PCE - 0602556-63.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/12/2023 às 14:00

VOTO

Trata-se de prestação de contas apresentada por LAERCIO ZANCAN, candidato ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

A unidade técnica apontou falhas na contabilidade, relacionadas a gasto com o Facebook sem comprovação do serviço e omissão de despesas, a caracterizar recursos de origem não identificada.

Passo à análise das falhas relatadas.

 

I – Do Recebimento de Recursos de Origem Não Identificada

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI), analisando a contabilidade, apontou, em seu parecer conclusivo (ID 45553945), o recebimento de recursos de origem não identificada, tendo em vista a omissão de despesa no valor de R$ 189,00, realizada, em 19.9.2022, com V. A. CHURRASCARIA E LANCHERIA LTDA, CNPJ n. 10.582.010/0001-36, consoante a nota fiscal n. 9386.

Em que pese o prestador tenha alegado que “trata-se da alimentação do próprio Candidato, onde deveria constar o CPF do mesmo e não do CNPJ do candidato, erro formal por parte do emissor” (ID 45551385), esta Corte tem entendido que a constatação de nota fiscal não declarada presume o recebimento de recursos de origem não identificada, ainda que se trate de gasto com aquisição de combustíveis (REl n. 0600277-28.2020.6.21.0048, Relator: Des. Francisco José Moesch, julgado em 10.12.2021), serviços de contabilidade (REl n. 0600417-18.2020.6.21.0095, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 14.10.2021; REl n. 0600631-62.2020.6.21.0142, Relatora: Desa. Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues, julgado em 28.01.2021), ou mesmo aquisição de balões de látex e fitilhos (REl. 0600066-36.2020.6.21.0001, Relator: Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, julgado em 23.6.2022).

Deveras, a existência de nota fiscal contra o número de CNPJ do candidato, ausente provas do efetivo cancelamento, retificação ou estorno, tem o condão de caracterizar a omissão de registro de despesas, em afronta ao disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nessa linha, o TSE entende que “gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, (...) constituem omissão de despesas” (TSE; Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJE, Tomo 241, Data: 16.12.2019, p. 73).

Além disso, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do concorrente, caracterizando o recurso como de origem não identificada.

Nesse sentido, cito o seguinte precedente desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. VEREADORA. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. SAQUE ELETRÔNICO DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CONFIABILIDADE CONTÁBIL. MACULADA. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. RECOLHIMENTO DOS VALORES AO TESOURO NACIONAL. VALOR NOMINAL DAS IRREGULARIDADES. DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO. PROVIMENTO PARCIAL. (...). 2. Detectadas 07 (sete) notas fiscais emitidas contra o CNPJ de campanha, sem que os recursos para quitação da despesa tenham transitado pelas contas bancárias da candidata, indicando omissão de gasto eleitoral. Os gastos não contabilizados afrontam o art. 53, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil. 3. As despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de modo paralelo à contabilidade formal da candidata, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19. (...).

(TRE-RS, REl 06006545520206210094, Relator: Des. Francisco José Moesch, Data de Julgamento: 03.2.2022.) (Grifei.)

 

Desse modo, está caracterizada a irregularidade, devendo o montante de R$ 189,00 ser recolhido ao Tesouro Nacional, na forma prescrita pelo art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

II – Dos Gastos Não Comprovados com Recursos do FEFC

A unidade técnica apontou, ainda, irregularidade na aplicação de recursos do FEFC, relativamente a pagamentos ao Facebook, conforme o seguinte trecho do parecer conclusivo (ID 45553945):

4.1.2. Quanto às despesas referentes ao Facebook (impulsionamentos de conteúdo digital), efetuadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), restou identificada a importância de R$ 265,90, sem comprovação de seu efetivo recolhimento, nos termos do art. 35, § 2º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, em face da diferença apurada entre as despesas abaixo listadas e a nota fiscal nº 50588663, emitida pelo FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA:

[…].

O candidato apresentou esclarecimentos e comprovantes ID 45551384 e ID 45551385, com objetivo de reverter as falhas apontadas no Relatório de Exame de Contas. Após análise dos documentos considera-se sanado o apontamento do item 4.1.1 e não sanado o apontamento do item 4.1.2, uma vez que o prestador alega ter anexado a NF do FACEBOOK no valor de R$ 265,90 emitida em 01/11/2022, todavia a mesma não foi localizada nos IDs 45551384 e 45551385.

