RecCrimEleit - 0600389-24.2020.6.21.0039 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/08/2025 às 16:00

VOTO

Vanessa Borges Freitas, irresignada, interpõe recurso da sentença que a condenou à pena de detenção por 10 meses e 24 dias.

A decisão recorrida concluiu que Vanessa, no dia 16.10.2020, aproximadamente às 20h30, na rede social Facebook, caluniou, visando a fins de propaganda eleitoral e por meio que facilitou a divulgação das ofensas, as vítimas Rogério Souto de Azevedo, Zilase Rossignollo e Francisco Izaguirry, imputando-lhes falsamente fato definido como crime, incorrendo, por três vezes, nas sanções do art. 324, c/c art. 327, inc. III, ambos do Código Eleitoral, na forma do art. 70 do Código Penal.

Segundo a sentença, a materialidade estaria consubstanciada em uma imagem das redes sociais, cujo conteúdo é transcrito na peça acusatória com a seguinte mensagem: "A decisão sai quinta feira, confessaram tudo, o Rogério e Zilaze estavam acuado Ele só gritava e a ZICA MUDA...o pessoal se perdeu o chico izaguirre confessou que mandava o Fábrio atrás de uma Nota de R$ 40,00 mil reais para esquentar o desvio de dinheiro.....todos confessaram o Fábio estava totalmente nervoso e confessou tudo...periga dar prisão...???" Pondera que a autoria restou comprovada pela localização do endereço do IP da máquina em nome do ex-companheiro da acusada, pelo depoimento do ex-consorte de Vanessa à autoridade policial e pela confissão extrajudicial da ré-recorrente.

A defesa, em juízo, resumidamente, nega a publicação dessa mensagem caluniosa e questiona, desde o primeiro momento, a validade da prova da postagem nas redes sociais por simples captura de tela e a validade da confissão extrajudicial. Alega, ainda, descrição insuficiente do fato delituoso na peça acusatória capaz de demonstrar que o conteúdo da publicação revelasse imputação de crime certo, com todas as suas elementares, às vítimas, mas tão somente fato ofensivo às vítimas. No mérito, entende que não há prova suficiente da materialidade e da autoria delitiva.

O Ministério Público Eleitoral, por sua vez, sustenta que a recorrente se defende dos fatos, os quais estão adequadamente postos na denúncia. Refere que a materialidade está assentada na imagem com conteúdo calunioso, no boletim de ocorrência policial e nos testemunhos judiciais. Ressalta que a autoria está comprovada pela localização do IP, pelo depoimento do ex-companheiro da recorrente em sede policial e na confissão extrajudicial da recorrente.

Passo à análise das preliminares: a) da invalidade da captura de tela (print screen); b) da invalidade da confissão extrajudicial; c) da ausência de correlação entre a sentença e a denúncia.

I - Da invalidade da captura de tela (print screen)

A recorrente defende que a prova de captura de tela não foi aferida por perícia técnica ou por autenticidade da sua disponibilização. Assevera que o conteúdo do documento digital restou adulterado e manipulado, não havendo notícia da conservação de seu formato original neste feito. Sublinha que nenhum aparelho foi apreendido ou periciado para identificação da origem da suposta publicação de eventual calúnia e, por essa causa, defende que todos os atos decorrentes dessa prova também sejam anulados.

Suscita que, embora fosse administradora do perfil, a postagem referida na denúncia não existiu. Analisa a resposta da plataforma do Facebook e verifica a inexistência de acesso no dia 16.10.2020, data do fato narrado na denúncia.

O Ministério Público Eleitoral, em contrarrazões, diz que a materialidade delitiva está comprovada no registro de ocorrência policial, no print da postagem caluniosa sobre as vítimas, além da prova oral. A data da publicação, 16.10.2020, estaria contida no relatório da provedora de acesso AitaNet. A Procuradoria Regional Eleitoral opinou, de igual forma, que a questão singular do print screen não macularia o arcabouço probatório formado pela confissão da recorrente e dos testemunhos colhidos em sede judicial.

Passo a analisar, nesse ponto, o registro de ocorrência e a captura de tela da mensagem caluniosa.

Com efeito, verifico que a investigação inicia, a partir de notícia de fato delitivo, foi recebida pelo Ministério Público Eleitoral em formulário eletrônico disponibilizado pela própria instituição em no dia 17.10.2020. Esse continha anexo de captura de tela (print screen) do perfil "Rosul Observado", na rede social Facebook, com imagem de tela de celular, parcialmente apagada em dados aparentemente da pessoa que acessou o aplicativo. Apresentava, ainda, o horário e a data da coleta dos dados, bem como quem postou a mensagem, contendo a seguinte frase "A decisão sai quinta feira... confessaram tudo, o Rogério e Zilase estavam acuado Ele só gritava e a ZICA MUDA... o pessoal se perdeu o chico Izaguirre confessou que mandou o Fábrio atras de uma nota de R$ 40 mil reais para esquentar o desvio de dinheiro... todos confessaram o Fabio estava totalmente nervoso e confessou tudo... periga dar prisão.... ????" (ID 45729495, p. 10-11):

 

A partir dessa informação, o Promotor Eleitoral requisitou a abertura de inquérito policial com cópia da notícia de fato recebida, registrada pelo órgão ministerial sob n. 01704.000.503/2020, conforme ofício do ID 45729495, p. 7.

Portanto, a fonte do procedimento investigatório do Ministério Público Eleitoral e do boletim de ocorrência lavrado perante a autoridade policial é a mesma: a imagem da captura de tela de celular com o perfil da Rosul Observado, na rede social Facebook, contendo a calúnia objeto da presente ação penal.

Anoto que, apenas pela imagem, não é possível saber a data de sua publicação, como ela foi obtida, em que data foi extraída da internet, quem realizou a extração dos dados, nem qual foi o processo ou a técnica utilizada para extração e conservação dos dados.

Embora represente indício suficiente para iniciar a investigação, entendo que a captura de tela, de modo isolado, é insuficiente à constituição de materialidade nos crimes digitais para sustentar um decreto condenatório, na medida em que lhe faltam elementos de segurança para demonstrar a integridade do material coletado, em especial quando impugnado o seu conteúdo na primeira oportunidade no processo criminal.

