REl - 0600601-03.2020.6.21.0053 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/12/2023 às 17:00

VOTO

Da admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Da preliminar de ausência de litisconsórcio passivo necessário

No caso dos autos, a petição inicial imputou a ARMANDO MAYERHOFER, Vice-Prefeito e candidato ao cargo de Prefeito no Município de Sobradinho/RS nas eleições 2020, IVAN TREVISAN, candidato ao cargo de Vice-Prefeito, e LUIZ AFFONSO TREVISAN, que exercia o cargo de Prefeito por ocasião dos fatos, a utilização da máquina pública, com a realização de conduta vedada e abuso de poder político. A imputação estaria relacionada à doação, distribuição, transporte e descarregamento de brita produzida no Britador Municipal, a fim de favorecer os dois primeiros demandados, ferindo a igualdade de oportunidades dos candidatos e a lisura e legitimidade das eleições.

Nas razões de recurso, os demandados afirmam que os fatos apurados estariam relacionados ao Secretário de Obras do Município, Olandir Bernardy, que seria o agente público responsável pelas condutas e que não foi indicado como réu na inicial, de forma que o polo passivo não foi adequadamente composto.

A tese não pode ser acolhida, visto que o atual posicionamento da jurisprudência eleitoral se fixou no sentido de inexigibilidade da formação de litisconsórcio entre o candidato beneficiário e o agente público eventualmente envolvido na conduta vedada.

Nesse sentido, a partir das eleições 2018, o Tribunal Superior Eleitoral, analisando a exigência de formação de litisconsórcio passivo em AIJE que investigava abuso de poder político, assentou que seria dispensável a formação de litisconsórcio entre os agentes públicos responsáveis pela conduta ilícita e os que se beneficiaram com tal prática, haja vista a ausência de expressa disposição legal, bem como pelo fato de que a relação jurídica de direito material, nesses casos, dispensa que seja dada idêntica solução para todos os envolvidos (RO–El n. 0603030–63/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 10.6.2021, DJe de 3.8.2021).

Na mesma linha, recentemente, aquele Tribunal, analisando situação que envolvia servidor que agiu como mandatário e candidato, também fixou que “servidor público, com atribuições técnico–funcionais para gerir e atualizar o sítio eletrônico da prefeitura, age como mero mandatário, situação na qual o litisconsórcio não é indispensável à validade do processo” (Recurso Ordinário Eleitoral n. 060313397, Acórdão, Relator Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 65, Data 12/04/2023).

Este Tribunal Regional Eleitoral já firmou a mesma compreensão em precedente, conforme se observa na seguinte ementa:

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AIJE. ELEIÇÕES 2020. MAJORITÁRIA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. AUSENTE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. PRELIMINAR DE PRECLUSÃO CONSUMATIVA NÃO ACOLHIDA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. MÉRITO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL QUANTO À NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO. APLICABILIDADE DA JURISPRUDÊNCIA AO CASO. REFORMA DA SENTENÇA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA INSTRUÇÃO. PROVIMENTO.

[...]

3. Feito precipitadamente extinto na origem em decorrência de não formação de litisconsórcio passivo necessário. Firmada jurisprudência no sentido de não mais ser essencial a formação do litisconsórcio passivo necessário entre candidato beneficiado e autor da conduta ilícita em sede de AIJE por abuso de poder político. Retorno dos autos ao juízo a quo para instrução do feito e aferição dos fatos.

4. Improcedente a alegação defensiva quanto à inaplicabilidade da jurisprudência referenciada aos casos envolvendo possíveis condutas vedadas. Inexistência de tal ressalva no precedente evocado. Fundamentação utilizada para alteração jurisprudencial aplicável ao caso. Possibilidade de verificação de abuso de poder, após a instrução, nos fatos aduzidos.

5. Reforma da sentença que extinguiu o feito sem resolução de mérito e retorno dos autos à origem para instrução.

6. Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 060079022, Acórdão, Relator(a) Des. KALIN COGO RODRIGUES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 11/02/2022)

 

O presente caso é semelhante aos precedentes. O Secretário de Obras do Município de Sobradinho, na hipótese, é mero executor da conduta vedada.

No ponto, transcrevo trecho do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, de lavra do Dr. José Osmar Pumes (ID 45440349), que bem analisou a situação dos autos:

[...] uma vez delimitada a ação com a imputação de responsabilidade dos atos de distribuição de brita ao então Prefeito, é desnecessária a inclusão na lide do Secretário de Obras do Município, pois se trata de agente meramente executor da atividade. E o entendimento da jurisprudência do TSE, como acima indicado, é no sentido de que não há litisconsórcio passivo necessário na hipótese de meros executores de ordens (REspe n. 57.611, Rel. Min. Tarcísio Vieira De Carvalho Neto, DJe 16.04.19).

 

Assim, considerando que o Prefeito do Município de Sobradinho/RS foi arrolado como réu e que o Secretário de Obras era mero executor das supostas condutas ilícitas, não há qualquer irregularidade na formação do polo passivo. Não sendo o caso de litisconsórcio passivo necessário, a preliminar deve ser rejeitada.

