REl - 0600465-10.2024.6.21.0168 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/08/2025 às 16:00

VOTO

 

I - Preliminares

Inicialmente, passo ao exame das preliminares suscitadas pelos recorrentes.

1. Da nulidade da prova digital e juntada extemporânea de documentos

Os recorrentes James Ayres Torres e Lauri Francisco Dagostini, que concorreram pela Coligação Faxinalzinho o Trabalho Não Pode Parar (PDT, MDB, PP, PL, PSB), sustentam a nulidade da prova digital acostada à inicial por Selso Pellin (CIDADANIA), alegando ausência de verificação da cadeia de custódia, autenticidade e integridade, em afronta aos requisitos previstos nos arts. 158-A a 158-F do Código de Processo Penal e no art. 411 do Código de Processo Civil.

Sustentam que o autor da ação, Selso Pellin, promoveu a juntada extemporânea, em sede recursal, de dois documentos com certificação digital emitida pela plataforma Verifact (IDs 126735874 e 126735876) e que os arquivos “verificados” — vídeos e prints de publicações em redes sociais — já constavam da petição inicial, razão pela qual a autenticação técnica deveria ter sido promovida naquela fase, sob pena de preclusão. Alegam, ainda, que o procedimento de verificação foi realizado por procurador da parte autora, o que comprometeria sua imparcialidade e impediria o contraditório.

As preliminares, no entanto, não merecem prosperar.

Como bem registrado na sentença e reiterado nas contrarrazões do Ministério Público Eleitoral, parte das imagens foi submetida à conferência pelas testemunhas em juízo (Josiane, Clarisse, Daiara), que reconheceram o local, os participantes e os elementos decorativos da festividade em questão, afirmando que retratavam o evento ou, no mínimo, festividade semelhante. E nenhuma das partes nega ter ocorrido o jantar para cerca de 200 pessoas com a apresentação de cantor que tocou instrumento musical.

As ponderações dizem respeito à valoração da prova no mérito, e não à sua inadmissibilidade formal.

Ademais, o autor da ação juntou, em sede recursal, relatório técnico de registro do conteúdo digital obtido por meio da plataforma Verifact (ID 126735874), que atende aos critérios legais de integridade e autenticidade digital.

A alegação de que o relatório Verifact teria menor valor por ter sido produzido por procurador da parte não se sustenta. O próprio relatório técnico esclarece que o sistema de verificação é automatizado, com emissão de hash e certificação ICP-Brasil, e que a atuação do usuário se restringe à navegação e captura, sem interferência no conteúdo registrado.

 Não bastasse isso, o Verifact tem sido aceito pelo TSE como meio de prova legítima (REspEl n. 06000611920246020028, Rel. André Mendonça, DJe 10.02.2025; AREspE n. 06000554420206160163, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 16.11.2021).

E, embora tal verificação não tenha sido apresentada com a petição inicial, admite-se a juntada de documentos complementares em grau recursal, desde que pertinentes e sem prejuízo ao contraditório, na forma do art. 435 do CPC, o que se verifica no caso dos autos. Conforme bem assinalado pelo Ministério Público Eleitoral nas contrarrazões, a juntada em grau recursal de documentos que apenas complementam a prova já apresentada anteriormente é admissível, desde que não configure inovação substancial e não cause prejuízo à parte contrária, o que ocorre na espécie.

Importante observar que os próprios candidatos também juntaram aos autos, com o recurso, imagens de redes sociais e prints de tela desacompanhados de ata notarial ou validação técnica, razão pela qual não há como exigir padrão diverso da parte adversa, sob pena de violação à paridade de armas.

Em grau recursal, os candidatos realizaram a juntada de novos documentos, trazendo prints de convites para eventos comunitários em Faxinalzinho, com o objetivo de demonstrar que é comum a ausência de menção a valores de ingressos nesses convites.

Assim, ambos os polos da demanda se valeram de documentos complementares apresentados após a sentença, de modo que não há como acolher a nulidade invocada apenas contra uma das partes, o que caracteriza indevida atuação em comportamento contraditório.

Os documentos “verificados” dizem respeito a provas que já estavam inseridas nos autos desde a inicial e que foram objeto de ampla análise pela sentença e pelas partes, inclusive tendo sido exibidas às testemunhas durante a instrução. A juntada dos relatórios técnicos com validação digital pela plataforma Verifact não introduz fato novo, tampouco inovação argumentativa, mas apenas busca atribuir confiabilidade técnica adicional a conteúdo probatório preexistente.

Dessa forma, diante da relevância instrumental da prova, da ausência de inovação de conteúdo, da inexistência de prejuízo ao contraditório e da reciprocidade de conduta processual, rejeito as preliminares.

2. Da ausência de legitimidade e interesse recursal do Ministério Público Eleitoral e de Selso Pellin

A defesa argui, ainda, que o Ministério Público Eleitoral e o autor da ação, Selso Pellin, não teriam interesse ou legitimidade para recorrer, por já terem obtido sentença favorável ao pedido principal de cassação e inelegibilidade dos investigados.

Também essa preliminar deve ser afastada.

Quanto ao Ministério Público Eleitoral, a legitimidade para a interposição de recurso está prevista no art. 996 do CPC, nos seguintes termos: “O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica”.

A jurisprudência consolidada do Tribunal Superior Eleitoral reconhece que o Ministério Público Eleitoral, ainda que atue como fiscal da ordem jurídica, tem legitimidade para recorrer das decisões quando entender que a sentença não acolheu integralmente as teses sustentadas nas alegações finais, como é o caso dos autos, em que o órgão postulou também o reconhecimento de captação ilícita de sufrágio e conduta vedada, além do abuso de poder econômico. A propósito: “Segundo já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral (ARE n. 728 .188/RJ), o Ministério Público Eleitoral tem legitimidade para recorrer de decisão que julga o pedido de registro de candidatura, mesmo que não haja apresentado impugnação anterior” (TSE, RESPE n. 21767, Rel. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicado em Sessão, Data 01.12.2016)

O mesmo se aplica ao candidato autor da AIJE, que logrou êxito parcial no pedido e recorre para ampliar a procedência.

Conforme entendimento do STJ: “’o interesse recursal repousa no binômio necessidade e utilidade. A necessidade refere-se à imprescindibilidade do provimento jurisdicional pleiteado para a obtenção do bem da vida em litígio, ao passo que a utilidade cuida da adequação da medida recursal alçada para atingir o fim colimado’ (STJ, REsp n. 1.732.026/RJ , Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 21.11.2018)” (AgInt no AREsp n. 1.013.111/RJ, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe 16.12.2019).

No caso, há interesse recursal, pois os recorrentes buscam a ampliação da tutela jurisdicional reconhecida na sentença de procedência em parte, diante da parcial sucumbência, não sendo necessário que tenha havido improcedência total.

 

3. Da alegada ausência de dialeticidade nos recursos do autor e do Ministério Público Eleitoral

Os candidatos sustentam que os recursos não atacariam os fundamentos específicos da sentença, incorrendo em ofensa ao princípio da dialeticidade.

A preliminar, contudo, não encontra amparo na realidade dos autos.