Conforme precedente colacionado pela recorrente, em ação de investigação judicial eleitoral destinada a apurar o cometimento de condutas vedadas durante as Eleições de 2020, mesmo pleito dos fatos em análise neste processo criminal, este Tribunal manteve a invalidade de imagem de postagem em rede social não colhida diretamente pelo Ministério Público Eleitoral, mas entregue já extraída e encartada em notícias de fato produzidas por terceiros não identificados nos autos sem referência à URL original e sem nenhum recurso de autenticação do documento:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. REPRESENTAÇÃO POR CONDUTAS VEDADAS. REJEITADAS AS PRELIMINARES SUSCITADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL E PELOS DEMANDADOS. NULIDADE DA JUNTADA DE DEPOIMENTO EXTRAJUDICIAL. NULIDADE DE PRINT DE POSTAGEM EM REDE SOCIAL SEM AUTENTICAÇÃO. NULIDADE DE PRINTS DE CONVERSAS NO WHATSAPP. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INOVAÇÃO ACUSATÓRIA EM ALEGAÇÕES FINAIS E VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ILICITUDE DAS PROVAS COLHIDAS NA FASE INQUISITORIAL. MÉRITO. MANUTENÇÃO DE PUBLICIDADE INSTITUCIONAL EM ESCOLA MUNICIPAL E EM PARADA DE ÔNIBUS. RECONHECIDA A PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA. APLICAÇÃO DE MULTA. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

2. Rejeitadas as preliminares suscitadas pelo Parquet. 2.1. Nulidade da juntada de depoimento extrajudicial. O órgão ministerial insurge-se contra a decretação da nulidade da prova colhida em procedimento preparatório eleitoral. Oitiva colhida sem as cautelas inerentes ao princípio da vedação à autoincriminação, mormente a advertência sobre o direito de permanecer em silêncio. Tal condução na produção da prova não se compatibiliza com a facultatividade do depoimento pessoal e com o direito ao silêncio, seja em fase extrajudicial ou judicial, conferida aos acusados em ações eleitorais. Invalidade da prova. 2.2. Nulidade de print de postagem de rede social sem autenticação. Imagem não colhida diretamente pelo Ministério Público Eleitoral, mas a ele entregue já supostamente extraída e então encartada em notícias de fato produzidas por terceiros não identificados nos autos, sem referência à URL original e sem nenhum recurso de autenticação do documento. Caberia ao interessado demonstrar a disponibilidade da publicação na URL original ou apresentar a autenticação eletrônica do documento, ou por ata notarial, nos termos dos arts. 384, parágrafo único, e 422, § 1º, do CPC. Imprestabilidade da prova. 2.3. Nulidade dos prints de conversas no WhatsApp. Uma vez impugnadas pela parte contrária, as imagens são imprestáveis como prova acusatória, pois não têm a sua autenticidade confirmada por ata notarial, perícia ou por quaisquer outros meios capazes de atestar o tempo e a origem das mensagens, bem como a veracidade de seus conteúdos. Invalidade.

(...)

11. Parcial provimento.

(TRE-RS, REl n. 0600803-21.2020.6.21.0007, Relator Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, DJE, 22/03/2024.)

Repiso, o procedimento aqui adotado para coleta da prova de publicação em rede social para apurar conduta penal é semelhante àquele utilizado para verificar infração eleitoral cível pelo Ministério Público e confirmada a invalidade por este TRE no referido precedente.

Compulsando os autos, não vislumbro certidão de acesso direto à publicação na internet efetuado pelo órgão ministerial, pela autoridade policial ou pela serventia cartorária. Não localizei também notícia de preservação dos dados eletrônicos pelo provedor da rede social, por ata notarial, por perícia ou por meio de registro digital (blockchain), tais como os serviços da plataforma Verifact.

Conforme entendimento do STJ, a higidez do caminho percorrido pelo material digital depende da adoção de mecanismos que assegurem a preservação integral dos vestígios probatórios, permitindo a constatação de eventuais alterações, intencionais ou não, dos elementos inicialmente coletados:

 

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. APREENSÃO DE CELULAR . EXTRAÇÃO DE DADOS. CAPTURA DE TELAS. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. INADMISSIBILIDADE DA PROVA DIGITAL . AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. O instituto da cadeia de custódia visa a garantir que o tratamento dos elementos probatórios, desde sua arrecadação até a análise pela autoridade judicial, seja idôneo e livre de qualquer interferência que possa macular a confiabilidade da prova. 2 . Diante da volatilidade dos dados telemáticos e da maior suscetibilidade a alterações, imprescindível se faz a adoção de mecanismos que assegurem a preservação integral dos vestígios probatórios, de forma que seja possível a constatação de eventuais alterações, intencionais ou não, dos elementos inicialmente coletados, demonstrando-se a higidez do caminho percorrido pelo material. 3. A auditabilidade, a repetibilidade, a reprodutibilidade e a justificabilidade são quatro aspectos essenciais das evidências digitais, os quais buscam ser garantidos pela utilização de metodologias e procedimentos certificados, como, e.g ., os recomendados pela ABNT. 4. A observação do princípio da mesmidade visa a assegurar a confiabilidade da prova, a fim de que seja possível se verificar a correspondência entre aquilo que foi colhido e o que resultou de todo o processo de extração da prova de seu substrato digital. Uma forma de se garantir a mesmidade dos elementos digitais é a utilização da técnica de algoritmo hash, a qual deve vir acompanhada da utilização de um software confiável, auditável e amplamente certificado, que possibilite o acesso, a interpretação e a extração dos dados do arquivo digital . 5. De relevo trazer à baila o entendimento majoritário desta Quinta Turma no sentido de que "é ônus do Estado comprovar a integridade e confiabilidade das fontes de prova por ele apresentadas. É incabível, aqui, simplesmente presumir a veracidade das alegações estatais, quando descumpridos os procedimentos referentes à cadeia de custódia" (AgRg no RHC n. 143 .169/RJ, relator Ministro Messod Azulay Neto, relator para acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 2/3/2023). 6. Neste caso, não houve a adoção de procedimentos que assegurassem a idoneidade e a integridade dos elementos obtidos pela extração dos dados do celular apreendido. Logo, evidentes o prejuízo causado pela quebra da cadeia de custódia e a imprestabilidade da prova digital . 7. Agravo regimental provido a fim de conceder a ordem de ofício para que sejam declaradas inadmissíveis as provas decorrentes da extração de dados do celular do corréu, bem como as delas decorrentes, devendo o Juízo singular avaliar a existência de demais elementos probatórios que sustentem a manutenção da condenação.

