REl - 0601284-63.2020.6.21.0110 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/12/2023 às 14:00

VOTO

O debate destes autos trata sobre fatos que caracterizariam a prática de abuso de poder político e econômico perpetrados pelos recorridos, especialmente a realização de obras asfálticas em período próximo à eleição no Município de Tramandaí/RS, o que desequilibraria o resultado do pleito, evidenciando-se o caráter puramente eleitoral das condutas. Abaixo, em síntese, a relação das alegações:

a) manipulação do calendário de execução das obras de 15.937 m² de pavimentação e 9.353m² de recapeamento asfáltico para serem realizadas próximo às eleições, entre os dias 10/10 e 14/11/2020;

b) realização de asfaltamento em ruas sem previsão na LDO do Município, em contrato ou ata de registro de preço e sem prévio empenho orçamentário;

c) realização de asfaltamento em ruas não previstas nos editais de licitação;

d) realização de asfaltamento à noite, em sábados, domingos, feriados e em dias de chuva;

e) cometimento de atos protelatórios no procedimento de licitação para que as obras fossem executadas próximas ao período eleitoral;

f) presença do candidato em inauguração de obra pública e utilização indevida das redes sociais para divulgação de propaganda política.

 

Relativamente ao fato “a”, que trata da manipulação do calendário de execução de obras asfálticas para coincidir com período acercado ao pleito, não há dúvida de que a realização das obras em época próxima às eleições pode causar impacto positivo na percepção da população acerca de candidato à reeleição.

A melhoria na qualidade de vida e o impacto visual da obra são fatores que favorecem o administrador municipal. Entretanto, não existe proibição legal expressa à realização de obras em ano eleitoral. Conforme bem pontuado pelo Ministério Público Eleitoral em seu parecer junto ao juízo a quo: “em tese, a realização de obras no ano eleitoral tem, potencialmente, a capacidade de influenciar o eleitorado. Contudo, também não é crível exigir-se a não realização de obras em ano eleitoral” (ID 45143203).

Frise-se, aqui, que constou nos autos discussão acerca da metragem da área asfaltada, sendo que o recorrente alegou ter sido coberta uma área de 25 km em período próximo à eleição.

Contudo, houve equívoco na conversão de unidade métrica pelo recorrente, pois restou evidenciado nos autos que o total da área asfaltada ficou em 4 km, aproximadamente,  o que altera substancialmente o objeto de análise desses autos. Essa conclusão é extraída do depoimento da testemunha Carlos Magno Davila, proprietário da construtora executora das obras, conforme transcrição do parecer do órgão ministerial com atribuição na origem (ID 45143202, p. 7):

Questionado, disse que não há como os contratos terem previsto 25 quilômetros de asfalto, pois, nesta hipótese, o orçamento passaria de 30 milhões. Referiu que não lembra a quantidade exata, mas que não era nem próximo disso, acreditando que não tenha chegado a 4 quilômetros. Respondeu que as obras eram medidas em metros quadrados e em toneladas, de que modo que é possível que tenham sido asfaltados 25 mil metros quadrados.

 

Ademais, não se verificou grande disparidade entre os montantes gastos na execução de obras asfálticas pelo município em anos anteriores. Houve até decréscimo do valor gasto no exercício de 2020 em relação ao exercício 2019, conforme relatórios de empenhos juntados aos autos (ID 45143155-45143159) e informações compiladas em tabela apresentada em contrarrazões (ID 45479976 – p. 18).

Os itens “b” e “c” tratam de irregularidades orçamentárias e formais na execução das obras de asfaltamento.

A análise de questões orçamentárias na seara eleitoral é limitada, especialmente no caso dos autos em que são trazidas alegações técnicas quanto à previsão da despesa na LDO, a realização de empenho e os contratos firmados. Uma apuração mais detalhada das irregularidades do caso dependeria de apontamentos realizados pelo Tribunal de Contas do Estado. Conforme alegado pela parte recorrida, os procedimentos licitatórios foram cadastrados no sistema Licitacon do TCE/RS e até o presente momento não houve nenhuma intervenção da Corte de Contas relativamente à presença de irregularidades nos procedimentos licitatórios objetos deste processo (ID 45479976), o que demonstraria a sua higidez.

Em relação aos empenhos orçamentários e à previsão contratual, a parte recorrida justificou satisfatoriamente a sua legalidade, pois indicou na peça recursal as notas de empenho relativas às despesas contratadas pelo município e a suplementação orçamentária efetivada mediante o art. 6º, inc. I, da Lei Municipal n. 4.358/19. (ID 45479976).

O executor das obras, em depoimento, também afirmou que “recebeu os valores que lhe eram devidos” (ID 45143203, p. 9). Portanto, tenho por regular a realização das despesas, pois a parte recorrente não logrou êxito em refutar os argumentos apresentados na defesa dos recorridos.

Por fim, quanto à realização de asfaltamento em ruas não previstas no memorial descritivo do edital de licitação, entendo que os editais e os contratos juntados aos autos fixaram o preço com base na tonelagem e no metro quadrado e, em virtude das circunstâncias, pode ter havido acréscimos nas ruas asfaltadas, o que não seria ilegal e poderia beneficiar a população. Confira-se o relatado em juízo pelo informante Marcelo Celia Amaral, chefe do Departamento de Engenharia da Prefeitura, e transcrito no parecer ministerial (ID 45143203):

Disse que a lista das ruas foi feita pelo depoente, mediante levantamento, em função das demandas técnicas no ano de 2019. Referiu que verificou todas as ruas que foram colocadas na lista e que foram várias as ruas demandadas no ano anterior, em face da necessidade. Reiterou que houve ruas que foram acrescentadas em face da necessidade, em virtude do tempo decorrido e das intervenções da Corsan. Exemplificou dizendo que, um ano antes de faz um levantamento e se decide por uma rua, mas, por inúmeros fatores, meses após, constata-se que a rua ao lado apresentou maior deterioração, de modo que se procede à alteração, pois não haveria justificativa por intervir na que estava em melhor estado, o que motivou algumas alterações. Referiu que o contrato permite a alteração das ruas , sem necessidade de aditamento, a que se procedeu com amparo do departamento jurídico. Disse que a alteração se faz dentro da metragem.