Tanto o recurso de Selso Pellin quanto o do Ministério Público Eleitoral apresentam fundamentação detalhada, com exposição dos motivos pelos quais entendem que a sentença foi omissa ou insuficiente quanto ao reconhecimento de outras infrações eleitorais além do abuso de poder econômico, indicando de forma clara os trechos impugnados e as provas que embasam sua irresignação.

Por essas razões, afasto todas as preliminares suscitadas e passo ao exame do mérito dos recursos.

 

II – Mérito

A presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) foi ajuizada por Selso Pellin, candidato à prefeitura de Faxinalzinho/RS pelo partido CIDADANIA, em face de James Ayres Torres (Prefeito) e Lauri Francisco Dagostini (Vice), eleitos pela Coligação Faxinalzinho o Trabalho Não Pode Parar (PDT/MDB/PP/PL/PSB), imputando-lhes a prática de abuso de poder econômico e político, captação ilícita de sufrágio e conduta vedada (uso de bem público com fins eleitorais).

O fato reside no evento denominado Encontro das Mulheres na Política, ocorrido em 12.09.2024, na sede da Associação dos Veteranos, em Faxinalzinho/RS. Na festividade houve jantar com alimentos e bebidas, e apresentação artística de músico (cantor Raick), além de discurso político dos candidatos.

A sentença reconheceu apenas o abuso de poder econômico, cassando os registros de candidatura, declarando os réus inelegíveis por 8 anos e determinando nova eleição, mas afastou os demais ilícitos.

Foram interpostos recursos por todos os polos do processo, inclusive pelo Ministério Público Eleitoral, que também atua como fiscal da ordem jurídica, pugnando pelo reconhecimento de todos os ilícitos imputados.

Passo ao exame das razões de reforma.

 

a) Prática de captação ilícita de sufrágio

A sentença afastou a caracterização da captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97) com base em dois fundamentos, referentes à ausência de pedido direto de voto em troca de vantagem indevida e no enquadramento mais apropriado dos fatos como abuso de poder econômico (ID 45887845).

Embora o autor e o Ministério Público Eleitoral sustentem que, no evento, houve alimentação gratuita e show musical custeado ou pelos próprios candidatos e coligação, ou por seus apoiadores, com discurso direto pedindo votos, assiste razão à sentença ao apontar que falta a prova do vínculo direto entre a vantagem e o voto de eleitores.

Veja-se que o convite do evento foi divulgado pelo próprio prefeito em seu perfil de rede social, conforme consta da imagem da postagem reproduzida na sentença, com referência à sua candidatura, demonstrando que se tratou de jantar, embora direcionado ao público feminino, vinculado à sua campanha, aos apoiadores da coligação e de sua vitória no pleito. Quem estava presente no jantar já se identificava, em alguma medida, com a candidatura, na forma de apoiador, militante, correligionário ou simpatizante.

Assim, correto o magistrado ao ponderar que as condutas praticadas pelos candidatos não caracterizam, necessariamente, captação ilícita de sufrágio, porque não preenchem os requisitos estritos do art. 41-A, que exige um comprometimento em dar o voto  em troca de vantagem individual.

Já  consignei no acórdão do recurso REl n. 0600615-77.2024.6.21.0010, de minha relatoria, julgado à unanimidade na sessão de 15.5.2025 (DJe de 20.5.2025),  que prevalece na jurisprudência o entendimento de que realizar ou participar de eventos, tais como almoços e jantares de campanha, ainda que destinados à conquista de eleitores, somente pode caracterizar a captação ilícita de sufrágio descrita no art. 41-A da Lei das Eleições quando evidenciada a relação comercial de troca do benefício pelo voto do eleitor, o que não se demonstrou. Colaciono a ementa do julgado:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. RECURSOS. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. JANTAR DE CAMPANHA REALIZADO POR APOIADORES. AUSÊNCIA DE PROVA DE TROCA DE VANTAGEM POR VOTO. IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DO ASSISTENTE. RECURSO PROVIDO.

I. CASO EM EXAME

1.1. Recursos eleitorais interpostos por candidato, não eleito ao cargo de vereador, e por federação partidária, na qualidade de assistente, contra sentença que julgou procedente representação por captação ilícita de sufrágio e determinou a cassação do registro de candidatura, a declaração de inelegibilidade, a nulidade dos votos, o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário e a aplicação de multa com fundamento no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, em razão da realização de jantar de campanha supostamente voltado à compra de votos.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2.1. Definir se o jantar de campanha organizado por apoiadores caracteriza captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei das Eleições.

2.2. Estabelecer se, sendo reformada a sentença, subsiste interesse recursal da federação quanto ao recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. Prevalece na jurisprudência o entendimento de que realizar ou participar de eventos, tais como almoços e jantares de campanha, ainda que destinados à conquista de eleitores, somente pode caracterizar a captação ilícita de sufrágio descrita no art. 41-A da Lei das Eleições quando evidenciada a relação comercial de troca do benefício pelo voto do eleitor (TSE, AC n. 06015160720176000000 Erechim/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE 19.4.2017).

3.2. Ausente demonstração do negócio jurídico de entrega do alimento em troca do voto, consolidou-se na jurisprudência que a conduta não representa infração eleitoral, por ausência de comprometimento da vontade do eleitor.

3.3. No caso, todas as provas apresentadas demonstram que a conduta se encontra dentro do permissivo jurisprudencial. Os registros fotográficos e filmagens juntados ao feito comprovam que se tratou de um evento específico da campanha do recorrente, e as pessoas ouvidas em juízo, referidas na sentença, confirmaram que o jantar se destinava ao apoio à candidatura do recorrente.

3.4. A instrução não demonstrou a existência de uma relação de troca, uma negociação de que o jantar estava condicionado ao voto dos eleitores presentes, o que reforça a ausência de dolo específico, elemento subjetivo indispensável para a caracterização do ilícito.

3.5. No contexto social e cultural das campanhas municipais, sobretudo em localidades de médio porte, como no caso, é comum a realização de encontros e jantares de mobilização voltados a grupos previamente alinhados com o candidato, pessoas já comprometidas com a campanha, seja como voluntários, colaboradores, familiares ou amigos.

3.6. A existência de prova colhida no local do evento afasta a ideia de vantagem oferecida em troca do voto, já que o jantar não almejava arregimentar votos de indecisos ou adversários, mas apenas reunir a equipe de campanha e suas redes pessoais de apoio.

3.7. A prova coligida descaracteriza a relação negocial exigida pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97, pois não há entrega de benesses como moeda de troca, mas sim convivência entre iguais: apoiadores mobilizados para a reta final da campanha.

3.8. Com o provimento do recurso interposto pelo candidato resta prejudicada a análise do mérito do recurso interposto pela federação, o qual visa unicamente afastar o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário decorrentes da cassação do registro de candidatura. Tal circunstância acarreta a ausência de interesse recursal, com o consequente não conhecimento do recurso, nos termos do art. 932, inc. III, do CPC.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Provimento do recurso do candidato. Recurso da federação não conhecido.