(STJ - AgRg no HC: 828054 RN 2023/0189615-0, Relator.: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 23/04/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/04/2024)

No caso dos autos, sequer foi solicitada a preservação da prova junto ao provedor do Facebook.

Recordo que, por ser o Direito Penal a ultima ratio, o rigor no cuidado da cadeia de custódia da prova eletrônica no presente processo deve ser ampliado em relação àquele precedente com cominação de penalidades cíveis eleitorais, objetivando resguardar princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e da não presunção de culpabilidade.

A partir desse prisma, lembro que, na hipótese dos autos, há impugnação específica de adulteração do conteúdo da imagem capturada no ID 45729495, p. 10 e da inexistência da postagem no perfil referido na denúncia. Este fato, por si só, implica em ônus ao órgão acusador de apresentar a respectiva autenticação eletrônica ou de realizar perícia na fotografia digital, nos termos do art. 422, §§ 1º e 3º, do CPC:

Art. 422. Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, a cinematográfica, a fonográfica ou de outra espécie, tem aptidão para fazer prova dos fatos ou das coisas representadas, se a sua conformidade com o documento original não for impugnada por aquele contra quem foi produzida.

§ 1º As fotografias digitais e as extraídas da rede mundial de computadores fazem prova das imagens que reproduzem, devendo, se impugnadas, ser apresentada a respectiva autenticação eletrônica ou, não sendo possível, realizada perícia.

§ 2º Se se tratar de fotografia publicada em jornal ou revista, será exigido um exemplar original do periódico, caso impugnada a veracidade pela outra parte.

§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo à forma impressa de mensagem eletrônica.

Sobre o tema, a captura de imagem (print screen) da rede mundial de computadores tem sido aceita como meios válidos de prova nos processos cíveis eleitorais, exigindo-se autenticação eletrônica ou perícia técnica quando realizada impugnação específica, na forma do art. 422, § 1º, do Código de Processo Civil (TRE-RS - REl n. 0600297-06.2024.6.21.0007, Relator Desembargador Mario Crespo Brum, DJE, 05/11/2024; no mesmo sentido: TSE - AgR-REspEl n. 0601646-91.2020.6.19.0184, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJE, 03/03/2023).

Todavia, não se encontram nos autos a autenticação eletrônica nem a perícia técnica.

A falta de perícia no arquivo de captura de tela e nos aparelhos representa indício de que a imagem pode ter sido construída e não se presta para subsidiar condenação criminal, conforme o entendimento dos Tribunais:

 

ELEIÇÕES 2020 - RECURSO CRIMINAL - AÇÃO PENAL - CORRUPÇÃO ELEITORAL (ART. 299, DO CÓDIGO ELEITORAL) NAS FORMAS ATIVA E PASSIVA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA - ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS (ART. 386, INC. VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL) - RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.

DENÚNCIA OFERTADA EM FACE DE CANDIDATO A VEREADOR E DE ELEITOR PELA PRÁTICA, EM TESE, DO CRIME DE CORRUPÇÃO ELEITORAL (ATIVA E PASSIVA, RESPECTIVAMENTE) - SUPOSTA ENTREGA DE 4 (QUATRO) PNEUS EM TROCA DE VOTO - PROVAS:

1) "PRINT" (CAPTURA) DE TELA DE MENSAGENS ENVIADAS PELO WHATSAPP PELO ELEITOR SUPOSTAMENTE CORROMPIDO (QUE TAMBÉM FIGURA COMO RÉU) A TERCEIRA PESSOA - NÃO REALIZAÇÃO DE PERÍCIA NO ARQUIVO DO "PRINT" E NOS APARELHOS CELULARES - INDÍCIO DE QUE A CAPTURA DE TELA POSSA TER SIDO CONSTRUÍDA - TIPO DE PROVA PASSÍVEL DE ADULTERAÇÃO OU MONTAGEM - IMPRESTABILIDADE PARA EMBASAR CONDENAÇÃO CRIMINAL.

2) DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS: DESTINATÁRIO DAS SUPOSTAS MENSAGENS NO WHATSAPP QUE APRESENTOU TRÊS VERSÕES DIFERENTES ACERCA DO "PRINT" UTLIZADO COMO PROVA - PESSOA QUE PROCUROU ADVOGADA DE PARTIDO ADVERSÁRIO, E NÃO AS AUTORIDADES COMPETENTES, PARA RELATAR O SUPOSTO ILÍCITO - CAUSÍDICA QUE, APÓS A ELEIÇÃO DO ADVERSÁRIO POLÍTICO DE UM DOS RÉUS, FOI NOMEADA PROCURADORA-GERAL DO MUNICÍPIO - ADVOGADA QUE, DE QUALQUER FORMA, NÃO PRESENCIOU OS FATOS, APENAS INTERMEDIOU A DENÚNCIA - PESSOAS ENVOLVIDAS NA DENÚNCIA DOS FATOS POLITICAMENTE LIGADAS A CANDIDATO ADVERSÁRIO DE UM DOS RÉUS - INTERESSE DIRETO OU, PELO MENOS SUBJACENTE, NA CONDENAÇÃO CRIMINAL DE ADVERSÁRIO POLÍTICO - FRAGILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL ARROLADA PELA ACUSAÇÃO - BORRACHEIRO OUVIDO COMO TESTEMUNHA DE DEFESA AFIRMANDO QUE O RÉU (ELEITOR) COMPROU 2 (DOIS) PNEUS EM SEU ESTABELECIMENTO, TENDO PAGO UM PNEU À VISTA E O OUTRO EM 30 DIAS - IDÊNTICA VERSÃO DO ACUSADO - PLAUSIBILIDADE DA TESE DE DEFESA.

