REl - 0600168-44.2024.6.21.0122 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/08/2025 às 16:00

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal.

No mérito, a controvérsia central reside na verificação da ocorrência ou não de fraude à cota de gênero e abuso de poder, supostamente perpetrados pelo Diretório Municipal do Partido Democrático Trabalhista - PDT de Tavares/RS e sua então presidente, por meio da suposta candidatura fictícia de Patrícia Pereira Brum, nas Eleições Municipais de 2024.

O recorrente, Movimento Democrático Brasileiro – MDB de Tavares/RS, sustenta que a referida candidatura seria uma fraude, uma "candidatura laranja", destinada unicamente a cumprir formalmente o percentual mínimo de candidaturas femininas exigido pela legislação eleitoral, sem qualquer intenção real de disputar o pleito.

A legislação eleitoral brasileira, em seu art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, estabelece de forma clara e imperativa que:

Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 100% (cem por cento) do número de lugares a preencher mais 1 (um).

[...]

§3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

 

Este dispositivo legal consagra uma política afirmativa fundamental, visando promover a igualdade material e incentivar a participação feminina na política, historicamente sub-representada nos espaços de poder. A fraude a essa cota, portanto, representa uma grave violação aos princípios democráticos e à lisura do processo eleitoral, merecendo a devida reprimenda por parte da Justiça Eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral, atento à necessidade de balizar a análise de tais ilícitos, consolidou seu entendimento na Súmula n. 73, que elenca os elementos que, em conjunto e contextualizados, podem configurar a fraude à cota de gênero:

A fraude à cota de gênero, consistente no desrespeito ao percentual mínimo de 30% (trinta por cento) de candidaturas femininas, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, configura-se com a presença de um ou alguns dos seguintes elementos, quando os fatos e as circunstâncias do caso concreto assim permitirem concluir: (1) votação zerada ou inexpressiva; (2) prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; e (3) ausência de atos efetivos de campanhas, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros.

O reconhecimento do ilícito acarretará: (a) a cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) da legenda e dos diplomas dos candidatos a ele vinculados, independentemente de prova de participação, ciência ou anuência deles; (b) a inelegibilidade daqueles que praticaram ou anuíram com a conduta, nas hipóteses de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE); (c) a nulidade dos votos obtidos pelo partido, com a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do Código Eleitoral), inclusive para fins de aplicação do art. 224 do Código Eleitoral.

 

É crucial observar que a Súmula n. 73 do TSE não estabelece uma presunção absoluta de fraude a partir da mera ocorrência de um ou mais dos elementos ali listados. Pelo contrário, a Súmula exige que a conclusão pela fraude seja extraída "quando os fatos e as circunstâncias do caso concreto assim permitirem concluir". Isso significa que a análise deve ser contextualizada, ponderando-se a totalidade das provas e a realidade do pleito, especialmente em municípios de menor porte, nos quais as dinâmicas de campanha e os resultados eleitorais podem apresentar particularidades que não se amoldam a um padrão rígido de avaliação.

No caso concreto, o recorrente busca a reforma da sentença de primeiro grau, argumentando que a candidatura de Patrícia Pereira Brum seria uma "construção fraudulenta", baseando-se na votação inexpressiva, na modesta movimentação financeira e na suposta ausência de atos efetivos de campanha para si mesma, uma vez que a concorrente teria focado a sua atividade de campanha apenas na chapa majoritária.

Passo à análise.

Da Alegada Inatividade em Redes Sociais e da Ausência de Campanha de Rua

O recorrente alega que a candidata Patrícia Pereira Brum não teria realizado campanha efetiva em redes sociais, apontando que os perfis indicados em seu registro de candidatura não continham publicações e que a página mencionada pela defesa seria "não registrada" e com poucos seguidores, criada apenas para apoiar a chapa majoritária.