 

Da alegação de nulidade da sentença por julgamento extra petita

Os recorrentes argumentam que, na medida em que o Ministério Público Eleitoral assumiu o polo ativo da ação, sua manifestação em alegações finais, postulando tão somente a aplicação de multa, seria o limite do pedido no processo, de forma que a sentença proferida teria extrapolado pedido certo e determinado do titular da ação. O mesmo se daria em relação à inelegibilidade declarada, pois a condenação alcançou pessoa que seria apenas beneficiária da conduta.

A fim de examinar a tese, anoto que a presente ação foi proposta pela COLIGAÇÃO SOBRADINHO PODE MAIS (40-PSB/45-PSDB/14-PTB/11-PP) e pelos Diretórios Municipais do PROGRESSISTAS, do PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO e do PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO contra ARMANDO MAYERHOFER, IVAN TREVISAN e LUIZ AFFONSO TREVISAN, narrando o cometimento de 09 (nove) fatos supostamente ilícitos e postulando “a procedência da pretensão desta Ação, com a cassação do registro, diploma ou mandato dos Primeiro e Segundo Réus e declaração de inelegibilidade de todos os Réus, nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar n.º 64/90, e demais medidas legais cabíveis” (ID 45203015).

Durante a instrução, as partes convencionaram a desistência da ação (ID 45203102) e o Ministério Público Eleitoral assumiu então o polo ativo da demanda (ID 45203115). Em alegações finais, o Parquet eleitoral postulou a procedência da ação de investigação judicial eleitoral, para que fossem reconhecidos a prática de conduta vedada e o abuso de poder pelos demandados, com a aplicação da pena de multa (ID 45203248).

A sentença proferida nos autos (ID 45203251) reconheceu a prática de 3 (três) fatos que configurariam a conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, que proíbe a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, ressalvados os casos de calamidade pública ou de programas sociais autorizados por lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, impondo multa.

O magistrado também entendeu que a série de fatos narrados pelo representante constituiu indubitável abuso de poder político, capaz de abalar a lisura do processo eleitoral e a igualdade esperada entre os concorrentes do pleito com gravidade suficiente para justificar a sanção mais severa, e a reincidência em condutas da espécie demonstrou a prática corriqueira do ilícito, presente a gravidade que autorizaria a imposição de cassação dos diplomas e inelegibilidade.

É contra a segunda parte da decisão que os recorrentes se insurgem, alegando que o pedido do Ministério Público Eleitoral em alegações finais – apenas fixação de multa – teria estabelecido os limites da lide.

A alegação não se sustenta.

Não há nulidade da sentença por julgamento ultra petita, pois as sanções fixadas na sentença recorrida são aquelas expressamente previstas em lei para as condutas claramente narradas na inicial. Dito de outro modo, as penalidades questionadas pelos recorrentes são decorrência natural do reconhecimento do abuso de poder.

Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral publicou a Súmula n. 62, a qual afirma que “Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor”.

Ainda que o Ministério Público Eleitoral atribuísse definição diversa aos fatos, sua manifestação não alteraria os limites do pedido. O mesmo pode se dizer do pedido contido em alegações finais, que sequer teria aptidão para vincular o provimento judicial em relação aos ilícitos eleitorais.

Ademais, os fatos apurados na ação são aqueles indicados na inicial e não podem ser alterados, seja para acrescentar condutas, seja para suprimir pedidos, pelo Parquet ao assumir a condução do feito por desistência do autor, sobretudo quando já operada a decadência.

Assim, considerando que os fatos foram delineados na inicial e que a sentença recorrida manteve congruência com aquelas condutas ali narradas, não há qualquer vício ou nulidade a ser reconhecida na decisão a quo, motivo pelo qual rejeito também esta preliminar.

 

Mérito

Eminentes Colegas.

Trata-se da análise de recurso interposto por ARMANDO MAYERHOFER, IVAN TREVISAN e LUIZ AFFONSO TREVISAN contra a sentença que impôs aos recorrentes inelegibilidade, pelo prazo de 08 (oito) anos subsequentes às eleições de 2020, e multa individual de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), assim como determinou a cassação dos diplomas de IVAN e ARMANDO, eleitos, respectivamente, para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito de Sobradinho no referido pleito.

Pois bem.

A alegação da petição inicial é de que a distribuição de material de construção (brita) e a realização de serviços conexos pela municipalidade no período eleitoral configuraria abuso de poder e conduta vedada.

A Lei Complementar n. 64/90, ao disciplinar o rito aplicável à ação de investigação judicial eleitoral, indica os ilícitos eleitorais que podem ser averiguados nas demandas dessa natureza, nestes termos:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

 

A AIJE é, portanto, demanda de natureza cível com caráter jurisdicional, que tem o objetivo de apurar a prática de abuso de poder econômico, abuso de poder político ou de autoridade e o uso indevido dos meios de comunicação social.