A prova exclusivamente testemunhal, quando eivada de evidentes contradições e de séria dúvida acerca de sua imparcialidade, não se presta a embasar a condenação pela prática do crime de corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral).

INSUFICIÊNCIA E FRAGILIDADE DO ACERVO PROBATÓRIO COLIGIDO - AUSÊNCIA DE PROVAS SEGURAS DA PRÁTICA DO CRIME IMPUTADO - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA, QUE JULGOU IMPROCEDENTE A DENÚNCIA E ABSOLVEU OS RÉUS, POR FALTA DE PROVAS - RECURSO NÃO PROVIDO.

(TRE-SC - ReCrimEleit n. 0600037-15.2021.6.24.0050, Relator Desembargador Eleitoral Italo Augusto Mosimann, DJE, 24/03/2025.) (Grifei.)

Reforço que não corresponde ao endereço da mensagem, mas do perfil da rede social, a URL: https://www.facebook.com/rosul.observado3.

Logo, pouco importam os relatórios de acesso ao perfil fornecidos pelo Facebook (ID 45729478) ou pela AitaNet (ID 45729491), pois não indicam a efetiva publicação de conteúdo calunioso, nem a origem dessa publicação, nem o seu horário, nem mesmo se decorrentes de comentários de terceiros na página, ou até mesmo de conteúdo manipulado como defende a recorrente.

A esse respeito, noto que a indicação específica do endereço da postagem, no âmbito e nos limites técnicos de cada serviço (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN), representa condição mínima de admissibilidade e de processamento de simples multa por propaganda irregular, na forma do art. 17, inc. III, da Resolução TSE n. 23.608/19:

Art. 17. A petição inicial da representação relativa à propaganda irregular será instruída, sob pena de não conhecimento:

(...)

III - no caso de manifestação em ambiente de internet, com a identificação do endereço da postagem, no âmbito e nos limites técnicos de cada serviço (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN) e a prova de que a pessoa indicada para figurar como representada ou representado é a sua autora ou o seu autor, sem prejuízo da juntada, aos autos, de arquivo contendo o áudio, a imagem e/ou o vídeo da propaganda impugnada. (Redação dada pela Resolução nº 23.672/2021)

 

Por conseguinte, a imagem não seria aceita sequer como prova de ilícito cível eleitoral singelo, pois é solido o entendimento firmado por este Tribunal de que "a ausência de indicação de endereços das postagens em representação por propaganda eleitoral irregular inviabiliza o conhecimento da petição inicial, justificando a extinção do processo sem resolução do mérito" (TRE - REl n. 0600636-82.2024.6.21.0162, Relator Desembargador Mario Crespo Brum, DJE, 30/01/2025; no mesmo sentido: TRE-RS - REl n. 0600151-60.2024.6.21.0137, Relatora Desembargadora Eleitoral Caroline Agostini Veiga, DJE, 02/06/2025).

Por conseguinte, entendo que a prova de captura de tela do ID 45729495, p. 10 não guarda o registro necessário de certeza da efetiva publicação do conteúdo calunioso em perfil hospedado na rede social Facebook. Da mesma sorte, a ocorrência Policial tombada sob nº 2267/ 2020/151431, sem cautela da verificação do conteúdo da imagem diretamente no ambiente virtual da internet, representa apenas reprodução de mesmo valor da imagem obtida pelo órgão ministerial.

As testemunhas de acusação ouvidas judicialmente, de igual forma, não realizaram o acesso direto do conteúdo no perfil, na rede social Facebook, na Internet, não servindo para atestar a integridade da publicação no ambiente virtual.

Conforme depoimento judicial de Rogério Souto de Azevedo (ID 45729545), ele não acompanhou as calúnias descritas na denúncia, apenas soube dos fatos através de seus filhos e de sua esposa, sem ter visto pessoalmente o conteúdo publicado contra sua honra.

Francisco Izaguirry (ID 45729546), por sua vez, afirmou em juízo que sua filha lhe teria mostrado o conteúdo calunioso, ou seja, não acessou o conteúdo diretamente da internet.

Dessa maneira, não há prova independente judicializada que comprove a integralidade da captura de tela.

Com essas considerações, acolho a preliminar e invalido, para fins de condenação penal, a imagem do ID 45729495, p. 10 e, consequentemente, o boletim de ocorrência nº 2267/ 2020/151431.

II - Da invalidade da confissão extrajudicial

A sentença afastou a nulidade da confissão extrajudicial realizada perante a autoridade policial e a utiliza como seu fundamento decisório. Transcrevo o trecho da decisão:

No tocante a alegada nulidade de confissão no meio policial, entendo que a mesma não tenha razão. Assevera a parte demandada em sua defesa não ter existido advertência sobre o seu silêncio (aviso de miranda), bem como o fato de não ter previa intimação para sua declaração. Aduz, ainda, que os policiais teriam lhe dito que não ocorreria nada com ela, entre outras coisas. Alegou, ainda, a necessidade de observâncias das regras do CPP, no tocante ao colhimento do interrogatório.

Abordo cada tópico separadamente, demonstrando a necessidade de repulsa do argumento de nulidade.

Primeiramente, cabe referir que os atos administrativos, como em um inquérito, são efetuados por funcionários públicos. Logo, detém presunção de veracidade. Logo, cabe a prova a parte denunciada demonstrar e provar que existiu algum defeito. Não cabe somente alegar isso, mas sim provar, ônus do qual não se desincumbiu.

Neste caso, não há provas de que não foi efetuado o aviso de miranda. Até pelo contrário, esta expressamente escrito no interrogatório da acusada. Assim, como espera-se que toda pessoa leia o que é assinado, vislumbra-se que ela teve seu direito preservado. Além disso, se não o leu, o risco é justamente da pessoa que assim o agiu.

