REl - 0600607-37.2024.6.21.0031 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/08/2025 às 16:00

VOTO

1.  Admissibilidade.

O recurso é tempestivo e tem em si presentes os demais pressupostos de admissibilidade, de forma que está a merecer conhecimento.

2. Mérito.

No mérito, FABRÍCIA DE SOUZA recorre contra a sentença que julgou desaprovadas as contas referentes ao cargo de vereadora no Município de Montenegro. A decisão hostilizada determinou recolhimento no valor de R$ 15.801,22.

As irregularidades apontadas na sentença dizem respeito à (i) utilização de Recursos de Origem Não Identificada – RONI; (ii) ausência de comprovação do recolhimento de sobra de campanha; (iii) despesa de pessoal com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, sem observância dos requisitos contratuais; e (iv) emissão de cheque não cruzado, provido pela conta do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Passo à análise pormenorizada de cada uma das irregularidades detectadas pelo juízo de origem.

2.1. Recursos de Origem Não Identificada – RONI.

A recorrente teria utilizado recursos que não transitaram pelas contas de campanha, no montante R$ 396,22, para impulsionamento de conteúdo no Facebook. Na operação, a candidata declarou o pagamento de R$ 750,00 em contraprestação às Notas Fiscais n. 94081296 (R$ 881,16) e n. 91637274 (R$ 265,06), em total de R$ 1.146,22.

Desse modo, a diferença entre o valor das notas fiscais e os valores declarados como quitados nas contas demonstraria que o pagamento ocorrera mediante a utilização de verba que não transitara nas contas de campanha, de modo a configurar a utilização de Recursos de Origem Não Identificada – RONI.

No entanto, a recorrente logrou fazer acompanhar ao recurso Guia de Recolhimento da União (ID 45826040) comprobatória da devolução do valor de R$ 396,22.

Assim, ainda que mantida a irregularidade, julgo deva ser afastada a ordem de recolhimento no presente ponto.

2.2. FEFC – Sobras de campanha.

A sentença apontou uma sobra de campanha em recursos públicos no valor de R$ 5,00.

Do mesmo modo do item anterior, a recorrente juntou ao recurso a Guia de Recolhimento da União referente ao valor da sobra de campanha (ID 45826041).

Assim, a quantia de R$ 5,00 deverá ser excluída da ordem de recolhimento.

2.3. FEFC – despesa de pessoal sem comprovação.

No ponto, transcrevo excerto do parecer conclusivo, aliás reproduzido na sentença:

Impõe-se, dessarte, examinar os gastos a partir de cada um dos prestadores de serviço, que serão a seguir individualizados.

2.3.a. Rodrigo Franciel de Souza.

Quanto ao prestador Rodrigo, verifico que a despesa de R$ 400,00, em 05.10.2024, encontra o respectivo recibo de pagamento no ID 45826027 e comprovante PIX no ID 45826026.

Inclusive, a operação está registrada no DivulgaCandContas com o beneficiário declarado.

Ademais, a recorrente apresentou tabela com dados, rejeitada pelo Juízo em razão de ser ato unilateral da candidata. De fato, o documento não é útil para a correta comprovação dos requisitos previstos pela legislação de regência.

Contudo, observo que o contrato de prestação de serviço refere: o contratado prestará os seus serviços durante uma carga horária diária de 08 horas com 1h30 de intervalo para refeição – Cláusula 5ª, caput, e parágrafo único (ID 45825972).

Entendo, assim, suprido tal requisito contratual.

No referente ao preço, destaco que o valor pactuado para o serviço de panfletagem (no curso de toda a campanha) não destoa da média dos valores praticados por outros candidatos em condição similar. Além disso, Solange Eraci Rhoden, também responsável pela distribuição de panfletos, recebeu a mesma remuneração de Rodrigo.

Destaco, ainda, que do cotejo entre as informações prestadas pela recorrente e a tabela elaborada no parecer conclusivo extrai-se aparente impropriedade na tabela quanto ao gasto de R$ 1.500,00, na data de 30.8.2024. Não há declaração do gasto em tal data. O recibo constante dos autos indica quitação de R$ 1.000,00 em 30.8.24, utilizando-se de cheque nominal a Rodrigo, n. 850001, da conta FEFC (ID 45825972, fls. 6 e 7) – operação que será analisada adiante (item 2.3.d).

2.3.b. Solange Eraci Rhoden

No concernente ao gasto de R$ 2.500,00, realizado junto a Solange Eraci Rhoden, cujos apontamentos indicam a ausência de recibo de pagamento e fotocópia do cheque cruzado, verifico fotografia do cheque de número 850004, no referido valor, preenchido modo nominal e cruzado à prestadora de serviço (ID 45826024), com o devido reflexo no extrato bancário, o qual indica Solange como beneficiária do pagamento.

