PetCiv - 0600282-24.2025.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/08/2025 às 16:00

VOTO

Os autos apresentam uma situação atípica: falecimento de vereador no primeiro ano da legislatura e inexistência de suplente da mesma agremiação política.

O ofício foi motivado pela interpretação do art. 96 do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Braga/RS, especialmente o § 2º, que prevê a comunicação ao TRE em caso de vacância sem suplente, e do art. 61, § 2º, da Lei Orgânica Municipal, que determina a realização de nova eleição proporcional caso ocorra vaga e não haja suplente para preenchê-la, se faltarem mais de quinze (15) meses para o término do mandato.

Conforme consta da resposta do juízo de cooperação juntada aos autos, ao responder à Consulta n. 1.398, o TSE estabeleceu que o mandato obtido no sistema proporcional pertence ao mesmo partido político pelo qual o parlamentar foi eleito, na forma do art. 112 do Código Eleitoral, regulamentado pelo art. 14 da Resolução TSE n. 23.677/21, entendimento confirmado pelo STF no julgamento dos Mandados de Segurança n. 26.602, 26.603 e 26.604.

Portanto, inviável que a vaga seja ocupada por parlamentar de partido diverso daquele que obteve o mandato na eleição e a que pertencia o titular do cargo eletivo.

No ponto, observa-se que, na dicção do Supremo Tribunal Federal, “[a] linha sucessória de mandatos eletivos é determinada pela diplomação dos vencedores no pleito, realizada pela Justiça Eleitoral, define o quadro da titularidade e da suplência dos cargos eletivos para uma determinada legislatura, nos termos do art. 215 do Código Eleitoral”, e a perda do direito de preferência na hipótese de vagas de suplência exige uma decisão da Justiça Eleitoral (STF, MS n. 34777 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe 06.3.2018).  

O art. 29 da Resolução TSE n. 23.677/21, da mesma forma, determina a “nova totalização dos votos” quando houver “alteração na situação jurídica do partido político, da federação, da coligação, da candidata ou do candidato que acarrete alteração de resultado”, circunstância que presume fato de natureza eleitoral.  

Na espécie, o fato gerador da vacância – falecimento do eleito – não ostenta natureza eleitoral.

Diante do óbito do eleito e da inexistência de suplentes do respectivo partido, a Câmara de Vereadores provocou a Justiça Eleitoral para definição do procedimento a ser adotado, notadamente quanto à possibilidade de realização de nova eleição. O instituto, estabelecido no art. 61, § 2º, da Lei Orgânica Municipal de Braga/RS, está previsto no art. 113 do Código Eleitoral e reproduzido no art. 15 da Resolução TSE n. 23.677/21.

A primeira questão a se considerar é quanto à competência para o exame da matéria, na medida em que se trata de vacância decorrente de causa não eleitoral (falecimento), devendo ser ressaltada, no entanto, a especial particularidade de que, na espécie, não existe suplente apto a ocupar essa vaga.

É cediço que a jurisprudência consolidada do Tribunal Superior Eleitoral, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Superior Tribunal de Justiça, em hipóteses de vacância de cargo proporcional (vereador, deputado estadual ou federal), estabelece que a competência para dirimir controvérsias relativas à ordem de convocação de suplentes — após a diplomação — é da Justiça Comum Estadual (STJ, AgRg no CC n. 110.745/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 01.02.2013; STJ, CC n. 108.023/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28.4.2010, DJe 10.5.2010; TSE, Consulta n. 1.679/DF, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe 10.3.2009; TSE, CTA n. 1542, Resolução n. 22.828, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe 24.6.2008).

Contudo, o caso em exame não se confunde com a hipótese ordinária de convocação de suplente de competência da Justiça Comum.

Trata-se de situação específica, prevista em norma eleitoral (art. 113 do CE), cuja aplicação atrai, por consequência, a competência da Justiça Eleitoral para organizar nova eleição proporcional. A peculiaridade reside justamente na inexistência de suplente para ocupar a vaga aberta. Não há, portanto, litígio entre pretendentes ao cargo nem disputa quanto à precedência de convocação.

A única previsão normativa para esta hipótese encontra-se em dispositivos de natureza estritamente eleitoral:

Art. 56, § 2º, da Constituição Federal: “Ocorrendo vaga e não havendo suplente, far-se-á eleição para preenchê-la se faltarem mais de quinze meses para o término do mandato.”

