REl - 0600307-88.2020.6.21.0072 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/11/2023 às 14:00

VOTO

Preliminarmente, o recorrente suscita a nulidade da sentença, com fulcro em negativa de prestação jurisdicional, consubstanciada na ausência de enfrentamento da matéria de prova, inclusive quando da apreciação dos embargos declaratórios.

Contudo, não lhe assiste razão.

Não obstante tenha o magistrado exposto de forma concisa os fundamentos jurídicos adotados para formar sua convicção, este não deixou de contemplar o conjunto de provas manejado pelo insurgente. Ademais, é de bom alvitre consignar que a sentença acolheu o parecer conclusivo, constando do laudo técnico toda a fundamentação fática e jurídica que integra a decisão, cujas razões cumpre reproduzir (ID 45007035):

Passo a analisar as irregularidades apontadas:

1) Após a manifestação do candidato restaram ainda gastos eleitorais com recursos do FUNDO PARTIDÁRIO no total de R$ 3.000,00, que descumpriram a previsão do Art. 38 da Resolução TSE 23.607/19, qual seja, a comprovação do CPF/CNPJ do destinatário na movimentação bancária.

Em sua manifestação o candidato alega que “informou” tais dados no sistema SPCE, caso em que não supre a exigência de “comprovação” destes dados junto aos extratos bancários ou outros comprovantes do CPF/CNPJ do destinatário.

Sujeitando-se assim, à desaprovação das contas, bem como à devolução dos valores irregulares ao Tesouro Nacional, conforme previsto no Art. 79, §§ 1º e 2º, da resolução TSE 23.607/2019.

“Art. 38

Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.”

“Art. 79

(…)

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) diasa pós o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

§ 2º Na hipótese do § 1º, incidirão juros moratórios e atualização monetária, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, salvo se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial.”

3) Quanto a extrapolação do prazo de 10 (dez) dias contados da concessão do CNPJ, em desatendimento ao disposto no art. 8, § 1º, inciso I, da Resolução TSE nº 23.607/2019, para a abertura da conta bancária destinada ao recebimento de Doações para Campanha, ressalta-se que, em decorrência do período de pandemia, tem-se relato da dificuldade das agências bancárias de Viamão, como regra, no agendamento em tempo hábil para tal atendimento dos candidatos.

 

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, considerando o conjunto de irregularidades apontadas, com base no artigo 79, §§ 1º e 2º e nos termos do art. 74, III da Resolução 23.607/2019 do TSE, julgo DESAPROVADAS as contas de campanha do candidato supramencionado, relativas as Eleições Municipais de 2020 e determino o recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ R$ 3.000,00, devidamente corrigidos, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, com juntada do comprovante aos autos em mesmo prazo após o pagamento.

 

Logo, não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional, pois o juízo a quo analisou o conjunto probatório e entendeu configurada falha apta a ensejar a desaprovação.

Nesse sentido, trago à colação julgado do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO DE 2013. DIRETÓRIO ESTADUAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONJUNTO DE IRREGULARIDADES. GRAVIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. TRE/MG. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. SANÇÃO DE SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. REITERAÇÃO DE TESES. SÚMULA Nº 26/TSE. INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. O agravante apenas reproduz as teses já trazidas no recurso especial, as quais foram devidamente enfrentadas, o que atrai a incidência da Súmula nº 26/TSE.

2. Os embargos de declaração não se prestam a promover rediscussão da causa, mas tão somente a ajustar e corrigir deficiências do aresto fundadas em omissão, contradição ou obscuridade. Precedentes.

3. Na esteira de precedente desta Corte (REspe nº 576-11/CE, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 16.4.2019), “a imprescindibilidade de fundamentação da decisão judicial (art. 93, IX, da CF) não se confunde com a imposição, ao órgão julgador, do dever de, analiticamente e em todos os cenários que a imaginação possa alcançar, discorrer verticalmente sobre qualquer apontamento da parte, quando vencida buscar, por mero inconformismo, trincheira nas minúcias, elevando-as à condição de nódoa processual, porém sem substrato real no sentido alegado”, sendo esta a hipótese dos autos.

(...)

7. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 16930, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 127, Data: 29.6.2020, pp. 90/103.) (Grifei.)

 

Afasta-se, portanto, a preliminar arguida.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada em primeira instância devido à constatação do descumprimento dos requisitos encartados nos arts. 38 e 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que o candidato emitiu cheque de R$ 3.000,00 para pagamento de despesa, o qual não foi firmado de forma nominal e cruzada, tendo sido sacado sem indicação do CPF do beneficiário no extrato bancário.

Compulsando os autos, verifica-se que o relatório conclusivo atestou a ausência dos documentos comprobatórios relativos à despesa eleitoral, bem como dos respectivos comprovantes de pagamento (cópia do cheque nominal cruzado ou transferência bancária identificando o beneficiário), realizada com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC (ID 45007032).

No caso em exame, restou comprovado que no dia 13.11.2020 ocorreu o saque eletrônico, no valor de R$ 3.000,00, da conta n. 06.004455.0-8, quantia esta originária de verbas do FEFC.