As causas de pedir da ação são conceitos jurídicos indeterminados, aos quais a jurisprudência, em especial do Tribunal Superior Eleitoral, tem definido os contornos.

Em especial, “o abuso de poder político, de que trata o art. 22, caput, da LC 64/90, configura-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade da disputa e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros” (RO n. 172365/ DF – Rel. Min. Admar Gonzaga – j. 07.12.2017 – DJe 27.02.2018).

Na espécie, também se examina a configuração da conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei das Eleições, que assim dispõe:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

 

O doutrinador José Jairo Gomes elucida a proximidade existente entre as condutas vedadas e o abuso de poder político ou de autoridade, mencionando também a possibilidade de que se reconheça a prática de condutas vedadas sem que se perfectibilize o abuso de poder com gravidade para comprometer o pleito. Vejamos:

Entre as inumeráveis situações que podem denotar uso abusivo de poder político ou de autoridade, o legislador destacou algumas em virtude de suas relevâncias e reconhecida gravidade no processo eleitoral, interditando-as expressamente. São as denominadas condutas vedadas, cujo rol encontra-se nos artigos 73 a 78 da Lei nº 9.504/97. Trata-se de numerus clausus, não se admitindo acréscimo no elenco legal. Sobretudo em razão de seu caráter sancionatório, as regras em apreço não podem ser interpretadas extensiva ou ampliativamente, de modo a abarcar situações não normatizadas.

[...]

O que se impõe para a perfeição da conduta vedada é que, além de ser típico e subsumir-se a seu respectivo conceito legal, o evento considerado tenha aptidão para lesionar o bem jurídico protegido, no caso, a igualdade na disputa, e não propriamente as eleições como um todo ou os seus resultados.

(Direito eleitoral – 14. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2018)

 

Pois bem.

Em relação às condutas vedadas, dos 09 (nove) fatos narrados na inicial, a sentença reconheceu a existência de 03 (três), indicando ser impositiva a sanção de multa prevista no art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97. Colho a análise realizada na sentença quando ao ponto (ID 45203251):

2.2 Da Prática de Condutas Vedadas

Em primeiro lugar, constata-se que os fatos 01, 03, 05, 06 e 08 narrados na Petição Inicial (ID 26070388), não restaram devidamente comprovados, uma vez que, além da sua narração genérica, as provas documentais e testemunhais produzidas não puderam individualizar os supostos beneficiários da distribuição de brita. No caso do fato 09, conforme opinou o próprio Representante da ação, trata-se de fato que em tese beneficiou apenas o Prefeito Municipal na época, e que foge da seara eleitoral.

Contudo, em relação os fatos 02, 04 e 07 da inicial não apenas são validados pelas provas carreadas aos autos, como efetivamente configuram a prática de condutas vedadas pela Lei 9.504/1997, no art. 73, § 10, que proíbe a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, ressalvados os casos de calamidade pública ou de programas sociais autorizados por lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

Na sua defesa, os Investigados sustentam que a distribuição das cargas de brita se deu em razão de políticas públicas previstas na Lei 4.171/2015, que trata sobre a promoção de serviços de terraplanagem, aterro, transporte de terras e de materiais de construção pela Prefeitura, e na Lei 4.831/2017, que dispõe acerca do uso dos serviços municipais de britagem para fomento e incentivo do setor agrícola. Porém, conforme restou demonstrado através das testemunhas ouvidas em audiência, a descarga de brita e uso das máquinas da Prefeitura ocorreram sem a observância dos requisitos e ritos exigidos pela própria legislação municipal.

Com efeito, os fatos 02 e 04 narraram a distribuição de britas nas propriedades de Odinei Antônio Foletto e Cezar Roque Zorzi, que, na audiência de instrução, aduziram que receberam o material através de simples solicitação ao Secretário Municipal de Obras, Olandir Bernardy, sem apresentação de qualquer documento de suas empresas, ou qualquer formalização através de contrato.

Ouvido em audiência, Olandir Bernardy confirmou a distribuição de britas aos beneficiários sem qualquer formalização de pedido, ou entrega de documentos, para comprovar atendimento aos requisitos da Lei Municipal nº 4.171/15. Conforme os arts. 4º, 5º e 6º, da aludida lei, as empresas a serem beneficiadas por serviços de terraplanagem ou materiais de construção e similares devem atender a uma série de requisitos, e a concessão dos incentivos depende de aprovação por parecer e de instrumento contratual.

Ou seja, ocorreu a distribuição individualizada de bens – cargas de britas – aos empresários e eleitores acima nominados, de forma irregular, sem a observância das formalidades previstas em lei, de forma a beneficiar os candidatos ora Investigados, integrantes da mesma coligação que participava do governo municipal em 2020.

Merece também ter a irregularidade reconhecida o fato 07, que, conforme foi descrito, trata da distribuição de brita na propriedade de Marcelo Lazzari, autorizada diretamente pelo Prefeito da época, Luiz Trevisan.

