REl - 0600507-04.2024.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/08/2025 às 16:00

VOTO

I. Da Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal.

II. Da Ilegitimidade Passiva do Partido Político

Preliminarmente, de ofício, reconheço a ilegitimidade do órgão partidário do União Brasil de Barra do Quaraí para figurar no polo passivo de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE).

As consequências jurídicas dessa espécie de ação são restritas à cassação do registro ou diploma e à sanção de inelegibilidade de pessoas físicas. Assim, é inviável que partido, coligação, federação ou qualquer outra pessoa jurídica integrem o polo passivo da demanda, uma vez que não podem sofrer qualquer das consequências próprias desse meio processual.

Com esse posicionamento, colho julgado deste Tribunal:

RECURSOS. AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJEs. IMPROCEDÊNCIA. FRAUDE NO PREENCHIMENTO DA COTA DE GÊNERO. IDENTIDADE DOS FATOS, PARTES E CAUSAS DE PEDIR. JULGAMENTO CONJUNTO. PRELIMINARES SUPERADAS. SUPLENTES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO. ILICITUDE DA PROVA. PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO ELEITORAL - PPE. CARÁTER INQUISITORIAL. PARTIDO POLÍTICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO PARTIDO REPRESENTADO. EXTINÇÃO DO FEITO. ART. 485, INC. VI, DO CPC. LEGITIMIDADE PASSIVA DO PRESIDENTE DO PARTIDO. MÉRITO. COTA DE GÊNERO. LEI N. 9.504/97. PROMOÇÃO DA PARTICIPAÇÃO FEMININA. SUPOSTAS CANDIDATURAS FICTÍCIAS. CONTEXTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A OCORRÊNCIA DE FRAUDE NAS CANDIDATURAS. PROVIMENTO NEGADO AOS RECURSOS. [...]. 2.3. Da ilegitimidade passiva do partido e de seu presidente . Considerando que o inc. XIV do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 prevê, em caso de procedência da ação, a declaração da inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, é de reconhecer a impossibilidade, no caso concreto, de atribuição de qualquer sanção ao partido político . Ainda que inicialmente aceita a inclusão da agremiação na lide, é de ser reconhecida a sua ilegitimidade para a causa. Extinção dos feitos, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil, em relação ao partido representado. O mesmo não ocorre em relação ao presidente partidário, em razão da viabilidade, em tese, de que se declare sua inelegibilidade, se confirmada a condição de agente do abuso. [...]. 7. Extinção de ambos os feitos, sem resolução de mérito, nos termos do art . 485, inc. VI, do Código de Processo Civil, em relação ao partido. Rejeitadas as demais preliminares. Provimento negado aos recursos. (TRE-RS - REL: 060058412 RIO PARDO - RS, Relator.: DESEMBARGADORA VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Data de Julgamento: 05/07/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 07/07/2022) (Grifei.)

 

Na mesma linha, o Tribunal Superior Eleitoral reconhece "a ilegitimidade das agremiações para figurarem, no polo passivo, em ação de investigação judicial eleitoral, dada a impossibilidade fática de se lhes impor - assim como a qualquer outra pessoa jurídica - as sanções decorrentes da procedência da representação, nos termos do art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar 64/90" (Agravo em Recurso Especial Eleitoral n. 060017063, Acórdão, Relator Min. Floriano De Azevedo Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 189, Data 25.9.2023).

Assim, em preliminar, de ofício, reconheço a ilegitimidade passiva do Diretório Municipal do União Brasil de Barra do Quaraí, em relação ao qual julgo extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, inc. VI, do CPC.

III. Das Preliminares Arguidas no Recurso

Inicialmente, a parte recorrente sustentou que a agremiação União Brasil teria sido revel, não apresentando contestação tempestiva e deixando de produzir suas provas no tempo oportuno.

Contudo, a preliminar aventada está prejudicada, ante o reconhecimento da ilegitimidade passiva da agremiação partidária.

Além disso, os demais litisconsortes passivos apresentaram uma única peça de defesa comum, dentro do prazo. Desse modo, a existência da pluralidade de investigados, com a apresentação tempestiva da defesa por um dos réus, bastaria para afastar os efeitos da revelia, nos termos do art. 345, inc. I, do CPC.