Art. 113 do Código Eleitoral: “Na ocorrência de vaga, não havendo suplente para preenchê-la, far-se-á eleição, salvo se faltarem menos de nove meses para findar o período de mandato.”

Convém anotar, por pertinente, que essa hipótese é de raríssima incidência no cotidiano eleitoral, o que indica a ausência de precedentes aplicáveis à espécie e, de igual modo, o pouco aprofundamento da doutrina sobre a matéria.

A ocorrência de renovação de eleição proporcional mais recorrente se dá no caso de reconhecimento de fraude à cota de gênero, quando todo o pleito é renovado – circunstância absolutamente diversa da enfrentada no caso concreto. Como exemplo, cito que o Tribunal Regional Eleitoral do Piauí aprovou a Resolução n. 475/23, no Processo Administrativo n. 0600371-02.2023.6.18.0000, na qual fixou data, instruções e calendário para a realização de novas eleições para o cargo de vereador no Município de Gilbués/PI.

No tocante à aplicação do art. 113 do Código Eleitoral, o TSE tem decisões bastante antigas – pretéritas ainda à Constituição Federal –, oportunidade em que reconheceu a possibilidade de incidência do aludido dispositivo. Confira-se:

DAR-SE-A O PREENCHIMENTO DE VAGA DE VEREADOR MEDIANTE ELEICAO QUANDO NAO DECORRA DE CASSACAO DE MANDATO, NAO HAJA SUPLENTE E FALTEM MAIS DE QUINZE MESES PARA O TERMINO DO MANDATO. A CONTAR DA DATA EM QUE OCORRE A VAGA.

(TSE, CTA n. 3880  Resolução n. 8632  BA - Relator(a): Min. Djaci Alves Falcão - Julgamento: 20.11.1969.)

 

PODEM SER REALIZADAS AS ELEICOES PREVISTAS NO ART. 113 DO CODIGO ELEITORAL, NA HIPOTESE DE EXISTENCIA NAS CAMARAS MUNICIPAIS DE CARGOS VAGOS DE VEREADORES, EM VIRTUDE DE RENUNCIA OU MORTE, DESDE QUE TENHA SIDO ESGOTADO O NUMERO DE SUPLENTES, ESTANDO ASSIM SEM QUORUM PARA FUNCIONAMENTO. - NO CASO ESPECIFICO DO ESTADO DE GOIAS, ONDE SE DEVEM PROCEDER ELEICOES PARA PREFEITO, A 30 DE NOVEMBRO P. VINDOURO, TAL PLEITO PARA PREENCHIMENTO DE VAGAS DECORRENTES DE RENUNCIA OU MORTE, NAS CAMARAS MUNICIPAIS, PODERA ACONTECER JUNTAMENTO COM OS DEMAIS.

(TSE, CTA n. 3920  Resolução n. 8598  GO - Relator(a): Min. Djaci Alves Falcão - Julgamento: 16.10.1969.)

 

De todo modo, ainda que não se tenha conhecimento de julgados recentes de tribunais – notadamente superiores – acerca do art. 113 do Código Eleitoral, inequívoco que se trata de norma válida e vigente no ordenamento jurídico, o que pode ser aferido a partir de um breve apanhado na doutrina eleitoralista. Ainda que sem aprofundamento sobre o aludido dispositivo, há convergência no sentido da sua aplicação quando evidenciada a subsunção da hipótese fática de incidência (vacância por causa não eleitoral sem suplente faltando mais de 15 meses para o término do mandato). Nesse sentido, cito as seguintes lições:

“Por outro lado, vagando cargo de Membro do Poder Legislativo, o suplente respectivo deve ser convocado para assumi-lo. Se não houver suplente e faltarem mais de 15 meses para o término do período do mandato, deve-se fazer nova eleição para preencher a vaga (CF, art. 56, § 1o; CE, art. 113)”.

(GOMES, José J. Direito Eleitoral - 21ª Edição 2025. 21. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2025. E-book. p. 659. ISBN 9786559777457. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559777457/. Acesso em: 14 ago. 2025.)

 

“O art. 15 da Res.-TSE n. 23.677/2021, de seu turno, replica o art. 113 do CE e prevê que “na ocorrência de vagas, não havendo suplente para preenchê-la, far-se-á eleição, salvo de faltarem menos de 9 meses para findar o período de mandato”.

(ZILIO, Rodrigo López. Manual de Direito Eleitoral – Volume Único. São Paulo: Editora Juspodivm, 11ª edição, 2025, p. 85.)