Conforme aduzido pelo próprio Marcelo em audiência, a descarga de brita foi solicitada diretamente ao Prefeito Municipal, pedido que foi atendido de imediato, sob a pretensa justificativa de compensar dano provocado no terreno particular pelo maquinário municipal.

De outro lado, o demandado Luiz Affonso Trevisan admitiu o fato, mas defendeu-se alegando que havia lei autorizativa do suposto incentivo a proprietários rurais – a Lei Municipal nº 4.381/17. Contudo, o art. 1º da referida lei condiciona a concessão de serviços de britagem pelo Município ao custeio de parte dos custos dos serviços pelo produtor rural. E, conforme o ex-prefeito e a testemunha ouvida, não houve o recolhimento de valores por parte de Marcelo como contraprestação pela máquina utilizada – rolo compressor.

Assim, não restam dúvidas de que houve a prestação gratuita de bens e serviços ao eleitor, em desacordo com a legislação municipal, com o intuito de beneficiar os candidatos representados nas Eleições Municipais.

Os fatos acima narrados estão solidamente comprovados pelas diversas fotos, vídeos e documentos juntados aos autos, anexos à Petição Inicial da ação (ID 25709674 a 26222868), e foram corroborados pelas testemunhas ouvidas em audiência, que não só confirmaram sua ocorrência como forneceram elementos para concluir que a distribuição de britas ocorreu ao arrepio da lei municipal.

Além disso, a documentação acostada aos autos pela Prefeitura Municipal (planilhas e notas de empenho nos docs. 105849368 a 105866954) não se revela suficiente para conferir a legalidade dos fatos verificados, uma vez que não houve observância do devido processo administrativo, em conformidade com os requisitos e documentos exigidos pela legislação municipal.

Portanto, os elementos constantes nos autos demonstram que houve a entrega gratuita de material e serviços de britagem a eleitores e empreendimentos em ano eleitoral, por ordens diretas do Secretário de Obras ou do Prefeito, o que se enquadra na vedação do art. 73, § 10, da Lei 9504/971. Ficou, também, demonstrado, que a distribuição de bens se deu fora das hipóteses autorizadas pela Lei das Eleições, uma vez que não houve estado de calamidade ou de emergência que a justificasse, nem o cumprimento dos requisitos previstos em lei municipal para a concessão de serviços de transporte de materiais de construção e britagem.

Nesse sentido, a previsão de condutas vedadas pela legislação eleitoral busca tutelar a igualdade entre os candidatos, estabelecendo limites à Administração Pública para garantir a continuidade dos serviços públicos sem que isso importe em benefício desmedido aos candidatos à reeleição.

Por isso que o dispositivo legal citado não condiciona o ilícito à finalidade eleitoral do serviço ou distribuição de bens, pouco importando se o benefício é condicionado ao voto do eleitor ou mesmo se é acompanhado de propaganda eleitoral. Para ser irregular, basta que ocorra a entrega de bens pela Administração no ano eleitoral sem a existência de lei instituindo o programa, ou, como no caso em tela, de forma ilegal, em absoluto desacordo com o que dispõe a legislação municipal, mediante simples ordem do Prefeito ou Secretário Municipal de Obras.

[...]

Portanto, conforme o que foi demonstrado acima, ficou comprovada a prática de condutas vedadas, sendo impositiva a sanção de multa prevista no art. 73, § 4º, da Lei 9504/97.

 

Em seu recurso, apesar de negarem a prática de condutas vedadas, os recorrentes reconhecem que a distribuição de brita não observou os requisitos previstos na legislação municipal e afirmam que a entrega do material em questão atendeu à finalidade social, sem buscar benefício eleitoral. As normas municipais são reputadas burocráticas, constituindo empecilho para que a Prefeitura atenda às demandas dos cidadãos e empresas. Vejamos (ID 45203258):

A inicial foi embasada em 09 supostos fatos. A ação tramitou e, após as investigações, o MP apresentou alegações finais afirmando ter havido a comprovação de apenas 03 fatos.

Requereu então tão somente a aplicação de multa tendo em vista que, na sua visão, não se justificaria a aplicação da sanção de cassação dos diplomas em razão da ausência de gravidade das condutas.

O fato é que as condutas cometidas pelos ora recorrentes não possuem potencialidade lesiva e não foram praticadas com má-fé ou com intuito de angariar apoio ao pleito eleitoral.

É bem verdade que os trâmites impostos pelas duas legislações municipais (4.171/2015 e 4.381/17) não foram rigorosamente cumpridos, contudo, há que se ater à finalidade social engajada na entrega de britas, não aos eleitores, pois não possuía nem resquício de finalidade eleitoreira, mas, sim, aos empresários e aos munícipes.

[…]

A falta de atendimento de todas as formalidades impostas pelas legislações se dava pelo fato da urgência das demandas e, até mesmo porque os requisitos insculpidos nas leis municipais dificultavam o atendimento aos munícipes. As formalidades, talvez pela má-redação da norma, são de uma burocracia tamanha que demoraria meses para que algum cidadão fosse atendido. Esses requisitos impedem o atendimento rápido e preciso do cidadão e acaba por barrar a finalidade social da norma.

