PCE - 0603093-59.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/12/2023 às 09:30

 VOTO

Cuida-se de examinar processo de prestação de contas de campanha realizada por CLARICE JULIETA ILARIA RAMOS, candidata ao cargo de deputada federal pelo Partido PP, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022.

No parecer conclusivo da unidade técnica desta Corte (ID 45459839 – item 3.2), foi apontada a existência de dívida de campanha sem a apresentação dos documentos previstos no art. 33, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

3.2 Há dívidas de campanha declaradas na prestação de contas decorrentes do não pagamento de despesas contraídas na campanha, no montante de R$ 25.000,00, não tendo sido apresentado(s) o(s) seguinte(s) documento(s), conforme dispõe o art.33, §§ 2° e 3°, da Resolução TSE nº 23.607/2019:

. autorização do órgão nacional para assunção da dívida pelo órgão partidário da respectiva circunscrição;

. acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

. cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo e

. indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

A candidata retificou a prestação de contas, restando alterado o valor da dívida para R$ 24.473,30, conforme esclarecimentos ID 45440792 e Demonstrativo do ID 45444152, com objetivo de reverter as falhas apontadas no Relatório de Exame de Contas. Porém, não foram apresentados os documentos dispostos no art. 33, §§ 2° e 3°, da Resolução TSE nº 23.607/2019, em descumprimento ao art. 53, inciso II, letra e da citada Resolução. Caso a documentação prevista no art. 33, § 3º da Resolução TSE n. 23.607/2019 não seja juntada ao processo, poderá incidir sobre a prestação ora examinada o disposto no art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Ressalta-se que na hipótese de dívidas de campanha não assumidas pelo partido político, a unidade técnica não tem como rastrear a origem dos recursos utilizados para pagamento de tais dívidas, configurando-os como recursos de origem não identificada.

Assim, por não comprovação da origem dos recursos utilizados na campanha, considera-se irregular o montante de R$ 24.473,30, conforme art. 14 da Resolução TSE 23.607/2019. Contudo, considerando-se jurisprudência atual deste TRE, Acórdãos PCE 0603265-98.2022.6.21.0000 e PCE 0603217-42.2022.6.21.0000, tal valor não está sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, em face de ausência de previsão normativa expressa.

 

Assim, diante da não comprovação da assunção da dívida de campanha pelo partido político e da impossibilidade do rastreio da origem dos recursos utilizados para pagamento de tais dívidas, a irregularidade apontada é de ser mantida.

Já no que diz respeito ao recolhimento do valor ao erário, acompanho o posicionamento da Procuradoria Regional Eleitoral, que assim se manifestou em seu parecer (ID 45553683):

Não obstante, observa-se que, de acordo com o entendimento do TSE, a irregularidade em questão, embora deva ser considerada para o juízo de aprovação ou desaprovação das contas, não gera dever de recolhimento, pois ao tratar da dívida de campanha não quitada e não assumida pela agremiação, o art. 34 da Res.-TSE nº 23.607/2019 estabelece tão somente a possibilidade de rejeição das contas, a ser analisada no momento do julgamento, sem imposição de outras sanções, revelando-se inviável a interpretação extensiva do art. 32 da citada resolução para determinar ressarcimento ao Tesouro Nacional a título de recurso de origem não identificada.

 

Portanto, considero irregular a quantia de R$ 24.473,30. Contudo, deixo de determinar o recolhimento ao erário com amparo na jurisprudência do TSE e desta Corte.

A segunda irregularidade equivale a inconsistências nas despesas pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), sem a devida comprovação, itens 4.1 e 4.2 do parecer conclusivo, no valor total de R$ 7.622,00.

Quanto ao ponto, a candidata retificou a prestação de contas e juntou documentação (IDs 45414719 a 45414721 e IDs 45440792 a 45440794) visando reverter as falhas apontadas.

Em relação ao item 4.1, após a análise da documentação, as irregularidades foram parcialmente sanadas, restando as que foram transladadas ao parecer conclusivo (ID 45459839):

 

Relativamente ao fornecedor Dilson Valencio Mendonça, não foi apresentada a documentação de propriedade do bem locado, em conformidade com o § 3º do art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, assim como se observa que o contrato de locação oferecido ultrapassa o período legal disposto no art. 30 do referido normativo.

