PCE - 0602489-98.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/12/2023 às 14:00

VOTO

Trata-se de processo de prestação de contas referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha de GISELI CONSUELO SANTOS DE OLIVEIRA, candidata ao cargo de deputada federal nas eleições gerais de 2022.

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI), em seu parecer conclusivo, apontou a existência de inconsistências nas contas de campanha, consoante excerto a seguir reproduzido (ID 45537877):

1. Impropriedades

[...]

1.1 Há divergências entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos (art. 53, I, alínea "g" e II, alínea "a", da Resolução TSE nº 23.607/2019, conforme abaixo:

 

Identificação da conta bancária: 104 - CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF) / 3482 / 3000005163

Natureza da conta: FUNDO PARTIDÁRIO

Percentual compatibilizado: 90,9100

Movimentação financeira não compatibilizada:

 

Observe-se que a conta bancária retro foi identificada como a conta utilizada para recebimento e aplicação de recursos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – FP, de modo que o depósito de recursos de natureza diversa ofende o disposto no Art. 9º, §2º, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

A candidata não exerceu seu direito de manifestação como previsto no §1º, do art. 69 da Resolução TSE 23.607/2019, não apresentou esclarecimentos e comprovantes que alterem as falhas anteriormente apontadas.

Observa-se que, após a entrega da prestação de contas final, foi realizado o exame das contas e as impropriedades descritas não afetaram a identificação da origem das receitas e destinação das despesas comprovadas pela movimentação bancária.

Cabe referir que o exame técnico da prestação de contas tem por objetivo realizar a conferência dos dados declarados em comparação a legislação, não emitindo juízo de valor. As falhas descritas serão avaliadas no momento do julgamento das contas, considerando os princípios de razoabilidade e proporcionalidade.

[...]

4.1. Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC

Com base nos procedimentos técnicos de exame e análise dos extratos bancários eletrônicos, disponibilizados pelo TSE, assim como na documentação apresentada nesta prestação de contas, foram constatadas irregularidades na comprovação dos gastos com o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, quando da emissão do Relatório de Exame de Contas ID 45530487.

Foram identificadas as seguintes inconsistências nas despesas pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), contrariando o que dispõem os arts. 35, 53, II, c, e 60 da Resolução TSE nº 23.607/2019:

Detalhamento da inconsistência observada na tabela:

A - Débito bancário sem identificação do fornecedor beneficiário do pagamento, não consta CPF ou CNPJ no extrato bancário eletrônico disponibilizado pelo TSE, assim como não foi apresentada documentação bancária comprovando o destinatário dos recursos conforme art. 38 da resolução TSE 23.607/2019.

B - Débito bancário sem identificação do fornecedor beneficiário do pagamento, não consta CPF ou CNPJ no extrato bancário e não foi apresentado documento fiscal comprovando a despesa, conforme art. 60 da Resolução TSE 23.607/2019.

A candidata não exerceu seu direito de manifestação como previsto no §1º, do art. 69 da Resolução TSE 23.607/2019, não apresentou esclarecimentos e comprovantes no Processo Judicial Eletrônico – PJe que alterem as falhas anteriormente apontadas.

Assim, por não comprovação dos gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, considera-se irregular o montante de R$ 10.000,00, passível de devolução ao Tesouro Nacional, conforme o art. 79, §1º da Resolução TSE 23.607/2019.

[…]

CONCLUSÃO

[...]

4) Aplicação irregular dos recursos públicos – As irregularidades na comprovação da aplicação dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, apontadas no item 4.1, montam em R$ 10.000,00. Não foram observadas irregularidades na comprovação da utilização dos recursos do Fundo Especial de Assistência Financeira dos Partidos Políticos. As irregularidades estão sujeitas à devolução ao Erário na forma do art. 79, §1º da Resolução TSE 23.607/2019.

Finalizada a análise técnica das contas, o total das irregularidades foram de R$ 10.000,00 e representam 37,07% do montante de recursos recebidos R$ 26.973,19. Assim, como resultado deste Parecer Conclusivo, recomenda-se a desaprovação das contas, em observância ao art. 72 da Resolução TSE 23.607/2019.

