REl - 0600002-90.2025.6.21.0117 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/08/2025 às 16:00

VOTO

Inicialmente, destaco tratar-se de recurso tempestivo, observados os demais requisitos ínsitos à tramitação processual.

Antes de adentrar no mérito recursal, mister referir à preliminar de não conhecimento do recurso por infringência ao princípio da dialeticidade, consoante suscitado em contrarrazões e encampada pelo parecer ministerial.

Porquanto sabido, o Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao microssistema do processo eleitoral, estabelece de forma clara o ônus do recorrente de impugnar especificamente os fundamentos da decisão recorrida. Reproduzo, a propósito, os dispositivos pertinentes:

Art. 932. Incumbe ao relator:

[...]

III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;

[...]

Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

[...]

Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:

[...]

II - a exposição do fato e do direito;

III - as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade;

Da leitura dos artigos supracitados ressai que a lei exige um confronto direto, um diálogo entre as razões recursais e os fundamentos da decisão atacada. O recurso deve demonstrar, ponto a ponto, porque o raciocínio do julgador de origem estaria equivocado (error in judicando ou error in procedendo).

É cediço que o princípio da dialeticidade não constitui formalismo exacerbado; ele é a própria garantia do contraditório em segundo grau, assegurando que a parte recorrida possa se defender e que o tribunal tenha balizas claras para sua atuação.

Nesse sentido precedente deste Tribunal Regional Eleitoral reitera que “o princípio da dialeticidade recursal impõe que a parte recorrente impugne todos os fundamentos da decisão recorrida e demonstre, de forma oportuna, congruente, concreta e específica, seu eventual desacerto. A mera reiteração de argumentos iniciais e ausência de impugnação direta aos fundamentos da sentença inviabilizam o conhecimento do recurso, nos termos do art. 932, III, do CPC.” Vejamos:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. CANDIDATOS REELEITOS. PREFEITO E VICE-PREFEITO. CANDIDATO ELEITO. VEREADOR. ALEGADO ABUSO DE PODER POLÍTICO. PRELIMINAR DE OFÍCIO. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. RECURSO. FUNDAMENTOS DA SENTENÇA NÃO ENFRENTADOS. ART. 932, INC. III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. Recurso contra a sentença que julgou improcedente ação de investigação judicial eleitoral ajuizada em face dos candidatos reeleitos como prefeito e vice-prefeito e de candidato eleito a vereador nas eleições 2020, com fundamento na falta de provas da prática de abuso de poder político. 2. Preliminar de ofício. O apelo não atende ao princípio da dialeticidade recursal, pois as razões apresentadas são mera reiteração dos argumentos expostos na inicial e não atacam nenhum dos três fundamentos da sentença, inviabilizando o conhecimento do recurso, na forma do art. 932, inc. III, do CPC. (TRE-RS - RE: 06006749520206210110 tramandaí/RS 060067495, Relator.: GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 03/02/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico)

Com efeito, embora, realmente, a peça recursal utilize-se de reprodução de trechos já deduzidos na exordial e nas alegações finais apresentadas perante o Juízo a quo, tenho que a mesma impugnou satisfatoriamente os fundamentos da sentença.

A partir da leitura do recurso analisado, é possível enfrentar os pontos analisados pelo Juízo Singular quando da improcedência da ação: a) a omissão de gastos na prestação de contas dos recorridos, ensejando-se a alegação de abuso de poder econômico; b) a contratação de prestador de serviço alegadamente sem capacidade operacional compatível com a atividade contratada; e c) o valor irrisório atribuído ao assessoramento jurídico, em desproporção com a envergadura de uma chapa majoritária; d) a realização de benesse econômica para transferência irregular de eleitor em troca de voto; d) alegações de distribuição de vantagem econômica, mediante entrega de “vales”, em troca de votos.

Em conclusão, tendo as razões do recurso apresentado crítica ou combate aos argumentos da sentença, mesmo encartando reprodução de teses e exposição de motivos transpostos da exordial e da peça de alegações finais, tenho por desacolher a preliminar suscitada e CONHECER do recurso interposto por LUIS GILBERTO RIZZARDI.