Conforme constou no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, é necessário o documento de propriedade do bem para comprovar o vínculo entre o bem locado e o locador, como também “(...) consiste em medida necessária para verificar a efetiva prestação dos serviços e correta utilização de recursos públicos (…)”.

Ocorre que, embora devidamente intimada, a prestadora não trouxe aos autos a documentação solicitada, de modo que considero irregular a despesa no valor de R$ 7.000,00 contraída junto ao fornecedor Dilson Valencio Mendonça, por carência de comprovação.

Contudo, a prestadora, junto com os memoriais, acostou documentação que comprova a alegação de sublocação do veículo (ID 45570234).

Com efeito, foi juntado comprovante de propriedade do veículo em nome da empresa KS AUTO LOCADORA LTDA., recibo da mencionada empresa no valor de R$ 7.000,00 a título de locação do veículo e contrato entre Dilson Valêncio Mendonça e a prestadora, cujo objeto é a utilização do automóvel, e, por fim, no divulgacandcontas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001646675/extratos, acesso em 01.11.2023) há a demonstração de que a prestadora pagou a Dilson Mendonça a quantia acima referida.

Assim, tenho que houve a comprovação da despesa do valor de R$ 7.000,00.

Em relação às demais alegações da peça de ID 45570233, como expectativa frustrada de percepção de valores e abandono pelo partido, são aspectos circunstanciais que não possuem o condão de suprir as irregularidades constatadas.

No que se refere aos fornecedores Aline Barbosa de Oliveira e João Vitor Santos Silva, não foi apresentado documento fiscal e/ou contrato de serviço comprovando as despesas, no valor de R$ 30,00 cada, segundo estabelece o art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19. Apenas foram juntados comprovantes de pagamento (IDs 45444177 e 45444183), dos quais, contudo, não se pode aferir a natureza dos produtos ou serviços.

Assim, considero irregulares as despesas, no valor total de R$ 60,00, com relação aos fornecedores Aline Barbosa de Oliveira e João Vitor Santos Silva, por ausência de comprovação.

As irregularidades apontadas no item 4.2 do Exame das Contas referem-se a divergências entre a movimentação financeira constante na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos da conta bancária: 001 - BCO DO BRASIL S.A. (BB) / 2797 / 00000000000000502910 (art. 53, incs. I, al. "g", e II, al. "a", da Resolução TSE n. 23.607/19).

Instada a manifestar-se, a candidata retificou sua prestação de contas e apresentou esclarecimentos, com o objetivo de reverter as falhas apontadas. Sustenta que a divergência entre os fornecedores declarados na prestação de contas e as contrapartes bancárias se deve a reembolsos realizados aos prestadores de serviço Dilson Valêncio Mendonça e Uguatemi Valêncio Mendonça, referente a despesas com combustíveis e material de ferragem, respectivamente (ID 45440792):

TED 08/09, 90801, R$ 330,00 – enviado para DILSON VALENCIO MENDONÇA, lançado para ABASTECEDORA E GARAGEM. Valor referente reembolso das NFCe de combustível nº 206.348 / 206.066 / 205.912 / 204.373.

TEDs para UGUATEMI VALENCIO MENDONÇA: JUSTIFICAR: 12/09 R$ 232,00 – Reembolso - Pagamento material de ferragem NFC e 000015894 Pedido 170265.

 

Após análise dos documentos, foram considerados parcialmente sanados os apontamentos, permanecendo as falhas a seguir que constaram no parecer conclusivo:

 

Verifica-se que, como bem apontado pela unidade técnica e destacado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, não há previsão legal para ressarcimento de despesas eleitorais, de maneira que os referidos gastos estão em desacordo com o previsto nos arts. 38 e 39 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, considero irregular a despesa no valor de R$ 562,00.

Por fim, o Ministério Público Eleitoral indica novas irregularidades, além das apontadas pela unidade técnica do TRE/RS, relativas aos fornecedores UGUATEMI VALENCIO MENDONÇA (R$ 16.000,00), DILSON VALENCIO MENDONÇA (R$ 21.000,00), para atividades de coordenação de campanha, assim como GLOBO FERRAGEM PISOS E AZULEJOS (R$ 447,30), pertinentes a gastos com material de construção.