Quanto à suposta irregularidade na abertura de prazo suplementar para indicação de provas, após o oferecimento da contestação, verifica-se que tal providência visou garantir o contraditório efetivo e a ampla defesa, não havendo vedação legal à prática de atos instrutórios complementares no rito do art. 22 da LC n. 64/90, quando considerados pelo Magistrado como essenciais ao deslinde do caso.

Dessa forma, a oportunidade complementar de dilação probatória não configura nulidade, mas sim diligência jurisdicional legítima e necessária para a avaliação do caso envolvendo direitos políticos de natureza indisponível, consonante bem fundamentado pelo Juízo da origem (ID 45909580):

O autor pede reconsideração do despacho ID 126544982, que determinou intimação das partes e Ministério Público Eleitoral para manifestarem interesse acerca da produção de provas.

Sustenta ocorrência de preclusão, pois, pelo art. 22, caput e incisos I e V, da Lei Complementar n. 64/90, o momento para protesto de produção de provas é, para o autor, o da propositura da ação, e, para o réu, o da contestação.

Sem embargo da correta interpretação do douto causídico, não há vedação legal para abertura de prazo específico, e decidiu-se pela concessão de prazo para especificação das provas em privilégio à mais ampla defesa e ao contraditório, inclusive para o autor, visto que, na contestação, apesar de não haver menção expressa nos pedidos, causando inconclusão ao juízo, houve indicação de testemunha, e, por outro lado, não houve qualquer menção à produção de provas na petição inicial.

Ainda, a determinação está alicerçada na imprescindibilidade de busca da verdade real em prol da preservação do interesse público, não almejando a ação unicamente atender interesse da parte requerente.

 

Outrossim, não há indicativos de que o recorrente tenha sido privado da oportunidade de se manifestar sobre as provas produzidas pelos seus adversários, de modo que não se configurou o prejuízo concreto ao exercício do contraditório e da ampla defesa em desfavor de qualquer das partes, o que se revela indispensável para a decretação da pretendida nulidade, a teor dos arts. 219 do Código Eleitoral e 283 do CPC.

Do mesmo modo, embora o Magistrado tenha concedido o prazo de 5 dias para o oferecimento de contrarrazões aos embargos de declaração opostos pelo partido político investigante, e não 3 dias conforme disposto no Código Eleitoral, o recorrente não trouxe mínimo argumento que indique o efetivo prejuízo causado pelo equívoco.

Assim, rejeito as preliminares suscitadas no recurso.

IV. Do Mérito

No mérito, a controvérsia central reside na verificação da ocorrência ou não de fraude à cota de gênero, supostamente perpetrada pelo Diretório Municipal do União Brasil de Barra do Quaraí/RS, mediante o lançamento de candidaturas femininas fictícias, unicamente a cumprir formalmente o percentual mínimo de gênero exigido pela legislação eleitoral.

Na hipótese, o União Brasil de Barra do Quaraí obteve uma cadeira na Câmara de Vereadores, titularizada pelo candidato eleito Nivaldo Antunes Medeiros, que integra o polo passivo da ação.

A legislação eleitoral brasileira, em seu art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, estabelece de forma clara e imperativa que:

Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 100% (cem por cento) do número de lugares a preencher mais 1 (um).

[...]

§3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

 

Este dispositivo legal consagra uma política afirmativa fundamental, visando promover a igualdade material e incentivar a participação feminina na política, historicamente diminuta nos espaços de poder.

É fundamental que as agremiações partidárias tenham consciência de que sua atuação precisa ser direcionada para o ingresso efetivo e permanente das mulheres no cenário político partidário, não somente para compor a cota legal de registro de candidatas como meras coadjuvantes.

A fraude a essa cota, portanto, representa uma grave violação aos princípios democráticos e à lisura do processo eleitoral, merecendo a devida reprimenda por parte da Justiça Eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral, atento à necessidade de balizar a análise de tais ilícitos, consolidou seu entendimento na Súmula n. 73, que elenca os elementos que, em conjunto e contextualizados, podem configurar a fraude à cota de gênero:

A fraude à cota de gênero, consistente no desrespeito ao percentual mínimo de 30% (trinta por cento) de candidaturas femininas, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, configura-se com a presença de um ou alguns dos seguintes elementos, quando os fatos e as circunstâncias do caso concreto assim permitirem concluir: (1) votação zerada ou inexpressiva; (2) prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; e (3) ausência de atos efetivos de campanhas, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros.