No pertinente a surpresa da declaração, não há no ordenamento jurídico qualquer estipulação de prazo para efetuar uma declaração em depoimento. A parte poderia ter negado de efetuar, usando inclusive o direito ao silêncio. Refere-se, por exemplo, que em um flagrante, as pessoas são ouvidas no exato momento, sem nenhuma ilegalidade neste aspecto.

Sobre os requisitos legais do interrogatório, estes estão preenchidos, pois não há maiores elementos postulados pelo CPP. Como se sabe, deve ocorrer a cientificação do delito e o direito ao silêncio, ambos requisitos expressamente mencionados no termo de interrogatório. Além disso, o fato importante no interrogatório é a manifestação da parte investigada ser livre. Saliento que a denunciada, não mencionou qualquer coação, muito menos comprovou algo deste tipo.

Sobre eventual oferta de ANPP, este caso poderia ter sido efetuado pelo MP. Se efetuaram eventual alegação sobre esta possibilidade, certamente teriam dito que talvez ocorresse. Não bastasse, a atual jurisprudência defende que cabe apenas ao MP a oferta do ANPP, não podendo sofrer interferência direta do Juízo quanto ao ponto, ficando, livre, à escolha do órgão acusador, pois o acordo é um benefício que pode (ou não) ser concedido, e não uma imposição de obrigatoriedade em sua oferta.

Ademais, lembra-se os policiais são agentes imparciais, não teriam motivo para prejudicarem a denunciada. Aliás, nem foi abordado qualquer inimizade com os policiais.

Por todos estes fatos, vão afastadas as preliminares e a consequente nulidade alegada.

(...)

Assim, inegável que ela efetuou o ato ofensivo. Ademais, a confissão na seara policial justamente partiu desta clareza dos fatos, não tendo como se esquivar de sua responsabilidade.

 

O Ministério Público Eleitoral argumenta, em sintonia com a sentença, que "não há dúvidas que a mensagem foi postada nas redes sociais, isso inclusive foi confessado pela apelante." (ID 45729614, p. 5). No mesmo passo, a Procuradoria Regional Eleitoral assevera que "não pairam dúvidas de que a mensagem foi publicada nas redes sociais, conforme inclusive confessado pela Recorrente em seu depoimento na fase inquisitorial."

O recurso, ao seu turno, sustenta a nulidade absoluta do termo de confissão extrajudicial obtida no inquérito policial, pois teria sido enganada pela autoridade policial sob a "promessa de que o processo terminaria ali".

Ao analisar o termo de informações acostado no ID 45729495, p. 25, verifico que a autoridade policial ofertou o acordo de não persecução penal (ANPP) e, após, colheu o depoimento da recorrente Vanessa sem o acompanhamento de defesa técnica.

Noto que a oferta ocorre sem conhecimento do inteiro teor das cláusulas do acordo de não persecução penal a serem propostas pelo Ministério Público, pois não constam do ato da autoridade policial. Assim, não serve o argumento da sentença de que a recorrente "assinou sem ler" sua confissão, pois não constavam no corpo do termo policial quaisquer referências mínimas das consequências legais do acordo de não persecução penal.

Destaco ainda que não consta expressamente qualquer referência de que o acordo dependeria de manifestação posterior do Ministério Público, de homologação judicial ou de que precisaria comparecer ao órgão ministerial. Relembro que esta oferta acontece sem assistência técnica.

Ao tempo da coleta do depoimento, 27.4.2021, havia dúvida sobre o momento da confissão como prévia condição de oferta do ANPP.

Em razão dessa exigência prévia, o STJ fixou tese no tema repetitivo 1303 de que: "A formalização da confissão para fins do ANPP pode se dar no momento da assinatura do acordo, perante o próprio órgão ministerial, após a ciência, avaliação e aceitação da proposta pelo beneficiado, devidamente assistido por defesa técnica, dado o caráter negocial do instituto." (STJ - REsp n. 2.161.548/BA, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo - Desembargador Convocado do TJSP -, Terceira Seção, julgado em 12/3/2025, DJEN de 25/3/2025). Por oportuno, transcrevo trecho das razões de decidir do referido julgado:

Nessa linha, deve a escolha - informada - pela confissão mirando a celebração do ANPP se dar com consciência dos ganhos e perdas de cada via (processual ou negocial), o que implica na ciência do conteúdo da proposta formulada pelo Ministério Público, bem como dos elementos que lastreiam a pretensão acusatória, além da necessária assistência da defesa técnica (sobre esse ponto, já se decidiu que a "[ausência de orientação e presença da Defesa técnica [contamina] a negativa de acordo" - HC n. 838.005/MS, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do Tjsp), Sexta Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 23/8/2024).

(razões de decidir, STJ - REsp n. 2.161.548/BA, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo - Desembargador Con-vocado do TJSP -, Terceira Seção, julgado em 12/3/2025, DJEN de 25/3/2025, sublinhei)

Portanto, é nula a oferta de ANPP diretamente pela autoridade policial, sem o resguardo das garantias constitucionais da ampla defesa e da não culpabilidade, por ausência de assistência técnica e por ausência de informação do conteúdo da proposta formulada pelo Ministério Público, bem como a confissão dela decorrente.

Assim, acolho a preliminar da invalidade da confissão extrajudicial e declaro a nulidade da confissão contida no termo de informações do ID 45729495, p. 25.

 

III - Da ausência de correlação entre a sentença e a denúncia

A sentença ponderou que os fatos narrados na denúncia correspondem à adequação típica de calúnia, pois a imagem capturada da internet se "refere a fato determinado que teriam sido imputados as pessoas de Rogério, Zilase e Chico Izaguirre. Ademais, os fatos alegados seriam desvio de dinheiro público e posterior tentativa de esconder esta prática. Desvio de dinheiro público é peculato, portanto, crime definido no Código Penal. Afasta-se, assim, a tese defensiva de desclassificação para difamação." (ID 45729591).

