REl - 0600106-49.2022.6.21.0162 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/12/2023 às 09:30

VOTO

Preliminarmente, com fundamento no art. 266 do Código Eleitoral e em reiterados julgamentos deste Tribunal em casos análogos (TRE-RS - REl n. 8012, Relator: Des. Eleitoral André Luiz Planella Villarinho, DJE de 28.6.2019; e REl n. 0600082-75, Relatora: Desa. Eleitoral Elaine Maria Canto da Fonseca, DJE de 30.5.2023), conheço dos documentos acostados com a peça recursal, a saber, carteira de trabalho, com identificação da eleitora e registro de desempenho de cargo de confeccionadora de embalagens, com salário, em 03.11.2021, de R$ 1.269,40 (IDs 45396168, 45396169 e 45396170).

Não fosse isso, o procedimento administrativo foi instaurado de ofício, e a recorrente apenas dele tomou ciência após a imposição da multa, por ocasião de sua intimação para efetuar o pagamento, de sorte que a primeira oportunidade que teve para falar nos autos e juntar documentos foi exatamente na interposição do recurso.

Outrossim, reafirmo a decisão anterior, de que o procedimento atinente à apuração de ausência de mesário aos trabalhos eleitorais e à aplicação de multa ostenta natureza administrativa, sendo despicienda a representação da parte por advogado, ainda que em sede de recurso.

No mérito, FRANCINE VOGT, embora convocada por meio de mensagem remetida via aplicativo WhatsApp para exercer a função de Secretária da Seção n. 621, instalada no Município de Santa Cruz do Sul, vinculada à 162ª Zona Eleitoral, não compareceu aos trabalhos eleitorais, tampouco apresentou justificativa no prazo de 30 (trinta) dias após a data do pleito.

Em face disso, foi promovida a autuação de processo próprio, o qual culminou com decisão do Juízo Eleitoral arbitrando multa à mesária faltosa no valor de R$ 351,40, cuja fundamentação reproduzo a seguir (ID 45396161):

Nos termos do artigo 124 do Código Eleitoral “o membro da mesa receptora que não comparecer no local, em dia e hora determinados para a realização da eleição, sem justa causa apresentada ao juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após, incorrerá em multa”.

A multa será arbitrada entre R$ 17,57 e R$ 35,14, podendo ser multiplicada até o décuplo se o juiz considerar, em virtude da situação econômica do infrator, que o valor é ineficaz, embora aplicado no máximo, conforme disposto no § 2º do artigo 367 do Código Eleitoral.

Pois bem, em atenção ao caráter pedagógico e sancionatório da multa, especialmente para evitar a reiteração da conduta e disseminar na comunidade a relevância da função de mesário, arbitro a multa ao mesário(a) faltoso(a) no valor de R$ 351,40 (trezentos e cinquenta e um reais e quarenta centavos), nos termos dos artigos 124 e 367, §2º, do Código Eleitoral, valor esse justo, razoável e em consonância com a importância da função de mesário para a democracia.

Ante o exposto, e com base nos artigos 124 e 367, §2º, do Código Eleitoral e artigo 759 da Consolidação Normativa Judicial Eleitoral (CNJE), ARBITRO multa no valor de R$ 351,40 (trezentos e cinquenta e um reais e quarenta centavos) ao mesário(a) Francine Vogt.

 

Irresignada, recorreu a eleitora, aduzindo que, por motivo de força maior, se encontrava em cerimônias religiosas de matriz africana nos dias das eleições de 2022, o que a impediu de desempenhar o múnus. Afirma, ainda, que não possui condições econômicas para pagar a multa, tendo em vista estar desempregada e residindo com sua mãe.

Inicialmente, saliento que a participação da mesária em evento religioso no dia da eleição não tem o condão de a desincumbir do ônus de previamente requerer ao Juízo Eleitoral a dispensa dos trabalhos para os quais fora convocada, o que, pelo que se depreende dos autos, não ocorreu.

Além disso, o comparecimento à cerimônia religiosa não foi por qualquer meio comprovado, tendo sido apenas alegado nas razões recursais.

Em que pese isso, tenho que o recurso merece provimento.

Veja-se que o decisum hostilizado alicerçou-se nos arts. 124 e 367, § 2º, do Código Eleitoral, que assim dispõem:

Art. 124. O membro da mesa receptora que não comparecer no local, em dia e hora determinados para a realização de eleição, sem justa causa apresentada ao juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após, incorrerá na multa de 50% (cinquenta por cento) a 1 (um) salário-mínimo vigente na zona eleitoral cobrada mediante selo federal inutilizado no requerimento em que for solicitado o arbitramento ou através de executivo fiscal.

§ 1º Se o arbitramento e pagamento da multa não for requerido pelo mesário faltoso, a multa será arbitrada e cobrada na forma prevista no artigo 367.

§ 2º Se o faltoso for servidor público ou autárquico, a pena será de suspensão até 15 (quinze) dias.