Teses de julgamento: “1. A configuração da captação ilícita de sufrágio exige a demonstração do especial fim de agir, consistente na entrega de vantagem pessoal em troca de voto, o que não se presume a partir da realização de eventos como almoços e jantares de campanha. 2. A perda superveniente do interesse recursal impede o conhecimento de recurso interposto.”

Dispositivos relevantes citados: Lei n. 9.504/97, art. 41-A; CPC, art. 932, inc. III.

Jurisprudência relevante citada: TSE, AC n. 0601516-07.2017.6.00.0000, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE 19.4.2017; TSE, REspEl n. 0000478-45.2012.6.05.0032, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJE 21.5.2015; TSE, REspEl n. 569-88, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE 21.2.2018; TRE-RS, RE n. 219-09.2016.6.21.0018, Rel. Des. Marilene Bonzanini, DJE 24.9.2018; TRE-RS, RE n. 346-13.2016.6.21.0093, Rel. Des. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, DJE 7.12.2016; TSE, REspEl n. 0600001-90.2021.6.06.0076, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE 26.9.2023.

Ressalto que o precedente acima não tratou do exame dos fatos sob o viés da prática de abuso de poder econômico, mas exclusivamente quanto à captação ilícita de sufrágio, infração que possui requisitos distintos, mas que, em ambos os casos, a gratuidade não revela a infração porque a alimentação e o contexto da festividade não foi entregue como contrapartida do voto.

Quando ausente demonstração do negócio jurídico de entrega do alimento em troca do voto, consolidou-se na jurisprudência que a conduta não representa infração eleitoral, por ausência de comprometimento da vontade do eleitor, conforme se verifica dos seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO . ART. 41-A DA LEI 9.504/97. ELEIÇÕES 2012 . AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. DESNECESSIDADE. 1 . A configuração de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/97) demanda a existência de prova robusta de que a doação, o oferecimento, a promessa ou a entrega da vantagem tenha sido feita em troca de votos, o que não ficou comprovado nos autos. 2 . Conforme a jurisprudência do TSE, o fornecimento de comida e bebida a serem consumidas durante evento de campanha, por si só, não configura captação ilícita de sufrágio. 3. A alteração das conclusões do aresto regional com fundamento nos fatos nele delineados não implica reexame de fatos e provas. Na espécie, a mudança do que decidido pela Corte Regional quanto à finalidade de angariar votos ilicitamente foi realizada nos limites da moldura fática do acórdão, sem a necessidade de reexame fático-probatório . 4. Agravo regimental não provido.

(TSE - RESPE: 00004784520126050032 PIRAÍ DO NORTE - BA, Relator.: Min. João Otávio De Noronha, Data de Julgamento: 28.04.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 95, Data 21.05.2015, Página 67.) – Grifei.

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO . ART. 41-A DA LEI 9.504/97. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO . COMPARECIMENTO DE CANDIDATO EM ALMOÇO. FRAGILIDADE DO ACERVO PROBATÓRIO. DISCURSO. IRRELEVÂNCIA . FINALIDADE  DE  COOPTAR  VOTOS.  NÃO  COMPROVAÇÃO.  AGRAVO  REGIMENTAL

DESPROVIDO. 1 . A configuração da captação ilícita de votos possui como consequência inexorável a cassação do diploma. Dada a gravidade da pena, faz-se mister a existência, nos autos, de conjunto probatório apto para demonstrar, indene de dúvidas, a ocorrência do ilícito. 2. O simples fato de o candidato se fazer presente em almoço ofertado a funcionários de empresa local não permite inferir que se trata de evento com fins eleitorais . 3. Para que seja caracterizada a captação ilícita de sufrágio, é necessária a demonstração do especial fim de agir consistente no condicionamento da entrega da vantagem ao voto do eleitor. 4. Na espécie, depreende-se do acervo probatório que a realização de almoço ofertado a funcionários da empresa Tucano Obras e Serviços Ambientais não foi condicionada à obtenção do voto, o que afasta a incidência do art . 41-A da Lei das Eleições, porquanto não demonstrado o especial fim de agir da conduta. 5. Agravo Regimental a que se nega provimento.

(TSE - RESPE: 56988 ERECHIM - RS, Relator.: Min . Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Julgamento: 19.12.2017, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 21.02.2018.) – Grifei.

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÃO 2016. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ARTE. 41-A DA LEI N. 9504/97. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. PREFEITO E VICE-PREFEITO ELEITOS. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. LICITUDE DAS GRAVAÇÕES AMBIENTAIS REALIZADAS SEM RESERVA DE SIGILO. MÉRITO. ALMOÇO EM TROCA DE VOTO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. DESPROVIMENTO.

(…) Mérito. 1. Captação ilícita de sufrágio. Distribuição de convites para almoço a reuniões em troca de voto. Não é comprovado, pelos elementos trazidos aos autos, que o evento tenha sido organizado como forma de obtenção de votos em benefício da candidatura dos recorridos. Sem prova robusta, inviável a caracterização da ilicitude prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97. 2. Abuso de poder econômico. Não demonstrada a destinação, direta ou intermediária de terceiros, de recursos financeiros para custear o encontro promovido. Manutenção do juízo de improcedência.

Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral 219-09.2016.6.21.0018, Rel. Des. Marilene Bonzanini, DJE 24.09.2018.) – Grifei.

Recurso. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Arte. 41-A da Lei n. 9.504/97. Improcedência. Eleições 2016.

Para a configuração da captura ilícita de sufrágio, é necessária a conjugação de elementos subjetivos e objetivos que revistam uma situação concreta. Oferecimento de jantar com distribuição de comidas e bebidas de forma gratuita. Não identificada a finalidade específica de obter o voto dos deputados presentes no evento. Jantar realizado para promover a campanha eleitoral dos recorridos, com distribuição de propaganda política. Não comprovada a intenção de compra dos votos. Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral 346-13.2016.6.21.0093/RS, Rel. Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, DJE 07.12.2016.) – Grifei.

 

No caso dos autos, todas as provas colhidas durante a instrução demonstram que a conduta se encontra dentro do permissivo jurisprudencial.

A existência de pedido de votos e de apoio político durante o evento não equivale a condicionamento do jantar ao voto. E a instrução não demonstrou a existência de uma relação de troca, uma negociação, de que o jantar com música estava condicionado ao voto dos eleitores presentes, o que reforça a ausência de dolo específico, elemento subjetivo indispensável para a caracterização do ilícito (TSE, REspEl n. 06000019020216060076 MAURITI - CE 060000190, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 26.9.2023).

A prova oral colhida em juízo igualmente não demonstra que houve acerto de jantar e música em troca do voto.

Josiane Maria de Oliveira foi ouvida como informante, é agente comunitária de saúde da prefeitura, afirmou que compareceu ao evento a convite de Leonir, do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), e que pegou carona com Fernanda, vinculada à coligação dos candidatos, demonstrando que era conhecida das organizadoras do evento, direcionado ao público feminino. Disse que o Secretário Municipal da Saúde estava presente, o qual havia lhe dito que era bom comparecer ao evento para manter seu emprego na prefeitura, mas não deu mais elementos de qualquer direcionamento institucional para sua participação ou de outras convidadas, e a menção à coação para comparecer ao evento sob risco de perder o emprego consta, de modo exclusivo, no seu depoimento. A depoente disse que no mesmo carro estavam suas colegas de trabalho do CRAS Thalia, Rosane, Elisete e Bruna, mas esse dado também restou não comprovado, nem tampouco a existência de pressão para que as demais comparecessem ao local.