Em suas razões, a recorrente repisa o seu argumento defensivo de que a peça acusatória não descreveu de forma clara, precisa e adequada os elementos típicos essenciais ao delito de calúnia, mas ao crime de difamação, conforme decisão proferida em 20.12.2022 (ID 45729581):

Vistos.

Houve a conversão do julgamento em diligência para que o MP oferecesse proposta de suspensão condicional do processo (10497385).

O MP interpôs embargos declaratórios, alegando que há outra causa especial de aumento de pena descrita na denúncia, embora não capitulada expressamente, que corresponde ao artigo 327, inciso II, do Código Eleitoral; assim, a pena mínima passível de aplicação supera o mínimo legal de 1 ano (104767198).

A defesa, por sua vez, sustentou a inexistência da nova causa de aumento na imputação inicial, requerendo a manutenção do despacho judicial que determinou a oferta de SCP (104850978).

É o relatório.

É incontroverso que a tipificação descrita na denúncia original tornaria possível, em tese, a suspensão condicional do processo, dada a ocorrência de concurso formal próprio entre as ofensas, mesmo com a majorante relativa ao meio de divulgação.

Além disso, Entendo que assiste razão ao defensor quando imputa a falta de descrição explícita ou implícita da nova majorante aventada pelo Ministério Público nos embargos declaratórios.

Transcrevo a denúncia:

(...)

Como visto: a) mesmo a descrição da conduta nuclear restou carente de maior delimitação, dado que não existe a descrição clara e precisa de uma conduta criminosa típica que a acusada teria imputado aos três ofendidos; b) não há imputação expressa ou implícita de que a calúnia visou atingir ato praticado por funcionário público em razão de sua função.

Com efeito, a própria denúncia referiu que a conduta criminosa atribuída aos ofendidos pela acusada era algo incerta ("possivelmente um peculato-desvio"), e não fez referência a quais cargos públicos cada um dos acusados ocupava na época desse suposto peculato, tampouco referiu esse possível crime de maneira clara às funções públicas dos ofendidos. Não houve a descrição de uma conduta criminosa especifica, praticada em momento delimitado, com atribuição de comportamentos especificamente delimitados, a cada um dos ofendidos. A postagem, pela descrição da denúncia, limitou-se a insinuar que os três ofendidos estariam envolvidos em algum "esquema" de dinheiro público, sem maiores detalhes.

Portanto, a descrição da denúncia está carente da descrição adequada de elementos típicos essenciais ao delito de calúnia, aproximando os fatos do tipo mais brando de difamação eleitoral.

Além disso, como bem observou o defensor, nem mesmo o MP havia invocado a causa especial de aumento de pena do art. 327, inciso II, do Código Eleitoral, ao fazer suas alegações finais escritas. Ou seja: a majorante era tão implícita que nem o acusador havia se dado conta da sua existência até a fase dos embargos declaratórios.

Não foi observado devidamente o dever de exposição do fato delituoso de maneira clara e suficiente, conforme o artigo 41 do CPP, o que afeta a ampla defesa e também repercute nos benefícios processuais cabíveis.

Isso não significa que a omissão do libelo seja imutável, haja vista a regra do artigo 569 do Código de Processo Penal.

Dispositivo.

Em face do exposto, rejeito os embargos declaratórios opostos pelo Ministério Público.

Caberá ao MP, no prazo de 15 (quinze) dias:

1) aditar a imputação do libelo para adequar a descrição do fato ao tipo penal denunciado, com eventual alteração do tipo e inclusão ou exclusão expressa de causas de modificação do apenamento que entender incidentes ao caso concreto, querendo;

2) oferecer ou recusar, justificadamente, a proposta de suspensão condicional do processo para a o para a acusada, em vista da manutenção ou aditamento da descrição fática e jurídica que constitua a imputação deste processo.

Após a manifestação do MP, dê-se vista à defesa por idêntico prazo.

(Grifei e sublinhei)

 

O Ministério Público Eleitoral, em suas contrarrazões, assevera que não haveria necessidade de especificar nenhuma qualidade especial quanto ao ofendido, pois a conduta descrita no tipo seria apenas "caluniar alguém". A Procuradoria Regional Eleitoral, no mesmo sentido, opina que está clara a imputação de crime de desvio de recursos públicos (possivelmente peculato) às vítimas.

Primeiramente, a recorrente se defende dos fatos contidos na denúncia, e não de sua capitulação jurídica.

Ao mesmo tempo, constam da descrição dos fatos os cargos públicos da vítima Zilase, Prefeita, e de Francisco, Secretário da Fazenda, descrito na denúncia, os quais são de conhecimento público em município pequeno do interior gaúcho, Rosário do Sul, local dos fatos.

Por conseguinte, a presente preliminar se confunde com a análise do mérito, em especial da existência dos elementos do tipo.

Além do mais, vislumbrando a absolvição por falta de provas do crime decorrente das nulidades da captura de tela e da confissão, situação mais benéfica à recorrente do que a nulidade da sentença e o retorno dos autos à origem, deixo de analisar a eventual nulidade sob esse ponto (com esse entendimento: STJ - AgRg no HC: 559214 SP 2020/0020738-5, Relator.: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 10/05/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/05/2022).

 

IV - Do mérito

1. Da materialidade delitiva

A sentença aponta como única prova da materialidade delitiva a imagem da captura de tela do ID 45729495, p. 10.

Enquanto a recorrente assevera a imprestabilidade da prova para um juízo condenatório, o órgão acusador recorrido afirma que a materialidade está consubstanciada no registro de ocorrência, na cópia da postagem caluniosa sobre as vítimas, assim como na prova oral coletada judicialmente.

Todavia, pelos mesmos fundamentos já expostos em sede de preliminar deste voto, considerando a fragilidade e a invalidade do print screen para subsidiar o decreto condenatório, bem como do registro policial da calúnia sem prova relativamente autônoma, não tem força a referida captura de tela para subsidiar a sentença condenatória.

Repiso que o boletim de ocorrência policial reproduz apenas o texto da mensagem, sem qualquer informação nos autos de que tenha sido verificada efetivamente a publicação diretamente na Internet, não podendo atestar o conteúdo calunioso.

