PCE - 0602819-95.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/12/2023 às 09:30

VOTO

Trata-se de prestação de contas apresentada por CARINA BELOME LEMES, candidata ao cargo de deputada federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI), examinando a contabilidade, vislumbrou a existência de três falhas, a saber: a) dívidas de campanha sem a documentação pertinente; b) recebimento de valores de empresa de financiamento coletivo sem identificação dos doadores originários; e c) falta de comprovação de correta utilização de recursos do FEFC.

Passo à análise das inconsistências relatadas.

 

I – Das dívidas de campanha sem a documentação necessária.

A unidade técnica, em seu parecer conclusivo, consoante fragmento abaixo, apontou a existência de gastos eleitorais inadimplidos, cujos débitos não foram assumidos pela agremiação, na forma prescrita pela legislação (ID 45491536):

3.1. Há dívidas de campanha declaradas na prestação de contas decorrentes do não pagamento de despesas contraídas na campanha, no montante de R$ 6.000,00, não tendo sido apresentados os seguintes documentos, conforme dispõe o art.33, §§ 2° e 3°, da Resolução TSE nº 23.607/2019:

→ autorização do órgão nacional para assunção da dívida pelo órgão partidário da respectiva circunscrição

→ acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

→ cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo e

→ indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

Abaixo cópia do Relatório de despesas efetuadas e não pagas declaradas pela candidata (ID 45199993):

[…].

 

Vê-se, assim, que a candidata declarou não ter quitado o gasto de R$ 3.000,00 contratado com Bryfray Confecções Ltda., CNPJ n. 05.054.894/0001-16, e também manter um débito de R$ 3.000,00 relativo ao dispêndio total de R$ 6.000,00 com a fornecedora Larissa Braga Ierque, CNPJ n. 37.443.150/0001-80, resultando despesas inadimplidas na quantia de R$ 6.000,00.

Intimada, a prestadora de contas permaneceu inerte, não tendo apresentado os documentos elencados no art. 33, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19 para demonstrar eventual assunção da dívida pelo partido, o que poderia permitir o saneamento da falha.

Cabe ressaltar que, tal como indicado no parecer técnico, não há de ser comandado o recolhimento dos respectivos valores ao erário, pois as dívidas de campanha não quitadas e não assumidas pela agremiação consistem em categoria com regulamentação específica, em que é estabelecida tão somente a possibilidade de rejeição das contas, por ocasião do julgamento da contabilidade, sem imposição de outras sanções, não havendo espaço para, interpretando-se extensivamente o art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19,  se determinar o ressarcimento da quantia ao Tesouro Nacional a título de recurso de origem não identificada.

Nesse sentido, destaco recentes julgados do TSE:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DESAPROVAÇÃO NA INSTÂNCIA DE ORIGEM. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE PRESENTES. AGRAVO PROVIDO. DÍVIDA DE CAMPANHA. ASSUNÇÃO PELO PARTIDO. IRREGULARIDADE NO PROCEDIMENTO. EQUIPARAÇÃO A RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE RESPALDO NORMATIVO. PRECEDENTE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Hipótese em que o TRE/SP, por unanimidade, desaprovou as contas de campanha de candidata ao cargo de deputado federal nas eleições de 2018, devido à existência de dívida de campanha assumida pelo partido, mas cujo procedimento estava em desacordo com o previsto no art. 35, § 3º, da Res.–TSE nº 23.553/2017.

2. Agravo conhecido e provido, porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso especial.

3. Não há "[...] respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse" (REspEl nº 0601205–46/MS, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 8.2.2022, DJe de 30.3.2022).

4. Recurso especial parcialmente provido tão somente para afastar a determinação de devolução de R$ 4.048,00 ao Tesouro Nacional, mantida a desaprovação das contas.

(AREspE n. 0608511-76.2018.6.26.0000/SP, Acórdão, Relator: Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE, Tomo 175, Data: 09.9.2022.) (Grifei.)