Com relação às despesas efetuadas junto à empresa Globo Ferragem Piso e Azulejos, a candidata justifica que os valores foram utilizados para “melhorias” no comitê da campanha, enquanto a nota fiscal se refere a gastos com material de construção (ID 45444178).

Em que pese a unidade técnica tenha considerado sanada a falha, filio-me às razões da Procuradoria Regional Eleitoral, no sentido de que o art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19 permite tão somente a realização de despesas de instalação, organização e funcionamento de comitês de campanha, não havendo previsão de melhorias ou benfeitorias nos imóveis, de modo que considero irregular o gasto de R$ 447,30 junto ao fornecedor Globo Ferragem Piso e Azulejos.

A candidata efetuou despesas com DILSON VALENCIO MENDONÇA e UGUATEMI VALENCIO MENDONÇA, relativas à prestação de serviços de coordenação de campanha e coordenação auxiliar de campanha, totalizando R$ 53.000,00, que, se somadas à despesa com a locação de veículo de DILSON, alcançam o valor de R$ 60.000,00, que corresponde a 81% dos gastos declarados.

Destaco que esse total não foi pago, haja vista constar como dívida de campanha, conforme identificado no item 3.2 do parecer conclusivo.

De fato, verifica-se que, efetivamente, Dilson recebeu R$ 14.000,00 (R$ 21.000,00 - R$ 7.000,00 referentes à locação do veículo = R$ 14.000,00) e Uguatemi, R$ 16.000,00, totalizando R$ 30.000,00 em despesas de coordenação de campanha.

Em sua defesa, a candidata, resumidamente, afirma que o valor pago é compatível com os valores de mercado.

Pois bem.

Analisando as despesas da candidata, percebe-se que a campanha se resumiu a: R$ 8.404,00 com material impresso, R$ 4.000,00 com criação e administração de conteúdo em redes sociais e R$ 1.000,00 com gravação de jingle. A propósito, não vislumbro gasto com prestação de serviço de militância.

O cenário acima descrito demonstra uma campanha modesta, sem produção de grande quantidade de material impresso a ser distribuído e sem contratação de serviço de militância de rua que necessitasse de coordenação, quiçá duas pessoas seriam suficientes para o desenvolvimento desse serviço.

Ademais, a PRE desenvolveu uma comparação com 04 prestações de contas de outras candidaturas a fim de demonstrar que “os serviços de coordenação em campanhas de menor expressão econômica, tanto por envolver menos trabalho, como por menor disponibilidade financeira, são remuneradas com valor menor, sendo que, em diversos casos, sequer há pagamento de tal natureza”.

Ou seja, não há compatibilidade entre os valores pagos pelos serviços de coordenação de campanha e os valores médios de mercado, se considerarmos campanhas do porte da candidata em tela.

Isso porque, quando se trata de contratações envolvendo recursos públicos, há de se averiguar não apenas a compatibilidade do valor pago com o mercado, mas especialmente a comprovação da efetiva prestação do serviço, máxime porque a análise da razoabilidade entre o valor pago e o serviço executado somente pode ser empregada se houver a certeza de que foi prestado de fato, caso contrário, não há que se falar em valor razoável.

No presente caso, não foi observado o princípio da proporcionalidade, uma vez que os valores pagos não se justificam sequer para campanhas de maior porte, tampouco houve atendimento ao princípio da essencialidade das contratações, eis que se demonstrou completamente desnecessária a contratação de tais profissionais no contexto da prestação.

Isso posto, considero irregular o uso dos recursos provenientes do FEFC, no valor de R$ 30.000,00.

A soma das irregularidades identificadas alcança R$ 55.542,60 (R$ 24.473,30 + R$ 60,00 + R$ 562,00 + R$ 447,30 + R$ 30.000,00), o que corresponde a valor superior à receita total declarada pela candidata (R$ 50.000,00), tornando imperativa a desaprovação das contas e o recolhimento da quantia irregular de R$ 31.069,30 (R$ 55.542,60 - R$ 24.473,30) ao Tesouro Nacional, conforme o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ante o exposto, VOTO pela desaprovação das contas de CLARICE JULIETA ILARIA RAMOS, candidata ao cargo de deputado federal pelo Partido PP, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022, com base no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 31.069,30.