Mas o fato, nobres julgadores, que precisa ser evidenciado é de que existia e existe legislação que autoriza a distribuição das britas com vistas a auxiliar a implementação e o fortalecimento dos comércios locais. Não há que se falar em ausência de norma ou ilegalidade. O que se evidencia de todos os depoimentos é que todas os atendimentos aos cidadãos cumpriram a finalidade da legislação.

[…]

Além disso, é imperioso que se diga que o município, os projetos, as empresas, não podem parar nos três meses que antecedem o pleito, quiçá no ano eleitoral e, como disse o Sr. Odinei não havia época para que as pessoas fossem bem atendidas pela prefeitura.

[…]

Mais uma vez, é imperioso dizer que, em que pese os requisitos da legislação não tenham sido cumpridos rigorosamente, nenhuma das condutas foi cometida com má-fé ou com caráter eleitoreiro. A finalidade foi cumprida. A prefeitura não pode parar, as empresas não podem parar.

Aliás, é de se dizer que eventuais erros no cumprimento da legislação municipal deveriam ser investigados em outra seara. A presente ação impetrada possui o mais puro caráter eleitoreiro. Isso ficou comprovado com a desistência da ação pelos autores iniciais.

Jamais houve, fora do período eleitoral, qualquer denúncia. Os depoimentos são claros, todos eles demonstram que a entrega de incentivo aos comércios locais por meio do fornecimento de brita sempre foi feita da mesma maneira, sempre cumpriu a finalidade que era e é auxiliar os cidadãos e os comerciantes, incentivando o comércio e a produção local. (Grifos meus)

 

Pois bem, ocorre que o § 10 do art. 73 da Lei das Eleições objetivamente proíbe a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública no ano em que se realizar eleição. A vedação é excepcionada nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

Em se tratando do disposto no art. 73 da Lei das Eleições, não se faz necessário verificar se houve finalidade eleitoral nas condutas ou quem foram os beneficiários, visto que a norma procura evitar a utilização da máquina pública de forma ampla.

Na hipótese, com três casos descritos na sentença, houve a distribuição gratuita de bens e a legislação municipal que poderia amparar o procedimento adotado pela municipalidade não foi observada.

Ainda que o funcionamento do Britador Municipal estivesse sendo fiscalizado pelo Ministério Público em inquérito civil desde 2017, a legislação eleitoral impõe vedação específica no ano eleitoral e as exceções contidas na norma devem ser interpretadas literalmente. Ademais, o mencionado procedimento apenas expõe as dificuldades em controlar a produção e a distribuição da brita produzida no equipamento adquirido pelo município, em nenhum momento legitimando as entregas de material descritas nestes autos (ID 45203259).

Logo, a sentença deve ser mantida em relação ao reconhecimento da configuração das condutas vedadas.

Em prosseguimento, anoto que a segunda parte da sentença reconhece a existência de abuso de poder político “capaz de abalar a lisura do processo eleitoral e a igualdade esperada entre os concorrentes do pleito com gravidade suficiente para justificar a sanção mais severa”, no caso, cassação dos diplomas e inelegibilidade. A decisão também explicita a motivação para fixação do valor das multas e o julgador pondera a reincidência com que as condutas ilícitas são praticadas no município, a aquisição de maquinário para a produção de brita no ano eleitoral e o potencial dano considerando a realidade local, restando assim redigidas suas considerações (ID 45203251):

2.3 Da Pena de Cassação do Diploma

Relativamente à pena de cassação de registro ou diploma, verificada ante prática de abuso de poder político no período eleitoral, a opinião do Ministério Público Eleitoral foi pelo não aplicação da pena de cassação do diploma, por entender que a pena de multa seria proporcionalmente suficiente.

Contudo, com a devida vênia, entendo que a série de fatos narrados pelo Representante constitui indubitável abuso de poder político, capaz de abalar a lisura do processo eleitoral e a igualdade esperada entre os concorrentes do pleito com gravidade suficiente para justificar a sanção mais severa.

Em um primeiro momento, a proporção das ilicitudes efetivamente comprovadas em relação ao número extenso de fatos narrados na petição inicial, conforme as provas produzidas nos autos, podem mesmo induzir à opinião de que a gravidade das condutas vedadas é menor do que foi inicialmente imputada. No entanto, também devem ser pesadas a reincidência com que as condutas ilícitas são praticadas há anos bem como o potencial dano delas dentro da realidade desta Zona Eleitoral.

Com efeito, o Sobradinho é um Município pequeno, com população estimada em mais de 15.000 habitantes, conforme dados do IBGE, e o total de 11443 eleitores, consoante o banco de dados e informações do TRE/RS. Nesse contexto, a prática de atos de favorecimento individualizado de eleitores, alguns deles empresários, durante a época do pleito, certamente acarreta mais consequências do se fossem perpetrados em uma cidade grande.