O reconhecimento do ilícito acarretará: (a) a cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) da legenda e dos diplomas dos candidatos a ele vinculados, independentemente de prova de participação, ciência ou anuência deles; (b) a inelegibilidade daqueles que praticaram ou anuíram com a conduta, nas hipóteses de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE); (c) a nulidade dos votos obtidos pelo partido, com a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do Código Eleitoral), inclusive para fins de aplicação do art. 224 do Código Eleitoral.

 

O art. 8º, § 2º, da Resolução TSE n. 23.735/24 também enuncia as circunstâncias fáticas que evidenciam a fraude à cota de gênero, acrescentado que, presentes tais elementos, a conclusão pelo ilícito não é afastada pela afirmação não comprovada de desistência tácita:

Art. 8º. (...).

[...].

§ 2º A obtenção de votação zerada ou irrisória de candidatas, a prestação de contas com idêntica movimentação financeira e a ausência de atos efetivos de campanha em benefício próprio são suficientes para evidenciar o propósito de burlar o cumprimento da norma que estabelece a cota de gênero, conclusão não afastada pela afirmação não comprovada de desistência tácita da competição.

 

O ilícito está configurado quando esse conjunto de circunstâncias evidencie, objetivamente, a frustração do intuito da cota de gênero, porquanto, a teor do art. 8º, § 4º, da Resolução TSE n. 23.735/24, "para a caracterização da fraude à cota de gênero, é suficiente o desvirtuamento finalístico, dispensada a demonstração do elemento subjetivo (consilium fraudis), consistente na intenção de fraudar a lei".

É crucial observar que a Súmula n. 73 do TSE não estabelece uma presunção absoluta de fraude a partir da mera ocorrência de um ou mais dos elementos ali listados. Pelo contrário, a Súmula exige que a conclusão pela fraude seja extraída "quando os fatos e as circunstâncias do caso concreto assim permitirem concluir". Isso significa que a análise deve ser contextualizada, ponderando-se a totalidade das provas e a realidade do pleito, especialmente em municípios de menor porte, nos quais as dinâmicas de campanha e os resultados eleitorais podem apresentar particularidades que não se amoldam a um padrão rígido de avaliação.

No caso, a recorrente busca a reforma da sentença de primeiro grau, argumentando que as candidaturas de Tatiana Silva Machado, Ana Paula Cardoso Ziani e Letícia Flores Alves foram meramente simuladas, baseando-se na votação inexpressiva, nas contas de campanha modestas e padronizadas e na suposta ausência de atos efetivos de campanha para si mesmas.

V. Da Votação Zerada ou Inexpressiva

O primeiro indicativo de fraude destacado nas razões refere-se às votações inexpressivas, uma vez que Letícia Flores Alves registrou 6 (seis) votos, Ana Paula Cardoso Ziani alcançou apenas 3 (três) votos e Tatiana Silva Machado obteve 0 (zero) votos.

Os recorridos sustentam que o desempenho pífio nas urnas não se deve ao lançamento de supostas candidaturas simuladas, mas, sim, da "extrema cultura machista" da localidade. Aponta dados que impressionam quanto ao tema: que, no ano de 2016, apenas uma mulher foi eleita à Câmara Municipal e que, em 2020 e 2024, nenhuma alcançou a eleição. Refere, ainda, que, somados todos os votos em candidaturas femininas de todos os três partidos que disputaram o pleito proporcional, são alcançados meros dezessete votos.

Não se pode ignorar que a ocupação de espaços de poder por candidatas mulheres ainda enfrenta dificuldades históricas e estruturais diversas, mesmo nas hipóteses em que as agremiações partidárias buscam investir na participação feminina.

Assim, a jurisprudência tem considerado que o diminuto desempenho eleitoral não representa evidência irrefutável de fraude à cota de gênero quando, a partir da aferição dos elementos tipicamente caracterizadores de fraude, é possível constatar um engajamento mínimo na realização de propaganda e na participação em atos de campanha, ou razões plausíveis para a desistência tácita da concorrente.

