REl - 0600851-33.2020.6.21.0054 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/12/2023 às 17:00

VOTO

Da admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Das questões preliminares arguidas em contrarrazões

Eminentes Colegas.

Em contrarrazões, os recorridos LUIZ ARMANDO TAFFAREL e PAULO CEZAR QUEVEDO (ID 45486061) sustentam a inadequação de via eleita, sob o argumento de que o rito da ação de investigação judicial eleitoral apenas é aplicável para verificação dos ilícitos de abuso do poder político ou econômico e/ou uso indevido dos meios de comunicação social, afirmando que a captação ilícita de sufrágio deve ser averiguada em ação criminal própria. Ainda, argumentam que devem ser desentranhadas as provas pertinentes a conversas ilegalmente gravadas, em que os interlocutores não eram candidatos ou partes nesta ação.

Na linha de precedente desta Corte, o “conhecimento das preliminares trazidas em contrarrazões deve ficar condicionado ao provimento do recurso principal, o que seria hábil a fazer surgir o interesse em recorrer, sob pena de admitir, mesmo em tese, a possibilidade de reforma da sentença em prejuízo da única parte que recorreu” (Recurso Eleitoral n. 060000135, Acórdão, Relatora Des. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 2, Data 10.01.2023).

Além da barreira constante no precedente, na hipótese, a cumulação de pedidos em AIJE, no caso, abuso e art. 41-A da Lei n. 9.504/97, é plenamente viável, sobretudo considerando se tratar de eleições municipais, pois o juízo eleitoral exerce sozinho a jurisdição eleitoral (GOMES, José Jairo. Direito eleitoral – 16. ed. – São Paulo: Atlas, 2020). Ademais, em relação à nulidade suscitada, concernente a supostas conversas ilegalmente gravadas, a alegação é genérica e sequer especifica os diálogos que seriam ilícitos ou sua influência no convencimento judicial.

Assim, as preliminares não devem ser conhecidas.

 

Mérito

Trata-se de recurso eleitoral interposto pelos Diretórios Municipais de Fontoura Xavier do PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT, do PROGRESSISTAS – PP e do PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO – PSB contra a sentença exarada pelo Juízo da 54ª Zona Eleitoral - Soledade/RS (ID 45486047), que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral – AIJE proposta pelos recorrentes em face de LUIZ ARMANDO TAFFAREL e PAULO CEZAR QUEVEDO, candidatos eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito de Fontoura Xavier nas eleições 2020, ao entendimento de que as provas produzidas nos autos não são aptas a comprovar os ilícitos eleitorais apontados na peça vestibular (ID 45486047).

A alegação da exordial, em síntese, teve por fundamento quatro fatos, quais sejam: 1) doação de gasolina a eleitores para fins de captação de votos; 2) arrecadação ilegal de recursos para campanha; 3) entrega de tubos e construção de bueiros em troca de obtenção de votos; e 4) doação de materiais de construção a eleitor com propósito eleitoral.

Pois bem, a Lei Complementar n. 64/90, ao disciplinar o rito aplicável à ação de investigação judicial eleitoral, assim dispõe:

Art. 19. As transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo Corregedor-Geral e Corregedores Regionais Eleitorais.

Parágrafo único. A apuração e a punição das transgressões mencionadas no caput deste artigo terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

[…]

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

[...]

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010). 

 

A AIJE é, portanto, demanda de natureza cível com caráter jurisdicional, que tem o objetivo de apurar a prática de abuso de poder econômico, abuso de poder político ou de autoridade e o uso indevido dos meios de comunicação social.

As causas de pedir da ação são conceitos jurídicos indeterminados, aos quais a jurisprudência, em especial do Tribunal Superior Eleitoral, tem definido os contornos.

No que respeita especificamente ao abuso de poder econômico, é necessário que a conduta abusiva tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso, concretizando ações ilícitas ou anormais, das quais se denote o uso de recursos patrimoniais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente, que extrapolem ou exorbitem, no contexto em que se verificam, a razoabilidade e a normalidade no exercício de direitos e o emprego de recursos com o propósito de beneficiar determinada candidatura, provocando a quebra da igualdade de forças que deve preponderar no âmbito da disputa eleitoral.