Destaco.

Passo à análise do mérito.

 

MÉRITO

Porquanto cediço, a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME - consiste em ação de natureza constitucional eleitoral, tendo por objetivo contestar a validade de um mandato obtido por meio de práticas ilegais, como abuso do poder econômico, corrupção ou fraude, com previsão no art. 14, §§ 10 e 11 da Constituição Federal:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

(...)

§ 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado na Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

§ 11. A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé.

No caso vertente, está-se diante da irresignação do recorrente LUIS GILBERTO RIZZARDI contra a sentença proferida pelo Juízo da 117ª Zona Eleitoral que julgou improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo ajuizada pelo recorrente em desfavor de RODRIGO SARTORI e MARTA REJANE MINO, eleitos, respectivamente, Prefeito e Vice-Prefeita do Município de Colorado/RS.

Ao iniciar a análise do processo, tenho como indispensável asseverar que a sentença de primeiro grau mergulhou exaustivamente no exame do conjunto probatório e erigiu sua conclusão de improcedência da AIME sobre fundamentos sólidos e bem delineados, notadamente a imprestabilidade da prova pericial unilateral e a fragilidade da prova oral.

Aprofundando o exame da controvérsia, adianto que concluo que a sentença de improcedência deve ser mantida por seus próprios e sólidos fundamentos, pois as graves acusações de abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio não foram sustentadas por um acervo probatório robusto, seguro e inconteste.

Neste sentido, importa gizar que a pretensão de cassar um mandato eletivo, expressão máxima da soberania popular, é medida de extrema excepcionalidade, exigindo da Justiça Eleitoral uma cautela redobrada e um standard probatório de altíssima robustez, não havendo, por certo, espaço para condenações baseadas em presunções, indícios, ou narrativas construídas sobre provas frágeis, uma vez que a  perda do mandato somente se justifica diante de um quadro fático-probatório límpido, seguro e inconteste, capaz de demonstrar, para além de qualquer dúvida razoável, a ocorrência de ilícitos de gravidade suficiente a comprometer a lisura e a legitimidade do processo eleitoral.

No caso dos autos, o acervo probatório apresentado pelo recorrente está aquém desse padrão de exigência.

A tese de abuso de poder econômico, centrada em apontamentos de lacunas na prestação de contas dos recorridos por meio de uma auditoria particular, não possui a robustez necessária.

No caso concreto, a sentença de primeiro grau rechaçou as teses da inicial com fundamentação detalhada.

As alegações recursais sobre a contratação de fornecedores e os valores de serviços advocatícios foram devidamente rechaçadas pelo juízo a quo, que se baseou na prova documental e na ausência de elementos concretos que indicassem fraude.

No tocante à suposta contratação irregular de fornecedores sem capacidade operacional, a sentença pontuou que a incapacidade alegada decorre de consulta a dados cadastrais públicos, os quais não revelam, por si só, ausência de aptidão técnica. E, mais uma vez, o recorrente não apresenta qualquer elemento que refute tal conclusão, tampouco demonstra de forma concreta que houve simulação contratual ou ausência de efetiva prestação de serviço, sendo precisa a sentença ao apontar a fragilidade da prova do impugnante:

"Em relação a supostas irregularidades na contratação de despesas pelos impugnados, que teriam sido efetivadas junto a fornecedores com alegada incapacidade operacional para prestação do serviço contratado, é importante observar que os argumentos do impugnante estão fundamentados unicamente em prova produzida de modo unilateral, mediante auditoria contábil por ele pelo próprio contratada."

Outrossim, o magistrado sentenciante corretamente concluiu que a discussão sobre as contas de campanha já havia sido superada em processo próprio, afirmando que "nos autos do processo n. 0600342-68.2024.6.21.0117, foram examinados os documentos apresentados, tendo a equipe responsável pelo exame técnico e o Ministério Público Eleitoral se manifestado pela aprovação das contas, sem ressalvas, o que foi acolhido em sentença já acobertada pelos efeitos da coisa julgada."

