REl - 0600231-82.2020.6.21.0066 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/12/2023 às 09:30

VOTO

O recurso foi interposto de forma tempestiva e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, está a comportar conhecimento.

No mérito, MARCELINO MUZYKANT, candidato a prefeito de Nova Santa Rita nas Eleições de 2020, insurge-se contra a sentença que julgou improcedente a representação por propaganda eleitoral irregular ajuizada em face de JORGE LUIZ BARBOSA COELHO. Com o recurso, pretende o recorrente a aplicação de multa ao recorrido e a condenação pelo delito de calúnia eleitoral.

Primeiramente, impende destacar que a representação proposta, de natureza cível-eleitoral, não comporta pedido de condenação por crime eleitoral, viável (por óbvio) exclusivamente na seara do processo criminal, instaurado mediante a devida ação penal, promovida que é, forma privativa, pelo Ministério Público Eleitoral.

Portanto, revela-se absolutamente incabível tal pedido.

Por outro lado, no tocante à pretensão de imposição de multa por propaganda irregular, passo a examinar o cenário fático-jurídico delineado nos autos.

O recorrente relata que no dia 30.9.2020 Marisa Viegas, em seu perfil pessoal do Facebook, “teceu um comentário acerca das promessas de campanha dos candidatos a prefeito do município, criticando o então candidato Sr. Marcelino Muzykant alegando desconhecer seu plano de governo”.

Declara que, na sequência, JORGE LUIZ BARBOSA COELHO postou dois comentários, acusando o candidato de, nas Eleições de 2008, ter participado de um crime eleitoral, referente à confecção de jornal falso.

O recorrente argumenta que lhe foi imputado falsamente um crime, incidindo o recorrido na prática de propaganda eleitoral irregular, porquanto não foram observados os limites estabelecidos na legislação, e que, com fundamento no art. 28, § 5º, da Resolução TSE n. 23.610/19, o responsável pelo conteúdo fica sujeito à multa de R$ 5.000,00 a R$ 30.000,00.

Impende anotar que o dispositivo invocado para alicerçar seu pedido de aplicação de multa não possui pertinência temática com a situação posta nos autos.

Tendo em vista que a matéria político-eleitoral fora veiculada na internet por uma das formas permitidas na legislação para publicação de propaganda eleitoral – rede social, relacionada a perfil de pessoa natural e sem impulsionamento de conteúdo ou contratação de disparo em massa, descabe a aplicação da sanção prevista no art. 28, § 5º, da Resolução TSE n. 23.610/19.

Entretanto, embora ocorrido o equívoco no enquadramento legal, não há óbice ao órgão jurisdicional proceder, de ofício, à adequada qualificação jurídica dos fatos, visto que, consoante estabelece a Súmula TSE n. 62, “os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor”.

Dessa maneira, tendo em vista versar a situação  - mesmo que de forma hipotética - sobre abuso do direito de liberdade de expressão ocorrido por meio de propaganda eleitoral postada em rede social na internet, o fato é adequadamente subsumido ao art. 57-D da Lei n. 9.504/97, in verbis:

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3º do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica.

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

§ 3º Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais.

 

