REl - 0600507-04.2024.6.21.0057 - Acompanho o(a) relator(a) - Sessão: 26/08/2025 às 16:00

voto

Trata-se de recurso eleitoral interposto pela Federação Brasil da Esperança contra a sentença prolatada pelo Juízo da 057ª Zona Eleitoral de Uruguaiana/RS, a qual julgou improcedente ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) ajuizada por suposta fraude à cota de gênero em face do partido União Brasil de Barra do Quaraí/RS e dos candidatos Leticia Flores Alves, Ana Paula Cardoso Ziani e Tatiana Silva Machado, Nivaldo Antunes Medeiros.

O julgamento foi iniciado na sessão de 05/08/2025, ocasião em que a ilustre Relatora votou pela extinção do feito sem resolução de mérito em relação ao órgão municipal do União Brasil, por ilegitimidade passiva, rejeitando as demais preliminares e, no mérito, dando provimento ao recurso, para reconhecer a prática da fraude à cota de gênero, para fins de reformar a sentença e: a) cassar o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do pleito proporcional, nas Eleições de 2024, do União Brasil de Barra do Quaraí, e os registros e diplomas dos candidatos a ele vinculados, inclusive suplentes e eleitos; b) condenar Letícia Flores Alves, Ana Paula Cardoso Ziani e Tatiana Silva Machado à sanção de inelegibilidade pelo período de 8 (oito) anos subsequentes à Eleição de 2024; c) decretar a nulidade dos votos obtidos pelo União Brasil, com a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário.

O voto condutor foi acompanhado pela Desembargadora Eleitoral Caroline Agostini Veiga e pelo Desembargador Eleitoral Francisco Thomaz Telles. O Desembargador Federal Leandro Paulsen proferiu voto de parcial divergência, acompanhando a relatora nas preliminares e negando provimento ao recurso, no que foi seguido pelo Desembargador Eleitoral Volnei dos Santos Coelho e pelo Desembargador Eleitoral Nilton Tavares da Silva.

O julgamento foi suspenso para a prolação do presente voto de desempate.

 Pois bem.

Após atenta análise dos autos e dos judiciosos fundamentos dos votos que me antecederam, acompanho integralmente o voto da eminente Relatora, Desembargadora Maria de Lourdes, cujas razões bem delineiam o quadro probatório e se alinham à jurisprudência consolidada desta Corte e do Tribunal Superior Eleitoral.

Conforme ressaltado no seu voto, na hipótese dos autos estão presentes todos os elementos para a caracterização da fraude, destacando-se a presença dos requisitos previstos na Súmula n. 73 do TSE: (i) votação zerada de uma das candidatas e inexpressiva das demais; (ii) prestação de contas padronizada; (iii) ausência de atos efetivos de campanha e indícios concretos de registro com o objetivo de preencher formalmente a cota de gênero.

Como bem apontado pela Relatora, a prova colhida não deixa margem razoável para dúvida: houve candidatura fictícia com a finalidade de burlar a ação afirmativa, e a existência de candidata com votação igual a zero é circunstância de extrema relevância.

A jurisprudência eleitoral é firme no sentido de que esse dado, aliado à ausência de atos minimamente compatíveis com uma campanha, caracterizam fraude à ação afirmativa. Embora o desempenho eleitoral de candidatas e candidatos de pequenos municípios não corresponda aos padrões observados em grandes centros urbanos, verifica-se, na hipótese dos autos, a total inexistência de engajamento, de propaganda e de mobilização, o que destoa de uma candidatura genuína, ainda que modesta.

No ponto, não passa despercebido que as candidatas investigadas declararam despesas com a confecção de material impresso, mas não há qualquer registro de contratação de militantes ou de terceiros para a respectiva distribuição, tampouco foi apresentada prova de que tais impressos tenham efetivamente circulado junto ao eleitorado por ato das próprias candidatas. Em um município de pequeno porte, onde a divulgação corpo a corpo representa o principal meio de contato com os eleitores, conforme supõe a sentença ao relevar a ausência de prova de campanha na internet, a falta de elementos que demonstrem a entrega ou afixação desse material fragiliza a alegação de campanha efetiva de forma presencial, reforçando a conclusão de que se tratou de expediente meramente formal para simular o cumprimento da cota de gênero, sem correspondência com uma atuação política concreta.

As provas indicam que tal ausência não decorreu de barreiras estruturais ou da realidade de município pequeno, mas sim de falta absoluta de participação no pleito, reforçando o caráter meramente formal do registro. As três candidatas não provaram ter realizado sequer ações compatíveis com as condições locais: conversas com eleitores, divulgação em redes sociais, distribuição de material ou a presença em eventos para alavancar a própria candidatura.

Quando uma campanha módica e simples não consegue ser minimamente comprovada, impõe-se o reconhecimento de uma total inexistência de campanha.

A jurisprudência do TSE é pacífica ao apresentar a solução para o caso que os autos revelam: a constatação de fraude na cota de gênero contamina toda a chapa, sendo irrelevante a participação direta do candidato eventualmente beneficiário, pois o resultado da eleição não é legítimo. É o que se vê. A votação está viciada por nulidade insanável relativa ao cometimento de fraude. Tal regra não é uma penalidade desmedida, mas consequência necessária para garantir a efetividade da ação afirmativa e desestimular práticas fraudulentas.

Do exame do caderno probatório, concluo que a prova é robusta: candidata com votação zerada, prestação de contas padronizada, ausência absoluta de atos de campanha e elementos que revelam o mero preenchimento formal da cota. Não há dúvida razoável, mas certeza fática e jurídica.

Importante ressaltar que a defesa das políticas afirmativas não pode servir de escudo para legitimar fraudes que, no final, enfraquecem a presença feminina na política. Ao contrário, a aplicação rigorosa da lei e da jurisprudência protege o espaço conquistado, garantindo que as vagas reservadas sejam ocupadas por mulheres realmente dispostas e apoiadas para competir de forma legítima.

Neste julgamento, acompanhar a Relatora é aplicar de forma coerente o entendimento do TSE, que já firmou ao estabelecer que, comprovada a fraude à cota de gênero, é de rigor a cassação do registro ou diploma de toda a chapa. Além de bem alinhado aos parâmetros objetivos da Súmula 73 do TSE e do art. 8º da Resolução TSE n. 23.735/2024, acompanhar a eminente Relatora preserva a coerência e a estabilidade da jurisprudência deste Tribunal (CPC, art. 926).

Em casos análogos, o TRE-RS reconheceu a fraude à cota de gênero e determinou a cassação do DRAP e dos diplomas vinculados: RE: 49585 (Viadutos/RS, Eleições 2016, j. 13.12.2017); REl: 06010052920206210029 (Lajeado/RS, Eleições 2020, j. 05.06.2023); e AIME: 06000022420236210000 (Porto Alegre/RS, Eleições 2022, , j. 16.07.2024). Em todos, reputaram-se suficientes para a configuração do ilícito a votação zerada ou pífia, a prestação de contas padronizada ou inexpressiva e a ausência de atos efetivos de campanha, exatamente o que se verifica no presente feito. Manter essa linha decisória, portanto, não apenas reafirma a proteção estrutural da ação afirmativa como impede a perpetuação do uso instrumental de mulheres para burlar o art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/1997.

Diante disso, acompanho o voto da Relatora para dar provimento ao recurso e reconhecer a fraude à cota de gênero, com as consequências legais.

Após a publicação, comunique-se a Zona Eleitoral para o efetivo cumprimento.