Nessa linha, José Jairo Gomes, em relação à aptidão para haver a responsabilidade eleitoral decorrente da lesão do bem jurídico protegido pela norma, menciona:

Em tal cenário, desponta a responsabilidade eleitoral, a qual se encontra comprometida essencialmente com a proteção dos bens constitucionalmente tutelados, ou seja, a legitimidade, a lisura e a normalidade do processo eleitoral, a higidez do pleito, a isonomia da disputa, a veraz representatividade. É mister que a ocupação dos postos político-governamentais se dê de forma lícita, honesta, autêntica, devendo o povo, exercendo sua liberdade, realmente manifestar sua vontade e determinar o rumo de sua história e de sua vida coletiva, ou seja, se autogovernar

Assim, para que seja responsabilizado, não é necessário que o réu realize, ele mesmo, as ações consideradas ilícitas e abusivas. Pouco importa a perquirição de aspectos psicológicos (como dolo ou culpa) dos infratores e beneficiários das condutas ilícitas. E mais: não é necessário provar-se o real, efetivo, ferimento aos bens e interesses protegidos, pois esse resultado é presumido. Partindo da ideia de proporcionalidade, contenta-se a lei com a potencialidade ou o risco de dano aos bens constitucionalmente protegidos – e não poderia ser diferente porque, quando a conduta ilícita visa influenciar o voto, o segredo de que este é revestido impossibilita averiguar se houve efetiva e real influência.

(Direito eleitoral – 14. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2018)

 

Segundo Zilio (Direito Eleitoral – 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. Páginas 557-558):

Caracteriza-se o abuso de poder econômico, na esfera eleitoral, quando o uso de parcela do poder financeiro é utilizada indevidamente, com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta ou reflexa, na disputa do pleito. Pode-se configurar o abuso de poder econômico, exemplificativamente, no caso de descumprimento das normas que disciplinam as regras de arrecadação e prestação de contas na campanha eleitoral (v.g., arts. 18 a 25 da LE).

 

São institutos abertos, não sendo definidos por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir práticas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A quebra da igualdade no pleito está vinculada à gravidade da conduta capaz de alterar a simples normalidade das campanhas, sem a necessidade da demonstração de que sem a prática abusiva o resultado das urnas seria diferente.

Nessa linha, antes de adentrar propriamente na análise do caso dos autos, anoto que o recorrente argumentou que o “resultado das eleições foi de 25 votos de diferença entre os candidatos, ou seja, apenas treze votos seriam suficientes para alterar o resultado das urnas”. Na hipótese, tal argumento não seria suficiente para amparar as pretensões do recorrente, mas registro, por pertinente, a manifestação dos recorridos sobre o ponto (ID 45486061):

[…] o fato de a eleição do ano 2020 em Fontoura Xavier apresentar diferença de poucos votos, 25 votos mais precisamente, apenas espelha situação que já ocorre há diversos pleitos. A título de exemplificação, em 2008, o próprio Sr. José Flávio Godoy da Rosa, cujo partido patrocina esse feito, ganhou a eleição por 36 votos; em 2016, novamente o Sr. José Flávio venceu por 22 votos e, agora, foi derrotado por 25 votos. Haveriam então as eleições em que o candidato do partido insurgente também sido eivadas de abuso de poder econômico? Como é de conhecimento deste próprio Juízo, os pleitos eleitorais em Fontoura Xavier são historicamente acirrados, disputados no que popularmente se chama de “voto a voto”, sendo que tal fato se reflete nas urnas, o que por si só desmonta a tese de desequilíbrio no pleito em razão de abuso de poder econômico, em virtude da diferença de votos. Logo, não há que se falar que o resultado dessa ínfima diferença é resultado de abuso de poder econômico, mas sim de equilíbrio político vindo de muitos pleitos.

Em prosseguimento, a captação ilícita de sufrágio está assim descrita na Lei das Eleições:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto.

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação.

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.

 

Para esse ilícito eleitoral, é necessária a participação do candidato beneficiado, ou ao menos seu conhecimento, em qualquer das condutas previstas no dispositivo legal mencionado e ocorridas entre a data do registro de candidatura e a eleição, bem como o dolo específico, consistente na intenção de obter o voto do eleitor.

Nessa linha, colaciono julgado do Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41–A DA LEI 9.504/97. PAGAMENTO EM TROCA DE VOTOS. TRANSPORTE DE ELEITORES. BOCA DE URNA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. MULTA.

