PCE - 0603039-93.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/12/2023 às 14:00

VOTO

Cuida-se de prestação de contas apresentada por DANIELA ARAUJO DA SILVA, candidata que alcançou a suplência para o cargo de deputada estadual pelo Partido REPUBLICANOS, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

Após exame inicial da contabilidade e intimação da prestadora, a Secretaria de Auditoria Interna (SAI) emitiu parecer conclusivo, no qual apontou persistir irregularidade quanto ao uso de recursos de origem não identificada (RONI), e consignou a existência de indícios de irregularidade referente a fornecedor que pode não ter capacidade operacional para prestar o serviço ou fornecer o material contratado.

Do uso de recursos de origem não identificada

No caso, foram identificadas diversas notas fiscais emitidas pelo SUPER POSTO SAO JERONIMO LTDA., no total de R$ 3.700,83. Todavia, o montante pago pelo prestador foi de R$ 2.091,37. Ou seja, a diferença restante, de R$ 1.609,46, foi adimplida com valores sem prévio trânsito pelo sistema bancário nacional, a indicar o uso de recursos sem demonstração de origem.

A vedação ao uso de RONI vem estampada no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

 

Intimada, a parte manifestou-se quanto aos apontamentos (ID 45402921, 45403126, 45403127).

Em relação às despesas contraídas junto ao SUPER POSTO SAO JERONIMO LTDA., a candidata alega que, "de fato, a parte se atrapalhou na forma de pagamento, ora, pagava por um tipo de conta, ora, por outro, divergências no resultado final.".

Entretanto, apesar das informações trazidas pela candidata, não há nos autos elementos que permitam sanar as falhas apontadas.

Portanto, a prova carreada aos autos aponta para o uso de recursos sem demonstração de origem, ao arrepio da norma eleitoral, os quais devem ser recolhidos ao erário.

Da malversação de verbas do FEFC

A diligente Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer, identificou falhas relativas a gastos realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) - R$ 5.000,00 com locação veicular, R$ 800,00 sem identificação da contraparte e R$ 470,00 destinados à própria candidata - no total de R$ 6.270,00.

Intimada, a candidata manifestou-se (ID 45527781 e 45528223).

A PRE considerou, com a juntada da procuração (ID 45528223), esclarecido o pagamento no valor de R$ 5.000,00 utilizado para locação de veículo.

Porém, quanto ao valor indevido restante, R$ 1.270,00 (R$ 800,00+R$ 470,00), não houve a comprovação dos gastos.

A mácula relativa aos R$ 800,00 indica que os gastos carecem de regularidade, na medida em que registrada, em duas ocasiões, a saída de R$ 400,00 (cheque n. 850002, de 29.08.2022, e cheque 850017, de 26.09.2022) sem a identificação, nos extratos bancários, do CPF ou CNPJ do destinatário.

A prestadora, em manifestação, não trouxe qualquer outra documentação hábil a comprovar o destino do recurso público empenhado, afrontando as prescrições do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

Ou seja, na linha do entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral, da análise do extrato bancário da conta de FEFC, extrai-se que os pagamentos daquelas importâncias foram realizados mediante cheque não cruzado, impedindo a identificação do beneficiário e, por consequência, a demonstração da correta destinação do recurso público. E assim conclui a Procuradoria:

É somente a triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos.

 

Esta é a posição adotada por esta Corte, que reproduzo abaixo, no julgado de relatoria da Des. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. AUSENTE COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO DE DESPESAS REALIZADAS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CHEQUES SACADOS DIRETAMENTE NO CAIXA.

ERRO MATERIAL NA SENTENÇA. VALOR MÓDICO. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO DA QUANTIA AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha de candidato ao cargo de vereador, relativas às eleições de 2020, em virtude da aplicação irregular de verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. Determinado recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe sobre o pagamento de despesas de campanha eleitoral. A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. A exigência de cruzamento do título busca impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, sobretudo demonstrar que os prestadores de serviço informados nos registros contábeis foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

3. Ausente comprovação de pagamentos de despesas eleitorais realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Identificados cheques sacados diretamente no caixa, sem registro da contraparte favorecida na operação. Incontroverso que as cártulas foram emitidas sem o necessário cruzamento e que os valores foram sacados diretamente na "boca do caixa", ou seja, sem o trânsito para a conta bancária do fornecedor declarado.

4. A apresentação de contrato, declaração ou recibo firmado pelos supostos beneficiários do adimplemento declarando que o valor lhes foi repassado, não supre a necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito, conforme a diretriz jurisprudencial deste Tribunal Regional. Caracterizada a irregularidade quanto à forma de pagamento dos gastos realizados com recursos do FEFC.

5. Erro material na decisão do juízo de primeiro grau. No entanto, incabível nova retificação do montante a ser recolhido, seja porque houve debate específico sobre sua fixação e o Ministério Público em primeira instância anuiu com a tese levantada nos embargos de declaração, seja porque a majoração acabaria por prejudicar o único recorrente.