Sobre o dispositivo em questão, esta Corte Regional tem entendido que, ressalvada a possibilidade de remoção de conteúdo, a multa prevista no referido dispositivo é restrita à hipótese em que a propaganda é divulgada por pessoa não identificada, ou seja, para os casos de anonimato, consoante exemplificam os seguintes precedentes:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PARCIALMENTE PROCEDENTE. REDES SOCIAIS. FACEBOOK E WHATSAPP. AUSENTE PREVISÃO LEGAL PARA IMPOSIÇÃO DE MULTA. RESPONSÁVEL PELA PUBLICAÇÃO IDENTIFICADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que julgou parcialmente procedente a representação por propaganda irregular, determinando a retirada do conteúdo da internet, mas deixou de aplicar a multa aos recorridos. 2. O art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97 assegura o exercício da liberdade de expressão na propaganda eleitoral por meio da internet, regulamentando o afastamento dos excessos. A multa prevista no dispositivo não é aplicável à mera divulgação de fato sabidamente inverídico e/ou ofensivo, mas reservada aos casos de anonimato do responsável pela publicação, hipótese não ocorrente na espécie. 3. Ausente previsão legal para imposição de multa em caso de postagem ofensiva ou inverídica na internet, quando identificado o responsável pelo conteúdo. Manutenção da sentença. 4. Desprovimento. (TRE-RS, REl n. 0600896-78.2020.6.21.0008, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 04.02.2021.) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO POR PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. IMPROCEDÊNCIA. FACEBOOK. AUTORIA IDENTIFICADA. CRÍTICA POLÍTICA. LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. ART. 5º, INC. IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 27, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.610/19. DESPROVIMENTO. 1. Improcedência de representação por propaganda eleitoral irregular, entendendo que o conteúdo da postagem no perfil de Facebook da recorrida se caracteriza como mera crítica política. 2. A conduta narrada nos autos não atrai a penalidade prevista no art. 30, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19, que regulamenta o art. 57-D e § 1º da Lei n. 9.504/97, pois referida sanção é especificamente prevista para a hipótese de anonimato, a qual não se verifica na espécie, pois a autoria está identificada. 3. A postagem impugnada trata de crítica política garantida pela livre manifestação do pensamento (art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal), merecendo ser mantida a conclusão da sentença recorrida, pois não foram ultrapassados os limites do aceitável, encontrando abrigo no disposto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19. Nesse sentido, jurisprudência desta Corte. Não caracterizada ofensa apta a conduzir ao provimento do recurso. 4. Desprovimento. (TRE-RS - RE: 06005130320206210008 Bento Gonçalves/RS 060051303, Relator: RAFAEL DA CÁS MAFFINI, Data de Julgamento: 19/11/2020, Data de Publicação: MURAL - Publicado no Mural.) (Grifei.)

 

RECURSO ELEITORAL E RECURSO ADESIVO. ELEIÇÕES 2020. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. REDES SOCIAIS. WHATSAPP. AFASTADA A PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE. OFENSA À HONRA DE CANDIDATO. DETERMINADA A EXCLUSÃO DO VÍDEO. ANONIMATO. INEXISTÊNCIA. MULTA DO ART. 57-D DA LEI N. 9.504/97. INAPLICABILIDADE. PROVIMENTO PARCIAL. RECURSO ADESIVO DESPROVIDO. 1. Recurso eleitoral e recurso adesivo interpostos em face de sentença que julgou procedente representação por propaganda eleitoral irregular. Aplicação de multa. 2. Afastada a preliminar de intempestividade. Observado o prazo de 1 dia previsto no art. 22, caput, da Resolução TSE n. 23.608/19. 3. Demonstrada a veiculação de ofensa à honra do representante, mediante afirmações que atingem a sua conduta como agente político, com a utilização de montagens de modo a degradar a sua imagem. Sendo manifesta a ofensa, adequada a determinação de que o próprio representado realizasse a exclusão do vídeo. 4. O aplicativo WhatsApp, utilizado para compartilhar o vídeo em questão, envolve, no mais das vezes, ambiente particular, sem alcance geral, ficando restrito aos grupos de conhecidos. Entretanto, em circunstâncias extremas, como no presente caso, a análise da irregularidade não pode escapar da Justiça Eleitoral. 5. A conduta narrada nos autos não atrai a penalidade prevista no art. 30, caput e § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19, que regulamenta o art. 57-D, caput e § 2º, da Lei n. 9.504/97, pois tal sanção é especificamente prevista para a hipótese de anonimato, a qual não se verifica na espécie. 6. Provimento parcial ao recurso principal para que seja afastada a pena de multa fixada na sentença, por ausência de previsão legal, restando desprovido o recurso adesivo. (TRE-RS, REl n. 0600173-72.2020.6.21.0133, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 15.12.2020.) (Grifei.)

 

Saliento que a ratio decidendi dos referidos julgados exprimia a compreensão do egrégio Tribunal Superior Eleitoral acerca do tema, como se denota dos arestos proferidos no AgR-REspe 76-38, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 02.4.2018, e no Rp. 0601697-71, Rel. Min. Sérgio Banhos, DJe de 10.11.2020. E, ainda no ano de 2022, no AREspe 0600604-22, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 09.9.2022, e AgR-REspe 0600603-37, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 04.4.2022.

Contudo, a Corte Superior, recentemente, no julgamento do Recurso na Representação n. 0601754-50, julgado em 28.3.2023, por maioria e em ocasião de superação de precedente (overruling), reinterpretou o art. 57-D da Lei Eleitoral, passando a entender que o espírito da norma não pode se circunscrever aos casos de anonimato, uma vez que a disseminação de desinformação, ainda que realizada por responsável identificado, produz os mesmos efeitos deletérios à legitimidade das Eleições, de sorte que, além da remoção do conteúdo, a imposição de multa constitui mecanismo importante para evitar tal prática.