No ponto, relembro que Josiane é informante e que, nos termos do art. 368-A do Código Eleitoral: “A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato”.

Prosseguindo quanto às declarações de Josiane, a depoente relatou que não pagou pela comida ou bebida, mas também não disse que a alimentação foi condicionada ao seu voto. Em seu depoimento, não mencionou qualquer coação, mobilização organizada por servidoras e organizadoras no sentido de condicionamento do jantar à promessa de voto dos convidados, tão somente referindo que houve pedido de votos, o que não equivale à negociação da janta pelo voto.

Josiane disse que Leonir, do CRAS, deu-lhe um convite “para se acaso tivesse eventualidade de aparecer alguém na hora, da Justiça, para comprovar que a gente estava pagando”, mas não apresentou tal documento e o convite, de todo modo, foi divulgado na internet. Além disso, a informante afirmou que nunca recebeu promessa de cargo ou de promoção em troca de apoio político, e disse que,  em sua fala o candidato a prefeito deu agradecimentos e pediu incentivo à continuidade do projeto político, mas sem qualquer oferta de vantagem na troca do voto. Em seu relato, o evento foi descrito como um encontro festivo e de confraternização, com comida, bebida, música e convívio social, algo comum em campanhas eleitorais.

A testemunha Daiara Aparecida Pagnussat, empresária e proprietária do restaurante JD e responsável pelo buffet do evento, confirmou que alugou o espaço diretamente com a associação, arcou com o valor de R$ 550,00 pelo uso do salão e contratou, por conta própria, a apresentação de músico, embutindo no valor do ingresso, de R$ 65,00, o aluguel do salão e o cachê do músico. Ela declarou não ter preferência política, tanto que fez eventos para adversários, e que cada participante pagou pelo jantar, bebida e música individualmente, com cobrança por comanda, com parte da arrecadação paga em dinheiro e parte via Pix. Referiu que ninguém da candidatura financiou, patrocinou ou ofereceu vantagem, e que não houve pagamento por parte dos candidatos. A decoração, brinquedo pula-pula e adesivos com número de campanha foram organizados por simpatizantes, e a presença de música foi uma iniciativa comercial própria, para aumentar o consumo de bebida. Referiu que o evento foi voltado a mulheres simpatizantes da candidatura, qualquer mulher que quisesse comparecer, e que os convites foram feitos informalmente pelas organizadoras, prática comum entre todos os candidatos. Disse que os candidatos subiram ao palco brevemente apenas para agradecer a presença e cantar uma música.

Daiara apresentou extratos de transferências via PIX (ID 45887826), com valores que variavam entre R$ 5,00 e R$ 20,00, mas não trouxe controle formal de pagamentos individualizados, lista de participantes ou comprovantes nominais e comandas. Relatou que os convites foram distribuídos informalmente entre simpatizantes das candidaturas de James e Lauri, sem publicidade voltada ao público em geral. Destacou ainda que o evento foi concebido como um momento de confraternização entre apoiadoras.

A informante Clarisse Fátima Borno, servidora pública municipal, relatou que participou da organização por iniciativa própria, como simpatizante da candidatura. Ela informou que tratou com Daiara sobre a realização do evento, solicitando apenas a organização da comida e da bebida, e que o valor inicialmente combinado foi de R$ 55,00, depois reajustado para R$ 65,00 devido à presença de músico. Afirmou que todos os participantes pagaram individualmente pela janta, incluindo ela, que pagaram em dinheiro no dia seguinte. Disse que o grupo responsável pelo evento foi formado por mulheres simpatizantes do partido, que se organizou por WhatsApp e também se reuniu presencialmente, e que o evento era aberto ao público que apoiava os candidatos, reforçando o caráter informal e segmentado do evento.

Clarisse esclareceu que a decoração do local foi feita coletivamente, com cada mulher levando alguns itens, como balões, e afirmou que o candidato James falou brevemente no microfone e cantou uma música. Não declarou ter atuado por ordem superior nem durante o expediente de trabalho, e não indicou qualquer direcionamento institucional. Segundo relatou, o evento foi organizado por um grupo de mulheres apoiadoras, que, de forma espontânea, dividiram tarefas e contribuíram com itens diversos, como balões, cartazes e faixas, com o objetivo de promover um momento de confraternização e integração política entre simpatizantes. Não soube informar se todas as participantes arcaram com seus respectivos custos, reconhecendo que esse controle não foi formalizado ou exigido pelas organizadoras.

Já Matheus Oltramari, presidente da Associação dos Veteranos, ouvido como informante, esclareceu que a entidade é pessoa jurídica de direito privado, que administra o local há mais de 20 anos, com autonomia financeira e decisória. Afirmou que o imóvel foi cedido legalmente ao grupo por meio de concessão de uso, que cobra aluguel de todos os usuários e que o Município não interfere na gestão ou operação do espaço. Confirmou que o evento foi contratado diretamente por Daiara, com pagamento no valor de R$ 550,00, e que não houve gratuidade nem patrocínio por parte da associação, do município ou de qualquer candidato.

Os depoimentos apenas demonstram ter acontecido um evento com feição eleitoral, promovido por apoiadoras dos candidatos eleitos, com fornecimento de alimentação, bebida e música, e pedido de apoio político.

A tese de ausência de valor no convite do evento investigado não comprova, por si só, a sua gratuidade e nem demonstra que houve um condicionamento do jantar ao voto.

Diante disso, concluo que a prova oral não contém elementos suficientes para sustentar que houve troca do jantar pelo voto, e tenho por descaracterizada a relação negocial exigida pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97, pois não há entrega de benesse como moeda de troca, mas sim convivência entre apoiadores mobilizados na campanha.

Portanto, os recursos não procedem neste ponto.

b) Prática de conduta vedada e de abuso de poder político

A inicial apontou como conduta vedada a realização de evento em bem público com finalidade eleitoral - o “Encontro das Mulheres na Política” - realizado em 12.9.2024 na sede dos Veteranos, em Faxinalzinho/RS, com a presença dos candidatos eleitos.

Segundo a parte autora, a sede é bem público cedido à associação, configurando uso indevido, nos termos do art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, agravado pela presença de apresentações artísticas e distribuição gratuita de alimentos, bebidas e transporte. Além disso, afirma-se que, durante o evento, os candidatos investigados discursaram enaltecendo as ações da administração municipal, da qual eram aliados políticos, com promoção institucional indevida.

Além disso, foi referido que em 20/08/2024 foi aberta licitação na modalidade concorrência pública, para a execução de obra de melhoria na “Sede dos Veteranos”, a ser custeada com recursos federais e municipais.