6. A irregularidade representa 9,68% dos recursos arrecadados pelo candidato. Considerando a ínfima dimensão percentual das falhas, bem como o valor nominal diminuto, viável a aplicação do princípio da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, pois trata-se de valor módico e inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10, tido como modesto pela legislação de regência e utilizado por este Tribunal para admitir tal juízo.

7. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(Recurso Eleitoral n. 060052083, Acórdão, Relatora Des. DRA. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 26.09.2022.) Grifei.

 

Há, também, a constatação de irregularidades na utilização de recursos do FEFC, referentes a dois pagamentos em benefício da própria candidata.

A PRE verificou, nos extratos, que os cheques 850014 e 01104060, ambos com a data de 21.09.2022, nos valores de R$ 400,00 e R$ 70,00, respectivamente, tem como contraparte a própria candidata.

Quanto a esses valores, a candidata manteve-se silente, motivo pelo qual a cifra deve retornar ao erário.

Dos indícios de irregularidade na contratação de fornecedor inscrito na RAIS

Por fim, consta o relato de possível irregularidade decorrente de contratação de fornecedor inscrito na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério Público, o que pode indicar a ausência de capacidade operacional para prestar o serviço ou fornecer o material contratado.

Entretanto, a despeito do diligenciado, a empresa emitiu nota fiscal, a qual consta dos autos, e ostenta situação cadastral como ativa junto à Receita Federal do Brasil, não havendo óbice quanto ao ponto.

Nesse sentido, segue entendimento consolidado desta Corte quanto à matéria:

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA RONI. DEPÓSITO EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR AO MARCO LEGAL. DOCUMENTAÇÃO JUNTADA INSUFICIENTE A COMPROVAR O DEPÓSITO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. OMISSÃO DE DESPESAS. NOTAS FISCAIS EMITIDAS CONTRA O CNPJ DO PARTIDO. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTO APTO A DESCONSTITUIR AS EXPENSAS. AUSÊNCIA DE APLICAÇÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO NAS COTAS DE GÊNERO E DE RAÇA. REALIZAÇÃO DE DESPESAS JUNTO A FORNECEDORES INSCRITOS EM PROGRAMAS SOCIAIS. IRREGULARIDADE AFASTADA. PRECEDENTES. BAIXA REPRESENTATIVIDADE DAS IRREGULARIDADES REMANESCENTES. VIABILIDADE DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas de diretório estadual de partido político, referente às eleições de 2020. Em parecer conclusivo, o órgão técnico contábil opinou pela desaprovação das contas e pelo recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. 2. O aporte de recursos de origem não identificada na conta da agremiação, via depósitos em espécie, em valor superior ao marco legal, e sem documentação bancária que comprove o depósito, contraria o disposto na norma eleitoral. Devolução da integralidade do valor irregular nos termos do art. 21 e parágrafos da Resolução TSE n. 23.607/19. 3. Gastos eleitorais não declarados na prestação, identificados mediante notas fiscais emitidas contra o CNPJ do partido. Inexistência de documento ou tese adequados a desconstituir as expensas, comprovadas via documento fiscal validado pela Receita Federal, em nome do partido. Os dispêndios, bem como suas notas fiscais, devem compor o acervo contábil apresentado, no intuito de comprovar a regularidade das despesas eleitorais, na forma do art. 53 da Resolução TSE n. 23.607/19. A regra eleitoral dispõe que os valores destinados à quitação dos gastos de campanha devem transitar por conta bancária específica para este fim, passível de aferição, com o fito de garantir a transparência das contas eleitorais. Obstaculizada tal fiscalização diante da omissão de despesas e do adimplemento dos débitos com valores sem demonstração de sua fonte. Configurado o uso de recursos de origem não identificas. Dever de recolhimento ao erário. 4. Aporte único do Fundo Partidário destinado à candidata branca. Ausência de aplicação do percentual da verba pública nas campanhas de candidatas negras e de candidatos negros. Aplicável ao feito o conteúdo da EC n. 117/22, a qual veda a ordem de recolhimento do montante malversado ao erário. Remanesce a irregularidade, devendo a cifra ser utilizada nas eleições subsequentes. 5. Afastada a irregularidade da realização de despesas junto a fornecedores inscritos em programas sociais, conforme precedentes desta Corte. 6. As irregularidades remanescentes correspondem a 0,02% do total auferido em campanha. Viabilidade de aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade em vista dos valores envolvidos. Determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. 7. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - Prestação de Contas: 060042756 PORTO ALEGRE - RS, Relator: AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Data de Julgamento: 28/09/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 30.09.2022.)

 

Assim, o vício remanescente totaliza R$ 2.879,46 (R$ 1.609,46 + R$ 1.270,00) e representa 7,75% do total auferido em campanha (R$ 37.143,19), devendo a contabilidade ser aprovada com ressalvas, na esteira do entendimento desta Corte, mediante aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Diante do exposto, acolho o parecer ministerial, e VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de DANIELA ARAUJO DA SILVA, com base no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, e determino o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 2.879,46, nos seguintes termos:

a) R$ 1.609,46 - utilização de recursos de origem não identificada; e

b) R$ 1.270,00 - malversação de verbas do FEFC.