§ 3º As penas previstas neste artigo serão aplicadas em dobro se a mesa receptora deixar de funcionar por culpa dos faltosos.

§ 4º Será também aplicada em dobro observado o disposto nos §§ 1º e 2º, a pena ao membro da mesa que abandonar os trabalhos no decurso da votação sem justa causa apresentada ao juiz até 3 (três) dias após a ocorrência.

(...)

Art. 367. A imposição e a cobrança de qualquer multa, salvo no caso das condenações criminais, obedecerão às seguintes normas:

(...)

§ 2º A multa pode ser aumentada até dez vezes, se o juiz, ou Tribunal considerar que, em virtude da situação econômica do infrator, é ineficaz, embora aplicada no máximo. (Incluído pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)

 

Contudo, a matéria atinente às providências e às penalidades decorrentes da não apresentação da pessoa convocada para os trabalhos eleitorais sem justificativa encontra-se inteiramente regulamentada pelo Tribunal Superior Eleitoral, por meio da Resolução TSE n. 23.659/21.

Esse diploma normativo, em seus arts. 127 e 129, dispõe:

Art. 127. A fixação da multa observará a variação entre o mínimo de 3% e o máximo de 10% do valor utilizado como base de cálculo, podendo ser decuplicado em razão da situação econômica do eleitor ou da eleitora.

(…).

§ 3º A pessoa que declarar, sob as penas da lei, perante qualquer juízo eleitoral, seu estado de pobreza ficará isento do pagamento da multa por ausência às urnas.

(…).

Art. 129. A pessoa que deixar de se apresentar aos trabalhos eleitorais para os quais foi convocada e não se justificar perante o juízo eleitoral nos 30 dias seguintes ao pleito incorrerá em multa.

§ 1º A fixação da multa a que se refere o caput observará a variação entre o mínimo de 10% e o máximo de 50% do valor utilizado como base de cálculo, podendo ser decuplicada em razão da situação econômica do eleitor ou eleitora, ficando o valor final sujeito a duplicação em caso de:

a) a mesa receptora deixar de funcionar por sua culpa; ou

b) a pessoa abandonar os trabalhos no decurso da votação sem justa causa, hipótese na qual o prazo aplicável para a apresentação de justificativa será de 3 dias após a ocorrência.

§ 2º A aplicação da multa de que trata este artigo observará, no que couber, o disposto nos §§ 1º a 3º do art. 127 desta Resolução.

§ 3º Recolhida a multa, será observado o previsto no art. 128 desta Resolução.

 

A Resolução em tela, ainda, em seu art. 133, fixou o valor da “base de cálculo” em R$ 35,13:

Art. 133. A base de cálculo para aplicação das multas previstas nesta Resolução, salvo se prevista de forma diversa, será R$ 35,13 (trinta e cinco reais e treze centavos).

 

Dessa feita, a multa há de ser fixada entre R$ 3,51 e R$ 17,57, podendo ser decuplicada em razão da situação econômica do eleitor ou eleitora, vale dizer, pode atingir R$ 175,70, ficando tal valor final sujeito a duplicação (R$ 351,40) em caso de a mesa receptora deixar de funcionar por sua culpa ou a pessoa abandonar os trabalhos no decurso da votação sem justa causa.

Nesse cenário, verifica-se que, ainda que fosse imposta a penalidade em seu máximo, R$ 17,57, somente poderia ser majorada até R$ 175,70 se a situação econômica da eleitora exigisse o incremento, o que não se verifica, pois a recorrente, que afirma estar atualmente desempregada, percebia no final de 2021 remuneração pouco superior a um salário-mínimo, como aponta a documentação acostada aos autos.

Ademais, ainda que a mesária fosse economicamente abastada, não poderia a sanção majorada até R$ 175,70 ser duplicada, porquanto a mesa receptora de votos não deixou de funcionar regularmente, tampouco trata a espécie de abandono dos trabalhos eleitorais no curso da votação.

Portanto, resta nítida a impossibilidade de aplicação de multa no valor de R$ 351,40 à FRANCINE VOGT, pois na espécie o limite máximo seria de R$ 17,57.

Até este ponto, há convergência com o parecer ministerial.

Entrementes, ao meu sentir, as circunstâncias do caso sob exame demandam que a multa seja afastada.

Por um lado, insta ressaltar que se mostra deplorável que alguns cidadãos se furtem de contribuírem efetivamente à realização das eleições, pedra angular da democracia.

Como cediço, esta instituição não tem meios de empreender, sozinha, todo o processo eleitoral, tornando-se indispensável a colaboração ativa da população, da mesma forma como ocorre nos demais países democráticos.

De outra banda, porém, a Justiça Eleitoral, para se desincumbir dessa elevada tarefa, está jungida aos preceitos constantes no ordenamento jurídico, inclusive aquele que, plasmado no art. 367, § 3º, do CE, impõe a isenção do pagamento da multa aos que comprovarem seu estado de pobreza.