(...)

MÉRITO.

CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41–A DA LEI 9.504/97. CONFIGURAÇÃO. OFERTA DE TRABALHO REMUNERADO E TRANSPORTE GRATUITO DE ELEITORES NO DIA DA ELEIÇÃO EM TROCA DE VOTO. ANUÊNCIA DO CANDIDATO. COMPROVAÇÃO.

6. No mérito, nos termos do art. 41–A da Lei 9.504/97, "constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter–lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive".

7. Conforme jurisprudência desta Corte Superior, para se configurar a captação ilícita de sufrágio, é necessária a presença dos seguintes elementos: (a) prática de qualquer das condutas previstas no art. 41–A; (b) o dolo específico de obter o voto do eleitor; (c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; e (d) a participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado, concordância ou conhecimento dos fatos que caracterizam o ilícito.

(…)

(RO n. 060186731, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 230, Data 14.12.2021). Grifei.

 

Ainda em relação à captação ilícita de sufrágio, o TSE consolidou posicionamento no sentido de que a configuração da prática demanda atenção a alguns requisitos, cumulativamente: “(a) capitulação expressa da conduta no tipo legal descrito no art. 41–A da Lei nº 9.504/1997; (b) realização da conduta no período eleitoral; (c) prática da conduta com o especial fim de agir, consubstanciado na vontade de obter o voto do eleitor ou de grupo determinado ou determinável de eleitores; (d) existência de conjunto probatório robusto acerca da demonstração do ilícito, considerada a severa penalidade de cassação do registro ou diploma” (RO n. 0603024-56.2018.6.07.0000/DF, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 215, Data 26.10.2020).

Com essa contextualização normativa e jurisprudencial, necessária em razão da cumulação de alegações de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico, passo ao exame da moldura fático-probatória.

O juízo a quo, acolhendo o parecer ministerial de ID 45486045, julgou improcedente a demanda, fundamentando-se no entendimento de que as provas apresentadas nos autos não possuem aptidão para comprovar os ilícitos eleitorais apontados na petição inicial.

Os recorrentes, por sua vez, sustentam que os ilícitos perpetrados pelos recorridos estão devidamente demonstrados nos autos por meio de provas, consubstanciadas em “vales-gasolina”, notas fiscais de compra de gasolina em nome do recorrido, conclusão de inquérito policial, perícias judiciais, veiculações de rádio municipal, publicação em rede social, conversa de WhatsApp, notas fiscais e depoimentos testemunhais.

Sem razão.

Da minuciosa análise do acervo probatório, constato que, de fato, não há elementos sólidos e robustos aptos a embasar a procedência da ação de investigação judicial eleitoral, sendo irretocável a sentença proferida pelo juízo de singular instância.

Em relação à doação de gasolina a eleitores e suposta prática de captação ilícita de sufrágio, ainda que reste incontroverso o fato de que o combustível foi adquirido pelo recorrido Paulo Cesar Quevedo, os depoimentos de Roberto Muniz Garcia (ID 45486006), Leonardo Mattielo (ID 45486008) e Mithcello Cigolini (ID 45486010), todos funcionários do posto onde a compra foi realizada, indicaram que o combustível foi direcionado para uso exclusivo do comprador e seus familiares, não havendo conhecimento sobre a entrega de vales aos eleitores com o intuito de obter votos.

Por sua vez, os papéis grafados como “vale-combustível” e notas fiscais, desprovidos de identificação do destinatário e sem comprovação da finalidade específica de obtenção de voto, não permitem concluir que a distribuição dos vales teve como objetivo a captação ilícita de sufrágio, em detrimento de simples atos de campanha entre correligionários.

No caso, embora a jurisprudência não exija a identificação do eleitor como requisito para a configuração do ilícito descrito no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, sendo suficiente que seja identificável, a omissão dos nomes dos supostos cooptados reclamou a demonstração inequívoca do elemento volitivo específico por parte dos recorridos, consubstanciado na vontade de obter o voto de eleitores, não bastando apenas a comprovação da aquisição e distribuição dos combustíveis, ônus do qual não se desincumbiram os recorrentes.