 

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO ESTADUAL. ELEIÇÕES 2018. DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE DESPESAS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. IRREGULARIDADE GRAVE. SÚMULA 24/TSE. IRREGULARIDADES. PERCENTUAL E VALOR ABSOLUTO ELEVADOS. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. INAPLICÁVEIS. DÍVIDA DE CAMPANHA. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. NÃO CABIMENTO. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RESTITUÍDO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...).

7. Este Tribunal, no julgamento do REspEl 0601205–46/MS, sessão de 8/2/2022, redator para acórdão Min. Luís Roberto Barroso, decidiu ser incabível determinar–se o recolhimento ao erário dos valores de dívida de campanha não paga, por inexistir respaldo normativo para se presumir que o débito será pago em momento futuro com recursos de origem não identificada.

8. Desse modo, impõe–se descontar do valor a ser recolhido ao Erário, fixado em R$ 70.324,67 pelo TRE/SP, a quantia de R$ 48.105,80, que, de acordo com o aresto regional, corresponde a dívida de campanha não quitada. (…).

(AgR-REspEl n. 0605340-14.2018.6.26.0000/SP, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 10.3.2022, Data de Publicação: DJE, Tomo 55, Data: 29.3.2022.) (Grifei.)

 

Trata-se de posicionamento acolhido neste Tribunal para as eleições de 2022, consoante decidido nos julgamentos da PCE n. 0603217-42.2022.6.21.0000, Relator: Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, em 09.12.2022, e PCE n. 0602320-14.2022.6.21.0000, Relator: Des. Eleitoral Afif Jorge Simões Neto, de 17.10.2023.

Portanto, restou caracterizada a irregularidade, no importe de R$ 6.000,00, descabendo, porém, a determinação de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

 

II – Do recebimento de valores sem identificação dos doadores originários.

A unidade técnica indicou o recebimento de recursos de empresa credenciada pelo TSE para financiamento coletivo, RINOBOX SOLUCOES FINANCEIRAS LTDA., CNPJ n. 11.101.280/0001-40, em operações de crédito ocorridas no dia 31.8.2022, no importe de R$ 827,62, e no dia 07.10.2022, na quantia de R$ 156,25, resultando no total de R$ 983,87, que não foram declarados, não havendo, portanto, identificação dos doadores originários.

O tema é disciplinado pela Resolução TSE n. 23.607/19, que, em seus arts. 22, 23 e 24, trata da arrecadação de recursos para campanhas eleitorais na modalidade de financiamento coletivo.

O art. 22, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 prescreve como requisito para o financiamento coletivo a “disponibilização, em sítio eletrônico, de lista com identificação das doadoras ou dos doadores e das respectivas quantias doadas, a ser atualizada instantaneamente a cada nova doação, cujo endereço eletrônico, bem como a identificação da instituição arrecadadora, devem ser informados à Justiça Eleitoral, na forma por ela fixada”. Por sua vez, o § 6º do mesmo dispositivo estabelece que “incumbe à instituição arrecadadora encaminhar à prestadora ou ao prestador de contas a identificação completa das doadoras ou dos doadores”.

Em que pesem os deveres de informação atribuídos às empresas intermediárias do financiamento coletivo, é dever dos postulantes a cargo eletivo lançarem, individualmente, na prestação de contas as receitas advindas das doações, pelo valor bruto, e as despesas atinentes às taxas pagas à instituição arrecadadora, nos termos do art. 23 do multicitado normativo:

Art. 23. Todas as doações recebidas mediante financiamento coletivo deverão ser lançadas individualmente pelo valor bruto na prestação de contas de campanha eleitoral de candidatas ou candidatos e partidos políticos.

Parágrafo único. As taxas cobradas pelas instituições arrecadadoras deverão ser consideradas despesas de campanha eleitoral e lançadas na prestação de contas de candidatas ou candidatos e partidos políticos, sendo pagas no prazo fixado entre as partes no contrato de prestação de serviços.

 

No caso sub examine, tendo em vista que a unidade técnica não pôde identificar os doadores originários dos aportes que somaram R$ 983,87, depreende-se que as doações arrecadadas pela empresa RINOBOX SOLUCOES FINANCEIRAS LTDA em favor da ora prestadora de contas não foram informadas à Justiça Eleitoral.