De tal modo, verifica-se que A auditoria apresentada pelo recorrente, por mais detalhada que seja, não passa de documento unilateral, produzido sem o crivo do contraditório e da ampla defesa, sendo absolutamente insuficiente para infirmar a autoridade de uma decisão judicial.

Não há nos autos qualquer elemento que conecte as alegadas falhas contábeis a um efetivo desequilíbrio na disputa.

Em tal senda, a alegação do recorrente da ausência de registro de certas despesas, como a aquisição de bandeiras, camisetas, combustível, realização de eventos e pagamento de cabos eleitorais, está alicerçada em imagens fotográficas nas redes sociais demonstrando que foram realizados eventos externos. Destaco algumas, extraídas do recurso em análise, a título de exemplificar o alegado:

Tela de computador com imagem de pessoasO conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

Tela de computador com imagem de pessoasO conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

Tenho que, tal qual concluído na sentença ora combatida, que o acervo probatório não é suficiente para caracterizar abuso de poder econômico, especialmente quando há justificativa plausível, como a utilização de veículos próprios e atos espontâneos de apoiadores, todos confirmados inclusive pela prova testemunhal colhida em audiência.

Cabe anotar, ademais, que, a análise das imagens apresentadas evidencia não haver quantidade considerável de camisetas ou bandeiras padronizadas, indicando a utilização de camiseta e algumas bandeiras com número e sigla partidária, sem referência à candidatura dos impugnados, conforme salientado na sentença, assim também nesse ponto observando-se a ausência de prova robusta a sustentar as afirmações do impugnante, agora na peça recursal.

Por outro lado, quanto às alegações de contratação de serviço de advocacia pelo preço de R$ 200,00, que estaria muito abaixo da tabela de honorários estabelecida pela Ordem dos Advogados do Brasil, suposta irregularidade também apontada pelo recorrente, a sentença corretamente afastou a presunção de ilicitude:

"A esse respeito, convém destacar que a contratação de serviços advocatícios por preço considerado abaixo da tabela de referência estabelecida pela Ordem dos Advogados do Brasil, por si só, não consiste em irregularidade apta a ensejar a desaprovação das contas eleitorais, desde que sejam apresentados os respectivos documentos contratuais e fiscais que legitimem a contratação do ponto de vista contábil. [...] Além disso, não se vislumbra de que modo o preço pago pelos serviços advocatícios contratados, inclusive em valor abaixo da tabela de referência, teria o condão de abalar a legitimidade do processo eleitoral no presente caso."

Ora, a definição do valor dos honorários é matéria de ajuste privado entre as partes, não cabendo à Justiça Eleitoral, sem prova concreta de fraude, imiscuir-se na relação contratual para presumir a existência de um ilícito, e o recorrente não apresentou qualquer elemento de prova – como um recibo, uma transferência bancária ou uma testemunha – que indicasse o pagamento de valores fora dos limites ajustados pelas partes. A simples presunção de que o valor é baixo não constitui prova de abuso de poder.

Ademais, a prestação de serviços advocatícios por valor inferior ao de mercado, ou mesmo pro bono, é permitida, desde que devidamente declarada como doação estimável em dinheiro, o que não se demonstrou não ter ocorrido.

Assim, também neste ponto, a acusação se desfaz em conjecturas, falhando em apresentar prova concreta de uma irregularidade com gravidade suficiente para macular o pleito.

Noutro giro, cabe salientar que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é pacífica ao exigir a demonstração da gravidade da conduta para a configuração do abuso de poder econômico em ações de impugnação de mandato eletivo.

Essa exigência está alinhada com o disposto no art. 22, inciso XVI, da Lei Complementar nº 64/90, assim vazado:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político,

[...]

