REl - 0600336-84.2024.6.21.0077 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/08/2025 às 16:00

VOTO

 

A sentença reconheceu a prática de conduta vedada a agente público, nos termos do art. 73, inc. I e § 4º, da Lei n. 9.504/97, e aplicou multa individual de R$ 6.500,00 à candidata a vereança Maria Aparecida Santos Moreira da Silva e ao Assessor Municipal Tiago Nunes Martins, devido à gravação de um vídeo de propaganda eleitoral no Ginásio Municipal de Esportes Rutílio Kestering, bem público de acesso restrito, e divulgação nas redes sociais Facebook e Instagram. Transcrevo o dispositivo legal:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

(...)

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

No entanto, a decisão afastou a configuração de abuso de poder político ou de autoridade, por entender que a conduta, embora irregular, não teve gravidade suficiente para comprometer a lisura do pleito ou causar desequilíbrio relevante entre os candidatos, especialmente por se tratar de conteúdo restrito às redes sociais e sem veiculação no horário eleitoral gratuito.

A coligação recorrente sustenta que o vídeo de campanha contém encenação, falas políticas e apelo emocional, vinculado à gestão local, e que a gravação ocorreu em horário de funcionamento do ginásio, com crianças em aula ao fundo, em local não franqueado aos demais candidatos, o que configura desvio de finalidade e quebra da paridade entre os concorrentes.

Ressalta que o conteúdo foi amplamente divulgado nas redes sociais da candidata e que, conforme o art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90, não é exigida a demonstração de potencialidade para alterar o resultado da eleição, bastando a gravidade das circunstâncias. Com base nesses elementos, requer a majoração das multas e o reconhecimento do abuso de poder político, com aplicação das sanções de cassação do registro, declaração de inelegibilidade e remessa dos autos ao Ministério Público Estadual para apuração de eventual improbidade.

A Procuradoria Regional Eleitoral igualmente entende que a conduta dos recorridos, ao utilizar um ginásio municipal - espaço público de uso regulado e limitado - sem autorização formal e sem disponibilização equânime a outros candidatos, com veiculação das expressões "nosso ginásio" e "nosso governo" , representa apropriação de simbolismo institucional que, aliados à condição dos investigados (ex-assessora e atual assessor/companheiro), indicam a gravidade da conduta, que atinge a paridade de armas entre os candidatos e a lisura do pleito.

Contudo, do exame dos autos, concluo que a sentença examinou adequadamente os elementos dos autos e concluiu, com acerto, que a atitude irregular dos representados, embora configuradora de conduta vedada a agente público, não atingiu a gravidade exigida para a configuração do abuso de poder político ou de autoridade.

O mero uso de expressões "nosso ginásio" e "nosso governo" não representa apropriação de simbologia utilizada pela administração pública e consistiria em indiferente eleitoral acaso o vídeo tivesse sido gravado na parte externa do Ginásio, em local de acesso público. A meu sentir, a linguagem utilizada - com uso de expressão muito comum em campanhas de candidatos apoiados pela situação - em nada contribui para o agravamento do fato.

Assisti ao vídeo juntado aos autos e ele reforça o acerto da condenação por conduta vedada, mas não altera a conclusão de que falta gravidade concreta para configurar abuso de poder político.

Na gravação, a candidata fala diretamente à câmera, apresenta-se como "Cida Santos", e menciona que foi assessora de esportes. Aponta para o espaço físico do ginásio enquanto crianças praticam esportes ao fundo, e usa expressões como "Foi aqui que a gente começou um trabalho, e agora a gente quer continuar", "Nosso ginásio", "Nosso esporte precisa de continuidade", fazendo menção ao "nosso governo" e à proposta de continuidade de ações voltadas à juventude.

Há conduta vedada porque o vídeo é claramente gravado dentro do Ginásio Municipal de Esportes Rutílio Kestering, um bem público de uso regulamentado, com atividade esportiva infantil em curso ao fundo (crianças em quadra, uniformizadas), o que indica que o local estava em uso no momento da gravação.

É uma gravação nitidamente eleitoral, com estrutura de roteiro e falas planejadas, mas não é ilícita a tentativa de vincular a imagem da candidata à gestão municipal anterior, com discurso de continuidade e apelo emocional (crianças, legado, "nosso" trabalho).

O ilícito está em fazer a captação de imagens dentro do local público de acesso restrito, tão somente, porque, como já dito, tudo isso poderia ter sido gravado do lado de fora, sem qualquer repercussão quanto a infrações eleitorais.

Sobreleva notar que esse material de campanha foi veiculado exclusivamente nas redes sociais oficiais da candidata, registradas junto à Justiça Eleitoral, em 02 de setembro de 2024, ou seja, mais de um mês antes do pleito, ocorrido em 06 de outubro.

Não há notícia de divulgação no horário eleitoral gratuito, ou em outros perfis de redes sociais, ou de divulgação em massa por intermédio de mensagens instantâneas. Não se trouxe aos autos prova do impacto da gravação na comunidade, no eleitorado, a quantidade de acessos e de compartilhamentos, e nem se tem notícia de que a postagem tenha sido impulsionada para obter maior volume de visualizações (anúncio pago ou patrocinado nas redes sociais). A gravidade que se alega é totalmente presumida e não tem amparo em outros elementos de prova além da própria existência do vídeo gravado em local de acesso restrito.

