REl - 0600021-67.2022.6.21.0096 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/12/2023 às 17:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar durante a instrução, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, sem necessidade de nova análise técnica, pode sanar irregularidades.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente o exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento das receitas auferidas e dos recursos aplicados, como denota-se da ementa abaixo colacionada:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. JUNTADA DE DOCUMENTAÇÃO NA FASE RECURSAL. POSSIBILIDADE. DOCUMENTAÇÃO SIMPLES. DESNECESSIDADE DE NOVA ANÁLISE TÉCNICA. MÉRITO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. JUNTADA DE NOTA FISCAL IDÔNEA. DESPESA DEMONSTRADA. AFASTADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas anuais do partido, exercício 2020, em razão de ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional e aplicada multa de 5% do valor irregular. 2. Conhecidos os documentos juntados com o recurso. Conforme pacífica jurisprudência desta Corte, a apresentação de novos documentos com o recurso, sobretudo na classe processual das prestações de contas, não apresenta prejuízo à tramitação do processo quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer, primo ictu oculi, as irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. O posicionamento visa, sobretudo, salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha e a celeridade processual e afastar excessivo formalismo. 3. Ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. A nota fiscal indicada é documento idôneo a demonstrar a despesa – a diferença é de ordem insignificante, um centavo, e foi emitida pela mesma empresa cujo pagamento parcial foi acolhido pela sentença. Existência apenas de falhas formais e de comprovações extemporâneas, de forma que as contas devem ser aprovadas com ressalvas. 4. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - REl: 06000861020216210060 PELOTAS - RS, Relator: Des. Afif Jorge Simoes Neto, Data de Julgamento: 20/07/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 135, Data 26/07/2023) Grifei.

 

Por essas razões, conheço dos documentos acostados com o recurso, consistentes em nota fiscal (ID 45495730), declaração (ID 45495729) e recibos de doação (IDs 45495727 e 45495728).

No mérito, trata-se de recurso interposto pelo DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de São Pedro do Butiá contra a sentença que desaprovou suas contas referentes ao exercício de 2021, com imposição de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 1.150,00 (ID 45495722).

Na origem, a unidade técnica, em seu parecer conclusivo, apontou que o órgão partidário, ainda que intimado, deixou de apresentar documentos, inclusive nota fiscal atinente aos serviços de contabilidade e cópia do cheque utilizado para efetuar tal pagamento, consoante excerto abaixo reproduzido (ID 45495712):

2 – Da identificação de impropriedades e irregularidades (art. 38. III e IV):

Inicialmente, o Relatório Preliminar de ID 114777388, o qual traz o Exame de Contas apresentado por esta unidade técnica, apontou que o partido político não apresentou o recibo da doação recebida pela Direção Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) e solicitou a juntada do referido documento aos autos. Nesse sentido, o órgão partidário, mesmo intimado, não apresentou o documento solicitado, o que acarreta violação do art. 11, III, da Resolução TSE 23.604/2019.

Além disso, o Exame de Contas solicitou a juntada da nota fiscal referente ao serviço de contabilidade contratado pelo partido político. Nessa esteira, constata-se que o partido político, mesmo intimado, não juntou o referido documento, o que viola o art. 18, caput, da Resolução TSE 23.604/2019.

Ademais, a unidade técnica também solicitou a juntada do cheque utilizado no pagamento da despesa com serviço de contabilidade, porém o órgão partidário também manteve-se inerte, gerando a violação do art. 18, §4º, da Resolução 23.604/2019.

Por fim, também foi solicitada a do instrumento de prestação de serviço da doação estimável em dinheiro de serviço jurídico, mas, novamente, o órgão partidário não atendeu a solicitação da unidade técnica, o que acarreta violação do art. 9, III, da Resolução 23.604/2019.

CONCLUSÃO

Encerrada a análise dos elementos da prestação de contas, esta unidade técnica apresenta parecer conclusivo.

Assim, com fundamento no resultado do exame aqui exposto, recomenda-se a desaprovação das contas partidárias, com base no art. 45, III, da Resolução 23.604/2019, uma vez que o partido político não atendeu a solicitação da juntada de documentos feitas pela unidade técnica, em Exame de Contas, o que acarretou prejuízo na transparência das movimentações financeiras do partido político em exame, especialmente em relação à destinação dos recursos partidários, já que o cheque para pagamento do serviço de contabilidade, segundo o extrato bancário fornecido pelo TSE, é destinado a Ricardo José Kramer, CPF 000.356.200-05, o qual possui profissão de mecânico de manutenção, segundo o Cadastro Eleitoral, conforme documento em anexo.

 

Em relação às impropriedades, o magistrado a quo considerou como meras falhas formais a falta de apresentação do recibo referente à doação de R$ 216,59, recebida do Diretório Nacional do PT, e a ausência de “instrumento de prestação de serviço da doação estimável em dinheiro referente aos serviços jurídicos”, tendo em vista que foram confirmadas por outros meios.