Não há neste feito notícia de qualquer certidão de acesso direto ao conteúdo da Internet, seja pela autoridade policial, seja pelo Ministério Público, seja pela serventia cartorária. Não houve a preservação da prova junto aos provedores Facebook, nem método de garantia da reprodutibilidade e do correto armazenamento do conteúdo digital, na forma recomendada pela ABNT ou por serviço notarial.

As provas testemunhais pouco colaboram para o deslinde do caso. Nesse sentido, nenhuma testemunha acessou a prova diretamente da Internet. Das testemunhas de acusação, apenas duas foram ouvidas em juízo: Rogério Souto de Azevedo (ID 45729545) e Francisco Carlos Pinheiro Izaguirry (ID 45729546).

Rogério, em seu depoimento, não acessou a propaganda e não viu seu conteúdo, sabendo dos fatos por terceiros (ID 45729545):

 

Promotor: Especificamente aqui no caso, não se o senhor recorda, teve uma audiência, de uma ação eleitoral, né, que foi proposta por outro candidato na época, foi uma ação bem grande que a gente fez ali, uma audiência grande tal, com Dra. Zelasi também, e ela teria postado no Face ou poderia postar por meio de uma página de nome Rosul Observado teria dito assim: "A decisão sai quinta feira, confessaram tudo, o Rogério e Zilaze estavam acuado Ele só gritava e a ZICA MUDA...o pessoal se perdeu o chico izaguirre confessou que mandava o Fábrio atrás de uma Nota de R$ 40,00 mil reais para esquentar o desvio de dinheiro.....todfos confessaram o Fábio estava totalmente nervoso e confessou tudo...periga dar prisão...???". O senhor chegou a ouvir algum comentário ou nem chegaram a lhe falar isso?

Rogério: não. Meus filhos ligavam. Eu na época tinha uma filha que morava no Rio e outra morava em Goiânia e o meu filho mora em São Gabriel, são, são, então sabe como é que é, são de Rosário, mas o pai tá aqui, concorre, elas tão ligada, a vinculação delas é com a internet, elas me contavam, ou contavam pra mãe delas, e a Laura me contava, não, eu nunca olhei ela dizer isso. Sabe por que doutor? Porque eles orquestravam da seguinte maneira, era uma coisa tipo de inteligência, eles colocavam aqui numa live, ligavam o celular na porta das pessoas que tinha minha propaganda ou que sabiam que eram meus eleitores, olha aqui que tão dizendo dele, então não é só a calúnia especificamente a calúnia no caso dessa menina. Ela fazia isso, ela ligava a live que ela tinha feito e ela era candidata a vereadora se não me falha a memória.

Promotor: sim, ela foi

Rogério: é, então ela fazia assim. Ah, eu não tenho como provar isso, porque as pessoas me contavam. Eu não tenho como provar, mas ela usava a live que ela fazia pra propaga essa história, que a Zilase era ladrona, que eu tinha confessado não sei o que, é isso aí.

(...)

Defensor: O senhor chegou a ver essas lives?

Rogério: não.

Defensor: nunca viu?

Rogério: não. Sei que elas existem ou existiam.

Defensor: nunca viu.

Rogério: não, eu nunca vi, não me deixavam ver.

De outro lado, Francisco viu o texto calunioso, mas diretamente no aparelho de terceiro, sua filha, não sabendo expressar o endereço eletrônico da mensagem.

Promotor: Essa senhora Vanessa postou em uma página que ela tinha o domínio no Facebook que era Rosul Observado dizendo assim: "A decisão sai quinta feira, confessaram tudo, o Rogério e Zilaze estavam acuado Ele só gritava e a ZICA MUDA...o pessoal se perdeu o chico izaguirre confessou que mandava o Fábrio atrás de uma Nota de R$ 40,00 mil reais para esquentar o desvio de dinheiro.....todfos confessaram o Fábio estava totalmente nervoso e confessou tudo...periga dar prisão...???". O senhor chegou a ouvir algum comentário ou nem chegaram a lhe falar isso?

Francisco: essa postagem eu vi… a minha filha me mostrou ela, mas eu não, mas eu nem levei em consideração porque estou com a consciência tranquila;

(...)

Defensor: o senhor sabe dizer quem que noticiou o fato pra, pro Ministério Público? Quem comunicou?

Francisco: eu acabei de dizer que minha filha leu essa postagem e me mostrou, só o que eu sei.

As testemunhas de defesa Ana Luiza Alves (ID 45729547) e Vitória de Menezes Amaro (ID 45729548) afirmaram não conhecer os fatos narrados na denúncia.

Portanto, nenhum testemunho colaborou para afirmação da existência da publicação no endereço eletrônico constante do processo.

Assim, a captura de tela do ID 45729495 (p. 10) não tem força suficiente, por si só, para fundamentar o decreto condenatório.

Portanto, não há prova relativamente independente de que a postagem caluniosa efetivamente existiu no site, nem a segurança necessária de seu inteiro teor, impondo-se a absolvição na forma do art. 386, inc. VII, do CPP.

2. Da autoria

A sentença define a autoria com base: a) no IP da máquina de acesso do perfil "Rosul Observado" no Facebook, no endereço de Marcio Neilor Pereira dos Reis, ex-companheiro da recorrente; b) no depoimento a autoridade policial de Marcio Neilor Pereira dos Reis; c) na presunção de que a recorrente seria a "única adulta na residência" de onde partiu o comentário; d) da confissão extrajudicial na seara penal.

O Ministério Público Eleitoral e a Procuradoria Regional Eleitoral entendem que a autoria está assentada nos fundamentos da sentença.

Primeiramente, como já referido, a publicação em rede social possui endereço eletrônico distinto do perfil que lhe hospeda. Assim, para verificar a certeza do IP que publicou a mensagem seria necessário a URL completa da referida publicação. Contudo, esta não veio aos autos.

Logo, assiste razão à recorrente de que o IP localizado não se refere à publicação e não comprova sua existência.

