, Publicação: DEJERS, Tomo 176, 25.09.2015, p. 2, grifei.)

Nesse mesmo sentido, destaco que este Colegiado, em julgamento unânime, afastou multa similar por ausência de consignação expressa na ata da mesa receptora de votos de perturbação ou de prejuízo aos trabalhos eleitorais pela falta da mesária recorrente, a partir dos precisos argumentos do ilustre Relator, Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, cuja ementa transcrevo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2022. NOMEAÇÃO DE MESA RECEPTORA. NÃO COMPARECIMENTO AOS TRABALHOS ELEITORAIS. AUSENTE REGISTRO DE PERTURBAÇÃO OU PREJUÍZO. AFASTADA A MULTA IMPOSTA. LEVANTAMENTO DA RESTRIÇÃO. REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO CADASTRAL. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra decisão que aplicou a penalidade de multa, em virtude do não atendimento à convocação da Justiça Eleitoral para exercer a função de 2ª mesária, no primeiro e segundo turnos das eleições de 2022, e tampouco ter justificado suas ausências.

2. Embora a peça recursal seja subscrita pela própria mesária, por se tratar de matéria eminentemente administrativa, este Tribunal tem atenuado o rigor da norma, tornando dispensável a representação legal, conforme precedentes desta Corte.

3. Convocada para exercer a função de mesária nas eleições de 2022, não compareceu aos trabalhos eleitorais, tampouco apresentou justificativa no prazo de 30 (trinta) dias após a data do pleito. Diante da inércia da eleitora no prazo concedido para oferta de justificativa, o juízo a quo aplicou multa. Intimada pessoalmente da sentença, apresentou pedido de reconsideração sustentando não mais residir na localidade para a qual convocada e que justificou a ausência nos dois turnos.

4. Embora ausente a apresentação de justa causa ao devido tempo, não há como se cogitar prejuízo aos trabalhos eleitorais. Inexistência, na ata do primeiro turno, de qualquer anotação do presidente de mesa sobre o fato, a necessidade de substituição, atraso ou perturbação dos trabalhos em decorrência do não atendimento à convocação. Na ata do segundo turno consta a substituição da mesária e que a mesa esteve completa, não deixou de funcionar regularmente e iniciou os trabalhos no horário previsto. Ademais, verificado no histórico cadastral da eleitora que, desde o ano de seu alistamento, trabalhou em quatro pleitos como mesária e nunca deixou de exercer o direito de voto. Determinado o levantamento da restrição de mesária faltosa junto ao cadastro eleitoral. Afastada a multa imposta.

5. Provimento.

(TRE/RS – REl n. 060012792, Relator Desembargador Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Publicação: DJE, Tomo 201, 06.11.2023, grifei.)

 

Reproduzo, ainda, as razões de decidir do acórdão do Recurso Eleitoral n. 2317 do colendo Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (Relator Desembargador Luiz Fernando Tomasi Keppen, DJ, 24.03.2015), no sentido de que “eventual omissão nos registros da ata não pode vir a penalizar o recorrente, quando presente dúvida razoável”:

“Dessa forma, plausível é a alegação do recorrente de existência de omissão da presidente da seção, porquanto não foi realizada nenhuma anotação na ata referente ao comparecimento ou não do recorrente para compor a mesa receptora de votos no dia 05 de outubro de 2014

(…)

Ademais, a suposição do não comparecimento do recorrente para compor a mesa receptora de votos, por si só, não tem o condão de afastar a veracidade de sua declaração. Isto porque, o princípio da presunção de inocência previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, não permite que assim se proceda, sobretudo porque traz consequências ao mesário com a aplicação de multa, nos termos do art. 124 do Código Eleitoral. Ressalte-se que estando o mesário convocado para compor a mesa receptora de votos, constituía dever dos mesários presentes fazer constar em ata todas as ocorrências verificadas no dia do escrutínio naquela Mesa. Eventual omissão nos registros da ata não pode vir a penalizar o recorrente, quando presente dúvida razoável.

Assim, não comprovada a ausência do eleitor aos trabalhos eleitorais e restando dúvidas quanto ao seu comparecimento e dispensa, não é possível a aplicação da multa prevista no artigo 124 do Código Eleitoral.”

(TRE/PR – REl n. 2317, Relator Desembargador Eleitoral Luiz Fernando Tomasi Keppen, Publicação: DJ, 24.03.2015, grifei.)

 

Reforço que a ata consignando a falta do mesário deve constar no processo de imposição de multa, conforme disposto na Consolidação de Normas da Justiça Eleitoral do RS (CNJE), atualmente contida no Provimento CRE/RS n. 01/23, editado pela Excelentíssima Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeira Kubiak, no exercício da colenda Corregedoria Regional Eleitoral, sendo de observância obrigatória pelos Juízos Eleitorais:

Art. 755. Deverá ser autuada individualmente, no Sistema do Processo Judicial Eletrônico (PJe), sob a classe “Composição de Mesa Receptora – CMR”:

(...)

Art. 756. Integram a peça inicial, como anexos da informação referida no artigo 755, os seguintes documentos:

I – cópia da ata da mesa receptora de votos e de justificativas;(CNJE, Provimento CRE/RS nº 1/2023, grifou-se)

 

Por conseguinte, divirjo do entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral, na medida em que milita em favor da recorrente a dúvida razoável sobre a sua ausência e sobre a sua dispensa da função de mesária, em face de não restar consignado expressamente em ata (ou em lista de frequência) a descrição dos acontecimentos.

Ante o exposto, nos termos da fundamentação, VOTO pelo provimento do recurso, reformando a sentença para aceitar a justificativa de ausência aos trabalhos eleitorais e, consequentemente, afastar a imposição de multa.

Determino, ainda, o respectivo registro da justificativa no histórico cadastral da recorrente.