Após a concessão de liminar, a remoção do conteúdo foi devidamente cumprida, conforme manifestação da empresa Facebook, e até o momento, não há no feito qualquer prova da quantidade de pessoas atingidas pela veiculação da propaganda, a qual foi postada nos perfis pessoais e oficiais da candidata. Também não foi demonstrado quantos seguidores a candidata possuía em suas redes sociais na época [https://www.facebook.com/cida.sms](https://www.facebook.com/cida.sms) e [https://www.instagram.com/cidasms/](https://www.instagram.com/cidasms/).

Assim, ao que parece, a divulgação se deu de forma espontânea e orgânica, sem menção a impulsionamento ou patrocínio, e inexiste qualquer indicativo de que tenha havido investimento financeiro para amplificação do alcance do conteúdo.

Não é só.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral estabelece que a utilização de bens públicos como cenário para propaganda eleitoral é considerada lícita quando presentes os seguintes requisitos: "(i) o local das filmagens seja de livre acesso a qualquer pessoa; (ii) o serviço não seja interrompido em razão das filmagens; (iii) o uso das dependências seja franqueado a todos os demais candidatos (AgR-RO n. 1379-94/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 22.3.2017); (iv) a utilização se restrinja à captação de imagens, sem encenação (RO n. 1960 -83/AM, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 10.8.2017)" (REspEl n. 0603168-40/RS, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 23.8.2021).

No caso em tela, não foi demonstrado que o serviço prestado no local foi interrompido em razão das filmagens, ou que houve também uso de servidores públicos, ou que a utilização das dependências do Ginásio Municipal de Esportes Rutílio Kestering tenha sido negada a todos os demais candidatos do município, causando prejuízo aos demais concorrentes ao pleito.

Conforme jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral: "nem toda conduta vedada acarreta, de modo automático e objetivo, a perda do diploma, cabendo à Justiça Eleitoral exercer juízo de proporcionalidade entre o ilícito perpetrado e a sanção a ser imposta" (TSE, AgR-REspEl n. 425-21/SC, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 27.8.2019).

Do contexto da prova, apesar de caracterizada a conduta vedada, identifico um baixo grau de reprovabilidade do fato e entendo não demonstrada a sua capacidade de interferir no equilíbrio do pleito, de modo que se mostra fora do razoável e proporcional uma punição mais severa, pois não há gravidade apta à conformação de abuso de poder.

Ao contrário do raciocínio da Procuradoria Regional Eleitoral, entendo que a simples divulgação de um vídeo em rede social não é grave o suficiente para justificar cassação e declaração da inelegibilidade.

O uso indevido de bem público, ainda que comprovado, quando isolado, pontual, de baixa repercussão e sem demonstração de desequilíbrio relevante entre os concorrentes, não justifica a aplicação das sanções máximas previstas na LC n. 64/90.

E o conteúdo da prova e das razões de reforma conduzem à conclusão de que somente se está diante de prática de mera conduta vedada. Essas infrações, consoante abalizada doutrina e sedimentada jurisprudência do TSE: "constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição instituída pela EC n. 16/97. A ideia da criação da figura jurídica das condutas vedadas é justamente evitar o uso da administração pública como forma de desequilibrar a competição eleitoral" (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 10. ed. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024, p. 807).

Também considero suficiente a multa imposta, a qual foi fixada em quantum razoável e proporcional ao ilícito cometido, não tendo sido demonstrado que se afigura irrisória ou excessiva frente aos fatos e as possibilidades econômicas dos recorridos.

A multa fixada na sentença, no valor de R$ 6.500,00 para cada recorrido, está acima do mínimo legal de R$ 5.320,50, e se revela adequada à gravidade da infração praticada, sendo desnecessária majoração, pois atende aos critérios do TSE de que "cabe ao Judiciário dosar a multa prevista no § 4º do mencionado art. 73, de acordo com a capacidade econômica do infrator, a gravidade da conduta e a repercussão que o fato atingiu" (TSE, Rp n. 2959-86/DF, rel. Min. Henrique Neves, DJe 21.10.2010).

Dessa forma, ausente gravidade para o reconhecimento do abuso de poder político ou de autoridade, a sentença deve ser mantida em sua integralidade.

Por fim, anoto ser desnecessária a remessa dos autos ao Ministério Público, órgão que já atua no feito desde a primeira instância na condição de fiscal da ordem jurídica, cabendo à parte que tiver interesse providenciar diretamente a entrega de cópias que compreende devida, se assim entender de direito, sem necessidade de intervenção judicial. O Ministério Público é órgão uno e indivisível, de modo que sua atuação em qualquer instância supre a exigência de comunicação formal, conforme entendimento consolidado no STJ (EREsp 1.338.699/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 22/5/2019, DJe 27/5/2019).

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.