 

Para além disso, ainda que não tenha enfrentado a tese de aplicação do art. 113 do Código Eleitoral em casos concretos ou mesmo consultas recentes, ao replicar na Resolução TSE n. 23.677/21 (que trata da totalização) a regra do art. 113 do Código Eleitoral –, nos termos da redação dada ao art. 15 da referida instrução normativa, é certo que o TSE assinala positivamente para a aplicação e vigência do aludido dispositivo:

Resolução TSE n. 23.677/2021

Art. 15. Na ocorrência de vaga, não havendo suplente para preenchê-la, far-se-á eleição, salvo se faltarem menos de 9 (nove) meses para findar o período de mandato (Código Eleitoral, art. 113).

 

Vale dizer, ao incorporar textualmente o art. 113 do Código Eleitoral na atual instrução normativa que trata de totalização, o TSE dá indicação clara e inequívoca da sua aplicabilidade no atual ordenamento jurídico – não havendo, portanto, justificativa plausível para a recusa de sua incidência no caso concreto.

Nada obstante possa se aventar quanto à eventual incompatibilidade dessa eleição proporcional para um único cargo com o princípio da economicidade, decerto que a opção legislativa – no tocante à observância da economicidade e correta aplicação dos recursos públicos – se deu justamente na fixação de um prazo a partir do qual a nova eleição não se daria (na espécie, quando o fato gerador da vacância ocorrer a menos de 9 meses para findar o mandato) – e não é dependente do número de vagas a preencher.

Do mesmo modo, observa-se que a própria redação do art. 113 do Código Eleitoral permite, sem maior esforço intelectivo ou controvérsia, concluir que essa nova eleição – no caso de vacância sem suplente a mais de 9 meses para o término da legislatura – deve ocorrer ainda que seja para o preenchimento de uma única vaga; a propósito, a expressão “[n]a ocorrência de vaga” (singularizada), que inicia a redação do aludido art. 113, indica que o valor a ser prestigiado, na espécie, é a preservação da soberania popular e do primado da representação proporcional no Poder Legislativo – e não é refém, portanto, da quantidade de vagas em aberto, cujo preenchimento é devido. 

Convém ressaltar que o art. 113 do Código Eleitoral e o art. 56, § 2º, da Constituição Federal, no entanto, não se inserem no regime interno do Legislativo (matéria interna corporis), mas sim no ordenamento jurídico, cabendo à Justiça Eleitoral disciplinar, organizar e realizar o novo pleito.

A competência material dos Tribunais Regionais Eleitorais, prevista no art. 30, inc. IV, do Código Eleitoral, compreende a organização das eleições suplementares, a definição de seu calendário e a homologação do resultado, inclusive em hipóteses excepcionais previstas em lei.

Assim, na medida em que a questão não se refere à mera sucessão por suplência, mas sim à realização de nova eleição prevista no próprio Código Eleitoral, a competência da Justiça Eleitoral é inafastável, devendo esta fixar o rito e as condições do pleito suplementar, observando as peculiaridades do sistema proporcional.

Nada obstante, como dito, seja igualmente rarefeita a doutrina sobre essa temática tão singular, anota-se que, ao comentar o art. 113 do Código Eleitoral, Pedro Roberto Decomain e Péricles Prade - em obra que foi escrita quando ainda permitida a coligação no sistema proporcional, ou seja, antes da EC n. 97/2017 -, pontuam que: “[a] nova eleição é organizada e realizada pela Justiça Eleitoral, devendo perante ela ser registrados os candidatos”, assentando, ainda, que “[s]e, em ocorrendo essa hipótese, houver uma única vaga, o partido ou coligação dentre os que participarem da eleição e que tiver obtido a maioria dos votos nominais ou de legenda, terá eleito o novo parlamentar”. Ao final, concluem os referidos autores que: “[o] partido que houver obtido a maior votação, somando-se os votos nominais de todos os seus candidatos e os votos de legenda, é que terá eleito o novo parlamentar. O mais votado dentre os seus candidatos é que será considerado eleito. Se ocorrer empate no total de votos de dois ou mais partidos, então sim, o mais votado dentre os candidatos dos partidos empatados é que haverá que ser considerado eleito. [...]” (DECOMAIN, Pedro Roberto; PRADE, Péricles. Comentários ao Código Eleitoral. São Paulo, Ed. Dialética, 2004, p. 160-161).

