AJDesCargEle - 0600357-34.2023.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/12/2023 às 09:30

VOTO

Ao propor a presente ação, o requerente, vereador do Município de Cachoeirinha/RS, postula autorização para desfiliação partidária, sem a perda do mandato eletivo, com fundamento no art. 17, § 6º, da Constituição Federal, sob o argumento de que teria recebido a anuência da agremiação para seu desligamento do partido pelo qual foi eleito.

Conforme § 6º do art. 17 da Constituição Federal, inserido pela EC n. 111, de 28 de setembro 2021, os vereadores e deputados que obtiverem anuência dos respectivos partidos poderão se desfiliar sem a perda do mandato:

Art. 17 (…)

§ 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 111, de 2021) (Grifei.)

Aliás, essa hipótese constitucional de justa causa de desfiliação revela transbordamento do princípio do venire contra factum proprium, decorrente de aplicação direta da boa-fé objetiva, vedando comportamento contraditório da grei e prevenindo surpresa ao detentor de mandato eletivo. 

Anoto, também, a inexistência de requisito constitucional específico para o ato.

Assim, uma vez concedida a anuência da agremiação para o detentor de mandato eletivo deixar seu quadro de filiados, a manutenção da vontade popular das urnas deve ser preservada, conservando-se o parlamentar em seu cargo. Por conseguinte, a desfiliação sem a perda do mandato é decorrência lógica da própria natureza da carta de anuência.

A partir desse prisma constitucional, examina-se a carta de anuência concedida pelos presidentes dos Diretórios do Partido Solidariedade Municipal e Estadual, respectivamente, Everton dos Santos Avila e Cláudio Janta, com firma reconhecida, consubstanciada no documento do ID 45570933.

Na carta de anuência o Diretório Municipal requerido refere que “deliberou, em decisão colegiada da executiva municipal, por não utilizar as prerrogativas da Resolução n. 22.610/07, do TSE, c/c art. 26 da Lei n. 9.096/95, que trata da fidelidade partidária, manifestando expressa anuência à desfiliação do VEREADOR Deoclecio Lourenco de Mello, CPF 20829493034, nos termos do art. 1º, da Emenda Constitucional n. 111, de 28 de setembro de 2021, que acrescentou o § 6º, ao art. 17, da Constituição Federal, reiterando a anuência e o não interesse de postular, perante o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, o mandado do vereador” (ID 45570933). (Grifou-se)

Sublinho, por oportuno, a ausência de oposição da agremiação ao presente pedido.

Acompanho, assim, a precisa conclusão da Procuradoria Regional Eleitoral no sentido de que “a carta de anuência em tela é válida ao fim almejado, de modo que pode ser considerada como justa causa para desfiliação do requerido, ademais, gize-se, o documento sequer foi refutado pelo requerido, de modo que deve prosperar a demanda” (ID 45585713, p. 4).

Nesse sentido, colaciono julgado desta Casa, relatado pelo ilustre Desembargador Eleitoral Afif Jorge Simões Neto, no sentido de que a carta de anuência evidencia autorização ao parlamentar para se desfiliar sem perda do cargo de vereador:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. VEREADOR. DEFERIDA TUTELA PROVISÓRIA DE EVIDÊNCIA. PRELIMINAR AFASTADA. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. MÉRITO. CARTA DE ANUÊNCIA. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 111/21. EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO. PROCEDÊNCIA.

1. Ação declaratória de justa causa para desfiliação partidária proposta por vereador, ao fundamento de contar com a anuência da agremiação nos âmbitos municipal e estadual. Deferida tutela provisória de evidência.

(...)

4. No caso sob exame, a carta de anuência acostada aos autos e a Resolução da agremiação editada pelo órgão regional, a qual homologou aquela decisão, evidencia a expressa autorização ao requerente para desfiliar–se sem que a situação implique a perda do cargo de vereador.

5. Procedência. Reconhecida a existência de justa causa para a desfiliação partidária.

(TRE/RS – AJDesCargEle n. 060012607, Relator Desembargador Eleitoral Afif Jorge Simoes Neto, Publicação: DJE, Tomo 173, 21/09/2023)

Desse modo, acolho o parecer ministerial e julgo preenchidos os requisitos constitucionais autorizadores do art. 17, § 6º, da Constituição Federal, para o fim de permitir ao requerente a desfiliação postulada sem perda do mandado.

Considerando a ausência de advogado constituído nos autos após a citação válida, confirmo, ainda, a decisão de ID 45580403 para aplicar os efeitos processuais da revelia ao DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO SOLIDARIEDADE EM CACHOEIRINHA, em especial a regra do art. 346, caput, do CPC.

Diante do exposto, julgo procedente o pedido, com fundamento no art. 17, § 6º, da Constituição Federal, ao efeito de reconhecer a justa causa para autorizar a desfiliação de DEOCLÉCIO LOURENÇO DE MELLO do DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO SOLIDARIEDADE EM CACHOEIRINHA, sem implicar perda do mandato, nos termos da fundamentação.

Aplico, ainda, ao DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO SOLIDARIEDADE EM CACHOEIRINHA os efeitos processuais da revelia, em especial a regra do art. 346, caput, do CPC.