Deveras, o TSE, ao regulamentar o tema, fixou, no art. 129, § 2º, c/c art. 127, § 3º, da Resolução n. 23.659/21, que a pessoa que declarar ser pobre, sob as penas da lei, perante qualquer juízo eleitoral, ficará isenta do pagamento da multa por deixar de se apresentar aos trabalhos eleitorais para os quais tenha sido convocada.

Logo, não se pode negar a existência de normas, estabelecidas no Código Eleitoral e nos diplomas regulamentares do TSE, que preveem hipótese de isenção do pagamento de multa.

Aqui, faz-se mister não olvidar que, ao apreciar casos em que se denote grave falta cometida por administrado, consistente em deixar de atender à convocação para trabalhar nas eleições, atividade que, como dito, se revela absolutamente imprescindível à consecução da missão institucional da Justiça Eleitoral, este ramo do Judiciário há de se manter imparcial e equidistante, decidindo estritamente de acordo com o direito posto.

E em casos como o presente, em que há confusão entre o Estado-Administração e o Estado-Jurisdição, não há espaço para erro, pois, embora se trate de ato administrativo em essência, o cidadão envolvido não tem a possibilidade de levar a possível lesão a seu direito ao exame de qualquer outro órgão judiciário.

Assim, considerando que FRANCINE VOGT declara não possuir condições financeiras para arcar com o pagamento da multa, inclusive estando comprovado seu estado de vulnerabilidade socioeconômica (IDs 45396168, 45396169 e 45396170), deve a multa ser afastada, com fundamento nos arts. 129, § 2º, c/c 127, § 3º, ambos da Resolução TSE n. 23.659/21, levantando-se, via de consequência, a restrição de mesária faltosa no cadastro eleitoral.

Para ilustrar, trago precedentes deste Tribunal, bem como de outros Regionais, que entenderam pelo afastamento de multa a mesário faltoso, em virtude de seu estado de pobreza:

RECURSO. ELEIÇÕES 2022. RECUSA OU ABANDONO DE SERVIÇO ELEITORAL. MESÁRIA. REPRESENTAÇÃO POR ADVOGADO. DISPENSADA. NÃO COMPARECIMENTO AO SEGUNDO TURNO DO PLEITO. NÃO APRESENTADA JUSTIFICATIVA NO PRAZO LEGAL. CARACTERIZADA A HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DA ELEITORA. AFASTADA A MULTA IMPOSTA. DETERMINADO O LEVANTAMENTO DA RESTRIÇÃO DE MESÁRIA FALTOSA JUNTO AO CADASTRO ELEITORAL. PROVIMENTO.

[...].

4. Entretanto, o art. 367, § 3º, do CE, impõe a isenção do pagamento da multa aos que comprovarem seu estado de pobreza. O TSE, ao regulamentar o tema, fixou, no art. 129, § 2º, c/c art. 127, § 3º, da Resolução n. 23.659/21, que a pessoa que declarar ser pobre, sob as penas da lei, perante qualquer juízo eleitoral, ficará isenta do pagamento da multa por deixar de se apresentar aos trabalhos eleitorais para os quais tenha sido convocada. Considerando que a eleitora declara não possuir condições financeiras para arcar com o pagamento da multa, inclusive estando inferido o seu estado de vulnerabilidade socioeconômica, visto que beneficiária de programa de governo destinado a pessoas que se encontrem em situação de extrema pobreza, deve a multa ser afastada, com fundamento nos arts. 129, § 2º, c/c 127, § 3º, ambos da Resolução TSE n. 23.659/21, levantando-se, via de consequência, a restrição de mesária faltosa no cadastro eleitoral.

5. Provimento.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 0600021-53.2023.6.21.0057, Acórdão, Relator Des. Eleitoral Rogério Favreto, Publicação: DEJERS de 23.05.2023) (Grifei.)

 

Recurso. Mesário faltoso. Aplicação de multa, no juízo originário, diante da ausência aos trabalhos eleitorais no segundo turno das eleições de 2010.

Superada a preliminar de incapacidade postulatória, frente ao caráter eminentemente administrativo da matéria.

Aplicabilidade do artigo 367, § 3º, do Código Eleitoral para afastar a penalidade pecuniária, em razão do comprovado estado de pobreza do recorrente.

Provimento.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 193, Acórdão, Relator Des. Eleitoral Eduardo Kothe Werlang, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 121, Data 14.7.2011, p. 3) (Grifei.)

 

Recurso. Mesário faltoso. Decisão que condenou eleitor ao pagamento de multa administrativa, com fundamento no artigo 124 do Código Eleitoral. Devidamente comprovado o estado de pobreza do recorrente, permitindo o afastamento da sanção pecuniária. Provimento.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 98, Acórdão, Relatora Des. Federal Marga Inge Barth Tessler, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 72, Data 11.5.2010, p. 2) (Grifei.)

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, para afastar a penalidade imposta a FRANCINE VOGT, bem como determinar ao juízo da origem que promova o devido levantamento da restrição de mesária faltosa junto ao cadastro eleitoral.