 

Passo à análise.

 

1. Da Movimentação de Recursos da Conta FEFC para a Conta FP

Quanto à impropriedade apontada pela unidade técnica, de aporte de valores na conta destinada à movimentação de recursos do Fundo Partidário, conta n. 3000005163, agência n. 3482, da CEF, cabe assinalar que decorreu de depósito, no importe de R$ 5.000,00, pela própria candidata.

Deveras, examinando-se os extratos bancários eletrônicos disponíveis no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, observo que houve o saque de R$ 5.000,00 na conta destinada ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conta n. 3000005171, agência 3482, da CEF, mediante o cheque n. 900022, em 19.9.2022, figurando a candidata como contraparte:

Posteriormente, houve o depósito do montante, em 21.9.2022, dia útil imediatamente seguinte, na conta de campanha vinculada ao Fundo Partidário:

A inusitada movimentação da conta destinada ao FEFC para a conta do Fundo Partidário constou declarada pela candidata no Demonstrativo Transferência entre Contas (ID 45304640):

A prestadora não esclareceu a razão de tal operação, de modo que há de ser entendida como irregular, por estrito descompasso com o art. 9º, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que veda a transferência de quantias entre contas cujas fontes possuam origens distintas, ainda que ambas alberguem recursos públicos.

Nada obstante, não ocorreu comprometimento do exame contábil ou da fiscalização pela Justiça Eleitoral e nem houve malversação na aplicação dos recursos.

Não ignoro a jurisprudência desta Casa no sentido de que a movimentação de recursos públicos para contas com outros fins “compromete a aferição dos gastos, diante da mescla inevitável com recursos privados” (TRE-RS - REl 0600324-11, Relator: Desembargador Francisco José Moesch, Data de Julgamento: 28/01/2022). Porém, não é essa a circunstância dos autos, porquanto ambas as contas se destinavam à movimentação de recursos públicos, embora de fontes diversas (FEFC e FP).

Ademais, como destacado pela unidade técnica, “as impropriedades descritas não afetaram a identificação da origem das receitas e destinação das despesas comprovadas pela movimentação bancária”.

Assim, julgo que a falha, não havendo indicativos de má-fé ou malversação dos valores, consiste em mera impropriedade, que não afeta a transparência e o controle das contas, razão pela qual descabe o comando de ressarcimento ao Tesouro Nacional.

 

2. Das Despesas com Recursos do FEFC

De outra banda, no que concerne à suposta aplicação irregular de recursos do FEFC (item 4.1 do parecer conclusivo), a candidata teria realizado duas despesas de R$ 5.000,00 eivadas de vícios, conforme a tabela abaixo reproduzida:

Desse modo, a despesa de 19.9.2022, contratada com Carmem Helfer, foi qualificada como irregular porque ausente documentação bancária demonstrando que a quantia foi movimentada em prol da destinatária.

Além disso, o débito mediante o cheque n. 900025, em 09.9.2022, não indica CPF ou CNPJ do fornecedor, não havendo documento fiscal quanto ao dispêndio.

Ocorre que, analisando detidamente as declarações contábeis, depreende-se que o débito de R$ 5.000,00, no dia 09.9.2022, realizado na conta bancária destinada aos recursos do FEFC, mediante o cheque n. 900025, em favor da própria candidata, na verdade refere-se à formação de fundo de caixa, conforme declarado no demonstrativo Fundo de Caixa, cuja imagem segue (ID 45304641):

Tal recurso financeiro teria sido empregado exatamente para pagamento da despesa com Carmem Helfer, como contraprestação pelos serviços de coordenadora de campanha, cujo contrato e a nota explicativa encontram-se acostados sob o ID 45304673.

De acordo com o demonstrativo de Relatório de Despesas Efetuadas (ID 45304634, fls. 9-10), foi pago a Carmem Helfer o valor de R$ 5.000,00, em espécie, oriundo do FEFC, em 09.9.2022, consoante contrato n. 96781718053.

Contudo, existem normas próprias regulando a matéria que devem ser observadas.