Pagamento regularmente comprovado, portanto, até mesmo porque, no que concerne aos aspectos relativos à carga horária e à justificativa de preço, reporto-me à fundamentação já lançada no item anterior, visto tratar-se de idêntico contrato para ambos os prestadores.

Afastadas as irregularidades, portanto.

2.3.c. Rosani Pereira dos Santos.

A respeito da ausência de horas trabalhadas, assim como nos contratos anteriormente referidos, fora fixado que Rosani prestaria os seus serviços durante uma carga horária diária de 08 horas, com 1h30 de intervalo para refeição (ID 45825972); e no que se refere à justificativa de preço, o contrato prevê o pagamento de R$ 5.000,00 mensais, importando em R$ 8.800,00 pelo período integral da campanha. Entendo, ademais, justificado o valor superior ao avençado com os prestadores Rodrigo e Solange, em razão da atividade desenvolvida por Rosani, qual seja, coordenadora de campanha.

Nessa linha de raciocínio, julgo regulares os gastos efetuados para contratação de pessoal com recursos do FEFC e, consequentemente, afasto a determinação de devolução dos recursos públicos ao erário na importância de R$ 15.400,00 (quinze mil e quatrocentos reais).

2.3.d. Cheque não cruzado.

A sentença indica irregularidade relativa ao cheque n. 1, no valor de R$ 1.000,00, emitido para quitação da obrigação adquirida junto a Rodrigo Franciel de Souza, e o cheque n. 2, no valor de R$ 2.000,00, para pagamento de Ana Luisa de Souza da Fonseca, não sendo possível identificar os reais destinatários dos recursos em razão das cártulas terem sido sacadas, sem informação de contraparte no extrato eletrônico

A candidata admite a emissão dos cheques sem observância do cruzamento, ou seja, por meio diverso do previsto na legislação de regência, em afronta ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

(...)

Relativamente ao cheque de R$ 2.000,00, a sentença consigna que este foi objeto de devolução, razão pela qual seu valor não deve ser objeto de determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

Com respeito ao pagamento de R$ 1.000,00, a sentença igualmente afasta o recolhimento, uma vez que encontra-se inserido nos R$ 15.400,00 do item "c", não devendo ser determinada a devolução em duplicidade.

Destaco que a matéria percorreu um período de amadurecimento, sendo que, no início, havia a aceitação da cártula sem cruzamento apenas quando, modo inequívoco, fosse possível verificar o destino da verba utilizada para pagamento do gasto.

Exemplificativamente, indico caso em que houve o depósito nas contas bancárias dos endossatários, alcançando o objetivo de conferir transparência à contabilidade com o registro de cruzamento dos títulos de crédito (Recurso Eleitoral n. 0600821-73.2020.6.21.0029, Relatora Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, julgado em 25.4.2023).

Atualmente, o e. Tribunal Superior Eleitoral passou a entender que, havendo comprovação do gasto e da quitação ao fornecedor ou prestador de serviço por meio de cheque nominal, ainda que não cruzado, há de ser mantida a glosa, pois desrespeitada a formalidade.

Contudo, sem determinação do recolhimento. A posição da e. Corte Superior está registrada na ementa que segue:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA. PREFEITO E VICE–PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO ERÁRIO.SÍNTESE DO CASO

1. O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão manteve, à unanimidade, a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante, referentes às Eleições de 2020, quando concorreu ao cargo de prefeito do Município de Carolina/MA, com a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99, bem como dos recursos recebidos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no montante de R$ 77.280,65.

2. Na decisão agravada, o agravo em recurso especial teve seguimento negado por não ter sido reconhecida a alegada violação aos dispositivos legais invocados, bem como pela incidência do óbice do verbete sumular 24 do Tribunal Superior Eleitoral, tendo sido interposto agravo regimental.ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL

3. Na espécie, subsistem as seguintes falhas glosadas pela Corte de origem e aptas à manutenção da desaprovação das contas, pelos fundamentos já alinhavados na decisão agravada:i) a não apresentação dos extratos, em sua forma definitiva, da conta aberta para movimentação de recursos do Fundo Partidário e daquela aberta para movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), além da ausência de extratos bancários referentes à conta bancária de Outros Recursos;ii) omissão de receitas e de gastos, haja vista que os recursos financeiros utilizados para pagamentos de bens e serviços, para os quais foram emitidas notas fiscais eletrônicas, não transitaram pela conta bancária de campanha;iii) irregularidade na aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), cujas despesas não foram comprovadas por documentos fiscais idôneos.

4. No que respeita ao pagamento a fornecedores de bens e serviços e de atividades de militância por meio de cheque nominal não cruzado, é certo que a Corte de origem assinala que foram anexados "notas fiscais, contratos de prestação de serviços, declarações e cópias de cheques", embora tenha entendido que o pagamento desses gastos por meio de cheque nominal não cruzado (ao invés de cruzado) seria suficiente para manutenção da falha.

