REl - 0600303-51.2020.6.21.0072 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/12/2023 às 17:00

VOTO

Inicialmente, aponto que, com a peça recursal, a recorrente juntou documentos relativos a contratos de prestação de serviços e recibos dos prestadores (ID 44996592, 44996593, 44996594 e 44996595).

Por se tratar de documentação simples, pode ser conhecida nesta instância, uma vez que sua análise não demanda reabertura da instrução.

As irregularidades com o uso de dinheiro oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) referem-se a gasto com combustível, na quantia de R$ 100,00, e a pagamentos para prestadores de serviço de cabo eleitoral, na soma de R$ 1.500,00.

Para saneamento da falha com o pagamento dos prestadores, a recorrente juntou os referidos contratos e recibos, entretanto, não trouxe aos autos cópias dos cheques emitidos de forma que comprovasse seu preenchimento nominal e cruzado, os quais foram compensados sem a identificação do CPF do beneficiário no extrato bancário da conta do FEFC, conforme se verifica no DivulgaCandContas no endereço https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89630/210000741205/extratos.

Ainda que comprovada a contratação por meio dos documentos juntados, não assiste razão à recorrente ao apontar que a falha está sanada, seja porque o cheque não cruzado pode circular e ser descontado sem depósito bancário, seja porque não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, impedindo a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

Em relação ao gasto com combustível com recursos do FEFC, compulsando os autos, verifica-se que a candidata declarou em sua prestação de contas a despesa de R$ 100,00 no dia 12.11.2020, no entanto não foi emitida a respectiva nota fiscal, de modo a comprovar o dispêndio, como estabelece o art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Além disso, em consulta ao sítio DivulgaCandContas, verifica-se que foram registradas duas notas fiscais emitidas pelo posto de gasolina Figueira Centro Comércio e Derivados de Combustíveis Ltda. contra o CNPJ da candidata, para pagamento de combustível, na soma de R$ 377,90, retirada da conta “Outros Recursos”.

Em manifestação, após o relatório preliminar, a recorrente refere que o combustível relativo aos valores gastos foi utilizado em veículo próprio (ID 44996568 – p. 2), e, na peça recursal, a candidata alega que “Não há indícios de que a candidata tenha feito uso pessoal do veículo indicado. Dos registros de contas da candidata, percebe-se ter havido pessoa contratado à campanha, pessoas essas que faziam uso do veículo”.

De fato, consta no processo de registro de candidatura que a candidata possui dois veículos automotores (Proc. n. 0600133-21.2020.6.21.0059), todavia não há nos autos registro de carreatas ou relatório no qual conste o volume e o valor do combustível adquirido, conforme determina o art. 35, § 11 e seus incisos, da Resolução TSE n. 23.607/19, transcrevo:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):
…
§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

Embora o art. 60, § 4º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispense a cessão de automóvel de propriedade da candidata e de seu cônjuge para utilização em benefício da candidatura, permanece a obrigação de registro na prestação de contas da campanha.

A ausência do registro na prestação de contas infringe o art. 60, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.
§ 4º Ficam dispensadas de comprovação na prestação de contas: 
(…) III - a cessão de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha. 
§ 5º A dispensa de comprovação prevista no § 4º não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas os valores das operações constantes dos incisos I a III do referido parágrafo.

Ademais, verifica-se que o pagamento de combustíveis realizado pela candidata, tanto da conta do FEFC quanto da conta “Outros Recursos”, desrespeita o disposto no art. 35, § 6º, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual estabelece que não configura gasto eleitoral e não pode ser pago com recursos de campanha o valor despendido em combustível usado pelo candidato:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(…)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

Ainda que a recorrente tenha alegado o uso do veículo por terceiros, para considerar os gastos com combustíveis como gastos eleitorais, como requer a candidata, deveria ter sido atendido o que dispõe o art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual estabelece as condições em que o gasto havido com combustível durante a campanha será considerado gasto eleitoral, supracitado.

Portanto, a tese da recorrente de que o veículo de sua propriedade foi utilizado por terceiro em sua campanha, sem o devido registro, não a socorre, pois não há nos autos documento comprobatório da posse ou propriedade do veículo, nem da cedência do mesmo, permanecendo o apontamento da irregularidade.