Recordo que é condição mínima de análise de infrações eleitorais simples a descrição correta do endereço completo da publicação, sob pena do não conhecimento da ação respectiva.

De outro lado, o depoimento, em sede policial, do ex-companheiro não reforça a autoria (ID 45729495, p. 23).

Sublinho que o depoimento não foi submetido ao contraditório, representando mero indício.

Adiciono que, sem base em prova nos autos, há uma presunção de que a recorrente seria a única adulta na casa. Sobre esse ponto, Márcio morava na residência da recorrente à época dos fatos (16.10.2020), pois, segundo seu depoimento na esfera policial, a separação de Vanessa, ora recorrente, ocorreu em novembro de 2020 (ID 45729495, p. 23).

Acrescento que o endereço do perfil estava em nome de Márcio, e não da recorrente.

Por conseguinte, a convicção da autoria delitiva está lastreada somente em elementos informativos colhidos unicamente na fase policial, não podendo o conteúdo do interrogatório policial ser considerado como prova desfavorável à recorrente.

Sobre o valor probatório da confissão extrajudicial, lembro o entendimento fixado pela Terceira Seção do STJ no sentido de que "a confissão extrajudicial admissível pode servir apenas como meio de obtenção de provas, indicando à polícia ou ao Ministério Público possíveis fontes de provas na investigação, mas não pode embasar a sentença condenatória." (STJ - AREsp n. 2.123.334/MG, Relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 20/6/2024, DJE, 02/07/2024).

Além disso, a confissão se operou sob o manto do instituto da ANPP. Logo, a natureza dessa confissão é circunstancial e não pode ser considerada prova desfavorável durante o julgamento da recorrente, conforme entendimento do STF:

Direito Penal e Processual Penal. Habeas corpus. ANPP - Acordo de Não Persecução Penal (art. 28-A do CPP, inserido pela Lei 13964/2019). Aplicação da lei no tempo e natureza da norma. Norma processual de conteúdo material. Natureza Híbrida. Retroatividade e possibilidade de aplicação aos casos penais em curso quando da entrada em vigor da Lei 13964/2019 (23 .1.2020). Concessão da ordem.

(...)

6 . É indevida a exigência de prévia confissão durante a Etapa de Investigação Criminal. Dado o caráter negocial do ANPP, a confissão é "circunstancial", relacionada à manifestação da autonomia privada para fins negociais, em que os cenários, os custos e benefícios são analisados, vedado, no caso de revogação do acordo, o reaproveitamento da "confissão circunstancial" (ad hoc) como prova desfavorável durante a Etapa do Procedimento Judicial.

(....)

IV. Dispositivo e tese

9. Concedida a ordem de habeas corpus para determinar a suspensão do processo e de eventual execução da pena até a manifestação motivada do órgão acusatório sobre a viabilidade de proposta do ANPP, conforme os requisitos previstos na legislação, passível de controle na forma do § 14 do art. 28-A do CPP.

Teses de julgamento: "1. Compete ao membro do Ministério Público oficiante, motivadamente e no exercício do seu poder-dever, avaliar o preenchimento dos requisitos para negociação e celebração do ANPP, sem prejuízo do regular exercício dos controles jurisdicional e interno; 2. É cabível a celebração de Acordo de Não Persecução Penal em casos de processos em andamento quando da entrada em vigência da Lei nº 13 .964, de 2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado; 3. Nos processos penais em andamento na data da proclamação do resultado deste julgamento, nos quais, em tese, seja cabível a negociação de ANPP, se este ainda não foi oferecido ou não houve motivação para o seu não oferecimento, o Ministério Público, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa, deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, após a publicação da ata deste julgamento, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo; 4. Nas investigações ou ações penais iniciadas a partir da proclamação do resultado deste julgamento, a proposição de ANPP pelo Ministério Público, ou a motivação para o seu não oferecimento, devem ser apresentadas antes do recebimento da denúncia, ressalvada a possibilidade de propositura, pelo órgão ministerial, no curso da ação penal, se for o caso."

_________

Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts . 5º, XL e LVII; 98, I; Código Penal, art. 2º, caput e parágrafo único; Código de Processo Penal, art. 28-A, caput, incisos I a V e §§ 1º a 14. Jurisprudência relevante citada: HC 75 .343/SP; HC 127.483/PR; Inq 4.420 AgR/DF; Pet 7.065-AgRg/DF; ADI 1 .719/DF; Inq 1.055 QO/AM; HC 74.305/SP; HC 191.464 AgR/SC .

(STF - HC: 185913 DF, Relator.: Ministro Gilmar Mendes, Data de Julgamento: 18/09/2024, Tribunal Pleno, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 18-11-2024 PUBLIC 19-11-2024, grifei e sublinhei)

Dessa maneira, não existe prova suficiente da autoria delitiva para a condenação, devendo ser reconhecida a absolvição na forma do art. 386, inc. VII, do CPP.

Quanto ao pleito de majoração dos honorários advocatícios do advogado dativo, verifico que a sentença adotou critérios fixados por este Tribunal e ponderou corretamente o grau de complexidade da causa, o tempo despendido de trabalho, o grau de zelo do profissional, a natureza e importância desta causa (TRE-RS - REl n. 51-53.2014.6.21.0090, Relatora Desembargadora Maria de Lourdes Braccini, DEJERS, Tomo 206, Data: 11/11/2016, Página 2;no mesmo sentido: TRE-RS - RecCrimEleit n. 0600071-44.2021.6.21.0059, Relator Desembargador Volnei dos Santos Coelho, DJE, 07/10/2024).

Portanto, entendo adequada a verba honorária do defensor dativo arbitrada na sentença na importância de R$ 1.610,49 a cargo da União, valor que deve ser mantido.

Ante o exposto, acolho as preliminares de invalidade da captura de tela e de invalidade da confissão extrajudicial; rejeito a preliminar de ausência de correlação entre a sentença e a denúncia e, no mérito, VOTO pelo provimento do recurso para absolver VANESSA BORGES FREITAS por não existir prova suficiente para a condenação, na forma do art. 386, inc. VII, do CPP.