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

Por exemplo, em decisões como a do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral n.  AREspEl 0600001-40.2021.6.06.0028 o TSE enfatiza que a gravidade das circunstâncias deve ser aferida para determinar se a conduta compromete a legitimidade do pleito, exigindo provas robustas e inequívocas:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. ACÓRDÃO REGIONAL. SUPOSTAS OMISSÃO E OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. PREFEITO. VICE–PREFEITO. RECONHECIMENTO, PELA CORTE DE ORIGEM, APENAS DE BREVE APARIÇÃO DE UM ÚNICO HELICÓPTERO EM SOBREVOO AO INÍCIO E TÉRMINO DE UMA CARREATA, REALIZADA HÁ MAIS VINTE DIAS ANTES DAS ELEIÇÕES. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. GRAVIDADE. NÃO EVIDENCIADA. DEMAIS FATOS ATRIBUÍDOS AOS DEMANDADOS. INEXISTÊNCIA DE PROVA ROBUSTA E INEQUÍVOCA. VERBETES SUMULARES 24, 28 E 30 DO TSE. INCIDÊNCIA. SÍNTESE DO CASO1. Trata–se de agravo regimental interposto em face de decisão monocrática, por meio da qual foi negado seguimento a agravo em recurso especial e, por conseguinte, mantido o acórdão regional que, por maioria, deu provimento a recurso para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos formalizados na AIJE 0600238–1.2020.6 .06.0028 e na AIME 0600001–40.2021.6 .06.0028, ajuizadas em desfavor de Gilmar Luiz Bender e de Glêdson Lima Bezerra e Giovanni Sampaio Gondim, candidatos eleitos aos cargos de prefeito e vice–prefeito do Município de Juazeiro do Norte/CE nas Eleições de 2020, por entender não comprovada a prática de abuso do poder econômico.ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL2. Deve ser rejeitada a alegação de afronta aos arts. 275 do Código Eleitoral e 1.022 do Código de Processo Civil, apta a ensejar a suposta nulidade do acórdão regional, na medida em que não se vislumbram vícios do julgado regional quanto aos pontos suscitados pelos agravantes, isto é:a) é improcedente a alegação de que , pois depreende–se do aresto regional alusivo aos embargos de declaração que o Tribunal a quo assentou que o caso não apresenta ilegalidade qualificada, marcada pela má–fé do candidato, apta a interferir na lisura do pleito, e que a conduta não foi suficiente para comprometer a legitimidade do pleito e ensejar a procedência da ação de investigação judicial eleitoral fundada no referido dispositivo legal. A esse respeito, pontuou a Corte de origem que "a conclusão, no caso, pela ausência de prova robusta dos fatos que implicariam abuso de poder também tem repercussão na análise do art. 30–A, por serem exatamente os mesmos" e, ainda que as contas de campanha dos demandados tenham sido desaprovadas, tal fato, por si só, não é suficiente para configurar o ilícito previsto no art . 30–A da Lei das Eleições, sendo "forçoso reconhecer a ausência no caso de relevância jurídica capaz de vulnerar os bens jurídicos tutelados"; b) deve ser rejeitada a afirmação de obscuridade do aresto em relação ao alegado despejo de material gráfico por meio de helicóptero na noite do dia 14.11.2020, sob o argumento de que não teriam sido analisados detidamente os vídeos, os testemunhos e o aplicativo Pardal. Quanto ao ponto, a Corte de origem, de forma clara, concluiu que não foi comprovada a utilização de helicóptero no dia citado, tampouco que tenha havido derrame de santinhos a partir de alguma aeronave, colhendo–se do voto condutor do acórdão regional que o suposto fato não foi confirmado por nenhum documento oficial, assim como as denúncias oriundas do sistema Pardal não apresentam evidências contundentes que conduzam à certeza a esse respeito e os depoimentos das testemunhas arroladas pela parte autora da ação veiculam declarações tendenciosas e contraditórias com as provas dos autos, além do que, "as imagens e vídeos que instruem a Inicial não revelam de onde foram jogados os santinhos e panfletos retratados, nem mesmo os vídeos que subsidiam as denúncias oriundas do Sistema Pardal do TSE";c) não se vislumbra obscuridade ou omissão no que diz respeito ao argumento de que o acórdão recorrido não teria esclarecido se o uso de helicóptero foi realizado de forma ilegal, sem prestação de contas das despesas ou mediante doação de pessoa jurídica, ou se se tratou de manifestação espontânea e unilateral do apoiador Gilmar Luiz Bender, sem anuência dos candidatos . Isso porque, embora a Corte de origem tenha assentado que ficou comprovada apenas a utilização de um helicóptero no dia 24.10.2020, pelo período de vinte minutos no início e no fim da carreata dos candidatos demandados, a conclusão do aresto regional foi clara no sentido da inexistência de abuso do poder econômico, entre outras razões, porque não foi possível reconhecer, de forma segura, a suposta