Contudo, tal fato não exime a candidata de lançar em suas contas os dados relativos às doações, que, presume-se, foram ou poderiam ser fornecidos a ela pela instituição arrecadadora, não tendo sequer alegado que, por omissão ou falha da entidade responsável pela intermediação, a prestadora estaria impossibilitada de alcançar tais informações.

Consoante bem apontou a Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer, ausentes informações quanto aos doadores originários, “não se pode verificar a legalidade das doações, pois o ingresso dessa receita na conta da candidatura só contempla o agente financeiro intermediário, RINOBOX SOLUCOES FINANCEIRAS LTDA. Assim, deve ser considerado irregular a receita, na importância de R$ 983,87, que deve ser recolhida ao Tesouro Nacional” (ID 45530294).

Assinalo, a título de ilustração, que, no tocante ao dever de recolhimento, já decidiu o TSE, julgando processo de prestação de contas de candidato à Presidência da República, no qual fora apontada inconsistência pela área técnica composta de “recursos recebidos por meio de financiamento coletivo de campanha, cujos doadores informaram incorretamente seus dados pessoais”, que “ainda que não haja prova do prévio conhecimento do candidato acerca do equívoco das informações, esse erro não permitiu identificar os verdadeiros doadores, impondo-se o recolhimento do valor aos cofres públicos (R$ 2.460,00; item 3.2 do voto)” (PC n. 0601231-77.2018.6.00.0000/DF, Acórdão, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE, Tomo 7, Data: 02.02.2023.) (Grifei.)

Nesse panorama, em linha com a manifestação da Procuradoria Regional Eleitora, tenho por caracterizado o recebimento de recursos de origem não identificada, com fulcro no art. 32, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo-se o recolhimento dos correspondentes valores ao Tesouro Nacional.

 

III – Da falta de comprovação de regular utilização de recursos do FEFC.

A unidade técnica considerou não ter havido comprovação das despesas quitadas com verbas do FEFC, conforme o seguinte trecho do parecer conclusivo (ID 45491536):

4.1.1. Foram identificadas as seguintes inconsistências nas despesas pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), contrariando o que dispõem os arts. 35, 53, II, c, e 60 da Resolução TSE nº 23.607/2019:

Detalhamento da inconsistência observada na tabela:

A - Débito bancário apresenta identificação do fornecedor beneficiário do pagamento como pessoa física CPF 018.323.980-64 - Marina Guilhon Guerra e o cadastro no SPCE foi feito para pessoa jurídica CNPJ 08.561.701/0001-01.

Consta, nos extratos eletrônicos disponibilizados pelo TSE o pagamento de R$ 500,00 e o valor registrado da despesa foi de R$ 10.500,00.

B – Não foi apresentado documento fiscal comprovando a despesa, conforme art. 60 da Resolução TSE 23.607/2019.

C – A documentação apresentada não possui descrição detalhada da operação, sendo necessária a descrição qualitativa e quantitativa dos serviços prestados e ou documento adicional de forma a comprovar a prestação efetiva do serviço, em conformidade com art. 60 da Resolução TSE 23.607/2019.

 

Compulsando os autos, verifico, no demonstrativo de despesas (ID 45199986, fl. 2), que a prestadora de contas declarou gasto com MARINA GUILHON GUERRA, atribuindo-lhe o CNPJ n. 08.561.701/0001-01, relacionado à “criação de conteúdo internet para uso em campanha política”, no total de R$ 10.500,00, que teria sido pago por meio de transferências bancárias, na modalidade Pix, nos valores de R$ 5.000,00, R$ 3.000,00, R$ 500,00 e R$ 2.000,00:

Além disso, constou declarada outra despesa idêntica (ID 45199986, fl. 5), com a mesma fornecedora, no montante de R$ 5.000,00, com data de 06.9.2022:

Examinando o extrato bancário relativo à conta para trânsito de recursos do FEFC, n. 35.052-4, agência 0778-1, do Banco do Brasil, disponível no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001605648/extratos, observo operações de:

- transferência bancária de R$ 3.000,00 a Closet by Nina, CNPJ n. 44.257.054/0001-02, em 31.8.2022;

- transferência bancária de R$ 5.000,00 a MARINA GUILHON GUERRA, CPF n. 018.393.980-64, em 05.9.2022;

- transferência bancária de R$ 500,00 a MARINA GUILHON GUERRA, CPF n. 018.393.980-64, em 08.9.2022;

- transferência bancária de R$ 2.000,00 a Closet by Nina, CNPJ n. 44.257.054/0001-02, em 08.9.2022; e

- pagamento, em 08.9.2022, de título emitido pelo Banco Santander, no valor de R$ 5.000,00.

Logo, tais débitos alcançam a soma de R$ 15.500,00.

Diante disso, a Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer escrito (ID 45530294), apontou que “é possível extrair desses dados que a candidata teve despesa total de R$ 15.500,00 com MARINA GUILHON GUERRA, mas direcionou parte do pagamento, de R$ 5.000,00, para CLOSET BY NINA”.

Ocorre que, consultando o sítio da Receita Federal, na internet, https://solucoes.receita.fazenda.gov.br/Servicos/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp?cnpj=44257054000102, constato que Closet by Nina se trata de nome de fantasia de MARINA GUILHON GUERRA, CNPJ n. 44.257.054/0001-02, como se vê da imagem abaixo:

Ademais, a pessoa física MARINA GUILHON GUERRA, CPF n. 018.393.980-64, exerce a atividade empresarial sob a denominação de MARINA GUILHON GUERRA, CNPJ n. 44.257.054/0001-02 (nome fantasia: Closet by Nina), não sendo possível distinguir entre a personalidade da pessoa natural e da empresa.

Nesse sentido, trago à baila aresto do STJ:

RECURSO ESPECIAL - PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA FORMULADO NO CURSO DO PROCESSO - EMPRESÁRIO INDIVIDUAL - TRIBUNAL A QUO QUE REFORMOU A DECISÃO DE ORIGEM PARA DEFERIR AOS AUTORES O PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA. INSURGÊNCIA DO RÉU.

Hipótese: Controvérsia envolvendo a necessidade de comprovação da hipossuficiência financeira, pelo microempreendedor individual - MEI e empresário individual, para a concessão do benefício da gratuidade de justiça.

1. O empresário individual e o microempreendedor individual são pessoas físicas que exercem atividade empresária em nome próprio, respondendo com seu patrimônio pessoal pelos riscos do negócio, não sendo possível distinguir entre a personalidade da pessoa natural e da empresa. Precedentes

2. O microempreendedor individual e o empresário individual não se caracterizam como pessoas jurídicas de direito privado propriamente ditas ante a falta de enquadramento no rol estabelecido no artigo 44 do Código Civil, notadamente por não terem eventual ato constitutivo da empresa registrado, consoante prevê o artigo 45 do Código Civil, para o qual "começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro". Portanto, para a finalidade precípua da concessão da benesse da gratuidade judiciária a caracterização como pessoa jurídica deve ser relativizada.

3. Para específicos e determinados fins, pode haver a equiparação de microempreendedores individuais e empresários individuais como pessoa jurídica, ocorrendo mera ficção jurídica para tentar estabelecer uma mínima distinção entre as atividades empresariais exercidas e os atos não empresariais realizados, porém, para o efeito da concessão da gratuidade de justiça, a simples atribuição de CNPJ ou inscrição em órgãos estaduais e municipais não transforma as pessoas físicas/naturais que estão por trás dessas categorias em sociedades, tampouco em pessoas jurídicas propriamente ditas.

4. Assim, para a concessão do benefício da gratuidade de Justiça aos microeempreendedores individuais e empresários individuais, em princípio, basta a mera afirmação de penúria financeira, ficando salvaguardada à parte adversa a possibilidade de impugnar o deferimento da benesse, bem como ao magistrado, para formar sua convicção, solicitar a apresentação de documentos que considere necessários, notadamente quando o pleito é realizado quando já no curso do procedimento judicial.