Esta Corte Regional já decidiu pela inexistência de fraude ou abuso de poder em caso no qual as candidatas demandadas alcançaram seis e zero votos, considerando que "houve a realização de atos de campanha, ainda que de forma incipiente, bem como a demonstração de interesse na disputa por parte das candidatas, consideradas as peculiaridades locais" (Recurso Eleitoral n. 0600586-79/RS, Relator: Des. Voltaire De Lima Moraes, Acórdão de 03.10.2023, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico 185, data 09.10.2023).

Ocorre que, no presente caso, o conjunto probatório indica que as candidatas não realizaram atos efetivos de campanha e não houve a apresentação de motivações de qualquer ordem para o esvaziamento de suas próprias candidaturas.

VI. Da Ausência de Atos Efetivos de Campanha

Como prova de realização de propaganda eleitoral pelas candidatas, os investigados acostaram cópias de santinhos confeccionados pelo partido político, alegadamente distribuídos igualitariamente entre os concorrentes do pleito proporcional (ID 45909538).

Ainda que o documento demonstre a produção de um material mínimo, conjugado com a promoção da candidata ao cargo de prefeita, não se comprova a efetiva distribuição dos impressos ao eleitorado.

Constam, ainda, diversas fotografias e vídeos de um "bandeiraço" promovido pela agremiação (IDs 45909570 a 45909578 e 45909578).

A prova, porém, retrata um único episódio de campanha no qual há diversos militantes, homens e mulheres, caminhando pela rua e promovendo um "bandeiraço", sendo possível identificar apenas artefatos de propaganda alusivos à candidatura majoritária. Além disso, dentre o grupo de participantes, é possível distinguir apenas a candidata Ana Paula, em razão do destaque nas primeiras imagens (IDs 45909570 e 45909571), a qual, da mesma forma, porta uma bandeira em prol da candidata Rosângela.

Portanto, os registros da mobilização não comprovam a atividade de campanha própria em favor das candidatas recorridas, sequer que tenha havido alguma interação com eleitores ou distribuição de santinhos em favor de suas candidaturas no pleito proporcional.

A defesa ofereceu também declarações de oito supostos eleitores, todas idênticas e datadas de 5 de dezembro de 2024, em que os declarantes consignam que "Tatiana Machado fez campanha eleitoral pedindo votos aqui na região de Guterres, inclusive me visitando em minha residência" (ID 45909555 a 45909562).

Trata-se, porém, de documento unilateral, destituído de qualquer mecanismo de autenticação quanto ao seu autor e não judicializado quanto à expressão de seu conteúdo, de modo que as declarações não se mostram idôneas como prova de efetiva atividade de campanha.

Conforme ponderou o Ministério Público Eleitoral na origem, "as próprias declarações nem sequer especificam que o pedido de votos tenha sido para as candidatas a vereadora. Portanto, considerando a conjuntura exposta no presente feito, o próprio pedido de votos pode ter sido direcionado à candidata à Prefeita" (ID 45909644).

Soma-se a isso o fato de que nenhuma das três candidatas utilizou-se da internet para a sua campanha eleitoral, nenhum endereço eletrônico foi informado em seus registros de candidatura e nenhuma espécie de postagem de cunho eleitoral foi apontada nos autos.

Ainda que os recorridos sustentem que o uso de meios digitais não integra a tradição de campanhas eleitorais em Barra do Quaraí/RS, revela-se pouco razoável e não condizente com uma candidatura minimamente séria a ausência de qualquer esforço de comunicação eleitoral por mídias digitais, sobretudo considerando a difusão de redes sociais em uma ampla gama de estratos sociais.

O recorrente comprovou que Ana Paula mantém uma conta no Facebook com 397 amigos (ID 45909480) e um perfil no Instagram com 154 seguidores (ID 45909481), sendo pouco plausível que uma candidatura autêntica desconsiderasse tal rede de contatos na busca por votos.

Verifica-se, ainda, que as candidatas tidas como "laranjas" tinham acesso ao aplicativo WhatsApp, conforme informado na inicial dos requerimentos de registro de candidatura, não sendo crível que concorrentes à disputa eleitoral deixaram de lado o uso de tão popular meio de comunicação para divulgação de suas candidaturas, ainda que para familiares ou amigos próximos.