De seu turno, em razões recursais, o prestador de contas apresentou o recibo eleitoral referente aos recursos havidos do Diretório Nacional do PT apenas parcialmente preenchido (ID 45495727), bem como, igualmente, recibo eleitoral de doação estimável em dinheiro de serviços jurídicos (ID 45495727), e não o instrumento de prestação de serviços exigido pelo art. 9º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.604/19.

Desse modo, não merece reforma a sentença que considerou as referidas falhas como impropriedades formais, que não comprometem a regularidade das contas.

Por outro lado, o Juízo Eleitoral reputou como irregularidade o gasto de R$ 1.150,00, concernente à prestação de serviços de contabilidade, razão pela qual desaprovou as contas e determinou o recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional, conforme o seguinte fragmento da sentença (ID 45495722):

Por fim, a unidade técnica solicitou a apresentação da nota fiscal do serviço de contabilidade contratado pelo partido político, bem como o cheque utilizado no pagamento do referido serviço, porém a agremiação partidária, mesmo intimada para fazê-lo, não apresentou os referidos documentos, o que acarreta a violação do art. 18, caput, c/c art. 18, §4º, da Resolução 23.604/2019. Desse modo, resta caracterizada irregularidade que compromete a transparência da movimentação financeira do partido, já que o extrato bancário fornecido pelo TSE da conta corrente 213152, agência 679, indica que o beneficiário do valor de R$ 1.150,00 – indicado no Extrato de Prestação de Contas como destinado a pagar as despesas com serviços de contabilidade – foi Ricardo José Kraemer, CPF 000.356.200-05 o qual, segundo pesquisa no Cadastro Eleitoral, possui a profissão de mecânico de manutenção, o que não o torna apto para prestar serviços de contabilidade para o partido político aqui em análise. Portanto, há uma incongruência entre a declaração do partido político no SPCA (Sistema de Prestação de Contas Anual) e o extrato bancário fornecido pelo TSE, a qual não foi esclarecida pela agremiação partidária, mesmo tendo oportunidade nos autos para fazê-lo.

 

Com pertinência à irregularidade ensejadora da desaprovação do ajuste contábil e do comando de ressarcimento ao erário, no importe de R$ 1.150,00, tenho que a sentença merece reforma parcial.

No tocante ao ponto, houve a juntada da Nota Fiscal Eletrônica de Serviços – NFS-e n. 4517, no valor de R$ 1.150,00, emitida por OFFICE CONTABILIDADE E IMOBILIARIA BRIKEBOM EIRELI, CNPJ n. 11.229.600/0001-42, em 08.7.2021 (ID 45495730), de modo a superar parte das inconsistências descritas na sentença.

Ocorre que o cheque supostamente utilizado para pagamento da despesa foi compensado em favor de terceiro, Ricardo José Kraemer, o qual, segundo apurou o órgão técnico, possui a profissão de mecânico de manutenção.

Além do documento fiscal, o prestador juntou aos autos a declaração unilateral firmada pelo responsável da empresa contratada, atestando que recebeu o pagamento pelos serviços prestados, conforme nota fiscal n. 4517, por meio de cheque, o qual foi repassado para Ricardo José Kraemer (ID 45495729).

Em julgamentos envolvendo o presente tema, pontuei meu entendimento no sentido de que a ausência do cruzamento dos cheques não impediria, por si só, a comprovação dos gastos quando apresentados documentos hábeis e fidedignos, aptos a atestar os serviços e os pagamentos realizados, com a estrita vinculação dos cheques emitidos aos correspondentes contratos, também verificável a partir de eventual cadeia de endossos, sem trazer maiores prejuízos à análise das contas.

Destaco, nessa linha, julgado de 09.03.2023, nos autos do AREspEl n. 0600203-46.2020.6.10.0026, no qual o TSE ratificou o posicionamento no sentido de que, apesar da não observância do cruzamento dos cheques, dando ensejo ao saque por caixa, “não é o caso de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional se há comprovação da própria regularidade dos gastos” por meio da juntada de “notas fiscais, contratos de prestação de serviços, declarações e cópias de cheques” (TSE - AREspEl: 06002034620206100026 - MA, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 09/03/2023).

Em recente decisão monocrática, o eminente Ministro Raul Araújo reformou acórdão deste Tribunal Regional Eleitoral, pontuando que “a ausência de cruzamento de cheque emitido, os prestadores de contas lograram êxito em comprovar a regularidade da despesa por meio de documentação idônea, qual seja: (a) nota fiscal com descrição de aditamento contratual com o contador da campanha; e (b) microfilmagem do cheque nominal e endossado em favor do contratado” (TSE - REspEl: 06008217320206210029 SÉRIO - RS 060082173, Relator: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 03/11/2023).