O julgado restou assim ementado:

ELEIÇÕES 2022. RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET. DESINFORMAÇÃO. FATOS MANIFESTAMENTE INVERÍDICOS E DISCURSO DE ÓDIO. REMOÇÃO DAS PUBLICAÇÕES. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 57-D DA LEI 9.504/1997. POSSIBILIDADE. FIXAÇÃO EM PATAMAR MÁXIMO. ALCANCE DO CONTEÚDO VEICULADO. DESPROVIMENTO. 1. O art. 57-D da Lei 9.504/1997 não restringe, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, de forma que é possível ajustar a exegese à sua finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internet – incluindo-se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário – que, longe de se inserirem na livre manifestação de pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral. 2. Descabe a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para diminuir o valor da penalidade aplicada, uma vez que o critério utilizado para a sua fixação foi o substancial alcance do conteúdo veiculado, o que potencializou sobremaneira o efeito nocivo da propagação da fake news. 3. Recurso Inominado desprovido. (TSE – Rec-Rp: 0601754-50 BRASÍLIA - DF, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Data de Julgamento: 28/03/2023.) (Grifei.)

 

Oportuno reforçar que a nova interpretação dada pelo TSE sobre a abrangência do art. 57-D da Lei das Eleições, possibilitando aplicar a multa prevista no mencionado dispositivo aos casos em que a representação tenha sido ajuizada com base no art. 36 da mesma Lei, quando se tratar de propaganda eleitoral irregular divulgada na internet, foi reafirmada em julgados posteriores, passando a ser esse o entendimento adotado pela Corte Superior, como no exemplo a seguir colacionado:

ELEIÇÕES 2022. RECURSO EM REPRESENTAÇÃO. CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. VEICULAÇÃO DE NOTÍCIA. DESCONTEXTUALIZAÇÃO. AUSÊNCIA. MANIFESTAÇÃO ESPONTÂNEA DE USUÁRIO DA INTERNET. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ILÍCITO. NEGADO PROVIMENTO. 1. O Plenário do TSE, na sessão de 28.3.2023, ao apreciar o REC–Rp nº 0601754–50/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, decidiu, por maioria, admitir a aplicação da regra sancionadora contida no art. 57–D da Lei nº 9.504/1997 aos casos em que a representação tenha sido ajuizada com base no art. 36 da Lei das Eleições, quando se tratar de propaganda eleitoral irregular divulgada na internet. 2. A atuação da Justiça Eleitoral para restringir a propaganda eleitoral e, consectariamente, a liberdade de expressão, com a remoção de conteúdos, deve ser medida excepcional. Isso porque a propaganda eleitoral é o meio adequado para a livre circulação de ideias políticas e eleitorais, impondo a intervenção minimalista desta Justiça especializada, sob pena do comprometimento do próprio direito do eleitor ao acesso à informação. 3. Reafirma–se a convicção de que o usuário da internet que assiste ao vídeo publicado compreende facilmente que, em nenhum momento, os comentaristas falam em congelamento de contas bancárias de pessoas físicas ou jurídicas, como aparecem nas legendas das publicações impugnadas. A insurgência da representante se dá sobre conteúdo orgânico, que consiste na manifestação espontânea de usuários na internet e decorre da livre expressão de opiniões ou pensamento. 4. Negado provimento ao recurso. (TSE - Rp: 060123053 BRASÍLIA - DF, Relator: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 18/05/2023, Data de Publicação: 26/05/2023.) (Grifei.)

 

Porém, a despeito da mudança jurisprudencial levada a efeito no TSE nas Eleições de 2022, entendo que este Tribunal deve manter a orientação então dominante e aplicada em outros casos do pleito de 2020, preservando a coerência da jurisprudência e a igualdade entre os candidatos em uma mesma eleição, em uma interpretação sistemática do art. 926 do Código de Processo Civil às vicissitudes do direito eleitoral, e ressalvando-se a possibilidade de evolução do entendimento, com adoção da nova posição da Corte Superior em pleitos posteriores a 2020.

No presente caso concreto, portanto, julgo que o recurso não merece provimento, uma vez que, conforme interpretação aplicada por este Tribunal para o pleito de 2020, o pedido da multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97 é aplicável somente nos casos de anonimato, hipótese não verificada nos autos, de modo que a pretensão recursal não encontra amparo legal.

Assim, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente a representação.

 

DIANTE O EXPOSTO, VOTO para negar provimento ao recurso, nos termos da fundamentação.