REl - 0600036-36.2022.6.21.0096 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/12/2023 às 14:00

VOTO

Da admissibilidade recursal

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

 

Dos documentos acostados ao recurso

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, puder sanar irregularidades e não houver necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos, como denota-se da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO. 1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. 2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS, RE n. 50460, Relator: Des. Eleitoral SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 25.01.2018, DEJERS: 29.01.2018, p. 4.) (Grifei.)

 

Por essas razões, conheço dos documentos acostados ao recurso (ID 45495789).

Mérito

No mérito, o PARTIDO DOS TRABALHADORES recorre contra a sentença que desaprovou as contas do exercício de 2021 no município de Cerro Largo, em razão de pagamento de despesa sem observância da forma prevista em lei.

Passo ao exame das irresignações.

 

Da ausência de recibos das doações originárias do Diretório Nacional do PT

A sentença apontou impropriedades relativas à não apresentação dos recibos das doações recebidas do Diretório Nacional do PT, o que constitui violação ao disposto no art. 11, III, da Resolução 23.604/2019.

Contudo, o Magistrado considerou tal vício como uma impropriedade, pois foi possível identificar a fonte dos recursos partidários por meio da análise do extrato bancário fornecido pelo TSE no SPCA (Sistema de Prestação de Contas anual).

Quanto a esse ponto, deve ser mantida a decisão recorrida, já que, embora identificada a fonte dos recursos, inafastável se mostra a violação à disposição trazida no art. 11, III, da Resolução 23.604/2019.

 

Das irregularidades relativas às despesas partidárias

Conforme constou na sentença, a unidade técnica solicitou a juntada das notas fiscais dos serviços contratados e das demais aquisições partidárias no exercício de 2021, as quais foram declaradas no Extrato de Prestação de Contas: R$ 1.070,00 em ativo permanente, R$ 446,50 em combustíveis, R$ 1.650,00 em serviços de contabilidade, R$ 550,00 em serviços jurídicos e R$ 500,00 em propaganda e publicidade.

De igual modo, foi requerida a juntada dos cheques que foram utilizados para pagamentos do partido político, os quais foram verificados por meio da análise do extrato bancário da conta-corrente 602168501, agência 587, do Banrisul, a saber: R$ 163,50 destinado para Mateus B Becker e Cia Ltda (01/03/2021), R$ 1.100,00 destinado para Camila Schlotefedlt (05/03/2021), R$ 500,00 destinado para a Gráfica e Jornal Gazeta Integração (06/04/2021), R$ 183,00 destinado para Mateus B Becker e Cia Ltda (01/07/2021), R$ 1.070,00 destinado para Lojas Becker Ltda (21/09/2021), R$ 100 destinado para Mateus B Becker e Cia Ltda (R$ 22/09/2021) e R$ 550,00 destinado para Camila Schlotefeld (23/09/2021).

Entretanto, o partido político, embora intimado, não apresentou as notas fiscais e os cheques.

Não obstante a desídia da agremiação, pela análise do extrato bancário da conta-corrente 602168501, agência 587, do Banrisul, foi possível à unidade técnica identificar com clareza os destinatários dos valores dos cheques: Mateus B Becker e Cia Ltda, posto de gasolina, a Gráfica e Jornal Gazeta da Integração, relativa aos gastos com propaganda e publicidade, Lojas Becker Ltda, relativo aos gastos com ativo permanente, Camila Schlotefeld, empresa de serviços contábeis.

Todavia, não foi possível esclarecer a destinação do cheque de R$ 550,00 pago em 18/10/2021, pois o extrato bancário da referida conta-corrente não apresenta o destinatário deste cheque, de modo que não se pôde presumir que se destinou ao pagamento de serviços jurídicos.

Tal como consignou o Magistrado sentenciante, registro que a não apresentação de notas fiscais afronta o disposto no art. 18, caput, da Resolução TSE 23.604/2019, bem como a não apresentação dos cheques utilizados nos pagamentos dos fornecedores de serviços e produtos constitui violação ao art. 18, §4º, da já mencionada Resolução.

No caso, embora por outros meios (análise dos extratos), foi possível à unidade técnica verificar a origem e destinação da maioria dos recursos utilizados pela agremiação no exercício de 2021, remanescendo, todavia, incerteza quanto ao gasto de R$ 550,00, pago em 18/10/2021, e declarado como referente à contratação de serviços jurídicos.

Em seu recurso, a agremiação reafirma que tal gasto foi realizado com serviços jurídicos. A fim de comprovar sua alegação, juntou recibo emitido por Juliane Ruwer (ID 45495795).