Nesse mesmo sentido, a manifestação da douta Procuradoria Regional Eleitoral:

“Dessa forma, os recursos da campanha somente poderiam ter sido utilizados para o pagamento de despesas com combustíveis se o veículo a elas relacionado fosse objeto de cessão ou locação e tivesse sido devidamente declarado na prestação de contas.
Quanto ao automóvel de propriedade da candidata utilizado na campanha, as despesas com combustíveis são consideradas gastos pessoais, estando vedado o seu custeio com recursos da campanha na forma do art. 35, §6º, citado. ”

Em conformidade com o já decidido por este Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATO. VEREADOR. RECURSOS PRÓPRIOS APLICADOS EM CAMPANHA QUE SUPERAM O TETO PERMITIDO. DESPESA IRREGULAR COM COMBUSTÍVEL. VALOR IRRISÓRIO. MANTIDA A MULTA APLICADA. CORREÇÃO DE OFÍCIO. DESTINAÇÃO DA PENALIDADE AO FUNDO PARTIDÁRIO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.
1. Insurgência contra sentença que desaprovou a prestação de contas referente às eleições municipais de 2020, em razão do excesso de doação de recursos próprios, fixando multa equivalente a 100% da irregularidade, e de despesa irregular com combustível.
2. Extrapolação de recursos próprios. O art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, além de limitar as doações de pessoas físicas em 10% sobre seus rendimentos no ano anterior, condiciona o uso de recursos próprios do candidato até o mesmo percentual, calculado sobre o valor do teto de gastos estabelecido para o cargo em disputa. Tal regramento foi recentemente incluído pela redação da Lei n. 13.878/19, que acrescentou o § 2º-A ao art. 23 da Lei das Eleições. No caso dos autos, a norma restou descumprida.
3. Despesa eleitoral com combustível. Incontroverso o gasto eleitoral com combustível, demonstrado por meio de nota fiscal com CNPJ de campanha. Alegado uso de veículo próprio, adquirido por meio de contrato de compra e venda – acostado aos autos, mas não transferido junto ao órgão competente. O veículo em questão não foi declarado originariamente na prestação de contas. Assim, o caso concreto não se enquadra em nenhuma das hipóteses autorizativas previstas no § 11 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19 para o gasto de recursos eleitorais com combustíveis, permanecendo a falha assinalada.
4. A soma das irregularidades corresponde a 33,30% das receitas declaradas pela candidata, mas, em termos absolutos, ostenta valor irrisório, inferior à importância de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) adotada pela Corte Superior e por este Tribunal como uma espécie de "tarifação do princípio da insignificância", considerando a quantia o máximo absoluto entendido como diminuto.
5. A determinação de multa é consequência específica da extrapolação do limite de doação de recursos próprios para campanha estabelecido no § 4º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, sendo devida mesmo no julgamento pela aprovação das contas com ressalvas.
6. Correção, de ofício, de erro material na sentença quanto à destinação da penalidade de multa ao Tesouro Nacional, devendo ser recolhida ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), nos termos do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.
7. Provimento. Aprovação com ressalvas.
(Processo n. 0600399-90.2020.621.0064RE - Recurso Eleitoral n 060039990 - Ametista Do Sul/RS ACÓRDÃO de 18.11.2021 Relator FRANCISCO JOSÉ MOESCH - Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.)

Convém enfatizar que não se discute a boa-fé ou a má-fé do recorrente, e sim a observância das normas sobre finanças de campanha, assim como a transparência e a lisura da prestação de contas. Na hipótese, houve descumprimento das regras contábeis aplicáveis a todos os candidatos.

Assim, permanecem as irregularidades, no valor de R$ 1.977,90, que representam 67,68% das receitas declaradas (R$ 2.922,50), não sendo adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas, mesmo com ressalvas, pois as falhas são graves e comprometem de forma insanável a confiabilidade e a transparência da movimentação financeira.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a desaprovação das contas e a determinação do recolhimento da quantia de R$ 1.977,90 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.