Contudo, a sentença não reconheceu a prática de conduta vedada, por interpretação restritiva do conceito de “bem público”, citando a doutrina de José Jairo Gomes, e entendendo ser essencial, para a caracterização do ilícito, que o bem esteja vinculado à finalidade pública. Além disso, não há qualquer elemento nos autos que permita associar o procedimento administrativo a qualquer outro ilícito eleitoral. O objeto da investigação eleitoral é a realização de evento com suposto desvio de finalidade, e não a regularidade de contratos administrativos, nem há demonstração de que tenha havido uso de recursos públicos no evento, tampouco que a licitação tenha sido utilizada como meio de aliciamento de eleitores. 

No caso em tela, conforme consta da sentença: “o imóvel, embora de propriedade municipal, está desafetado e cedido, há longa data, a particular, que o explora livremente e, inclusive, permite uso por qualquer interessado”. A cessão data de 2007. Assim, é acertado o raciocínio que “considera bem público para fins de incidência dessa vedação, quando se tratar de imóvel, aquele afeito ao desenvolvimento de atividade pública ou, pelo menos, sob ingerência ostensiva do ente público, de modo que a imagem do candidato que dele se vale acaba associada ao erário”. Nesse sentido, os julgados citados na decisão:

ELEIÇÕES 2018. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL POR CONDUTA VEDADA - REUNIÃO POLÍTICA EM BEM DE PROPRIEDADE DA PREFEITURA MUNICIPAL - DESAFETAÇÃO DO BEM PÚBLICO - CONDUTA VEDADA NÃO CARACTERIZADA. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL JULGADA IMPROCEDENTE. 1. A vedação do uso de bem público, em benefício de candidato, não abrange bem público de uso comum ou de fruição coletiva, caracterizando a desafetação do bem público. 2. Não configura conduta vedada a realização de reunião política em associação de bairro. 3. Representação eleitoral improvida. (TRE-PR - RepEsp: 0604017-50.2018.6.16.0000 CORONEL VIVIDA - PR, Relator: Rogério De Assis, Data de Julgamento: 23/09/2019, Data de Publicação: DJ-, data 27/09/2019).

RECURSO ELEITORAL – REPRESENTAÇÃO POR CONDUTA VEDADA – UTILIZAÇÃO DE IMÓVEL PÚBLICO EM FAVOR DE CAMPANHA ELEITORAL – ART. 73, I, DA LEI Nº 9.504/97 – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. Uso de bem público para a realização de evento político-eleitoral – Imóvel de propriedade do Município – Ausência de comprovação da alegada cessão do prédio em favor de espaço comunitário, quer de fato, quer de direito – Conduta vedada caracterizada. Caso que não ostenta gravidade suficiente apta a ensejar a incidência da pena de cassação do registro ou diploma, vez que foi comprovada única reunião, sem a indicação exata do número de participantes (ouvintes) e da duração do evento. Recurso provido para impor pena de multa no valor equivalente a 5.000 (cinco mil) UFIRs a cada um dos recorridos, com fundamento no § 8º do artigo 73 da Lei nº 9.504/1997. (TRE-SP - REl: 0600995-26.2020.6.26.0132 SÃO SEBASTIÃO - SP 060099526, Relator: Afonso Celso da Silva, Data de Julgamento: 18/04/2022, Data de Publicação: 25/04/2022)

Como se vê, a sede da Associação dos Veteranos é um bem público, de propriedade do Município de Faxinalzinho, mas está cedida à associação privada desde 2007, por força da Lei Municipal n. 984/06, em regime de concessão de uso. A cessão é correta ao entender que “O imóvel é gerido no interesse da associação privada, com aluguel de salão para qualquer interessado. Logo, trata-se de bem administrado por particular”.

De acordo com o depoimento de Matheus Oltramari, presidente da associação, e com os próprios documentos constantes dos autos, a estrutura e o terreno são da Prefeitura, mas, há quase 20 anos, estão sob gestão da associação, que explora o espaço para eventos, mediante pagamento de aluguel. O local não é utilizado para prestação direta de serviços públicos e é gerido exclusivamente pela diretoria da associação, que define condições de uso e tarifas, sem ingerência do poder público.

Apesar de o imóvel ser, sob o ponto de vista dominial, de titularidade pública, ele está há quase duas décadas desafetado e destinado à exploração privada, em regime de concessão, sem destinação a serviço público nem controle da administração direta, o que afasta a configuração de “uso de bem público” para fins do art. 73, inc. I, da Lei das Eleições, e de abuso de poder político. Com esse entendimento, cito precedente:

RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PEÇA RECURSAL INTERPOSTA VIA ELETRÔNICA. TEMPESTIVIDADE. MÉRITO. BEM PARTICULAR. VEÍCULO CONTRATADO PELA PREFEITURA PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. USO EM CAMPANHA POR CANDIDATO. DIA NÃO-ÚTIL. INEXISTÊNCIA NO CONTRATO DE CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE. BEM DESAFETADO DO CARÁTER PÚBLICO. INOCORRÊNCIA DO ALEGADO ABUSO. SENTENÇA MANTIDA. AÇÃO IMPROCEDENTE. RECURSO DESPROVIDO. Inexiste limite de horário, em consonância com o expediente do cartório, para interposição de recurso por meio eletrônico, nos termos da Resolução TRE-MS n .º 558/2016 e do art. 213 do Código de Processo Civil, segundo o qual a prática eletrônica de ato processual pode ocorrer em qualquer horário até as 24 (vinte e quatro) horas do último dia do prazo. Recurso conhecido, com o afastamento da preliminar, já que interposto no tríduo legal e em observância a tais regras. Não há que se falar em uso indevido de bem público em favor do candidato se o veículo de propriedade particular e utilizado como palanque de comício em dia em que não estava a serviço da prefeitura, embora prestasse serviço público de coleta de lixo, não fora contratado com cláusula de exclusividade. Respeitados, pois, os estritos limites do pacto firmado, resta ao particular o exercício dos direitos de propriedade sobre o veículo, especialmente o de uso e gozo. Diante da conclusão de que o fato praticado e narrado na inicial não constitui ilícito eleitoral na forma de abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, o desprovimento da insurgência recursal se mostra como medida que se impõe.

(TRE-MS - RE: 26381 DOIS IRMÃOS DO BURITI - MS, Relator.: RAQUEL DOMINGUES DO AMARAL, Data de Julgamento: 13/06/2017, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eleitoral, Tomo 1758, Data 23/06/2017, Página 20)

 

Assim, é razoável o raciocínio da sentença ao reconhecer, expressamente, que se trata de bem público desafetado, disponível para uso por qualquer interessado mediante ajuste com a associação, e que não há serviço público desenvolvido no local, tampouco vínculo funcional direto com a administração pública ou instrumentalização da coisa pública.

O entendimento merece ser mantido, pois, embora seja formalmente um bem pertencente ao município, a sua afetação privada e a ausência de destinação pública atual excluem a aplicação do art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97 (conduta vedada por uso de bem público) e da prática de abuso de poder político, conforme a própria sentença reconheceu e como reforçado nas contrarrazões do Ministério Público Eleitoral e das partes.