Conforme já afirmado acima, houve distribuição de material obtido da britadeira municipal, através de maquinário da prefeitura, bens públicos, de uma cidade com recursos orçamentários certamente mais limitados devido a seu porte, para donos de empreendimentos comerciais, que em regiões de população menor costumam possuir grande poder de influência.

Além disso, o fato de a distribuição do material ter ocorrido em ano eleitoral, sem observância dos requisitos da legislação municipal, por ordem direta do Prefeito e do Secretário Municipal de Obras, em um contexto de completa irregularidade, evidencia de maneira contundente o caráter puramente eleitoreiro da conduta do governante da época. Não fosse assim, não teria havido o incremento da produção de brita, através da compra de novo britador, em pleno ano eleitoral, conforme oportunamente lembrou o MPE (ID 108969274).

E, acerca dos efeitos dessa prática instrumentalizada de condutas ilícitas, a sua gravidade é atestada não apenas pelo seu potencial lesivo à regularidade das eleições em um Município pequeno, como também pelo resultado do pleito, que, como é fato notório, terminou com a eleição dos Representados aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito de Sobradinho.

Ademais, não há como olvidar que os requeridos Luiz Affonso Trevisan e Armando Mayerhofer foram condenados pelo aumento da distribuição de britas no ano das Eleições Municipais de 2016, em Sobradinho, no Acórdão do Recurso Eleitoral da AIJE nº 507-46.2016.6.21.0053, ajuizada perante este mesmo Juízo, o que mostra o uso da britadeira municipal para fins eleitorais é prática corriqueira dos Demandados ao longo dos anos que participaram da administração municipal.

No caso narrado acima, foi imposta a condenação de multa, pela prática de conduta vedada, em sede de recurso eleitoral. Segue a ementa do caso: [...]

Mesmo com a imposição da sanção pelo Tribunal Regional Eleitoral, os requeridos Luiz Trevisan e Armando Mayerhoffer reincidiram na prática das condutas vedadas, o que denota não apenas um descaso com a legislação eleitoral e o poder judiciário eleitoral, mas também o uso do aparelho estatal municipal como instrumento de favorecimento eleitoral, colocando os candidatos da coligação/partido em proeminente vantagem em relação aos concorrentes no pleito.

Então, é evidente que houve uso indevido da máquina pública pelo Prefeito Luiz Trevisan para favorecer a campanha dos candidatos de seu partido, Ivan Solismar Trevisan e Armando Mayerhofer, em claro desvio de finalidade da atividade estatal e afronta aos princípios dos art. 37 da CRFB. Nesse contexto, resta configurada a prática de abuso de poder político.

Previsto nos arts. 14, § 9º, da CF, 237 do Código Eleitoral, e 22, caput, da Lei Complementar nº 64/1990, o abuso de poder político consiste no mau uso do poder estatal, de maneira ilegítima, por agente público, com a finalidade de influenciar o comportamento dos cidadãos por ocasião das eleições. Conforme a lição de José Jairo Gomes:

O abuso de poder político pode ser considerado uma forma de abuso de poder de autoridade, pois ocorre na esfera público-estatal sendo praticado por autoridade pública. Consubstancia-se no desvirtuamento de ações ou atividades desenvolvidas por agentes públicos no exercício de suas funções. A função pública ou a atividade da Administração estatal é desviada de seu fim jurídico-constitucional com vistas a condicionar o sentido do voto e influenciar o comportamento eleitoral de cidadãos.

[…]

É intuitivo que a máquina administrativa não pode ser colocada a serviço de candidaturas no processo eleitoral, já que isso desvirtuaria completamente a ação estatal, além de desequilibrar o pleito- ferindo de morte a isonomia que deve permear as campanhas e imperar entre os candidatos – e fustigar o princípio republicano, que repudia tratamento privilegiado a pessoas ou classes sociais.

E como restou demonstrado, as condutas que são objeto da presente AIJE, além de serem vedadas pela Lei nº 9.504/97, constituem abuso de poder político por parte dos Representados, de inegável gravidade, através do uso organizado e sistemático do Estado – ou melhor dizendo, da Prefeitura – com a finalidade de conferir vantagem na disputa eleitoral em detrimento de outros candidatos, influenciar de forma imoral e ilícita a vontade do eleitor, e, por fim, ferir a honestidade esperada do processo eleitoral.

A caracterização de condutas iguais ou semelhantes ao do caso em tela como abuso de poder e afirmação de sua gravidade, apta a ensejar a cassação de registro ou de diploma, é seguida na jurisprudência da Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul, inclusive pelo egrégio TRE: [...]

Ante todo o exposto, considerando a gravidade dos fatos, entendo ser impositiva a sanção de cassação do diploma dos Representados eleitos em 2020 para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito de Sobradinho, respectivamente, Armando Mayerhoffer e Ivan Solismar Trevisan, bem como a cominação da inelegibilidade de todos os requeridos, em conformidade com o art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990.

