REl - 0600172-58.2020.6.21.0078 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/11/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e, presentes todos os pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso eleitoral interposto contra a sentença que julgou não prestadas as contas de campanha de LIONARDO DOS SANTOS MOLET, candidato a vereador em Piratini no pleito de 2020.

Compulsando os autos, verifico que, na origem, foram prestadas as contas parciais, sendo, em seguida, o prestador intimado a acostar procuração constituindo advogado (ID 45483456), o que foi cumprido, mediante a juntada do documento sob ID 45483458, em 18.11.2020.

Em 20.12.2020, a declaração de apresentação de contas finais foi lançada no sistema (ID 45483460).

Em 07.02.2023, o Cartório Eleitoral certificou que, até aquela data, a mídia eletrônica não havia sido entregue na forma prevista pelo art. 55 da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 45483462).

Conclusos os autos, a magistrada, com base no art. 49, § 5º, da multicitada Resolução, determinou a intimação do candidato para, em três dias, proceder à entrega da mídia contendo os documentos obrigatórios e acostar instrumento de procuração, sob pena de julgamento das contas como não prestadas (ID 45483463).

Intimado (ID 45483465), o concorrente manifestou-se, em 15.02.2023, informando que a procuração já constava dos autos e que, “em razão do lapso temporal das eleições, inclusive com troca de computador nesse período – o que gera impossibilidade de extração da mídia do SPCE – a candidatura vem diligenciando para levar até o cartório eleitoral a mídia”. Ademais, requereu a dilação do prazo em cinco dias, ao menos, aduzindo não haver “qualquer prejuízo para a tramitação processual, visto que o processo estava sem qualquer andamento há mais de 2 anos” (ID 45483465).

Deferido o pedido, em 13.3.2023 (ID 45483467), foi o interessado intimado no dia seguinte (ID 45483468).

Na sequência, em 20.3.2023, aportou petição em que informa não ter logrado êxito em contatar o contabilista de campanha e não possuir mais acesso à mídia eletrônica, requerendo que o cartório fornecesse o arquivo digital enviado em 2020, para que “a candidatura possa reabrir a prestação de contas e retificá-la, bem como extrair a respectiva mídia” (ID 45483470).

A Juíza Eleitoral, no dia 02.4.2023, exarou decisão, deferindo o pedido e determinando que, após o lapso de três dias do envio do arquivo ao prestador de contas, deveria a mídia ser apresentada à Justiça Eleitoral, sob pena de as contas serem julgadas não prestadas (ID 45483471).

Adotadas as providências pertinentes pelo órgão cartorário, em 14.4.2023, foi certificado (ID 45483475) o decurso in albis do prazo oferecido ao candidato, tendo sido anexados extrato bancário (ID 45483476) e documento reportando doação recebida do Diretório Estadual do partido, no valor de R$ 4.426,26 (ID 45483477).

Ante a falta de encaminhamento da mídia, foi proferida sentença, em 19.5.2023, julgando não prestadas as contas (ID 45483480).

Então, LIONARDO DOS SANTOS MOLET apresentou contas retificadoras (IDs 45483489, 45483491, 45483492, 45483517, 45483519) e recorreu a este Tribunal Regional Eleitoral, alegando, em síntese, que, conforme atestado nos autos, foram entregues as contas finais, tendo tão somente a mídia deixado de ser enviada tempestivamente, o que imporia o exame dos documentos constantes dos autos, mas não o julgamento da contabilidade como não prestada (ID 45483522).

Primeiramente, destaco a relevância da questão em análise para o recorrente, porquanto o decreto de contas não prestadas acarreta ao candidato o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu, inclusive podendo os efeitos da inadimplência persistirem por prazo mais largo, até a efetiva regularização das contas, ou seja, tem o condão de afetar, obliquamente, o pleno gozo dos direitos políticos passivos do indivíduo omisso, por período mínimo, via de regra, de quatro anos.

Exatamente por isso, já assentou o TSE que “o julgamento das contas como não prestadas enseja penalidade extremamente gravosa à esfera jurídica do candidato, devendo incidir apenas nos casos em que efetivamente não houve apresentação das contas” (RespEl n. 060030666, Acórdão, Relator Min. Carlos Horbach, Publicação: DJE, Tomo 112, Data: 17.6.2022).