Também argumenta-se que o evento contou com a presença ativa de secretários e agentes públicos, que teriam mobilizado eleitores e organizado parte da estrutura do evento, mas não foi comprovado que houve abuso de poder político para forçar a presença de servidores no local, sendo certo que ocorreu fora do expediente.

A mera presença de agentes públicos em eventos de natureza política, fora do expediente e sem uso de estrutura administrativa, não configura abuso de poder político, pois tais indivíduos, como qualquer cidadão, mantêm intactos seus direitos políticos e liberdade de expressão.

Desse modo, não há, nos autos, prova de que agentes públicos tenham atuado institucionalmente ou sob ordens da administração municipal para favorecer os candidatos investigados, nem que tenha havido mobilização de eleitores com uso de estrutura de governo.

O certo é que não houve demonstração de que a municipalidade tenha se mobilizado institucionalmente para favorecer a campanha, tampouco prova de que servidores tenham atuado por comando hierárquico ou em horário de expediente. Tampouco se verifica o uso de logomarcas oficiais, bens materiais do município, ou ações administrativas instrumentalizadas com finalidade eleitoreira.

Destarte, mantenho a sentença nesse ponto.

c) Prática de abuso de poder econômico

Foi reconhecida a ocorrência de abuso de poder econômico com base em três fundamentos principais extraídos das provas dos autos: a magnitude do evento, que envolveu show musical (voz e violão), a ausência de comprovação do custeio pelos participantes e o alcance e repercussão da iniciativa em um município de pequeno porte.

Conforme registrado na sentença, o evento “Encontro das Mulheres na Política”, realizado em 12 de setembro de 2024, contou com cerca de 200 participantes — o que corresponderia, segundo o juízo, a aproximadamente 10% do eleitorado do município. Faxinalzinho tem o total de 2.520 eleitores, e a eleição foi definida por 1.260 contra 997 votos para o segundo colocado.

Destacou-se que, mesmo sem comprovação cabal de quem custeou o jantar, os elementos probatórios levavam à inferência de que os convidados não suportaram a integralidade de suas próprias despesas. A ausência de comprovantes individualizados de pagamento e a falta de controle formal do ingresso foram interpretadas como indicativo de que o evento foi, no essencial, gratuito para os presentes.

A sentença também enfatizou o viés econômico do encontro. O valor estimado para o jantar do evento “Mulheres na Política” foi de R$ 65,00 por pessoa, pela comida e música, conforme declarou Daiara. Considerando a presença de aproximadamente 200 pessoas, a sentença estimou o custo total do evento em cerca de R$ 13.000,00, valor ainda a ser acrescido com o custo das bebidas, que também foram servidas.

O magistrado argumentou que tal valor, “na particularidade da população do município de Faxinalzinho e na rotina da pequena comerciante Daiara”, representava algo marcante, apto a configurar vantagem indevida com potencial de desequilibrar o pleito.

Adicionalmente, a sentença deu peso à divulgação prévia do evento nas redes sociais, inclusive com postagens do próprio candidato James Ayres, e à repercussão posterior entre a comunidade. O juízo considerou que mesmo eleitores que não compareceram teriam tido conhecimento do ato e percebido que “a candidatura dos representados proporcionou festividade de grande porte a elevado número de mulheres”, gerando efeito simbólico e eleitoral relevante.

De fato, foi demonstrado que o evento ocorreu em condições não comprovadamente onerosas para todos os presentes, na presença dos candidatos com discurso e performance artística, divulgação com propaganda eleitoral, possível custeio indireto ou parcial pelas próprias organizadoras.

Contudo, os discursos proferidos durante o evento, conforme os próprios depoimentos, foram breves, genéricos e direcionados a simpatizantes, não havendo comprovação de que tenham envolvido uso da estrutura pública ou recursos institucionais, nem qualquer promessa de vantagem administrativa condicionada à eleição. A exaltação de qualidades pessoais, valores e continuidade de projetos, típica de campanhas políticas, não é suficiente para configurar o ilícito.

E ainda que se reconheça que o evento contou com a presença de cerca de 200 pessoas, o que representa quase 10% do eleitorado local, tal dado, por si só, não autoriza a conclusão de que tenha havido prática ilícita apta a comprometer a lisura do pleito. O comparecimento expressivo se explica pelo engajamento das apoiadoras da candidatura, organizadoras do jantar, o qual teve viés político-comemorativo e foi voltado a um público já alinhado, sem evidência de cooptação de indecisos, promessa de vantagens pessoais ou instrumentalização de estrutura pública para mobilização. 

Não há individualização de benefícios aos presentes, e a tese de que o número de votos decorreu diretamente do jantar não se sustenta se considerar que os candidatos venceram com folga. A vitória dos eleitos, com diferença de mais de 250 votos, reforça a ausência de nexo de causalidade entre o evento e o resultado das urnas, afastando a gravidade necessária à configuração da prática de abuso de poder.

E as falas dos candidatos durante o evento, ainda que contenham menções à continuidade de ações e ao apoio da gestão anterior, não extrapolam os limites do debate político natural e da retórica própria do período eleitoral. A exaltação de políticas públicas ou de administrações aliadas, por si só, não caracteriza uso indevido da máquina pública e abuso de poder econômico.

Quanto à apresentação musical, o art. 39, § 7º, da Lei n. 9.504/97 veda a realização de “showmício e de evento assemelhado, ainda que não haja pedido explícito de votos”. O art. 75 da Lei das Eleições proíbe a contratação de shows artísticos pagos com recursos públicos, o que não é o caso dos autos.

Nesse ponto, correta a decisão de que a presença de cantor e músico, com estrutura de som e iluminação, e participação dos candidatos no palco, com discurso e canto, caracteriza o evento como show. A realização de showmício ou evento assemelhado, com apresentação de artista para animar o ato, constitui meio proscrito de propaganda, expressamente vedado pelo art. 39, § 7º, da Lei n. 9.504 /97 (TSE, Ac. de 10.4.2025 no AgR-REspEl n. 060004034, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira).

A mera realização de showmício não representa, de forma objetiva, prática abusiva, porquanto necessário analisar a gravidade das circunstâncias:

Direito Eleitoral. Agravo interno em Recurso Especial Eleitoral com Agravo. Eleições 2016. Ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) . Abuso do poder econômico não comprovado. Reexame de fatos e provas. Súmula nº 24/TSE. Inexistência de dissídio jurisprudencial. Súmula nº 28/TSE. Desprovimento. 1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a agravo nos próprios autos interposto para impugnar decisão de inadmissão de recurso especial eleitoral. 2. Embora a Corte Regional tenha reconhecido a ocorrência de evento assemelhado a showmício, não vislumbrou a presença da gravidade necessária para configurar o abuso do poder econômico. 3. O acórdão regional está alinhado à jurisprudência do TSE no sentido de que a caracterização do abuso do poder econômico pressupõe a existência de provas robustas e incontestes aptas a macular a legitimidade e a normalidade das eleições no caso concreto. A modificação da conclusão do Regional exigiria o reexame do conjunto fático–probatório, o que é vedado nesta instância especial (Súmula nº 24/TSE). 4. Não se conhece de recurso especial fundamentado em dissídio jurisprudencial nas hipóteses em que, a pretexto de modificação da decisão recorrida, objetive–se o revolvimento do conjunto fático–probatório. Precedente. Além disso, não se conhece de recurso especial eleitoral por dissídio jurisprudencial quando não há similitude fática entre os arestos confrontados (Súmula nº 28/TSE). 5. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE - AI: 42596 ATALAIA - PR, Relator.: Min . Alexandre de Moraes, Data de Julgamento: 12/03/2020, Data de Publicação: 10/11/2020)

 

Não verifico que o jantar tenha sido suficientemente grave para comprometer o resultado do pleito pelo viés econômico.