Entretanto, tal como bem ressaltado pelo douto Procurador regional Eleitoral em seu parecer (ID 45537680), o documento acostado ao recurso não supre a falha consistente na inobservância das formas de pagamento previstas na Res. TSE n. 23.604/2019, "ausente nos extratos bancários do partido a indicação de contraparte no gasto de R$550,00, realizado em 18.10.2021".

O pagamento de gastos por meio de cheques encontra disposição no art. 18, § 4º, da Resolução TSE 23.604/19, a qual regulamenta a prestação de contas partidárias.

Transcrevo a referida norma:

Art. 18. A comprovação dos gastos deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo, sem emendas ou rasuras, devendo dele constar a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou pela razão social, o CPF ou o CNPJ e o endereço, e registrados na prestação de contas de forma concomitante à sua realização, com a inclusão da respectiva documentação comprobatória.

§ 1º Além do documento fiscal a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral pode admitir, para fins de comprovação de gasto, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou de prestação efetiva do serviço;

III - comprovante bancário de pagamento; ou

IV - Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP) ou por declaração ou formulário obtido no Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial).

§ 2º Quando dispensada a emissão de documento fiscal, na forma da legislação aplicável, a comprovação da despesa pode ser realizada por meio de documentação que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou da prestação, a identificação do destinatário e do emitente pelo nome ou pela razão social, o CPF ou o CNPJ e o endereço.

§ 3º Os documentos relativos aos gastos com a criação ou a manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres devem evidenciar a efetiva execução e manutenção dos referidos programas, nos termos do inciso V do art. 44 da Lei nº 9.096/95, não sendo admissível mero provisionamento contábil.

§ 4º Os gastos devem ser pagos mediante a emissão de cheque nominativo cruzado ou por transação bancária que identifique o CPF ou o CNPJ do beneficiário, ressalvado o disposto no art. 19. (Grifei.)

 

Ou seja, a legislação de regência dispõe que as despesas devem ser comprovadas por documento fiscal idôneo ou qualquer meio idôneo de prova e, complementarmente, pagas por cheque nominativo cruzado ou por transferência bancária com identificação do CPF ou CNPJ do beneficiário.

No caso, o pagamento da despesa efetivou-se por cheque bancário, porém a parte não juntou aos autos cópia da cártula bancária, não sendo possível no caso a verificação de que se tratou de cheque nominativo cruzado.

Além disso, o extrato bancário constante nos autos não demonstra o destinatário do cheque relativo a essa despesa, prejudicada nessa parte a identificação do CPF ou CNPJ do beneficiário (ID 45495785).

Embora a parte tenha juntado aos autos o recibo de pagamento relativo à despesa, faltou comprovar o meio de pagamento exigido pela legislação. O recibo de pagamento não é suficiente, por si só, à comprovação da despesa eleitoral, devendo-se somar aos meios do §4º do art. 18 da aludida Resolução.

Volto a referir o bem-lançado parecer do ilustre Procurador Regional Eleitora, em especial no que diz respeito ao caráter complementar dos documentos comprobatórios de gastos, previsão contida no art. 18 da Res. 23.604/19:

Primeiro, tais documentos não possuem fé suficiente, uma vez que são de produção unilateral, ou, no máximo, bilateral, entre o partido e uma pessoa qualquer informada como fornecedor de serviço ou de bem, o que claramente pode dar margem a burlas mediante a entabulação de relações simuladas, com o intuito de encobrir o real destino dos valores.

Depois, porque os meios de pagamento previstos no art. 18, § 4º, são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta do partido, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

Com efeito, tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento dos valores, apontando-se, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Por outro lado, se os valores não transitam pelo sistema financeiro nacional, é muito fácil que sejam, na realidade, destinados a pessoas que não compuseram a relação indicada como origem do gasto partidário.

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pela Resolução TSE nº 23.604/2019 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto informado pela grei prestadora, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para o partido, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o partido contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi ele quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos da agremiação a partir do confronto dos dados pertinentes.

 

Portanto, tenho por manter a sentença também quanto a este ponto.

Por fim, tendo em vista que a irregularidade remanescente, no montante de R$ 550,00, representa 23,21% do total das receitas declaradas pela agremiação no exercício de 2021 (R$ 2.369,61), inviável, na espécie, a aplicação dos postulados da proporcionalidade e razoabilidade, razão pela qual a desaprovação das contas é o caminho que se impõe.

Diante do exposto, mantida a impropriedade relativa à não apresentação dos recebidos de doação, bem como a irregularidade na movimentação dos recursos partidários, VOTO pelo desprovimento de recurso do PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT DE CERRO LARGO, mantendo íntegra a sentença que desaprovou as contas do recorrente e determinou a devolução do valor de R$ 550,00 ao Tesouro Nacional, com base no art. 48 da Resolução TSE 23.604/2019.