Entretanto, na hipótese vertente, o candidato descumpriu obrigação fixada nas normas eleitorais de regência, pois, apesar das inúmeras oportunidades concedidas, deixou de apresentar a mídia eletrônica de suas contas.

Veja-se que a Resolução TSE n. 23.632/20, em seu art. 2º, § 1º, inc. II, estabelece que os documentos elencados no art. 53, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19 serão apresentados aos tribunais e zonas eleitorais competentes exclusivamente em mídia eletrônica gerada pelo SPCE.

Nesse contexto, inelutável que o candidato se encontrava obrigado a promover a remessa da mídia à Justiça Eleitoral, não tendo se desincumbido adequadamente de tal mister, ainda que concedidas sucessivas oportunidades para integralizar a prestação de contas final, chances essas acompanhadas do alerta de que, mantida a inércia, a contabilidade seria julgada como não prestada.

A Resolução TSE n. 23.607/19 contém previsão específica sobre a correta transmissão dos dados e apresentação da mídia eletrônica, sem o que não é possível emitir o recibo de entrega da prestação de contas:

Art. 55. Recebidas na base de dados da Justiça Eleitoral as informações de que trata o inciso I do caput do art. 53 desta Resolução, o SPCE emitirá o extrato da prestação de contas, certificando a entrega eletrônica.

§ 1º Os documentos a que se refere o inciso II do art. 53 desta Resolução devem ser apresentados aos tribunais eleitorais e a zonas eleitorais competentes exclusivamente em mídia eletrônica gerada pelo SPCE, observado o disposto no art. 101, até o prazo fixado no art. 49. (Vide, para as Eleições de 2020, art. 7º, inciso XI, da Resolução n. 23.624/20)

§ 2º O recibo de entrega da prestação de contas somente será emitido após o recebimento da mídia eletrônica com os documentos a que se refere o art. 53, II, desta Resolução, observado o disposto no art. 100.

§ 3º Na hipótese de entrega de mídias geradas com erro, o sistema emitirá aviso com a informação de impossibilidade técnica de sua recepção.

§ 4º Na hipótese do § 3º, é necessária a correta reapresentação da mídia, sob pena de as contas serem julgadas não prestadas.

§ 5º Os documentos digitalizados e entregues exclusivamente em mídia eletrônica serão incluídos automaticamente no Processo Judicial Eletrônico (PJe), após o que os autos digitais serão encaminhados à unidade ou ao responsável por sua análise técnica para que seja desde logo iniciada.

(Grifei.)

 

Ou seja, a apresentação das contas somente restará perfectibilizada após o envio das informações e a apresentação, em mídia eletrônica, dos documentos elencados no art. 53, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, situação não ocorrida no caso dos autos.

Essa exigência normativa é indispensável para que a Justiça Eleitoral realize um exame técnico seguro e amplo sobre a movimentação dos recursos de campanha, realização de despesas, pagamento de fornecedores, emissão de notas fiscais, recebimento de valores por meio de doações ou de verbas públicas, divulgando e confrontando as informações fornecidas com outros bancos de dados.

Ao contrário do que alega o recorrente e de acordo com o que consta certificado nos autos, o cartório eleitoral somente recebeu demonstrativos e documentos digitalizados, os quais foram repassados ao candidato após a alegação de perda do material original, mas em nenhum momento houve a apresentação da mídia eletrônica gerada pelo SPCE.

Ainda, mostra-se inviável anular a sentença para que se proceda à análise da prestação de contas retificadora extemporaneamente acostada ao recurso, em vista da preclusão e sob pena de concessão de tratamento diferenciado não disponibilizado aos demais candidatos.

Na linha exposta, colaciono julgado deste Tribunal, igualmente oriundo do Município de Piratini e relativo ao pleito de 2022:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CHAPA MAJORITÁRIA. CONTAS JULGADAS NÃO PRESTADAS. AUSÊNCIA DE ENTREGA DAS MÍDIAS. IMPOSSIBILIDADE DE EMISSÃO DE RECIBO DE ENTREGA DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. PREVISÃO ESPECÍFICA NA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19 SOBRE A CORRETA TRANSMISSÃO. INVIABILIDADE DE NOVA ANÁLISE, SOB PENA DE TRATAMENTO DIFERENCIADO. MANTIDA A SENTENÇA. PROVIMENTO NEGADO.