Com efeito, a ausência de comprovação do fim específico de agir impede o rigoroso juízo de reprovabilidade da conduta, sobretudo porque, na esteira da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, eventual distribuição de combustível a eleitores, que tenha por fim viabilizar atos de campanha, como carreatas, comícios, reuniões e não angariar o voto do eleitor, não configura a hipótese prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Confira-se:

ELEIÇÕES 2008. AGRAVO REGIMENTAL. CAPTAÇÃO DE SUFRÁGIO. ABUSO DE PODER. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEL PARA C A R R E A T A . A U S Ê N C I A D E P E D I D O D E V O T O S . I M P R O C E D Ê N C I A D A REPRESENTAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. O entendimento desta Corte firmou-se no sentido de que a prática de distribuição de combustível a eleitores, visando à participação em carreata, somente configurará captação ilícita de sufrágio se houver, conjuntamente, pedido explícito ou implícito de votos. Precedentes.

2. Conforme assentado na decisão agravada, ao contrário do que afirmado no voto condutor do decisum regional, mesmo que demonstrado o caráter eleitoreiro da doação de combustíveis, faz-se necessária a aferição da potencialidade do ato em influir no resultado da eleição para a configuração do abuso de poder econômico, de acordo com a jurisprudência desta Corte Eleitoral.

3. Não infirmados os fundamentos da decisão agravada, impõe-se a aplicação do Enunciado 182 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE - AgR-AI: 11434 RJ, Relator: Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Data de Julgamento: 07.11.2013, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 29, Data: 11.02.2014, Página 36-37)

 

Na mesma linha é o entendimento desta Corte:

RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS. REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DE PODER ECONÔMICO. EXPEDIENTE DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. REUNIÃO DOS FEITOS. JULGAMENTO CONJUNTO. CANDIDATOS ELEITOS AO PLEITO MAJORITÁRIO. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA E DECADÊNCIA. AFASTADAS. MÉRITO. INFRAÇÃO AOS ARTS. 30-A E 41-A DA LEI N. 9.504/97. FORNECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS EM TROCA DE VOTOS. SIMULAÇÃO DE DOAÇÕES PARA O PAGAMENTO DE DESPESAS COM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. OMISSÃO DE RECURSOS E DESPESAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATURA. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS. APLICAÇÃO DE MULTA. REALIZAÇÃO DE NOVAS ELEIÇÕES. ART. 224 DO CÓDIGO ELEITORAL. NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS.

1. Insurgência contra sentenças exaradas em Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE, em representação por captação e gastos ilícitos de recursos e em representação por captação ilícita de sufrágio, processos aos quais se encontra ainda associado expediente de Produção Antecipada de Provas, todos referentes a candidatos eleitos ao pleito majoritário nas eleições de 2020. Julgamento conjunto.

2. Recurso Eleitoral do Ministério Público Eleitoral na Representação n. 0600524-21.2021.6.21.0044, julgada improcedente por insuficiência de provas. Irresignação ao argumento de haver elementos probatórios demonstrando o fornecimento, pelo prefeito reeleito e pelo vice, de cargo público para eleitora em troca de seu voto e de seus familiares. A captação ilícita de sufrágio somente se aperfeiçoa quando alguma das ações típicas elencadas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 (doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor ou, ainda, praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), cometidas durante o período eleitoral, estiver, intrinsecamente, associada ao objetivo específico de agir do agente, consubstanciado na obtenção do voto do eleitor. A ausência de qualquer um desses vetores integrativos conduz, inevitavelmente, ao juízo de improcedência da demanda. No caso dos autos, diante da ausência de influência na vontade livre do eleitor e na inexistência de outras provas que comprovem o objetivo de captar o voto ilicitamente, impõe-se a manutenção de improcedência da ação. Ademais, a contratação de cargos em comissão é exceção à conduta vedada prevista no art. 73, inc. V, da Lei das Eleições, o que reforça a ausência de proibição da contratação. Desprovimento.

(...)

6. Provimento negado aos recursos.

(Recurso Eleitoral n. 060052421, Acórdão, Relator(a) Des. DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 14.10.2022)

 

De outra banda, os resultados do Inquérito Policial de número 0600123-17.2021.6.21.0054 (ID 45485936 e seguintes) também não socorrem os recorrentes, pois, além de não terem sido submetidos ao contraditório judicial, as conclusões da autoridade policial foram no sentido de que “não houve comprovação da materialidade e autoria do oferecimento de vantagens e/ou recebimento de vantagens em troca de votos, pois não se identificou eleitores favorecidos”.