Em contestação, os ora recorridos referiram a existência de um "grupo de candidatos no whatsapp do partido" (ID 45909518, fl. 11), porém nenhuma espécie de prova da participação das candidatas em discussões sobre atos ou estratégias de campanha foi acostado aos autos.

As testemunhas ouvidas em juízo, arroladas pelos investigados, disseram que as candidatas realizaram campanha, mas não indicaram fatos e contextos específicos e concretos que reforçassem a afirmação (ID 45909610 e seguintes).

Logo, não há prova convincente de que as candidatas tenham realizado atos mínimos de campanha eleitoral em prol de suas próprias candidaturas.

VII. Das Prestações de Contas Padronizadas e Sem Movimentação Relevante

Outrossim, as três prestações de contas apresentadas tiveram movimentações padronizadas: doação financeira de R$ 850,00 e doação estimável de R$ 270,00 (santinhos), ambas provenientes da candidata ao pleito majoritário, sendo os recursos em espécie integralmente gastos com empresas de assessoramento contábil, R$ 595,00 com Lumatri Ltda. e R$ 255 com Essent Jus Ltda.

Os recorridos sustentam que as transferências e doações realizadas foram equivalentes para todos os candidatos do União Brasil e que todas as candidaturas tiveram movimentação financeira modesta.

De fato, verifica-se uma certa uniformidade relativamente à doação estimável de santinhos da candidata majoritária aos candidatos e candidatas proporcionais, bem como uma semelhança de fontes de recursos e de pagamentos realizados por serviços contábeis, sem nenhuma movimentação de receitas de outras procedências ou de gastos adicionais, a exemplo do que se depreende das contas de Dionizio Augusto da Silva (ID 45909565), Leandro Fresero (ID 45909566) e Jocemar Medeiros Santos (ID 45909563).

As mesmas movimentações de recursos constam nas contas de Nivaldo Antunes Medeiros (ID 45909568), às quais se agregam outras receitas e gastos com materiais adicionais de campanha.

Contudo, é a padronização das contas eleitorais associada à ausência de atos efetivos de campanha que reforça a tese de candidaturas fictícias.

Essa conclusão não é infirmada por um tratamento formalmente isonômico entre homens e mulheres na distribuição de recursos, pois, no caso concreto, as operações foram visivelmente realizadas apenas para a construção de uma contabilidade mínima e comum a todos os concorrentes.

A padronização contábil, nesse cenário, não configura apenas isonomia operacional das contas, mas sim elemento sintomático do cumprimento meramente formal da cota de gênero.

Ademais, a padronização também é constatada nos requerimentos de registro de candidaturas apresentados (IDs 45909533, 45909534 e 45909535), pois todos consignam um único e idêntico endereço para notificações e para sede de comitê, bem como um mesmo endereço de e-mail (rmachadogusmao) e um mesmo contato telefônico (final: 625).

VIII. Das Justificativas Apresentadas pelas Candidatas

Ainda, as candidatas Letícia e Ana Paula não declaram quaisquer espécies de óbices ou transtornos, seja de natureza financeira, familiar, médica, dentre outras, que as tivessem prejudicado ou desestimulado à disputa, ou lhes tenha trazido a decisão pela desistência da disputa em certo momento, ainda que de forma tácita.

Somente a candidata Tatiana Machada deu explicações para a sua votação zerada, alegando que sofreu coação por parte de adversários políticos para que abandonasse a sua própria campanha e votasse em outro candidato.

A narrativa também consta registrada por meio de termo de declarações de ocorrência policial efetuado por Rodolfo Jaureguiberry, então Presidente do União Brasil de Barra do Quaraí, datado de 4.11.2024, no qual se declara o seguinte (ID 45909525):

Relata o comunicante na condição de Presidente do Partido União Brasil, que tomou conhecimento que uma candidata de seu partido a Sra TATIANA SILVA MACHADO, que concorria com o número 44543, ao cargo de vereadora no municipio de Barra do Quaraí, havia recebido a visita do então candidato a Prefeito Sr. MAHER JABER e seu vice MÁRIO SCAPIN, prometendo uma reforma na sua casa caso ela não desse andamento na sua candidatura, motivo pelo qual a referida candidata a vereadora não teve nenhum voto no pleito. O comunicante relata que seu partido foi prejudicado por se tratar de uma eleição proporcional e que ocorreu uma tentativa de compra de voto. Nada Mais.