2.4 Das Sanções Pecuniárias

Conforme já fundamentado, caracterizada a prática de condutas vedadas nos fatos narrados 02, 04 e 07, se impõe a sanção do art. 73, § 4º, da Lei 9504/97, descrita no dispositivo como “multa no valor de cinco a cem mil UFIR”, disposição atualizada pela Resolução TSE 23.610/19 (art. 83, § 4º) nos valores de “R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais), sem prejuízo de outras sanções de caráter constitucional, administrativo ou disciplinar”.

Para a fixação da multa por condutas vedadas, o entendimento majoritário na jurisprudência eleitoral tem sido de que deve ser considerada a repercussão do fato praticado, a gravidade da conduta, e a capacidade econômica do infrator, conforme se vê a seguir: [...]

Nesse diapasão, conforme já referido acima, os Representados já foram condenados pela prática de condutas vedadas nas Eleições Municipais de 2016, no Processo RP nº 507-46.2016.6.21.0053, no qual foi imposta multa em sede de Recurso Eleitoral. Dentre os vários fatos que foram objeto da Representação, motivou a condenação o aumento da produção e distribuição de brita no ano eleitoral, o que denota a reincidência dos Representados nos atos ilegais.

Também não pode ser ignorado que os demandados tiveram vitória no pleito municipal e foram empossados nos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, o que demonstra provável influência dos atos ilícitos no resultado das eleições.

Por fim, conforme declarações de bens apresentadas pelos candidatos nos processos de Registros de Candidatura para as Eleições de 2016, (RRC nº 0600254-67.2020.6.21.0053 e 0600255-52.2020.6.21.0053), Armando Mayerhofer declarou patrimônio de R$ 368.859,38, e Ivan Trevisan apresentou R$ 516.882,31 de bens declarados, o que demonstra a capacidade econômica avantajada dos réus.

Assim, considerando a gravidade e repercussão da conduta e a capacidade econômica dos representados, entendo razoável que a multa deva ser fixada no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Outrossim, tendo em vista a reincidência dos demandados na prática dos atos ilícitos, com fulcro no art. 73, § 6º, da Lei 9504/978 e na jurisprudência do TSE, duplico a sanção imposta, impondo aos Representados o recolhimento, individual, de multa pela prática de condutas vedadas no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).

 

Ainda que deva ser reconhecida a preocupação do juiz eleitoral com a reiteração das condutas da espécie, tornando os fatos apurados nos autos corriqueiros, e o descaso com o Poder Judiciário, a manutenção da decisão esbarra em precedente recente desta Corte.

O julgamento do Recurso Eleitoral n. 060050711, de relatoria do Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, fixou que “as entregas de um carregamento de areia e outro de brita” a um casal “não teriam gravidade suficiente para afetar a legitimidade e normalidade do pleito, porquanto atrairiam um benefício eleitoral ínfimo aos investigados, falecendo por completo o fundamento para a imposição de inelegibilidade”. Tratava-se do Município de Santa Cecília do Sul, com 1.674 eleitores, que, proporcionalmente, se assemelha ao caso dos autos.

Confira-se a ementa que resumiu o julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL CUMULADA COM REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROCEDENTE. PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA E ROMPIMENTO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL REJEITADAS. MÉRITO. PRÁTICA DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. COMPRA DE VOTO. FAVORECIMENTO. PREFEITA E CANDIDATOS A PREFEITO E A VICE–PREFEITO. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. AÇÃO IMPROCEDENTE. PROVIMENTO.

[...]

3. Para a configuração do ilícito previsto no art. 41–A da Lei das Eleições é necessária a participação do candidato beneficiado, ou ao menos seu conhecimento, em qualquer das condutas nele previstas, ocorridas entre a data do registro de candidatura e a eleição, bem  como o dolo específico, consistente na intenção de obter o voto do eleitor. Por sua vez, o abuso de poder é instituto aberto, não sendo definido por condutas taxativas, porquanto a quebra da normalidade e da legitimidade do pleito está vinculada à gravidade das circunstâncias aptas a afetarem a lisura da disputa, sem a necessidade de ser demonstrado que sem a conduta abusiva o resultado das urnas seria diverso, consoante dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90.

4. Matéria fática. Entrega, pelos candidatos a prefeito e a vice–prefeito e pela então prefeita, de cargas de brita e areia a eleitor, com a intenção de lhe comprar o voto e o apoio. 4.1 Captação ilícita pela então prefeita. Impossibilidade, visto que não era ela candidata a cargo eletivo no pleito de 2020, logo não poderia ser condenada às penas estabelecidas pelo art. 41–A da Lei Eleitoral, consoante consolidada jurisprudência do TSE, que não admite que terceiros não candidatos figurem no polo passivo de demandas fundadas neste dispositivo. 4.2. Captação ilícita por parte dos candidatos a prefeito e a vice–prefeito. Não há provas suficientes a comprovar que teriam oferecido o material de construção ao eleitor em troca de seu voto, devendo ser registrado que sua esposa sequer ostentava a condição de eleitora do município, logo não poderia ser cooptada nos termos do art. 41–A da Lei das Eleições, sendo mister a existência de provas cabais do ilícito, o que definitivamente inexiste na hipótese vertente.