Sobre o referido expediente, é digno de nota observar a peculiaridade de que foram investigadas as condutas dos candidatos de ambas as chapas que concorreram à eleição majoritária no Município de Fontoura Xavier/RS, alicerçadas nas mesmas denúncias, relacionadas à distribuição de combustível na campanha eleitoral.

Não obstante, embora seja incontestável a aquisição e distribuição de combustível por parte do recorrido, a ausência de elementos probatórios robustos que demonstrem a inequívoca intenção de direcionar o voto dos eleitores impede a formação do juízo condenatório, com as severas consequências previstas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Em prosseguimento, é frágil a tese de captação ilícita de sufrágio mediante a entrega de tubos e construção de bueiro na localidade de Canga Quebrada.

Conforme já referido, para configuração da captação ilícita de sufrágio exige-se prova robusta acerca da inequívoca anuência do candidato com as condutas perpetradas pelos supostos aliados, não bastando meras presunções, consoante jurisprudência pacificada pelo Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. RENOVAÇÃO. PREFEITO E VICE–PREFEITO. AIJE. CAPTAÇÃO ILÍCITA. ART. 41–A DA LEI 9.504/97. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. PROVA TESTEMUNHAL. FRAGILIDADE. SÚMULA 24/TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, manteve–se aresto do TRE/RN no qual se absolveram os agravados, eleitos aos cargos de prefeito e vice–prefeito de Guamaré/RN em novas eleições ocorridas por força do art. 224 do Código Eleitoral, por se entender não comprovada a compra de votos (art. 41–A da Lei 9.504/97).

2. Conforme o art. 41–A da Lei 9.504/97, constitui captação ilícita de sufrágio o candidato – diretamente ou por terceiros – doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem de qualquer natureza a eleitor com o fim de obter–lhe o voto.

3. Para se caracterizar o ilícito, exige-se prova robusta acerca da inequívoca anuência do candidato com as condutas perpetradas, não bastando meras presunções. Precedentes desta Corte Superior e doutrina sobre o tema.

4. Na espécie, a base fática diz respeito à suposta oferta de vantagens (promessas de emprego, curso, cimento, exame médico e dinheiro) em troca de votos, conduta que teria sido em tese realizada por terceiro – ex–prefeito – em prol dos agravados.

5. Na linha do aresto do TRE/RN e do parecer ministerial, não há nos autos nenhum elemento probatório que denote especificamente que os agravados teriam de qualquer forma anuído, direta ou indiretamente, com a suposta prática ilícita.

6. A Corte a quo consignou a deficiência do conjunto probatório, considerando que a gravação ambiental contém trechos inaudíveis não submetidos a exame técnico e, ainda, que as provas testemunhais não eram indubitáveis – pelo contrário, há mais dúvidas do que certezas.

7. No aresto regional, reportou–se a trecho do parecer ministerial naquela instância no sentido de que, "diante da impossibilidade de compreender, com segurança, o que foi dito pelos interlocutores no início do diálogo gravado, não há como saber se as promessas de benesses partiram espontaneamente de Jose da Silva Câmara ou se foram induzidas por José Wilson da Silva e Sérgio Antônio da Silva".

8. Ainda de acordo com o TRE/RN, há nos autos o testemunho de Euclides da Fonseca, no sentido de que Sérgio Antônio da Silva detinha evidente interesse de que a coligação adversária saísse vitoriosa. Isso porque, segundo se assentou, "Sérgio, filho de José Wilson, justamente os responsáveis pela gravação ambiental, ocupava um cargo comissionado na prefeitura então administrada interinamente pela vereadora Diva Maria de Araújo, a qual fazia parte do grupo político do candidato Mozaniel e apoiou abertamente a candidatura deste durante as eleições suplementares de 2018. Diante da existência dessa aliança de interesses político–eleitorais entre José Wilson, Sérgio, Diva e Mozaniel, deve–se tomar os depoimentos dos dois primeiros (pai e filho) com muito mais cautela".