5. Recurso especial desprovido.

(STJ, REsp: 1.899.342/SP, Relator Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, Data de Julgamento: 26.4.2022, Data de Publicação: DJe 29.4.2022.) (Grifei.)

 

Nesse panorama, não configura irregularidade a circunstância de o candidato realizar gasto com pessoa natural, com lançamento de seu CPF no instrumento de contrato, e o correspondente pagamento via movimentação bancária ocorrer em benefício dessa mesma pessoa, mas com registro de empresária individual, em operação na qual figure o pertinente CNPJ, ainda que conste o nome de fantasia, ou inversamente.

Aliás, este Tribunal já decidiu nessa exata linha:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATA. CARGO DE VEREADORA. DIVERGÊNCIAS ENTRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DECLARADA E EXTRATOS BANCÁRIOS. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS NA FASE RECURSAL. REGULARIDADE DE SERVIÇO REALIZADO POR MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL PAGO PARA A RESPECTIVA PESSOA FÍSICA. COMPROVADO VÍNCULO CONJUGAL ENTRE FORNECEDORA DE SERVIÇO E BENEFICIÁRIO DO PAGAMENTO. SAQUE ELETRÔNICO DA CONTA DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC) RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PAGAMENTOS COM VERBAS DO FEFC A PESSOAS DISTINTAS DAS APRESENTADAS PELA CANDIDATA. INFRINGÊNCIA AO ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DECLARAÇÕES DE SUPOSTOS BENEFICIÁRIOS OU FORNECEDORES NÃO COMPROVAM A REGULARIDADE DE GASTOS. EXPURGO DE DISPÊNDIOS DUPLAMENTE CONTABILIZADOS COMO IRREGULARES. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. INVIABILIZADA A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. PARCIAL PROVIMENTO.

[...]

3. Identificado serviço realizado por microempreendedor individual pago para a respectiva pessoa física. Inexistência de óbice para o reconhecimento da regularidade do referido dispêndio.

4. Identificado cheque compensado na conta bancária do esposo da fornecedora do serviço. A despesa deve ser considerada regular, uma vez comprovado vínculo conjugal entre a fornecedora e a pessoa que consta nos registros bancários como beneficiária do pagamento. Nesse sentido, precedente deste Tribunal. A referida despesa deve ser decotada do total das falhas glosadas, porquanto constou duplamente como irregular.

[...]

(TRE-RS; REl n. 0600286-62.2020.6.21.0024, Relatora Desa. Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues, julgado em 31.3.2022.) (Grifei.)

 

Além disso, sob o ID 45200013, foram acostados comprovantes bancários de Pix de R$ 5.000,00, em 03.9.2022, de R$ 2.000,00, em 08.9.2022, e de R$ 500,00, em 07.9.2022.

Foi coligido, outrossim, boleto, emitido no Banco Santander, em que figura como beneficiário PAGSEGURO INTERNET INSTITUICAO DE PAGAMENTO S.A., CNPJ n. 08.561.701/0001-01, e como beneficiária final MARINA GUILHON GUERRA, CNPJ n. 44.257.054/0001-02, no montante de R$ 5.000,00, com o respectivo comprovante bancário de agendamento de pagamento, em 07.9.2022, para débito no dia seguinte, 08.9.2022, na conta n. 35.052-4, agência 0778-1, do Banco do Brasil (ID 45200012).

Anoto que o extrato bancário carreado aos autos pela candidata concernente à conta FEFC aponta, no dia 08.9.2020, pagamento de boleto de R$ 5.000,00 em prol de “PAGSEGURO INTERNET INSTITUICAO DE PAGA” (ID 45200022).

Isso posto, destaco que a prestadora de contas cometeu flagrante equívoco no Demonstrativo de Despesas ao mencionar o registro no CNPJ da fornecedora MARINA GUILHON GUERRA como sendo 08.561.701/0001-01, pois tal número diz respeito a uma empresa diversa, PAGSEGURO INTERNET INSTITUICAO DE PAGAMENTO S.A., intermediadora do pagamento, como pode ser pesquisado no endereço antes declinado.