Com efeito, os sítios eletrônicos informados pela candidata em seu registro de candidaturas (https://www.instagram.com/patricia_fabinho?igsh=bDg3cmxnZXpuZXN3  e https://www.facebook.com/patricia.patriciabrum?mibextid=LQQJ4d) não foram utilizados em campanha e apresentam poucas publicações, aparentando serem compartilhados entre Patrícia e terceira pessoa, conforme se extrai da ata notarial acostada pelos recorrentes (ID 45953455).

No entanto, a defesa dos recorridos demonstrou que a candidata efetivamente utilizou outra página criada no Facebook para sua propaganda (https://www.facebook.com/profile.php?id=61563887947192), havendo diversas publicações de cunho eleitoral e contemporâneas à época do pleito, em que Patrícia figura em eventos de campanha ao lado de outros políticos, dentre outras postagens com conotação eleitoral (ID 45953551).

O fato de a página não ter sido a inicialmente informada no registro ou de possuir apenas 14 seguidores não descaracteriza a existência de atos mínimos de divulgação de campanha, podendo configurar, no máximo, um ilícito no exercício da propaganda eleitoral.

Entre todas as publicações, destaca-se a divulgação, em 21.9.2024, de um vídeo com imagens da candidata em campanha de rua e de um “card” equivalente ao seu “santinho” eleitoral, ao som de um típico jingle de campanha, com referência expressa ao nome e número de Patrícia (https://www.facebook.com/61563887947192/videos/1460673621382311/).

Em sua defesa, a candidata acostou cópia do jingle (ID 45953548) e alegou que criou a canção personalizada de forma gratuita, por meio da ferramenta de inteligência artificial chamada Suno, consoante registros ainda armazenados na aplicação de internet (https://suno.com/song/10bfefbf-2fc9-4eb4-9438-0586b02d79cc).

Com efeito, a utilização de ferramenta gratuita de inteligência artificial para a criação da música de campanha própria e individual demonstra, inclusive, um esforço da candidata em otimizar seus recursos e meios de promoção eleitoral, compensando suas limitações financeiras.

No que tange à campanha de rua, o recorrente argumenta que os vídeos e fotografias juntados pela defesa não comprovariam que a campanha era voltada para a própria Patrícia. Afirma que a candidata promovia a chapa majoritária e que as testemunhas não souberam dar informações detalhadas sobre sua candidatura ou número.

Não se pode ignorar que é bastante comum e legítima a associação entre determinada candidatura proporcional e o pleito majoritária, especialmente em ações promovidas pelo partido político ou coligação, o que, por si só, não revela descaso com a disputa feminina à Câmara de Vereadores.

Nessa direção, a prova oral colhida em audiência é coerente em atestar a efetiva participação de Patrícia em atos de campanha, nos quais discursava e distribuía material de propaganda, consoante a síntese das oitivas contida no parecer ministerial de primeiro grau (ID 45953615):

A testemunha Ana Beatriz Lopes Paiva, Presidente do Partido, relata que estava em Porto Alegre durante a campanha política, mas acompanhava a campanha de Patrícia pelas redes sociais. Ela afirma que mantinha contato frequente com Patrícia e que, por meio de fotos e vídeos, sabia de sua participação nos comícios, destacando sua atuação efetiva na campanha. Sobre a prestação de contas, menciona que essa responsabilidade cabia ao tesoureiro e que assinava eletronicamente os documentos que lhe eram solicitados.

A testemunha André Luiz Pereira de Souza afirma ter visto Patrícia fazendo campanha em sua rua e que ela esteve em seu comércio pedindo votos com seu material de campanha. Ele lembra que a substituição da candidatura de Ana por Patrícia ocorreu porque a mãe de Ana Beatriz adoeceu e precisou dos cuidados da filha. 

A testemunha Daiane Lucas disse que Patrícia esteve em sua casa com material de campanha, assim como na casa de seus filhos e vizinhos, pedindo votos. Além disso, relata ter visto Patrícia nos comícios, discursando e pedindo votos. 

A testemunha Gilberto Brum Mayer relata que soube da candidatura de Patrícia e que a viu em comícios discursando. Além disso, afirma que Patrícia esteve em sua casa pedindo votos, com seu material de campanha.