9. De outra parte, não se pode extrair o suposto consentimento dos agravados pelo simples fato de existir vínculo político entre o promitente dos benefícios ilícitos e os candidatos integrantes da chapa majoritária. A esse respeito, esta Corte Superior já se manifestou inúmeras vezes no sentido de que "mera afinidade política não implica automática ciência ou participação de candidato na prática do ilícito, sob pena de se transmudar a responsabilidade subjetiva em objetiva" (REspe 817–19/SP, redator para o acórdão Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 25/2/2019).

10. Em resumo, o quadro fático dos autos não é determinante quanto à anuência dos agravados com a suposta prática ilícita de compra de votos, cuja condenação – por acarretar a gravosa pena de perda do diploma – demanda a existência de conjunto probatório sólido.

11. Para alterar a valoração das provas, seria necessário o reexame dos autos, vedado pela Súmula 24/TSE.12. Agravo interno a que se nega provimento.

(REspEl n. 11015, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 61, Data 07.4.2021.) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. AIJE. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. IMPROCEDÊNCIA NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. AUSÊNCIA DE PROVAS. PRETENSÃO DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ACÓRDÃO REGIONAL EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO TSE. INCIDÊNCIA DOS ENUNCIADOS SUMULARES Nºs 24 E 30 DO TSE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

1. Na espécie, o TRE/SE concluiu que não há provas da suposta prática de captação ilícita de sufrágio nem de eventual participação, direta ou indireta, dos candidatos investigados no cometimento de ilícito dessa natureza.

2. Alterar a conclusão do Tribunal de origem quanto à ausência de provas da prática ilícita demandaria, necessariamente, o reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado pelo Enunciado nº 24 da Súmula do TSE.

3. O acórdão regional está em conformidade com a jurisprudência desta Corte, na linha de que"[...] a aplicação das sanções previstas no art. 41-A da Lei das Eleicoes exige prova robusta de que o candidato participou de forma direta, com a promessa ou a entrega de bem em troca do voto, ou, de forma indireta, com ela anuiu ou contribuiu, não bastando meros indícios e presunções"(AgR-AI nº 517-74/SP, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 22.8.2019, DJe de 24.9.2019).

(...).

5. Agravo interno não provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 61521, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Data 24.06.2020.) Grifei.

 

No caso, não vislumbro nenhum elemento que evidencie a participação direta ou indireta, expressa ou implícita, dos recorridos nos fatos relacionados à entrega de tubos e construção de bueiro na localidade de Canga Quebrada, sendo insuficiente a mera demonstração de afinidade ideológica entre aliados políticos sem a inequívoca comprovação da anuência dos candidatos, sob pena de violação aos postulados da responsabilidade subjetiva.

Nesse mesmo sentido são as conclusões exaradas no parecer do Ministério Público Eleitoral em primeira instância (ID 45486045):

Outro ato apontado como irregular pelos representantes, por configurar supostamente captação ilícita de sufrágio, foi a construção de um bueiro em via pública da localidade Canga Quebrada, situada no município de Fontoura Xavier. Mencionam que a obra foi custeada pelo vereador Algemiro Pinheiro, do PDT, aliado político dos representados.

Assim, a despeito do caráter público da obra, esta teria sido realizada por custeio do particular em troca da obtenção de votos dos eleitores da região. Instruiu a representação com capturas de tela extraídas de redes sociais, além de mídia em vídeo em que um interlocutor, suposto morador da localidade, informando ter sido realizada a obra pelo mencionado edil.

Da própria narrativa dos fatos descritos na inicial, não se extrai, nem mesmo em tese, a participação dos investigados no ato.

Convém observar, no ponto, que a participação direta ou o assentimento, expresso ou implícito, dos candidatos com o ato que constitui a captação ilícita de sufrágio deve ser devidamente demonstrada pela prova dos autos nos casos de infração de tipicidade fechada (art. 41-A da Lei nº 9.504/97), em conta da responsabilidade subjetiva exigida pela jurisprudência da corte eleitoral Superior, não caracterizando-se a concordância pela simples afinidade ideológica entre os responsáveis, em tese, pela captação, e os candidatos colateralmente beneficiados.  (…)

 No caso em tela, não havendo qualquer notícia de pacto prévio ou de autorização, implícita ou explícita, dos investigados para a prática do ato - cuja ocorrência, ou não, sequer é discutida -, não se vislumbra a possibilidade de responsabilização por possível captação ilícita de sufrágio em relação aos candidatos à majoritária, considerando que, para tanto, seria necessária a existência de prova robusta que comprovasse a participação direta ou anuência dos candidatos, o que não se tem no caso em epígrafe.