Trata-se, aqui, de mera falha formal na elaboração das contas, facilmente identificável e superável por meio do próprio boleto acostado sob o ID 45200012, o qual indica com precisão que a beneficiária final é “Marina Guilhon Guerra / CNPJ 44257054000102”.

Portanto, foram declarados e demonstrados pagamentos totais de R$ 15.500,00 em favor de MARINA GUILHON GUERRA, sendo, nas operações bancárias, R$ 10.000,00 relacionados ao seu CNPJ de microempreendedora e R$ 5.500,00 vinculados ao seu CPF.

No tocante à comprovação de gastos, foi juntado o contrato, celebrado com MARINA GUILHON GUERRA, CPF n. 018.393.980-64, cujo objeto consiste em prestação de serviços, no período de 16.8.2022 a 01.10.2022, de “assistente para a campanha”, sendo discriminadas as atividades de “atuação em comitê eleitoral”, “assistência à campanha eleitoral do candidato nas mobilizações populares e articulações políticas”; além de “acompanhamento a eventos, produção de fotos e vídeos, gravações, reportagens em geral, e etc”., tendo sido ajustado o pagamento de R$ 10.500,00 (ID 45200013).

Sobre o documento, o órgão de análise técnica apontou que “não possui descrição detalhada da operação, sendo necessária a descrição qualitativa e quantitativa dos serviços prestados e ou documento adicional de forma a comprovar a prestação efetiva do serviço”, em infringência ao art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ocorre que o contrato está formalizado com o mesmo modelo de instrumento utilizado em outras contratações de pessoas físicas para “atuação em comitê de campanha eleitoral”, como se observa nos IDs 45200016 e 45200019, sobre as quais não houve nenhum apontamento pelo órgão técnico.

Além disso, apesar da variedade de funções exercidas pela contratada em questão, o termo tem os mesmos objetos do contrato firmado com Everton Rodrigues (“atuação em comitê eleitoral”, “assistência à campanha eleitoral do candidato nas mobilizações populares e articulações políticas”, “acompanhamento a eventos, produção de fotos e vídeos, gravações, reportagens em geral, e etc”), ao qual se agrega a tarefa de “condução de veículo automotor”, no valor total de R$ 17.400,00, conforme consta no ID 45200014, em relação ao qual o órgão técnico não constatou falhas.

Dessa forma, julgo que os equívocos formais cometidos pela prestadora na contabilização do gasto com Marina Guilhon Guerra, anteriormente relatados e esclarecidos, não justificam a submissão do contrato a um tratamento diferenciado, com base em falha não indicada em outras contratações análogas.

Ora, na hipótese vertente, existe um contrato com valor de R$ 10.500,00, para execução de serviços suficientemente discriminados, sendo identificáveis nos extratos bancários os correspondentes pagamentos à pessoa contratada, de modo que descabe a aposição de glosa.

Por outro lado, quanto ao segundo dispêndio com a mesma fornecedora, na quantia de R$ 5.000,00, não há nos autos nenhum documento hábil a comprovar a contratação, havendo tão somente a demonstração de pagamento em seu favor, sem lastro contratual ou em nota fiscal, caracterizando a irregularidade no manejo de recursos públicos e impondo a devolução ao erário do valor, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

IV – Do Julgamento das contas

Destarte, as irregularidades verificadas alcançam a quantia de R$ 11.983,87 (R$ 6.000,00 + R$ 983,87 + R$ 5.000,00), equivalente a 20,56% do total arrecadado (R$ 58.290,69), de maneira a inviabilizar a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como meio de atenuar a gravidade das máculas sobre o conjunto das contas, sendo, portanto, mandatória a reprovação contábil, em linha com o parecer ministerial.

Ainda, deve a candidata efetuar o recolhimento de R$ 5.983,87 ao Tesouro Nacional, tendo em vista o recebimento de R$ 983,87 de origem não esclarecida (art. 32, caput e § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19) e a não comprovação da escorreita utilização de verbas do FEFC, na importância de R$ 5.000,00 (art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas de CARINA BELOME LEMES, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação do recolhimento de R$ 5.983,87 ao Tesouro Nacional.