A testemunha Raquel Cristina Terra Ferreira afirma que teve conhecimento da candidatura de Patrícia e acompanhou sua campanha, pois estavam sempre próximas devido à sua experiência em auxiliá-la. Relata que Patrícia participou de todas as caminhadas e comícios.

A testemunha Rui Dimar Rodrigues dos Santos recorda ter participado de um bandeiraço no qual Patrícia estava presente, distribuindo seu material de campanha e pedindo votos. Além disso, afirma ter visto a campanha de Patrícia nas redes sociais.

Já as testemunhas José Álvaro Lopes Machado e José Luiz da Costa Coelho afirmaram que souberam da candidatura de Patrícia, mas não a viram fazendo campanha nem tiveram contato com seu material de campanha.

A testemunha Valdomiro José Lemos Terra recorda que, no dia do resultado das eleições, viu que uma candidata havia recebido quatro votos e que só então soube que Patrícia era candidata. Afirma que, durante a campanha, não viu nenhuma movimentação de Patrícia.

 

O fato de algumas testemunhas desconhecerem o número de urna de Patrícia ou não saberem dizer detalhes sobre o material de propaganda que a candidata portava nas mobilizações eleitorais não são suficientes para desqualificar o conjunto de depoimentos que atestam a sua efetiva autopromoção em campanha, ainda que em conjunto com a divulgação dos candidatos à Prefeitura.

De seu turno, Patrícia, ouvida em juízo (IDs 45953593 a 45953595), relatou que fazia campanha apenas fora do seu horário de trabalho, após as 17 horas, pois é estagiária na Prefeitura de Tavares e não tem direito à licença. Relatou que atuava visitando casas nos bairros próximos ao seu, acompanhada de seu sobrinho de 15 anos, já tendo sido tratada com hostilidade por simpatizantes do grupo adversário em determinados domicílios que abordou. Confirmou que seu núcleo comunitário envolve a Igreja que frequente, mas também disse saber que é proibido fazer propaganda eleitoral dentro daquele local. Também admitiu que fazia campanha para si e para a reeleição do Prefeito e afirmou que discursou em todos os comícios do seu partido.

Em corroboração à sua defesa, constam nos autos dois vídeos em que o deputado federal Afonso Motta aparece ao lado de Patrícia e pede votos para a candidata e para a chapa “Pretinho e Sardinha” (IDs 45953550 e 45953553).

Está juntado no processo, ainda, um “relatório de captura técnica de conteúdo digital – Verifact", com imagens de telas do whatsapp de Patrícia, nas quais se constata o envio de mensagens com pedido de voto e com material pessoal de propaganda para diversos eleitores de seu círculo de contatos (ID 45953549).

Assim, as alegações de que a candidata não realizou atos de propaganda para si e que somente militava a favor da chapa majoritária é infirmada pelo conjunto probatório, do qual se depreende uma efetiva mobilização para campanha própria pela candidata e sua ocupação em espaços de propaganda eleitoral disponibilizados pelo partido político, ainda que de forma incipiente e modesta.

Da Votação Inexpressiva: 4 Votos

Em continuidade, o recorrente indica que a obtenção de apenas 4 (quatro) votos por Patrícia seria “praticamente zerada” e indicativa de fraude.

Contudo, a jurisprudência tem considerado que o diminuto desempenho eleitoral não representa evidência de fraude à cota de gênero quando é possível constatar um esforço mínimo na realização de propaganda e na participação em atos de campanha, tal como ocorre no caso em tela.

Não se pode ignorar que a ocupação de espaços de poder por candidatas mulheres ainda enfrenta dificuldades históricas e estruturais diversas, mesmo nas hipóteses em que as agremiações partidárias buscam investir na participação feminina. Assim, a avaliação das razões para uma votação ínfima deve considerar o contexto sociocultural específico da circunscrição, a experiência política e eleitoral da candidata e outros fatores pessoais, tais como a sobreposição de compromissos domésticos, familiares e profissionais.