5. A jurisprudência admite que – mantida a glosa em face da não observância da formalidade preconizada quanto à necessidade de emissão de cheque nominal cruzado para quitação de despesas – não é caso de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional se há a comprovação da própria regularidade do gasto. Nesse sentido: Recurso Especial 0602985–69, rel. Min. Og Fernandes, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16.8.2021; Recurso Especial 0602104–92, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 20.10.2021.

CONCLUSÃO

Agravo regimental provido em parte, a fim de prover o agravo em recurso especial eleitoral e, desde logo, prover em parte o recurso especial eleitoral, para, subsistente a desaprovação das contas do candidato a prefeito Erivelton Teixeira Neves, manter a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, somente dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99 (oito mil, duzentos e dezesseis reais e noventa e nove centavos) e, ainda, de R$ 6.001,00 (seis mil e um reais), decotado, portanto, o valor de R$ 71.279,65.
(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060020346, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 47, Data 22/03/2023)

E este Tribunal se encontra alinhado ao entendimento da Corte Superior, em julgado de relatoria do Desembargador Caetano Cuervo Lo Pumo, do qual transcrevo excerto da ementa:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. DOCUMENTAÇÃO QUE DISPENSA ANÁLISE TÉCNICA. PRECEDENTES DESTA CORTE. ADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REGULAR UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. CHEQUES NOMINAIS E NÃO CRUZADOS. DÉBITOS BANCÁRIOS SEM IDENTIFICAÇÃO DO FORNECEDOR. OFERECIMENTO DE PROVA IDÔNEA E SEGURA ACERCA DO DESTINO DOS RECURSOS. ENDOSSO DOS TÍTULOS. FALHA SUPERADA PELA EMISSÃO NOMINAL E PELA APOSIÇÃO DE ASSINATURA DO BENEFICIÁRIO NO VERSO DO CHEQUE. ENDOSSO EM BRANCO. DESPESAS SEM DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA DOS DESTINATÁRIOS DOS RECURSOS. INFRINGÊNCIA À NORMA DE REGÊNCIA. RECOLHIMENTO DO VALOR CONSIDERADO IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. BAIXO PERCENTUAL DAS FALHAS. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

(...)

3. Aplicação irregular de recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

(…)

3.2. Falta de cruzamento de cheques nominativos a fornecedores, descontados mediante operação de “saque eletrônico”. Cártulas endossadas em branco pelos beneficiários, constando as respectivas assinaturas e números de CPF no verso. Falha superada pela sua emissão nominal e pela aposição da assinatura do beneficiário no verso dos títulos (endosso em branco). A legislação eleitoral, ao estabelecer as formas de quitação dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável ("não à ordem"), o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85. Embora afastado o dever de recolhimento de quantias ao Tesouro Nacional, subsiste a falha formal por descumprimento do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, relativamente aos gastos. No mesmo sentido, o cheque não cruzado e depositado na conta bancária do endossatário alcança o objetivo de conferir transparência e a rastreabilidade bancária da quantia.
(Prestação De Contas Eleitorais 060215212/RS, Relator(a) Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Acórdão de 29/02/2024, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 40, data 06/03/2024).

(Grifei.)

Ou seja, uma vez comprovada a contratação do gasto - e demonstrada a quitação ao correspondente fornecedor ou prestador de serviço -, há que se considerar regular a despesa. Porém, há a necessidade de manutenção do apontamento em si, em razão do não atendimento da determinação legal quanto à forma "cheque nominal cruzado".

No caso dos autos, a cópia do cheque nº 850001, conta-corrente n. 750167-2, Banco 001, no valor de R$ 1.000,00, (ID 45825972, fl. 7) demonstra o preenchimento modo nominal não cruzado – o que seria possível vencer, caso houvesse o endosso no verso, de modo a comprovar cabalmente o recebimento – contudo, não há microfilmagem frente e verso da cártula, inviabilizando a verificação de eventual endosso.

Nessa senda, a irregularidade permanece e o valor de R$ 1.000,00 deve ser devolvido ao Tesouro Nacional, pois constitui gasto irregular com verba pública, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por fim, destaco que as irregularidades remanescentes importam em R$ 1.401,22 (R$ 396,22 + R$ 5,00 + R$ 1,000,00) e alcançam o baixo percentual de 7% do total de recursos recebidos (R$ 20.000,00), circunstância que admite a aprovação com ressalvas das contas, conforme pacífica jurisprudência deste Tribunal.

Conclusão

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso de FABRÍCIA DE SOUZA, para aprovar as contas com ressalvas e reduzir o valor da ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional para o patamar de R$ 1.000,00.