distribuição de santinhos ou material de propaganda nesse evento, e, demais disso, por não se vislumbrar gravidade da conduta e sua eventual aptidão para comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito.3 . Na linha da jurisprudência deste Tribunal Superior, devidamente enfrentadas as matérias pela Corte de origem, não há falar em violação ao art. 275 do Código Eleitoral e ao art. 1.022 do Código de Processo Civil, pois "a omissão apta a ser suprida pelos declaratórios é aquela advinda do próprio julgamento e prejudicial à compreensão da causa, não aquela deduzida com o fito de provocar o rejulgamento da demanda ou modificar o entendimento manifestado pelo julgador" (ED–AgR– AI 10 .804, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 1º.2 .2011).4. Os agravantes alegam que não incidiria o verbete sumular 24 do TSE, sob o argumento de que a matéria discutida no recurso especial é exclusivamente de direito e que os fatos – uso de helicóptero privado para derrame de material publicitário eleitoral e omissão de despesas na prestação de contas dos candidatos demandados – seriam incontroversos e constariam expressamente no acórdão regional, como se inferiria de trecho do voto divergente, pretendendo o apelo nobre apenas a sua interpretação jurídica.5 . Diversamente do que alegam os agravantes, o Tribunal de origem examinou o acervo fático–probatório dos autos e concluiu que ficou comprovado apenas o uso do helicóptero de matrícula PR–GCJ, durante o período de vinte minutos – o que corresponde a menos de R$ 6.000,00 –, entre o início e o fim da carreata realizada no dia 24.10.2020, concluindo pela inocorrência de abuso do poder econômico e político na espécie, notadamente porque, entre outras razões: i) não foi possível reconhecer de forma segura a distribuição de santinhos ou de material de campanha, em 24 .10.2020, por meio do referido helicóptero, nem que houve sobrevoo da aeronave no dia 14.11.2020, isto é, à véspera do pleito, em razão das incongruências entre os depoimentos prestados e a ausência de prova robusta; ii) não foi possível identificar gravidade apta a comprometer a legitimidade do pleito, pois os fatos nem sequer foram comprovados de forma robusta e inequívoca .6. Diante dos fundamentos do acórdão recorrido, reafirma–se que, para acolher as alegações recursais, a fim de entender comprovado o alegado abuso do poder econômico, seria necessária nova incursão nas provas dos autos, o que não se admite em recurso especial, a teor do verbete sumular 24 do TSE.7. Não obstante as alegações recursais e como anotado na decisão agravada, os agravantes se limitaram a transcrever as ementas dos acórdãos apontados como paradigmas, sem, todavia, realizar o necessário cotejo analítico entre os julgados confrontados, a fim de demonstrar a suposta divergência jurisprudencial, o que atrai a incidência do verbete sumular 28 deste Tribunal Superior. Nesse sentido: "Cotejar significa confrontar as teses das decisões colocadas em paralelo, de modo que a mera transcrição das ementas dos julgados não implica demonstração da divergência" (AgR–REspe 126–43, rel. Min. Nancy Andrighi, PSESS em 6.11 .2012). Igualmente: AgR–REspEl 0601131–14, rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 2 .10.2019.8. Na espécie, a conclusão da maioria do Tribunal Regional Eleitoral, soberano no exame de fatos e provas, foi no sentido de que não ficou configurado abuso do poder econômico, por não haver como identificar gravidade apta a comprometer a legitimidade das eleições na breve aparição de um único helicóptero em sobrevoo ao início e término de uma carreata, realizada há mais vinte dias antes do pleito eleitoral, e de que os demais fatos imputados aos demandados – distribuição de material de campanha em 24 .10.2020, por meio do helicóptero, sobrevoo da aeronave no dia 14.11.2020, compra indevida de combustível e distribuição de santinhos contendo desinformação – não foram comprovados de forma robusta e inequívoca .9. A alegação de que o acórdão regional não estaria em consonância com a orientação desta Corte Superior não se sustenta, pois, tal como anotado na decisão agravada, a conclusão do Tribunal a quo está alinhada com a jurisprudência do TSE, segundo a qual "para se caracterizar o abuso de poder, impõe–se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não constitui mais fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento" (AIJE 0601779–05, rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJE de 11.3.2021). CONCLUSÃO agravo regimental a que se nega provimento. (TSE - AREspEl: 06000014020216060028 JUAZEIRO DO NORTE - CE 060000140, Relator.: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 28/04/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 86)