Nessa linha, esta Corte Regional já decidiu pela inexistência de fraude ou abuso de poder em caso no qual as candidatas demandadas alcançaram seis e zero votos, considerando que “houve a realização de atos de campanha, ainda que de forma incipiente, bem como a demonstração de interesse na disputa por parte das candidatas, consideradas as peculiaridades locais” (Recurso Eleitoral n. 0600586-79/RS, Relator: Des. Voltaire De Lima Moraes, Acórdão de 03.10.2023, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico n. 185, data 09.10.2023).

O caso em tela, ocorrido no Município de Tavares-RS, que conta com pouco mais de 4 mil eleitores, amolda-se perfeitamente a referida premissa jurisprudencial.

O requerimento de registro de candidatura de Patrícia foi apresentado em substituição a outra candidata anteriormente escolhida em Convenção Partidária, qual seja, Ana Beatriz Lopes Paiva, que desistiu da disputa eleitoral em razão da necessidade de assistir à sua genitora, então acometida de patologia grave (IDs 45953537 e 45953538).

Tal circunstância, presumivelmente, já representa um embaraço ao desempenho eleitoral, uma vez que Patrícia não dispôs das mesmas oportunidades de planejamento prévio e de pré-campanha que os demais concorrentes.

Além disso, a candidata era pessoa sem experiência na disputa por mandatos eletivos, conforme consignado em seu requerimento de registro de candidaturas (processo n. 0600089-65.2024.6.21.0122), tendo em vista que jamais havia disputado eleições ou ocupado cargo público.

Esse contexto, conjugado com o acervo probatório contido no processo, permite concluir que Patrícia efetivamente realizou a campanha eleitoral que lhe era possível e acessível, ocorrendo baixa adesão do eleitorado por motivos externos aos seus esforços e intenções.

Da Movimentação Financeira Irrelevante

O recorrido argumenta, ainda, que “a sua prestação de contas tem apenas uma doação de R$ 90,00 que, pelo relatório de despesas foi utilizada apenas para a confecção de banner”.

Por sua vez, os recorridos asseveram que o PDT de Tavares “efetuou e contabilizou gastos com a candidata Patrícia, que recebeu material em mesmo número, tamanho e qualidade do que todos os demais candidatos”.

De fato, constam nos autos a indicação de duas notas fiscais emitidas pela empresa “Impressos Portão”, nas quais se registram gastos com “colinha 9x5 Patricia Brum Tavares”, no valor de R$ 330,00, e “santinho 7x10 Patricia Brum Tavares”, na quantia de R$ 290,00 (ID 45953614, fls. 6 e 7).

Assim, a aparente irrelevância dos recursos arrecadados pela candidata é mitigada pelo fato de os custos de outros materiais de propaganda eleitoral terem sido contratados e pagos pelo seu partido político, de modo a atingir um montante de investimentos compatível com campanhas modestas à Câmara de Vereadores em pequenos municípios.

A produção e pagamento dos materiais pela agremiação também se mostra coerente com o fato de a candidata Patrícia, em sua oitiva judicial, não ter sido capaz de detalhar pormenores sobre a quantidade ou custo dos seus impressos de propaganda eleitoral.

Nesse panorama, a alegação recursal de que os materiais de campanha confeccionados pela agremiação não foram contabilizados como doações estimáveis em dinheiro nas contas de campanha de Patrícia, embora possa caracterizar uma irregularidade contábil, não afasta a materialidade da própria propaganda produzida.

Das Circunstâncias da Substituição da Candidatura

Ainda, de acordo com o partido político recorrente, a candidatura de Patrícia Pereira Brum teria representado uma "artimanha" para "tapar um furo" decorrente da desistência da Presidente do PDT, Ana Beatriz Lopes Paiva, e alega que a substituta teria sido "convocada/compelida" a concorrer por ser estagiária municipal, demonstrando "reciprocidade".

Contudo, a defesa dos recorridos esclareceu que a desistência de Ana Beatriz Lopes Paiva ocorreu por motivo de força maior, qual seja, problemas de saúde de sua mãe, comprovados por documentos médicos e hospitalares (IDs 45953539 a 45953545).