5. As provas colhidas no feito, na esteira do entendimento trazido no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, não autorizam a conclusão pela existência de captação ilícita de sufrágio, assim como as circunstâncias não permitem a caracterização de condutas abusivas por parte de qualquer dos demandados. Das declarações prestadas pelas testemunhas, constata–se a existência de versões conflitantes sobre os fatos, não apenas entre o casal que teria sido beneficiado com a entrega de areia e brita, mas também em relação às demais testemunhas inquiridas. O quadro fático delineado nos autos não indica que os candidatos da chapa majoritária dispusessem de ingerência na máquina administrativa municipal, nem que estivessem atuando em comunhão com detentores de autoridade no âmbito da Prefeitura. Sob o viés do abuso de poder econômico ou político, evidente que as entregas de um carregamento de areia e outro de brita a um único casal, ainda que restassem cabalmente provadas, o que não ocorreu, não teriam gravidade suficiente para afetar a legitimidade e normalidade do pleito, porquanto atrairiam um benefício eleitoral ínfimo aos investigados, falecendo por completo o fundamento para a imposição de inelegibilidade.

6. Recurso provido. Ação julgada improcedente.

(RECURSO ELEITORAL n. 060050711, Acórdão, Relator(a) Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 80, Data 09/05/2023)

 

No caso dos autos, a distribuição gratuita de material de construção (brita) em 03 (três) ocasiões, ainda que constitua conduta vedada que foi reiterada em dois períodos eleitorais, não se reveste da gravidade necessária para configuração de abuso de poder.

Para além, é necessário também considerar que o material não foi negociado em troca de voto ou apoio eleitoral, ou mesmo que a prática tivesse tido grande repercussão ou alcance no município.

As circunstâncias do caso concreto, em especial a reiteração da conduta pelos menos agentes, devem, no entanto, repercutir na fixação da multa.

Nesse ponto, andou bem a sentença.

A fim de evitar tautologia, valho-me dos valorosos argumentos formulados pelo Procurador Regional Eleitoral, Dr. José Osmar Pumes (ID 45440349), adotando-os como razão de decidir:

Restou caracterizada, nada obstante, a prática de conduta vedada, nos termos do art. 73, §10, da Lei nº 9.504/97, cujo sancionamento com a multa arbitrada revela-se adequado no que diz respeito aos investigados Luiz Affonso Trevisan e Armando Mayerhofer, sobretudo em razão da reiteração da conduta por parte da administração municipal por eles comandada, sendo insuficiente, para afastar esta circunstância, as alegações de gozo de férias e licença para a participar das eleições por parte dos recorrentes nos anos de 2016 e 2020.

Nesse aspecto, bem ressaltou a sentença que “Luiz Affonso Trevisan e Armando Mayerhofer foram condenados pelo aumento da distribuição de britas no ano das Eleições Municipais de 2016, em Sobradinho, no Acórdão do Recurso Eleitoral da AIJE nº 507-46.2016.6.21.0053, ajuizada perante este mesmo Juízo, o que mostra o uso da britadeira municipal para fins eleitorais é prática corriqueira dos Demandados ao longo dos anos que participaram da administração municipal.” Incide na espécie, dessa forma, o § 6º do art. 73 da LE, a justificar a aplicação da multa, inicialmente fixada em R$ 20.000,00, no dobro desse valor, restando definitiva em R$ 40.000,00.

O mesmo raciocínio, entretanto, não se aplica ao investigado Ivan Solismar Trevisan, tendo em vista que não há notícia, no seu caso, de reincidência como autor ou beneficiário de conduta vedada. Com efeito, a condenação no processo 507-46.2016.6.21.0053, relativo às eleições de 2016, não estende seus efeitos em relação a ele, que não foi réu naquele feito. Portanto, em seu caso particular, a multa deve permanecer no valor de R$ 20.000,00, afastando-se a duplicação desse montante.

 

Portanto, considerando a ausência de gravidade dos ilícitos reconhecidos nos autos, a sentença deve ser reformada para fins de afastar a ocorrência de abuso de poder. Por decorrência, são inaplicáveis as sanções de cassação dos diplomas e de inelegibilidade.

Da mesma forma, considerando que o recorrente IVAN SOLISMAR TREVISAN não participou dos eventos relativos às eleições 2016, a multa a ele aplicada deve ser reduzida para R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

 

Ante o exposto, voto por rejeitar as preliminares e, no mérito, por dar parcial provimento ao recurso para afastar a condenação dos recorrentes pela prática de abuso de poder político e as consequentes sanções de cassação dos diplomas e inelegibilidade, e, mantendo a condenação pela prática de condutas vedadas, reduzir o quantum da multa fixada em desfavor de IVAN SOLISMAR TREVISAN para R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

É o voto.