 

O item “d” diz respeito à alegação do recorrente de que as obras de asfaltamento foram realizadas à noite, aos sábados, domingos, em feriados e em dias chuvosos, o que demonstraria o açodamento na realização das obras e o seu caráter eleitoreiro, comprometendo também a qualidade do serviço.

Entendo que as alegações não prosperam, pois existem justificativas plausíveis apresentadas pelo executor da obra para a realização das obras em horários, dias de semana e condições climáticas distintas. Conforme informações de depoimento prestado pelo Sr. Carlos Magno Davila, ocorreu atraso no fornecimento de materiais por parte da Petrobrás e havia um contexto severo da pandemia, com testagem e afastamento frequente de funcionários. Além disso, a empresa executora prestava serviços para diversos municípios, tendo que cumprir um cronograma de obras. Abaixo segue trecho de depoimento do Sr. Carlos, em transcrição constante do parecer ministerial (ID 45143203, p. 7):

Disse que tem contratos vigentes em Osório e Imbé. Respondeu que, à época, tinha contratos em Osório, Terra de Areia, Imbé, Balneário Pinhal e Guaíba, com mão de obra própria, sendo que 90% dos trabalhadores vieram de fora. Questionado sobre obras realizadas à noite, disse que a empresa de programa para realizar uma determinada quantidade de massa durante o dia e traz o material da usina. Declarou que pode ter acontecido algum imprevisto com equipamentos, que provocou atraso, fazendo com que tenham deliberado pelo prosseguimento à noite, pois o asfalto vem com determinada temperatura e precisa ser aplicado no mesmo dia, sob pena de perda do material. Aduziu, ainda, que, por vezes, moradores deixam veículos na via, impedindo a realização da obra. Com relação ao asfaltamento em dia de chuva, disse que, em dia de chuva não se programa obra, mas que podem ocorrer precipitações não previstas na previsão do tempo, como garoas, caso em que se verifica a temperatura e qualidade da massa e, se for viável, aplica-se naquele momento. Respondeu que com garoa não há degradação do asfalto.

(…)

Indagado, disse que a pandemia gerou problemas na obra, pois se qualquer funcionário tivesse qualquer sintoma, era necessário testar toda a equipe, o que prejudicava a organização dos trabalhos. Referiu que houve, também, falta de concreto asfáltico por duas ou três semanas em virtude de paralisação na Petrobrás.

 

O item “e” refere-se à suposta prática de atos protelatórios no procedimento de licitação para que as obras fossem executadas próximas ao período eleitoral.

Não há nenhuma comprovação de que tenha havido omissão dolosa da comissão licitante na análise de documentos, a fim de que moldasse o procedimento de licitação de modo a coincidir a realização do asfaltamento com período próximo ao pleito. Os relatos do informante Marcelo (chefe de engenharia da prefeitura) e da testemunha Carlos (proprietário da construtora) coincidem no sentido de que havia mais concorrentes no processo licitatório e de que foram interpostos muitos recursos, o que atrasou o procedimento.

Já o item “f” trata da presença do candidato em inauguração de obra pública e utilização indevida das redes sociais para divulgação de propaganda política.

A divulgação da realização do asfaltamento pelos recorridos nas redes sociais não viola a legislação eleitoral, pois se constitui em um ato legítimo de campanha e de convencimento do eleitor, fazendo parte do debate político.

Já a outra alegação do recorrente cita que o candidato à reeleição participou de uma inauguração de obra pública, violando o art. 77 da Lei n. 9.504/97:

Art. 77. É proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas.

 

Para comprovar o alegado, juntou print da rede social Facebook, relatando que, três dias após a conclusão da obra de asfaltamento, ocorreu uma “verdadeira inauguração de obra pública, em que o candidato Luiz Carlos Gauto da Silva caminhou sobre o asfalto, acompanhado de um ex-Prefeito, apoiadores políticos e amigos” (ID 45143208, p. 5-7).

Nesse ponto, a fim de evitar tautologia, acompanho as bem-lançadas razões trazidas no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral ao apontar a ausência de enquadramento do fato como conduta vedada e abuso de poder (ID 45561524):

Em que pese o candidato tenha se dirigido até o bairro Emboaba e enaltecido a realização da obra de asfaltamento de vias, bem como tenha veiculado imagens como propaganda eleitoral nas redes sociais, o fato não pode ser interpretado como inauguração de obra, uma vez que não é mostrado nenhum tipo de evento, cerimônia ou solenidade, tampouco movimentação de pessoas e veículos no local. Embora tenha ocorrido proveito da oportunidade para exaltar o trabalho da administração municipal (com evidente propósito de angariar votos), não foi promovida a participação de eleitores. A simples divulgação da obra não é suficiente para caracterizar uma inauguração, de modo a configurar a prática da conduta vedada de que trata o art. 77 da Lei das Eleições.

 

Portanto, após análise da argumentação trazida pelas partes, entendo não ter havido abuso de poder político pelos recorridos na realização das obras de asfaltamento em período eleitoral e ausente a participação do candidato Luiz Carlos Gauto da Silva em inauguração de obra pública em período vedado por lei, razão pela qual se impõe a manutenção da sentença.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença de improcedência.