Assim, por não comprovação dos gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, considera-se irregular o montante de R$ 265,90, passível de devolução ao Tesouro Nacional, conforme o art. 79, §1º da Resolução TSE 23.607/2019.

 

De fato, consta nos autos a nota fiscal n. 50588663, emitida contra o CNPJ do candidato em 02.10.2022, por FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA., CNPJ n. 13.347.016/0001-17, no valor de R$ 39.734,10, atinente a “conjuntos de inserção de anúncios na internet durante o mês setembro” (ID 45553945, fl. 6), bem como a demonstração de pagamentos que totalizam R$ 40.000,00 àquela empresa (IDs 45256234, 45256236, 45256283, 45256231, 45256250), de sorte que resta sem comprovação, por documento fiscal, a diferença de R$ 265,90.

A respeito do oferecimento de documentos fiscais para comprovar a realização de gastos com recursos públicos, dispõe o art. 53, inc. II, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

[…].

II - pelos seguintes documentos, na forma prevista no § 1º deste artigo:

[…].

c) documentos fiscais que comprovem a regularidade dos gastos eleitorais realizados com recursos do Fundo Partidário e com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), na forma do art. 60 desta Resolução;

 

É verdade que o art. 60 daquele estatuto, ao qual é feita a remissão, admite, em seu parágrafo primeiro, outros meios idôneos de prova dos gastos eleitorais. Contudo, no caso, nem sequer foram todos os boletos bancários acostados ao feito, sendo patente a ausência da documentação apresentada.

De qualquer sorte, o serviço de impulsionamento de conteúdo prestado pelo Facebook envolve a aquisição antecipada de créditos e posterior emissão de nota fiscal apenas após a realização do serviço, de modo que o pagamento via boletos não significa efetiva utilização dos recursos financeiros.

Nessa linha, o egrégio TSE já assentou que apenas documentos fiscais são capazes de comprovar gastos com impulsionamento de conteúdo:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS, COM DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. 1. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 63, § 1º, DA RES.–TSE Nº 23.553/2017. NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE FUNDAMENTOS DA DECISÃO MONOCRÁTICA. PRECLUSÃO. PRECEDENTE DO STJ. REITERAÇÃO DE FUNDAMENTOS. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 26 DO STJ. NEGADO PROVIMENTO.

[...].

5. "[...] o serviço de impulsionamento de conteúdo envolve compra antecipada e emissão de nota fiscal apenas após a realização do serviço, restrita ao quanto efetivamente prestado. Igualmente, é possível, em princípio, que os créditos não utilizados retornem ao usuário, no caso o candidato" (ED–AgR–REspe nº 0605584–40/SP, rel. Min. Sérgio Banhos, julgados em 3.2.2020, DJe de 6.3.2020).

5.1. Apenas com a apresentação da nota fiscal pode-se comprovar a efetivação do serviço de impulsionamento de conteúdo, motivo pelo qual não há falar em reforma do acórdão da Corte de Origem quanto ao ponto ora em análise.

6. Somente o cancelamento da nota fiscal é capaz de comprovar que os serviços não foram prestados ou que houve erro na emissão da nota fiscal pelo fornecedor, por se tratar de documento oficial que registra atividade comercial prestada por uma empresa.

7. Negado provimento ao agravo interno.

(TSE; AgR-AREspE n. 0605648-50.2018.6.26.0000/SP, Acórdão, Relator Min. Raul Araujo Filho, Publicação: DJE, Tomo 38, Data: 13.3.2023.) (Grifei.)

 

Portanto, deve ser glosado o valor de R$ 265,90, pago ao Facebook, por carecer de idôneo documento comprobatório da efetivação do serviço de impulsionamento, impondo-se o recolhimento da quantia aos cofres públicos, com esteio no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

III – Do Julgamento das Contas

Destarte, as irregularidades apuradas na análise da contabilidade, na módica quantia de R$ 454,90 (R$ 189,00 + R$ 265,90), equivalente a 0,21% do total arrecadado (R$ 210.550,00), não comprometem a integralidade do ajuste contábil, de sorte que, conforme a jurisprudência pacífica desta Corte, mostra-se cabível a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para que as contas sejam aprovadas com ressalvas.

Nada obstante, deve ser determinado o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, dos quais R$ 189,00 são devidos a título de recursos de origem não identificada e R$ 265,90 em razão da falta de comprovação na utilização de verbas do FEFC.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de LAERCIO ZANCAN, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 454,90, nos termos da fundamentação.