 

Há, ainda, um termo particular de declaração, com firma reconhecida em tabelionato, no qual Tatiana confirma o mesmo fato, em documento datado de 11.10.2024 (ID 45909528):

Declaro sob as penas de Lei, que na eleição não tive nenhum voto. Recebi no dia a eleição no sábado a visita do candidato a Prefeito Maher Jaber e o candidato a vice prefeito Mario Scapin.

Declaro, que recebi pessoalmente do candidato a Prefeito Maher Jaber a promessa de intenção reforma de minha Casa, com o objetivo de que não desse andamento na Campanha, com a de que não fosse votar, não votasse em minha candidatura, isso ocorresse, pois segundo o mesmo se eu estaria burlando a cota de gênero do partido ao qual concorria.

 

Posteriormente, em 19.11.2024, a candidata elaborou uma escritura pública de declaração, na qual Tatiana afirma (ID 45909524):

Que uns dias anterior as eleições, em uma quarta-feira, esteve na sua residência uma cabo eleitoral do vereador Valdemar Alves, a senhora Maria Leão com mais duas cabo eleitorais que esteve para fazer campanha para ele, como ela sabia que a declarante era candidata a vereadora, lhe fez propostas pedindo que votasse no vereador e disse: "Neguinha, o que tu queres trabalhado de candidata com esse time que não é dos ganhadores, sai desse time, tu vai perder, eles não são boas pessoas." Antes de sair deixaram vários santinhos; a declarante disse para eles: "Tá, mas por que tu quer que eu saia? Ela respondeu: "Tu não vai ganhar nada, eles vão só te enrolar, faz que nem eu, entra só para encher linguiça e sai, neste momento chegaram as pessoas do partido da declarante, mais especificamente a senhora Rosangela Machado, que vinha lhe levar para fazerem umas visitas, que já estavam agendadas, e nesse momento elas se retiraram, mas antes tiraram fotos da declarante. Declara também que no sábado, um dia antes das eleições, foi até sua residência o senhor Maher Jabr e o vice Mario, e lhe perguntaram por que ela não desistia e votasse nele, a declarante disse que não, que o voto dela era secreto, e ele insistiu pedindo para ela pensar bem, e deixou santinhos, insistindo que ela não votasse nem nela mesmo e nem na Rosangela Gusmão e perguntou como estava a situação da declarante e se precisava de consertos, estou vendo que sua casa precisa.

 

Entretanto, no dia 10.12.2024, chamada para prestar esclarecimentos perante o Ministério Público Eleitoral, acompanhada de advogado, Tatiana confirmou a visita à sua casa feita pelos adversários no pleito majoritário, Maher e Mário, quando lhe pediram o voto, mas negou que lhe tenham pedido que não votasse nela própria. Também afirmou que o conteúdo da declaração anterior "chegou pronta para que assinasse". Esclareceu que o pedido de que não votasse em si e a conversa sobre fraude à cota de gênero não ocorreram e que tais pontos foram inseridos no termo de declaração pelo "vereador Fernando Balbueno e Feco", vinculados ao União Brasil, os quais a acompanharam ao cartório para o reconhecimento de firma. São os termos que se extraem da ata de audiência extrajudicial (ID 45909612):