1. Insurgência contra sentença que julgou não prestadas contas de campanha de candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeita, relativas às Eleições Municipais de 2020.

2. A Resolução TSE n. 23.607/19 contém previsão específica sobre a correta transmissão dos dados e apresentação da mídia eletrônica, sem o que não é possível emitir o recibo de entrega da prestação de contas. No caso, foram concedidas aos recorrentes sucessivas oportunidades para integralizar a prestação de contas final, chances essas acompanhadas do alerta de que, mantida a inércia, a contabilidade seria julgada como não prestada.

3. Inviável anular a sentença para que se proceda à análise da prestação de contas retificadora extemporaneamente acostada ao recurso, sob pena de concessão de tratamento diferenciado, pois o confronto das informações declaradas nos presentes autos com eventuais dados constantes no banco de dados da Justiça Eleitoral demandaria inequivocamente a realização de intempestivas diligências complementares (verificações no sistema Divulgacand), a serem efetuadas por servidores da Justiça Eleitoral, em procedimento não disponibilizado aos demais candidatos. O procedimento redundaria em privilégio aos recorrentes, à míngua de suporte legal ou regulamentar para tanto.

4. Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 0600171-73.2020.6.21.0078, Acórdão, Relator Des. Eleitoral AFIF JORGE SIMOES NETO, julgado em 21.09.2023.)

 

É também esse o posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DIRETÓRIO NACIONAL. PARTIDO DA MULHER BRASILEIRA (PMB). ANÁLISE NOS TERMOS DA RES.–TSE Nº 23.553/2017. PARECER CONCLUSIVO. FALTA DE APRESENTAÇÃO DA CONTABILIDADE ALUSIVA AO 2º TURNO MEDIANTE MÍDIA ELETRÔNICA GERADA PELO SPCE. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA SUFICIENTE PARA O NÃO CUMPRIMENTO DE DILIGÊNCIA DETERMINADA. CONTAS NÃO PRESTADAS. PERDA DO DIREITO DE RECEBER QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. OBRIGAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE VALOR A DOADOR. 1. A revogação da Res.–TSE nº 23.553/2017 não impede que seus dispositivos sejam utilizados na análise das impropriedades e das irregularidades encontradas nas prestações de contas relativas à arrecadação e à aplicação de recursos na campanha eleitoral de 2018.

2. Nos termos dos arts. 52, § 1º, II, 56, § 1º, 57 e 58, § 7º, do diploma referido acima, órgãos partidários vinculados a candidato que concorreu ao 2º turno das eleições, como na hipótese, devem apresentar contas alusivas a esse período mediante mídia eletrônica gerada pelo Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), sob pena de serem julgadas não prestadas.

3. Na espécie, assinalou a Asepa que a Direção Nacional do PMB não encaminhou e não apresentou a mídia eletrônica gerada por meio do SPCE, etapa imprescindível à confirmação da prestação de contas, referente às contas de 2º turno, bem como foi omissa na entrega de informações sobre movimentação de recursos públicos (Fundo Partidário e Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC) e de recebimento de fonte vedada e/ou de origem não identificada, conforme dispõe o art. 52, § 6º, III, da Resolução–TSE nº 23.553/2017.

4. Devidamente intimado, o requerente não apresentou as contas relativas ao 2º turno das eleições de 2018 na forma da Res.–TSE nº 23.553/20217 nem justificativa suficiente para o não cumprimento de diligência determinada, limitando–se a pleitear o fornecimento de documentos integrantes dos autos aos quais tinha acesso e a dilação de prazo, que, uma vez deferida, não restou utilizada. 5. Na esteira da jurisprudência desta Corte, julgam–se não prestadas as contas em que ausentes documentos indispensáveis à análise contábil por esta Justiça Especializada. Precedentes.

6. Contas do PMB – Nacional referentes à arrecadação e à aplicação de recursos na campanha eleitoral de 2018 não prestadas. 7. No caso concreto, determina–se a perda do direito de recebimento de quotas do Fundo Partidário e impõe–se a obrigação de o partido político devolver ao respectivo doador a quantia de R$ 30,00 (trinta reais).

(Prestação de Contas n. 060188734, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 33, Data: 03.03.2022.) (Grifei.)

 

Nesses termos, e na linha de entendimento da douta Procuradoria Regional Eleitoral, deve ser mantida a sentença.

 

Diante do exposto, VOTO por negar provimento ao recurso.