Se de um lado, tem-se a vulnerabilidade da população que lá compareceu, de outro, é certo que aquele público já era apoiador, correligionário, simpatizante ou militante da candidatura e, como dito, a jurisprudência não trata como ilícitas confraternizações eleitorais desse tipo. A vantagem eleitoral de 263 votos pode ter decorrido de apoio orgânico consolidado, não de investimento patrimonial indevido em jantar organizado por pessoas já apoiadoras da campanha.

Ainda que tenha havido música e oferta de alimentação, parte dos pagamentos foi comprovadamente realizada pela proprietária do restaurante, Daiara, cuja movimentação bancária foi objeto de quebra de sigilo.

Conforme demonstrado nos extratos bancários e nos comprovantes juntados aos autos, Daiara recebeu pagamentos quanto ao evento, o que reforça a tese de que os custos foram suportados por apoiadores da candidatura, e não pelos candidatos ou pela coligação.

Além disso, a própria Daiara confirmou, em juízo, que foi procurada por Clarisse — também apoiadora da candidatura — para prestar o serviço de jantar.

A prova testemunhal convergiu no sentido de que a confraternização não teve como finalidade a cooptação de eleitores indecisos ou o aliciamento de eleitores mediante vantagem econômica, mas consistiu em reunião de militantes e simpatizantes já alinhados à candidatura, situação que não configura ilícito eleitoral.

O evento destinou-se a simpatizantes e militantes pré-alinhados à candidatura, não a eleitores indecisos ou cooptáveis por vantagens materiais e, em termos econômicos, o jantar teve gasto aproximado de R$ 13.000,00 para 200 participantes, o que representa 8,13% do limite de gastos para a campanha, que era de R$ 159.850,76.

O valor despendido, embora não irrelevante, representou percentual modesto do limite legal de gastos. Tampouco se verificou uso de recursos públicos, o que reforça a conclusão de que a iniciativa, ainda que questionável sob certos aspectos, não extrapolou os limites da legalidade eleitoral.

Não se desconsidera que, em se tratando de abuso, o candidato pode ser alcançado com o juízo de procedência por ser meramente beneficiário da prática abusiva, ainda que o valor indevidamente empregado na campanha não se trate de recursos pessoais (TSE, RESPE n. 27238, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 02.4.2018), e que “para a caracterização do abuso do poder econômico desimporta a origem dos recursos, configurando-se o ilícito  no aporte de recursos de caráter privado ou público” (Zilio, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 10.ed. São Paulo: JusPodivm, 2024, p. 733).

Ainda que tenha havido música e oferta de alimentação, parte dos pagamentos foi comprovadamente realizada pela proprietária do restaurante, Daiara, cuja movimentação bancária foi objeto de quebra de sigilo.

Conforme demonstrado nos extratos bancários e nos comprovantes juntados aos autos, Daiara recebeu parte dos pagamentos quanto ao evento. Daiara recebeu via Pix em 12.09.2024 (dia do evento), 22 transações, embora identificadas com valores inferiores a R$ 65,00, informado como custo do jantar, aluguel do local e música. A maioria oscilou entre R$ 5,00 e R$ 12,00, compatíveis com o custo de bebidas (refrigerantes/cervejas), e os dois valores mais altos foram R$ 20,00 e R$ 18,00, sendo um total recebido nesse dia de R$ 186,90 (conforme somatório dos comprovantes). Houve pagamentos via Pix em 13.09.2024 (dia seguinte), ocasião em que o restaurante de Daiara estava em funcionamento, e 6 transações foram superiores ao valor do jantar, embora nenhuma na quantia de R$ 65,00.

Apesar da alimentação e música no evento, os elementos colhidos durante a instrução não demonstram, de forma convincente, a gravidade necessária à configuração do abuso de poder econômico. A fragilidade no rastreamento completo do custeio não autoriza, por si só, a imposição de sanções extremas como a cassação de diploma ou a declaração de inelegibilidade, sem prova de que os fatos imputados tiveram gravidade suficiente para comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito.

No caso em exame, está ausente prova de financiamento direto ou indireto pelos candidatos, e o público que participou do evento era eminentemente militante, o que não revela gravidade para a configuração do abuso de poder econômico.

Do contexto da prova, verifica-se que a atuação dos representados se limitou à presença no evento, sem participação na organização, contratação de serviços ou distribuição de bens. A prova oral convergiu no sentido de que a confraternização não teve como finalidade a cooptação de eleitores indecisos ou o aliciamento de eleitores mediante vantagem econômica, mas consistiu em reunião de militantes e simpatizantes já alinhados à candidatura, situação que não configura ilícito eleitoral, e afasta o elemento de gravidade exigido pela jurisprudência para a configuração do abuso de poder econômico.

Considero que ausente demonstração de dolo, gravidade e desequilíbrio da disputa, a aplicação de sanções de natureza extrema, como a inelegibilidade e a cassação do diploma, não se revela juridicamente amparada. Não há indícios de que o evento tenha alterado a percepção da comunidade além do círculo de apoiadores, ao contrário do reconhecido na sentença.

O fato de o público presente ser composto majoritariamente por apoiadores já identificados com a candidatura enfraquece a tese de aliciamento de eleitores mediante vantagem econômica. A ausência de direcionamento explícito a eleitores indecisos, somada à natureza segmentada do evento, afastam a ideia de que tenha havido uso desproporcional de recursos com aptidão para influenciar decisivamente o resultado da eleição.

Eventos como o retratado no feito, ainda que divulgados em redes sociais, se inserem na dinâmica social corriqueira da comunidade, sendo manifestações espontâneas de convívio entre moradores vinculados à campanha. Houve realização de jantar em ambiente privado e comunitário, para pessoas pertencentes ao mesmo grupo político, sem indícios de desequilíbrio entre os candidatos e, em consequência, do desfecho do pleito e sua lisura. Cito precedente:

RECURSOS ORDINÁRIOS. ELEIÇÕES 2014. GOVERNADOR. AIJE . PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE PASSIVA, CARÊNCIA DA AÇÃO E VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL, AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. REJEIÇÃO. MÉRITO . ABUSO DO PODER ECONÔMICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO. 1 . O candidato supostamente beneficiado pelo abuso de poder possui legitimidade para figurar no polo passivo da ação de investigação judicial eleitoral ainda que a conduta investigada não seja atribuída a ele. 2. A abertura de investigação judicial eleitoral demanda a indicação de provas, indícios e circunstâncias da suposta prática ilícita, não sendo exigível prova pré-constituída dos fatos alegados. Na espécie, a representante atendeu à exigência legal, pois narrou, na exordial, o fato que entendeu caracterizar abuso do poder econômico e anexou quatro DVDs contendo fotos e vídeos da distribuição de comida e bebida durante a convenção partidária, além de ter arrolado testemunhas. 3. Não viola o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa o fato de o julgador formar sua convicção pela livre apreciação de fatos públicos e notórios, de indícios e presunções e da prova produzida, atentando para fatos e circunstâncias, ainda que não alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral, a teor dos arts. 7º, parágrafo único, e 23 da LC 64/90. 4 . No caso dos autos, a conduta praticada - fornecimento de alimentação e bebida, no horário de almoço, aos participantes de convenção partidária - não configurou abuso do poder econômico, porquanto não apresentou gravidade para prejudicar a normalidade e a legitimidade do pleito. 5. Recursos ordinários de Confúcio Aires Moura e de Daniel Pereira providos para reformar o acórdão regional, julgando-se improcedentes os pedidos formulados na AIJE. Procedência do pedido na ação cautelar . 6. Prejudicado o recurso ordinário da Coligação Frente Muda Rondônia.

(TSE - AC: 18947 PORTO VELHO - RO, Relator.: JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 30/09/2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 222, Data 24/11/2015, Página 192/19)

 

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso do poder econômico e político. Improcedência . Arts. 19 e 22 da Lei Complementar n. 64/90. Eleições 2016 . Peça recursal estribada em dois fatos: 1) a distribuição gratuita de comida e bebida em reuniões políticas promovidas pelos recorridos, e 2) aumento de despesas com horas extras de servidores para a realização de obras, segundo informação obtida no portal de transparência do município. Caderno probatório insuficiente a revelar suposto cometimento de abuso de poder econômico e político, ou mesmo captação ilícita de sufrágio. Para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam, não vislumbrada na espécie. Sentença de improcedência confirmada . Provimento negado.

 

(TRE-RS - RE: 0000277-02.2016.6 .21.0086 TRÊS PASSOS - RS 27702, Relator.: DESEMBARGADOR ELEITORAL CARLOS CINI MARCHIONATTI, Data de Julgamento: 31/01/2017, Data de Publicação: DEJERS-17, data 01/02/2017)

 

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FALTA DE INTERESSE RECURSAL DA CANDIDATA A VICE–PREFEITA . AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO ENTRE O CANDIDATO BENEFICIADO E O AUTOR DA CONDUTA ILÍCITA. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO TSE PARA AS ELEIÇÕES 2018 E SEGUINTES. PARTICIPAÇÃO DO CANDIDATO A PREFEITO EM EVENTO DE PEQUENAS PROPORÇÕES COM A PRESENÇA DE PRÉ–CANDIDATOS . ABUSO DE PODER ECONÔMICO NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE. 1. Falta de interesse recursal da segunda recorrente . O pedido de declaração de inelegibilidade foi julgado procedente apenas em relação ao primeiro recorrente, tendo sido julgado improcedente em relação à segunda recorrente, à qual não foi imposta sanção alguma. 2. Rejeição da preliminar de decadência. De acordo com a mais recente jurisprudência do TSE, não há necessidade de formação de litisconsórcio passivo entre os candidatos e o terceiro que tenha praticado a conduta tida como ilícita, conforme entendimento fixado por aquela Corte para os feitos que tratem das eleições de 2018 e seguintes . 3. Mérito. Participação do primeiro recorrente, candidato ao cargo de Prefeito, em um churrasco, durante o qual foi realizada uma transmissão ao vivo (live) no Facebook por um dos presentes. A partir da análise do conteúdo probatório, não se constata a presença nos autos de elementos suficientes a configurar o abuso de poder econômico, por se tratar de evento com a participação de pequeno número de pessoas, em local fechado (no quintal de uma casa), não havendo prova da repercussão ou da gravidade das condutas para influenciar a vontade livre do eleitor e desequilibrar a disputa entre os candidatos . 4. Depreende–se do conjunto probatório que tal evento não teve grandes proporções e foi majoritariamente direcionado a pessoas que já apoiavam a candidatura do recorrente, inclusive pré–candidatos a Vereador pertencentes ao mesmo grupo político do recorrente, não apresentando, assim, magnitude suficiente para comprometer a legitimidade da eleição ou para corromper a liberdade de voto do eleitor. 5. O conteúdo da live permite concluir que o evento foi aproveitado para promover a pré–candidatura do recorrente, mas essa não é prova suficiente de que tenha sido realizado com essa finalidade, e, ainda que isso tenha ocorrido, as circunstâncias do evento não revelam gravidade suficiente para configurar o abuso de poder político . 6. A presença do recorrente no local revela que ele tomou conhecimento do churrasco e, consequentemente, anuiu com a sua realização, já que nada fez para impedi–la, mas não restou comprovado nos autos que o evento tenha sido custeado por ele. Ainda que isso tenha ocorrido, não se comprovou a utilização desmedida de recursos econômicos capaz de viciar a vontade do eleitor. 7. Considerando–se o acervo probatório produzido, a legislação aplicada à espécie e o prevalente entendimento jurisprudencial da Corte Superior quanto à necessidade de prova robusta para a configuração da conduta abusiva, é forçoso reconhecer a não caracterização do abuso do poder econômico, sendo imperiosa a reforma da decisão de primeiro grau para reconhecer a improcedência da ação de investigação judicial eleitoral. 8. NÃO CONHECIMENTO do recurso em relação à segunda recorrente. PROVIMENTO do recurso em relação ao primeiro recorrente, para julgar improcedente o pedido de declaração de inelegibilidade.

(TRE-RJ - REl: 06004927020206190141 CARDOSO MOREIRA - RJ 060049270, Relator.: Des. Afonso Henrique Ferreira Barbosa, Data de Julgamento: 14/03/2023, Data de Publicação: 17/03/2023)

 

O abuso de poder econômico exige demonstração robusta de uso desproporcional de recursos com aptidão concreta para desequilibrar o pleito, o que não se verifica na espécie. Ainda que o evento tenha contado com estrutura considerável e certa repercussão local, é imprescindível destacar que a aferição do abuso de poder econômico exige não apenas a existência de gastos ou benefícios indiretos, mas a demonstração inequívoca de que tais condutas tiveram potencial real para comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito.

No caso concreto, os elementos constantes dos autos não permitem concluir pela existência desse grau de gravidade, a qual não se presume, não se vislumbrando desequilíbrio concreto na disputa eleitoral.

Dessa forma, ausente o requisito da gravidade qualificada, considero que o evento não comprometeu a paridade de armas entre os candidatos, impondo-se o afastamento da configuração do abuso de poder econômico, por falta do requisito de gravidade apta a comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito, com a consequente improcedência da ação.

DIANTE DO EXPOSTO, rejeito a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento dos recursos interpostos por SELSO PELLIN e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, e pelo provimento do recurso interposto por JAMES AYRES TORRES e LAURI FRANCISCO DAGOSTINI, para reformar a sentença, julgar improcedente a ação, e afastar as sanções impostas.

Após a publicação, comunique-se a respectiva Zona Eleitoral.