Confirma que elaborou a declaração constante nos autos (fl. 6). Refere que o candidato Maher Jaber e o seu vice, Mário Scapin estiveram na sua casa, no sábado, véspera da eleição. Os candidatos chegaram por volta das 10h da manhã. Estavam apenas os dois, sem nenhum correligionário. Refere que estava sozinha no momento em que os candidatos chegaram, não havendo outras testemunhas do fato. Maher e Mário chegaram na sua casa perguntando se o imóvel estava à venda. Ainda, conversaram amenidades e, posteriormente, a declarante perguntou se ele iria reformar a sua casa, pois esta seria uma promessa antiga que Maher já havia feito em outras eleições e até o momento não teria cumprido. Maher disse, "vamos ver", momento em que ele questionou se a declarante queria passar para o seu lado na campanha eleitoral. A declarante disse que não, uma que estava concorrendo a vereadora pelo partido adversário. Em seguida, Maher e Mário entregaram um santinho e se despediram. Maher pediu para que fizesse campanha para ele, sendo que a declarante referiu que não poderia. Cobrou o candidato Maher de promessas que ele tinha feito nas eleições de 2020, sendo emprego na Prefeitura e reforma da casa. Maher novamente disse que "ia ver", entregou o santinho e depois saiu. Refere que a preocupação do candidato Maher era com a sua própria candidatura, não havendo pedido para que a declarante não votasse nela própria, pois não havia preocupação com as eleições para vereador. Refere que a declaração chegou pronta para que assinasse, sendo que passou a informação apenas de que Maher e Mário foram à sua casa e fizeram a promessa de reforma do imóvel. O restante do conteúdo da declaração teria sido acrescentado pelas pessoas que elaboraram o documento, uma vez que não houve pedido de Maher para que a declarante não votasse em sua própria candidatura e não foi feita qualquer referência à fraude na cota de gênero na conversa que teve com os Maher e Mário na sua casa. Menciona que quem trouxe o documento para que assinasse foi o candidato a vereador fernando Balbueno e "Feco", este último candidato a Vereador pelo partido União Brasil. Foram juntos ao cartório para reconhecimento de firma. Não tem conhecimento de como funcionam as regras da cota de gênero nas eleições proporcionais. Menciona que recebeu a proposta para que se candidatasse ao cargo de vereadora, sendo que aceitou pois achava que poderia melhorar a situação dos seus filhos. No entanto, no meio da campanha, viu que não teria chance, razão pela qual não votou na própria candidatura. Posteriormente, fez a prestação de contas de sua campanha como determina a legislação. Após a divulgação do vídeo no Facebook pelo candidato Fernando Balbueno, não sofreu qualquer tipo de retaliação e nem foi procurada por Maher ou Mário. Ao final, foi questionada pelo advogado se a foto a ser juntada posteriormente no expediente seria sua casa, confirmou que sim, bem como referiu que a pintura de uma parede voltada para o terraço da residência foi realizada pela própria declarante e seus filhos.

 

As incongruências e mudanças nas versões são suficientes para que se conclua pela fragilidade dos documentos como comprovação de razões para o abandono da disputa eleitoral.

Ainda que se admitisse a alegação de compra de voto ou cooptação da candidatura pelos oponentes, somente estaria justificado o fato de a candidata não ter votado em si mesma. Tendo o suposto fato ocorrido na véspera da eleição, não haveria motivação minimamente adequada e lícita para a ausência de qualquer outro voto, nem para a inexistência de elementos mínimos de campanha realizada no período anterior, tampouco para a padronização das contas eleitorais.

Logo, há elementos contundentes de que os responsáveis partidários incluíram artificiosamente conteúdos nas declarações firmadas por Tatiana, a fim de confrontar a alegação de fraude à cota de gênero, o que corrobora a conclusão pela prática do ilícito e confirma o uso instrumental e finalístico da candidatura e dos documentos assinados por Tatiana.

Quanto a esse último ponto, o Ministério Público Eleitoral noticiou a requisição de instauração de inquérito policial para apuração de eventuais crimes dos arts. 349 e 354 do Código Eleitoral.

Finalmente, em relação à alegação de Tatiana de que, "no meio da campanha, viu que não teria chance, razão pela qual não votou na própria candidatura" não encontra suporte no acervo probatório, que indica a ausência de empenho e de atos efetivos de campanha desde o início do período de propaganda.

Acrescenta-se que a suposta desistência está afirmada de modo genérico e inespecífico, indo de encontro ao entendimento do TSE  no sentido de que "a desistência tácita da candidatura não deve ser apenas alegada, mas demonstrada nos autos por meio de consistentes argumentos, acompanhados de documentos que corroborem a assertiva, e em harmonia com as circunstâncias fáticas dos autos, sob pena de tornar inócua a norma que trata do percentual mínimo de gênero para candidaturas" (TSE - REspEl n. 0600986-77/RN, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 09.5.2023, Data de Publicação: 19.5.2023).