A tal respeito, transcrevo os arts. 39 e 40 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 39. Para efetuar pagamento de gastos de pequeno vulto, o órgão partidário e a candidata ou o candidato podem constituir reserva em dinheiro (Fundo de Caixa), desde que:

I - observem o saldo máximo de 2% (dois por cento) dos gastos contratados, vedada a recomposição;

II - os recursos destinados à respectiva reserva transitem previamente pela conta bancária específica de campanha;

III - o saque para constituição do Fundo de Caixa seja realizado mediante cartão de débito ou emissão de cheque nominativo em favor da(o) própria(o) sacada(o).

Parágrafo único. A candidata ou o candidato a vice ou a suplente não pode constituir Fundo de Caixa.

 

Art. 40. Para efeito do disposto no art. 39 desta Resolução, consideram-se gastos de pequeno vulto as despesas individuais que não ultrapassem o limite de meio salário mínimo, vedado o fracionamento de despesa.

Parágrafo único. Os pagamentos de pequeno valor realizados por meio do Fundo de Caixa não dispensam a respectiva comprovação na forma do art. 60 desta Resolução.

 

Desse modo, é permitida a constituição de fundo de caixa para quitação de despesas de pequeno vulto, que não podem ultrapassar meio salário-mínimo (R$ 606,00), vigente à época, e não excedam a 2% dos gastos contratados, ou seja, R$ 477,50 na hipótese em tela.

No caso sub examine, o valor foi muito além, alcançando R$ 5.000,00, equivalente a 20,94% do total despendido (R$ 23.875,00), de sorte que é patente a irregularidade, malgrado o atendimento das demais disposições.

Ainda por ocasião da apresentação das contas finais, ou seja, antes mesmo do exame técnico das contas, a candidata ofereceu justificativas, afirmando que a operação se tratou de equívoco, decorrente da falta de prévia consulta aos administradores de campanha, no afã de agilizar o pagamento à Carmem Helfer, coordenadora da equipe de trabalho (ID 45304688), expondo a boa-fé da prestadora.

Apesar dos esclarecimentos apresentados, é certo que a despesa no valor de R$ 5.000,00 não poderia ter sido paga em espécie, pois não se qualifica como de pequeno vulto para fins de utilização de fundo de caixa, caracterizando transgressão ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 e ensejando a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da referida resolução. 

Nesse sentido, colho o seguinte julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO NÃO ELEITO. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. ELEIÇÕES 2022. IRREGULARIDADE NA COMPROVAÇÃO DE GASTOS REALIZADOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. SAQUE ELETRÔNICO. IRREGULARIDADE CARACTERIZADA. PERCENTUAL MÓDICO. INCIDÊNCIA DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022. 2. Irregularidade na comprovação de gastos realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Saque eletrônico na conta destinada ao trânsito de recursos do FEFC em benefício do próprio candidato. Despesas alegadamente pagas superiores ao limite legal para saques de pequeno vulto. Ademais, verificado nos extratos bancários que um dos pagamento ocorreu por meio de Transferência Eletrônica Disponível – TED, não se confirmando a alegação de que o gasto teria sido quitado com parte da verba sacada, e que os documentos bancários não apresentam registro de pagamento ao outro fornecedor. Não comprovados os gastos com recursos do FEFC, a quantia considerada irregular deve ser recolhida ao Tesouro Nacional. 3. A irregularidade representa 3,39% do total dos recursos declarados, o que viabiliza a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, na linha de entendimento deste Tribunal Regional Eleitoral. 4. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 06024803920226210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. Afif Jorge Simoes Neto, Data de Julgamento: 25/07/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 136, Data: 27/07/2023) (Grifei.)

 

Por derradeiro, a irregularidade reconhecida totaliza R$ 5.000,00, que representa 18,5% do total arrecadado (R$ 26.973,19), inviabilizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como meio de atenuar a gravidade da mácula sobre o conjunto das contas, sendo, portanto, mandatória a desaprovação contábil.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas de GISELI CONSUELO SANTOS DE OLIVEIRA, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação do recolhimento de R$ 5.000,00 ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, do mesmo diploma normativo.