(...)

 

Da mesma forma, inexistem elementos probatórios suficientes para configurar a captação ilícita de sufrágio por meio da doação de materiais de construção ao eleitor Vilmar de Moraes dos Santos.

Apesar de terem sido juntadas mídias contendo áudios e vídeos, o irmão do suposto beneficiário dos materiais de construção, Sr. Vanderlei Morais Ferreira, ouvido em juízo (ID 45486018), declarou que os produtos foram fornecidos pela assistência social, em razão do contexto de vulnerabilidade enfrentado pelo Sr. Vilmar de Moraes dos Santos, sem qualquer envolvimento, direto ou indireto, dos então candidatos ao pleito municipal.

Essa versão foi ratificada por meio do ofício de ID 45486020, em que a administração pública municipal informa que foi realizada a “doação de cumeeira, parafuso, telha e madeira para o Senhor Vilmar Ferreira, sendo adquirido na Madeireira Rampanelli”.

Referido ofício, acompanhado das notas fiscais, somado ao depoimento do irmão do aparente beneficiário e às declarações dos recorridos levantando incertezas sobre a saúde mental do Sr. Vilmar, impedem a conclusão de que o recebimento desses materiais pelo eleitor Vilmar de Moraes dos Santos teve como contrapartida seu voto.

Por fim, a tese de arrecadação ilegal de recursos, fundamentada exclusivamente em uma mídia na qual o recorrido Paulo Cezar Quevedo, em entrevista à rádio local, expressa gratidão pelas contribuições recebidas, por si só, não é suficiente para demonstrar o abuso de poder econômico.

Os recorrentes não comprovaram, sequer indicaram nos autos, quais foram as contribuições recebidas pelos recorridos e não declaradas à Justiça Eleitoral, bem como não apresentaram nenhum elemento, ainda que indiciário, de quem seriam os supostos patrocinadores da campanha dos recorridos. A argumentação é restrita a percepções pessoais dos recorrentes, extraídas de entrevista a rádio local, na qual o candidato agradece o apoio que recebeu da população, sem qualquer suporte fático-probatório.

Na hipótese, a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral sedimentou entendimento de que a procedência da ação de investigação judicial eleitoral demanda provas robustas dos ilícitos perpetrados, com a demonstração de gravidade apta a macular a lisura do pleito, não podendo ser fundamentada em meras conjecturas ou presunções, como ocorrido nos autos (Ac. De 6.8.2015 no REspe n. 32944, rel. Min. Luiz Fux).

Com efeito, ante a fragilidade do acervo probatório apresentado nos autos para comprovar a captação ilícita de sufrágio e o abuso de poder econômico, de forma a atrair a incidência das gravosas sanções previstas nos art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e art. 22 da LC n. 64/90, correta a sentença que julgou improcedente a ação.

Nesse mesmo sentido é o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

(...)

Com efeito, as consequências jurídicas da infração descrita no artigo 41-A da Lei n° 9.504197 e no artigo 22 da Lei Complementar nº 64/1990 são definitivamente graves, sendo que a prova do ilícito deve ser precisa, contundente e incontestável, sem a existência de contraindícios, a abalar ou neutralizar dubiedade das conclusões a serem extraídas, não sendo bastantes, para tanto, meras presunções, como ocorrido na espécie.

A vontade popular, refletida nos votos obtidos pelos candidatos demandados, portanto, deve prevalecer sobre a dúvida quanto à manipulação dessa vontade por meio do abuso de poder, em face do princípio "in dubio pro sufragium".

Diante do exposto, entende-se que deve ser desprovido o recurso eleitoral, mantendo-se na íntegra a sentença de improcedência. (Grifo nosso)

Destarte, em conformidade com a manifestação ministerial, impõe-se a manutenção da sentença que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral, diante da debilidade probatória quanto aos requisitos exigidos para a caracterização da captação ilícita de sufrágio e do abuso de poder econômico.

 

ANTE O EXPOSTO, voto pelo conhecimento e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença a quo na sua íntegra, nos termos da fundamentação.

É o voto.