Assim, no caso em tela, a tese de abuso de poder econômico carece de qualquer suporte probatório minimamente crível.

Por outro lado, sobre a captação ilícita de sufrágio, a acusação de compra de votos, por sua vez, assenta-se em terreno probatório ainda mais movediço.

Os depoimentos foram prestados por pessoas que a própria lei processual considera suspeitas – amigos do autor e adversários políticos dos réus – e que, por isso, foram ouvidas na condição de informantes.

A credibilidade dessa prova já seria naturalmente baixa, mas foi definitivamente sepultada quando uma das testemunhas-chave, no caso ANA RAQUEL OLIVEIRA DE AMORIN, admitiu que a motivação da sua mudança para o município seria para ter melhores condições profissionais (o que não se confirmou, de fato), que nunca recebeu qualquer pedido de voto em troca de benesse por parte dos recorridos ou de seus apoiadores e que o pedido de ajuda para custear sua mudança teria sido solicitado por sua própria iniciativa, sem qualquer vinculação com os ora recorridos.

Uma condenação não pode se basear em depoimentos frágeis e contraditórios.

O juízo de primeiro grau, ao fundamentar sua decisão, adotou integralmente a minuciosa análise do Ministério Público Eleitoral, que desqualificou a prova oral produzida pelo autor. E neste sentido, a sentença destacou a fragilidade da prova oral.

Transcrevo o trecho pertinente da sentença, que cita o parecer ministerial:

"De um lado, do impugnante, pode ser salientado que os informantes Ana Raquel Oliveira de Amorin, Fernando Luiz Araldi e Juliano Fassini nao prestaram compromisso com a verdade. [...] O testemunho de Junior Stephan Wasen, admitindo que solicitou dinheiro em troca de voto devido a dificuldades financeiras, apesar de saber que isso é crime, e afirmando que não se lembra de quem fez o Pix ou pagou pela ata notarial lavrada pela sua esposa no cartório, carece de qualquer credibilidade. [...] Lembra-se que a demasiada dependência de testemunhos de pessoas envolvidas na política partidária resulta na insuficiência do ônus da prova necessário para desconstituir um mandato eletivo. [...] E quando a prova testemunhal é dividida em dois lados e a credibilidade de um não se sobrepõe a do outro, não se tem a força necessária para o acolhimento da ação de impugnação de mandato eletivo."

Quanto aos supostos diálogos envolvendo promessa de benefícios e compra de votos, observa-se que não houve demonstração de vínculo direto com os candidatos impugnados, tampouco comprovação de que os bens, bebida alcoólica e dinheiro, teriam sido efetivamente entregues ou utilizados como meio de captação ilícita de sufrágio.

A sentença corretamente observou a ausência de vínculo direto dos impugnados com as supostas conversas apresentadas, registrando que “nenhuma das conversas supostamente mantidas por meio de aplicativo de mensagens consistem em diálogos mantidos pelos próprios impugnados, mas apenas por terceiros, inclusive pertencentes ao espectro político oposto."