Quanto à referência doutrinária, é importante destacar que essa formulação representa o resultado prático que decorre da aplicação do sistema proporcional, e não um critério exclusivo que dispensa o cálculo dos quocientes eleitoral e partidário. No procedimento adotado pelo sistema eletrônico da Justiça Eleitoral — inclusive para hipóteses de vaga única —, aplica-se integralmente a aritmética das eleições proporcionais. Em caso de empate, a regra legal prevista no art. 110 do Código Eleitoral é a da maior idade.

Com esses fundamentos, reconheço a competência da Justiça Eleitoral neste caso, pois a situação é regulada exclusivamente por norma do Código Eleitoral.

No caso em tela, o art. 113 do Código Eleitoral prevê a realização de nova eleição, “salvo se faltarem menos de nove meses para findar o período de mandato”, e faltam mais de 3 anos para o término do mandato. Além disso, verifiquei que a aplicação do prazo de nove meses foi adotada pelo TSE para fins de justificar a nova eleição proporcional em São Manuel/SP porque, na espécie, houve nulidade de mais da metade dos votos e ainda faltava tempo superior ao prazo previsto no art. 113 do Código Eleitoral para o término no mandato (TSE, ED-AgR-AgR-REspEl  n. 060078581, Rel.  Min. Kassio Nunes Marques, DJe 09.09.2024).

Entendo, assim, ser inarredável a realização de um novo pleito proporcional.

Tratando-se de hipótese expressamente prevista no art. 113 do Código Eleitoral, a organização do pleito compete a esta Justiça Especializada, que deverá expedir o respectivo calendário e as instruções.

Quanto ao procedimento a ser adotado no cenário apresentado, a eleição suplementar deverá ser feita no sistema proporcional, seguindo as mesmas regras de elegibilidade e registros de candidatura das eleições ordinárias.

No presente caso, a eleição suplementar deverá observar:

(i) número de candidatos por partido ou federação: aplicação do art. 10 da Lei n. 9.504/97 (“total de até 100% do número de lugares a preencher mais um”), admitindo-se o registro de até dois candidatos por partido/federação, respeitada a cota mínima de um de cada gênero – nos termos previstos pelo art. 17, § 3º-A, da Resolução TSE n. 23.609/19 (“O partido ou a federação que disputar eleição proporcional deverá apresentar lista com ao menos uma candidatura feminina e uma masculina para cumprimento da obrigação legal do percentual mínimo de candidatura por gênero”);

(ii) sistema de apuração: adoção integral do sistema proporcional previsto no Código Eleitoral e na Resolução TSE n. 23.677/21. A circunstância de haver apenas uma vaga não altera a metodologia de apuração, devendo ser observados os quocientes eleitoral e partidário.

DIANTE DO EXPOSTO, em face da inexistência de suplente do mesmo partido ou federação partidária – o que justifica o afastamento da jurisprudência que confere à Justiça Comum a equação sobre a ordem de convocação regular dos suplentes, do prazo restante da legislatura ser superior ao limite legal para dispensa da nova eleição e, sobretudo, da previsão expressa do art. 113 do Código Eleitoral e do art. 56, § 2º, da Constituição Federal, reconheço a competência da Justiça Eleitoral para determinar e organizar a realização de eleição suplementar proporcional para preenchimento da vaga decorrente do falecimento do vereador Bolivar José Della Libera e VOTO no sentido de determinar:

a) a organização de eleição suplementar destinada ao preenchimento de uma vaga de vereador no Município de Braga/RS, diante da vacância e inexistência de suplentes aptos;

b) que seja elaborada e submetida à Presidência minuta de resolução contendo o calendário eleitoral e as instruções aplicáveis, observando que cada partido ou federação poderá registrar até dois candidatos, respeitada a cota mínima de gênero, nos termos do art. 10 da Lei n. 9.504/97;

c) que a apuração seguirá o rito do sistema proporcional, computando-se os votos nominais e de legenda atribuídos aos partidos ou federações que tenham candidatos regularmente registrados e que, considerando tratar-se de eleição para apenas uma vaga, será declarado eleito o candidato mais votado dentre aqueles vinculados à legenda que obtiver a maior votação total (nominal e legenda), desde que atendidas as condições de elegibilidade e ausentes causas de inelegibilidade;

d) após a publicação, a comunicação da presente decisão ao Juízo da 140ª Zona Eleitoral para as providências subsequentes.