Tal procedimento caracteriza violação ao disposto no art. 38, caput e incisos, da Resolução TSE 23.607/19, uma vez que os gastos eleitorais de natureza financeira só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado;

II – transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III – débito em conta; ou

IV – cartão de débito da conta bancária.

 

A informação manual realizada pelo prestador no SPCE, ao indicar o CPF do suposto destinatário do pagamento, que seria a pessoa contratada como assistente de campanha, Michel S. Corrêa, e a cópia do recibo de pagamento que teria sido assinado pelo assistente (ID 45007025), não suprem a falha, pois os dados carecem de confiabilidade e não podem ser confirmados por meio do extrato bancário.

Destarte, como o candidato gastou R$ 3.000,00 (três mil reais) em recursos do FEFC de maneira indevida, impõe-se a devolução do montante ao Tesouro Nacional, consoante art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, os argumentos tecidos em juízo e agora reiterados, no sentido de que o gasto em discussão foi devidamente comprovado mediante os dados informados no SPCE, contrato e recibo de pagamento, não confirmam de forma suficientemente segura o destinatário da verba pública.

A argumentação recursal não exime o prestador de contas de observar a legislação eleitoral, e o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 foi manifestamente violado.

A documentação contida no feito não atende à disposição normativa a qual impõe que o pagamento do gasto eleitoral deve ocorrer mediante crédito em conta bancária, com cheque nominal, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial, que os prestadores de serviço indicados na demonstração contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

Nessa toada, destaco o seguinte precedente:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. CONHECIDOS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. MÉRITO. DESPESA COM COMBUSTÍVEL SEM A RESPECTIVA COMPROVAÇÃO DA INCIDÊNCIA EM UMA DAS HIPÓTESES NORMATIVAS. AUSÊNCIA DE COMPROVANTE DE RECOLHIMENTO DAS SOBRAS DE CAMPANHA. FALHA SANADA. DÍVIDA DE CAMPANHA. AUSENTE COMPROVAÇÃO DE GASTOS REALIZADOS COM VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. ALTO PERCENTUAL. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS E O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha de candidato ao cargo de vereador, relativas às eleições de 2020, em virtude de despesas com combustíveis sem a declaração da utilização de veículo ou geradores de energia; não recolhimento das sobras de recursos do FEFC; existência de dívidas de campanha sem indicação da forma de pagamento; e falta de comprovação de gastos realizados com recursos do FEFC. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Preliminar. Conhecidos os documentos juntados ao recurso, os quais independem de novo parecer técnico.

3. Gastos com combustíveis sem a respectiva comprovação da incidência em uma das hipóteses do art. 35, § 11 e incisos, da Resolução TSE n. 23.607/19. A prestadora não declarou a utilização de veículos na prestação de contas ou se houve qualquer registro de carreatas, locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia. Ausência de comprovação documental dos gastos realizados para compra de combustíveis com recursos oriundos do FEFC, os quais, por serem públicos, exigem a demonstração inequívoca de que seu emprego foi realizado estritamente nos termos legalmente permitidos. As arguições do recorrente não possuem o condão de afastar a irregularidade, pois as normas eleitorais não observadas pela prestadora são de caráter obrigatório.

4. Sobras de recursos financeiros oriundos do FEFC declarados na prestação de contas, sem comprovação pela prestadora da devolução das verbas públicas ao Tesouro Nacional. Em sede recursal, a prestadora juntou aos autos a GRU e o respectivo comprovante de pagamento. Comprovado recolhimento das sobras de recursos. Afastada a irregularidade.

5. Existência de dívida de campanha, relativa a gasto com combustível sem comprovação do adimplemento da obrigação junto ao efetivo fornecedor do produto. Tanto a primeira irregularidade (gasto irregular com combustíveis) quanto esta (dívida de campanha) possuem origem no mesmo ato. Assim, embora subsista a irregularidade, não se afigura razoável nova determinação de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, sob pena de bis in idem.

6. Ausente comprovação de gastos, realizados com recursos públicos do FEFC, pois dos contratos apresentados com o recurso não se vislumbra segurança acerca da data em que foram firmados. Inexistência de fé ou firma reconhecida, não constituindo documentos idôneos capazes de suprir a falha. Recolhimento do montante ao Tesouro Nacional.

7. As irregularidades apontadas representam 62,12% do total das receitas declaradas pela prestadora, percentual e valor nominal superiores ao limite utilizado por esta egrégia Corte para aprovar as contas com ressalvas, impondo a manutenção da sentença de desaprovação.

8. Provimento parcial. Mantida a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(Recurso Eleitoral n 060074913, ACÓRDÃO de 29/07/2022, Relator DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 01/08/2022.) (Grifei.)

 

Constata-se, assim, a utilização indevida de recursos públicos do FEFC, justificando a imposição do recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.

Por fim, sequer é razoável e proporcional a pretensão de aprovação das contas com ou sem ressalvas, pois o valor das irregularidades perfaz 49,18% do total de recursos movimentados na campanha do recorrente (R$ 6.100,00) e é superior ao patamar estabelecido pela jurisprudência eleitoral para aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Com essas razões, concluo que o recurso não comporta provimento, devendo ser mantida a desaprovação das contas e o recolhimento dos valores apontados como irregulares.

Diante do exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso para manter a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 3.000,00, nos termos da fundamentação.