IX. Conclusão

O conjunto probatório dos autos demonstra que as candidatas auferiram votação zerada ou ínfima, não restou efetivamente demonstrado que realizaram atos de campanha, nem mesmo em redes sociais ou via WhatsApp, apresentaram prestações de contas idênticas e padronizadas, com recursos advindos exclusivamente do partido político, não ofereceram justificativas pessoais mínimas para o baixo desempenho e, quanto a uma das candidatas, houve a apresentação de explicações por provas incongruentes e com agudos indícios de manipulação a partir da intervenção partidária.

Não se trata aqui de mera deficiência na atuação política das candidatas, mas de um contexto harmônico e convergente que permite concluir pela inexistência de intenção real de competir, configurando, assim, o desvirtuamento do espírito da norma protetiva da participação feminina na política.

Em decorrência do reconhecimento do ilícito, uma das consequências derivadas da fraude à reserva de vagas é a inelegibilidade daqueles que praticaram ou anuíram com a conduta, à luz das disposições da Súmula n. 73 do TSE.

Na hipótese, estão ausentes quaisquer elementos indicativos de que as candidaturas das recorridas ocorreram mediante coação, erro ou sem os consentimentos das recorridas. Do mesmo, a ausência de mínimo esforço ou pretensão eleitoral, afasta eventuais desistências informais havidas posteriormente ao registro, seja por desincentivo do partido ou por razões pessoais. Em realidade, tais circunstâncias não foram sequer alegadas nas defesas oferecidas.

A colaboração com um registro formal sem a realização de campanha e sem quaisquer justificativas razoáveis para a inação, permite que se infira a adesão ao projeto ilícito, ainda que tácita.

Assim, Letícia Flores Alves, Ana Paula Cardoso Ziani e Tatiana Silva Machado emprestaram seus nomes única e exclusivamente para contribuir com o partido no cumprimento meramente formal da cota de gênero legalmente exigida, sem pretensão de efetivamente realizar campanha ou disputar votos, e sabendo previamente da fraude, atraindo, por isso, a sanção de inelegibilidade prevista no art. 22, parágrafo único, da LC n. 64/90.

O fato de as pessoas físicas representantes da agremiação não terem integrado o polo passivo da ação não mitiga a responsabilidade das candidatas recorridas pela contribuição ao ilícito, uma vez que sedimentado o posicionamento jurisprudencial de que "o elemento subjetivo consistente no conluio entre as candidatas laranjas e o partido político não integra os requisitos essenciais à configuração da fraude na cota de gênero" (TSE - REspEl n. 0600311-66/MA, Relator: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 04.05.2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 88).

Por outro lado, afasto a incidência da sanção de inelegibilidade ao recorrido Nivaldo Antunes Medeiros, pois, embora tenha sido beneficiado com a fraude, não está demonstrada sua participação ou sua anuência com o lançamento de candidaturas fictícias.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO por, preliminarmente, de ofício, extinguir o processo sem resolução de mérito em relação ao órgão municipal do União Brasil de Barra do Quaraí, por ilegitimidade passiva, nos termos do art. 485, inc. VI, do CPC; e rejeitar as preliminares arguidas pela parte recorrente; e, no mérito, por dar provimento ao recurso, reconhecendo a prática da fraude à cota de gênero na nominata ao cargo de vereador do União Brasil de Barra do Quaraí, nas Eleições de 2024, ao efeito de:

(a) cassar o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do pleito proporcional, nas Eleições de 2024, do União Brasil de Barra do Quaraí, e os registros e diplomas dos candidatos a ele vinculados, inclusive suplentes e eleitos;

(b) condenar Letícia Flores Alves, Ana Paula Cardoso Ziani e Tatiana Silva Machado à sanção de inelegibilidade pelo período de 8 (oito) anos subsequentes à Eleição de 2024, nos termos do art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90; e

(c) decretar a nulidade dos votos obtidos pelo União Brasil no pleito proporcional de 2024, com a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do Código Eleitoral).

Após a publicação do acórdão, comunique-se imediatamente a presente decisão à respectiva Zona Eleitoral para cumprimento.