Em tal contexto, tem-se que  os prints de redes sociais e atas notariais acostados aos autos revelam-se documentos unilaterais e não são capazes de salvar a tese acusatória, pois não registram qualquer diálogo que envolva diretamente os candidatos eleitos ou que contenha uma promessa explícita de vantagem em troca de voto que viesse alicerçada em qualquer outra comprovação, visto que conforme depoimentos prestados, se referem a situações relatadas por terceiros (como se extrai da ata notarial de JULIANO FASSINI, onde relata que "teriam teriam lhe falado" que determinada quantia de dinheiro, “tinha vindo do Rodrigo coisa e tal"), sendo, portanto, insuficientes para comprovar a materialidade e a autoria do ilícito previsto no art. 41-A da Lei n. 9.504/1997 – Lei das Eleições -, assim não servindo para infirmar a conclusão de que o pleito transcorreu com normalidade, tampouco para justificar a medida extrema de cassação de mandato de candidatos eleitos pelo voto popular:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.     (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

[...]

A jurisprudência do TSE tem reiteradamente enfatizado a necessidade de prova robusta e inequívoca para a configuração da captação ilícita de sufrágio, conforme o supracitado art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, tal qual a título exemplificativo trago à colação:

MCM 6/16 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL ACÓRDÃO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (11549) Nº 0600541–75.2020.6.12 .0022 (PJe) – GUIA LOPES DA LAGUNA – MATO GROSSO DO SUL Relator.: Ministro Mauro Campbell Marques Recorrente: Ministério Público Eleitoral Recorridos: Jair Scapini e outro Advogados: Maitê Nascimento Lima – OAB/ MS 22855 e outros ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41–A DA LEI Nº 9.504/1997. PREFEITO. VICE–PREFEITO. FRAGILIDADE DAS PROVAS. NÃO DEMONSTRADA A SUPOSTA COMPRA DE VOTOS. MERAS PRESUNÇÕES. ENUNCIADO Nº 24 DA SÚMULA DO TSE. NÃO CONSTATADO ROBUSTO CONJUNTO PROBATÓRIO DA PRÁTICA DO ILÍCITO ELEITORAL. ENUNCIADO SUMULAR Nº 30 DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. O TRE/MS, ao julgar o recurso eleitoral, manteve os termos da sentença, que julgou improcedente a representação por entender não comprovada a compra de votos. A Corte regional, soberana na análise do arcabouço fático–probatório dos autos, concluiu não haver elemento probante apto a corroborar a prática da conduta prevista no art. 41–A da Lei nº 9 .504/1997. 2. A partir das premissas fáticas delineadas no acórdão regional, é inviável acolher a argumentação do recorrente de ocorrência de captação ilícita de sufrágio sem proceder ao reexame do conjunto probatório dos autos, providência vedada nesta instância recursal, conforme o Enunciado nº 24 da Súmula deste Tribunal Superior. 3. A orientação do acórdão regional está em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior, segundo a qual, para ficar configurada a existência da captação ilícita de sufrágio, é necessário juntar aos autos robusto conjunto probatório da prática do referido ilícito eleitoral, não bastando meras presunções, sobretudo em virtude das graves sanções decorrentes da procedência do pedido. Precedentes. 4. Negado provimento ao recurso especial. (TSE - REspEl: 06005417520206120022 GUIA LOPES DA LAGUNA - MS 060054175, Relator: Min. Mauro Campbell Marques, Data de Julgamento: 12/08/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 165)

Em suma, no recurso ora em exame, outra conclusão não posso chegar se não a de que a análise de mérito apenas confirma a correção da sentença: a pretensão do recorrente é materialmente improcedente.

Ante o exposto, superada a preliminar de não conhecimento do recurso, VOTO por NEGAR PROVIMENTO ao Recurso interposto por LUIS GILBERTO RIZZARDI, mantendo-se integralmente a sentença de primeiro grau, nos termos da fundamentação.