No caso concreto, muito embora o candidato tenha encartado aos autos a nota fiscal e a declaração do fornecedor relativamente ao pagamento e circulação do cheque, tais documentos mostram-se insuficientes para comprovar o destino dos recursos, posto que não houve a juntada da cópia do referido cheque, de modo que não é possível aferir se restou efetivamente emitido nominal e/ou cruzado (art. 18, § 4º, da Resolução TSE n. 23.604/19), ou se ocorreu o endosso pelo fornecedor beneficiado.

Assim, a circunstância impede que seja afastada a irregularidade.

Nada obstante, em relação à ordem de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, há que se gizar que, como indicado no parecer conclusivo, “não houve o recebimento de recursos do Fundo Partidário” (ID 45495712).

Com efeito, de acordo com as informações constantes dos autos, o diretório municipal recorrente recebeu R$ 200,00 do órgão de direção nacional, mas a fonte declarada foi “Outros Recursos”, como se verifica do Demonstrativo de Doações Financeiras Recebidas (ID 45495680) e do Extrato da Prestação de Contas (ID 45495686), inclusive tendo a quantia ingressado na conta bancária destinada à movimentação de “Outros Recursos” do ora recorrente (ID 45495721).

Vale dizer: o valor empregado não ostenta natureza pública e não há discussão sobre a legitimidade e legalidade de sua origem, mas apenas quanto à regularidade de sua utilização.

Desse modo, a irregularidade na comprovação do gasto partidário não enseja a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, circunstância possível apenas nas hipóteses de recebimento de recursos de origem não identificada ou de fonte vedada e de malversação de recursos públicos, na linha da jurisprudência do egrégio TSE:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO FEDERAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. OMISSÃO. DESPESAS. AUSÊNCIA. RECURSOS DE FONTE VEDADA. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. USO INDEVIDO DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO OU DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). RECOLHIMENTO. TESOURO NACIONAL. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME. FATOS E PROVAS. SÚMULA 24/TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, manteve–se aresto do TRE/MA, em sede de contas de campanha de candidato ao cargo de deputado federal nas Eleições 2018, no sentido de não se determinar a devolução de recursos ao Tesouro Nacional.

2. O recolhimento de valores ao erário nos casos previstos nos arts. 34 e 82 da Res.–TSE 23.553/2017 – recursos de fonte vedada, de origem não identificada e uso indevido de verbas do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) – não se aplica de modo automático quando omitidas despesas no ajuste contábil, exigindo-se prova efetiva da ocorrência de uma dessas hipóteses. Precedentes, dentre eles o AgR–REspEl 0602233-06/MA, Rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 27/11/2020.

3. Na espécie, o TRE/MA limitou–se a assentar a omissão de despesas pelo candidato, ausentes provas da incidência de uma das hipóteses contidas nos arts. 34 e 82 da Res.–TSE 23.553/2017.

4. Conclusão em sentido diverso demandaria reexame de fatos e provas, providência inviável em sede extraordinária, nos termos da Súmula 24/TSE.5. Não se conhece do pedido para se desaprovar o ajuste contábil, que não foi objeto do recurso especial, tratando–se de indevida inovação de tese. Precedentes.6. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE; RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060161124, Acórdão, Relator(a) Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE, Tomo 43, Data 10.3.2021). Grifei.

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO FEDERAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. OMISSÃO DE GASTOS. ORIGEM DE RECURSOS OMITIDOS. NÃO COMPROVAÇÃO. REEXAME.

SÍNTESE DO CASO

1. O Tribunal Regional Eleitoral aprovou com ressalvas as contas de campanha do agravado, candidato a deputado federal, referentes às Eleições de 2018, não tendo determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor glosado em face somente da omissão de gastos eleitorais de campanha.

ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL

2. O Ministério Público reitera a tese de que a devolução dos recursos ao erário é consequência legal da utilização de valores de fontes vedadas ou de origem não identificada, a teor do art. 24, § 4º, da Lei 9.504/97 e do art. 34 da Res.–TSE 23.553.

3. Da leitura dos arts. 34 e 82 da Res.–TSE 23.553, extrai–se a obrigatoriedade de devolução de valores ao Tesouro Nacional nos casos de recursos recebidos de fonte vedada, recursos de origem não identificada e de não comprovação da utilização indevida de recursos recebidos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

[...].

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE; RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060145451, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE, Tomo 243, Data 24.11.2020). Grifei.

 

Logo, impositivo o afastamento da ordem de recolhimento do montante ao Tesouro Nacional, embora com a manutenção do julgamento pela desaprovação das contas.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO por conhecer os documentos acostados com o apelo e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar a determinação de recolhimento de R$ 1.150,00 ao Tesouro Nacional, mantida a desaprovação das contas.