Outrossim, os recorridos admitem que, com a desistência de Ana Beatriz, “o partido buscou alguma filiada que estivesse disposta a concorrer, mas que não precisasse de desincompatibilização, pois os prazos já haviam escoado, sendo que foi informado que Patrícia Brum Pereira, que possuía um projeto social pela Igreja Evangélica tinha interesse em concorrer com a intenção de seguir carreira política”.

Por outro lado, não existem provas inequívocas de que Patrícia lançou-se na disputa compelida por seu vínculo com a Prefeitura e apenas para reforçar a campanha do candidato à prefeito pelo PDT.

A mera condição de estagiária municipal não revela indícios de compulsoriedade ou fraude na indicação sem outros elementos cabais que sugiram a alienação da candidata da disputa eleitoral.

A substituição “às pressas” e a inexperiência eleitoral de Patrícia refletem a reduzida votação obtida, centrada em seu próprio núcleo familiar, mas não constitui elemento probatório de fraude.

A presunção de fraude a partir de campanhas pouco sofisticadas e pela ausência de capital político anterior, na prática, apenas confirmaria o elitismo eleitoral estrutural, excluindo-se, de antemão, pessoas comuns, novatas, que se lançam no pleito justamente em prol da renovação e do pluralismo político.

De seu turno, a candidata Patrícia, em seu depoimento judicial, ainda que tenha demonstrado desconhecimento sobre dados de sua contabilidade e sobre a composição de seu partido político, o que se coaduna com sua situação pessoal de experiência política e de escolaridade, foi capaz de expor suas próprias propostas de campanha, envolvendo "mais atividades” para adolescentes e para idosos, bem como projetos de prevenção às drogas, e confirmou a intenção de continuar na política e, “daqui a quatro anos”, ser novamente candidata, pois, segundo ponderou, “pobre também tem que estar lá dentro” (ID 45953595).

Nesse contexto fático, a argumentação de que Patrícia teria sido utilizada como mero instrumento para o preenchimento da cota de gênero e para reforçar exclusivamente a mobilização pela campanha majoritária carece de respaldo probatório robusto nos presentes autos.

Da Necessidade de Prova Cabal e Inequívoca para a Configuração da Fraude

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é pacífica e rigorosa ao exigir prova robusta, clara e inequívoca para a configuração da fraude à cota de gênero. Assim, “não basta a mera presença de indícios de fraude; é necessário que as circunstâncias analisadas no caso concreto apontem para uma intenção clara de fraudar, em sentido amplo, o processo eleitoral, implicando, outrossim, na ofensa à lei”, o que deve ser demonstrado por “provas robustas e incontestáveis de que as candidatas participaram do pleito com o objetivo de fraudar a cota de gênero” (TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 79914, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 27-06-2019).

Nessa toada, a jurisprudência da Corte Superior também adverte que “é imprescindível o cuidadoso exame de cada caso para assentar a efetiva ocorrência do ilícito, sob pena de se concluir que todo indeferimento de registro, falta de prática de atos de campanha ou votação zerada caracterizaria fraude, o que não se revela proporcional e tampouco consentâneo com a realidade, em que candidaturas não prosperam por motivos outros que não o propósito de burlar o art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97” (TSE; REspEl n. 060000180, Acórdão, Relator Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE, Tomo 145, Data 02.8.2022).

A incerteza acerca da efetiva intenção do partido de fraudar a cota de gênero basta para a prevalência do postulado do in dubio pro sufragio, segundo o qual a expressão do voto popular merece ser prioritariamente tutelada pela Justiça Eleitoral quando o quadro fático-probatório não apresenta os elementos indispensáveis para o reconhecimento da fraude à cota de gênero para além de qualquer dúvida razoável.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO no sentido de negar provimento ao recurso interposto pelo DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – MDB DE TAVARES-RS, mantendo integralmente a sentença de primeiro grau que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral.