PCE - 0602884-90.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/11/2023 às 14:00

VOTO

Trata-se de prestação de contas apresentada por MÁRCIO CHAGAS DA SILVA, candidato não eleito ao cargo de deputado federal pelo partido PSOL, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

Passo à análise das falhas apontadas pelo órgão técnico de contas.

 

1. Da Omissão de Despesa e da Utilização de Recursos de Origem Não Identificada

Após exame da contabilidade, a Secretaria de Auditoria Interna apontou a utilização de recursos de origem não identificada mediante o confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, especificamente, em relação à nota fiscal n. 366815, emitida contra o CNPJ de campanha do prestador pela empresa Sim Rede de Postos Ltda. (CNPJ 07.473.735/0001-81), no valor de R$ 142,89, em 14.10.2022 (ID 45535040), que não constou registrada em suas contas.

Soma-se a isso o fato de que, em consulta aos extratos bancários do candidato, disponíveis no sítio eletrônico divulgacandcontas.tse.jus.br, observa-se que o valor não transitou por nenhuma das contas declaradas e utilizadas em campanha eleitoral.

Em sua manifestação, o candidato afirma que houve o devido registro e comprovação do gasto, acostando documentos complementares acerca da nota fiscal n. 835736, emitida em 02.10.2022, no mesmo valor (ID 45508970 e 45508971).

Consoante bem indicou o órgão técnico de análise em seu parecer conclusivo:

O candidato demonstrou (ID 45508971) que constou cadastrada na prestação de contas o documento fiscal 835736 no valor de R$ 142,89 referente a filial da Rede SIM de CNPJ 07.473.735/0044-11 (NOVO HAMBURGO), todavia o documento fiscal citado no apontamento acima é o de número 366815 no valor de R$ 142,89 referente a filial da Rede SIM de CNPJ 07.473.735/0001-81 (FLORES DA CUNHA).

 

Portanto, as alegações e os esclarecimentos apresentados não se prestam para superar a falha, pois envolvem operação diversa.

De outro norte, a emissão de nota fiscal faz presumir a realização do gasto, cabendo ao prestador fazer a prova em sentido contrário.

Não houvesse a despesa, a nota fiscal deveria ter sido cancelada junto ao estabelecimento emissor, consoante os procedimentos previstos no art. 92, §§ 5º e 6°, da Resolução TSE n. 23.607/19, o que não se observou no caso em exame.

Por sua vez, o candidato não trouxe aos autos argumentos ou documentação hábeis a refutar o apontamento levado a efeito.

Portanto, a existência de nota fiscal contra o número de CNPJ do candidato, ausente provas do efetivo cancelamento, retificação ou estorno, tem o condão de caracterizar a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. "g", da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nessa linha, o TSE preconiza que “gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, (...) constituem omissão de despesas” (TSE; Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJE, Tomo 241, Data 16.12.2019, p. 73).

Além disso, a despesa não declarada, implica, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada.

Nesse sentido, cito o seguinte precedente desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. VEREADORA. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. SAQUE ELETRÔNICO DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CONFIABILIDADE CONTÁBIL. MACULADA. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. RECOLHIMENTO DOS VALORES AO TESOURO NACIONAL. VALOR NOMINAL DAS IRREGULARIDADES. DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO. PROVIMENTO PARCIAL. (...). 2. Detectadas 07 (sete) notas fiscais emitidas contra o CNPJ de campanha, sem que os recursos para quitação da despesa tenham transitado pelas contas bancárias da candidata, indicando omissão de gasto eleitoral. Os gastos não contabilizados afrontam o art. 53, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil. 3. As despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de modo paralelo à contabilidade formal da candidata, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19. (...).

(TRE-RS - RE: 06006545520206210094 IRAÍ/RS 060065455, Relator: DES. ELEITORAL FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Data de Julgamento: 03/02/2022.) (Grifei.)

 

Desse modo, persiste a irregularidade apontada, devendo o valor de R$ 142,89 ser recolhido ao Tesouro Nacional, na forma prescrita pelo art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

2. Dos Créditos Não Utilizados Junto ao Facebook com Recursos do FEFC

A segunda irregularidade está descrita pelo órgão de análise técnica nos seguintes termos (ID 45535040):

4.1.1 Foi identificado pagamento no valor de R$ 30.000,00 para a empresa Facebook Serviços Online Do Brasil Ltda por prestação de serviços de impulsionamento de conteúdo na internet (ID Pje 45270223 e 45270285).

Finalizada a prestação de serviços, verifica-se na página do DivulgaCandContas (notas fiscais eletrônicas) que o Facebook emitiu 01 nota fiscal em 02/10/2022 no valor de R$ 14.904,89 (nota fiscal em anexo ao final deste relatório). Ainda, não foi identificada a devolução da diferença (por parte do FACEBOOK) no valor de R$ 15.095,11 que deveria ser recolhido ao Tesouro Nacional como sobra financeira de campanha de recursos do FEFC, conforme disposto no art. 35, § 2º da ResoluçãoTSE n. 23.607/2019.

O candidato apresentou esclarecimentos e comprovantes do ID 45508969 ao ID 45509135, com objetivo de reverter as falhas apontadas no Relatório de Exame de Contas. Após análise dos documentos considera-se não sanado o apontamento, uma vez que não foi identificada a devolução da diferença (por parte do FACEBOOK) no valor de R$ 15.095,11 que deveria ser recolhido ao Tesouro Nacional como sobra financeira de campanha de recursos do FEFC, conforme disposto no art. 35, § 2º da Resolução TSE n. 23.607/2019, ou mesmo apresentada a Nota Fiscal no referido valor para comprovar o gasto.

 

Portanto, o candidato encerrou sua campanha com créditos não utilizados junto ao Facebook, no valor de R$ 15.095,11, oriundos de recursos do FEFC, os quais deveriam ter sido devolvidos ao candidato pela empresa fornecedora, pois não houve contraprestação de serviços, e, então, restituídos ao Tesouro Nacional, consoante prevê o art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução:

[...].

§ 2º Os gastos de impulsionamento a que se refere o inciso XII deste artigo são aqueles efetivamente prestados, devendo eventuais créditos contratados e não utilizados até o final da campanha serem transferidos como sobras de campanha:

I - ao Tesouro Nacional, na hipótese de pagamento com recursos do FEFC;

 

O prestador, visando sanar as irregularidades, solicitou “a dilação do prazo em 30 (trinta) dias a fim de que seja possível diligenciar e complementar a documentação pertinente, tendo em vista que o prazo de 03 (três) dias não se mostra razoável para tanto, além do fato de que o prazo para que o Facebook forneça os recibos é de, no mínimo, 20 dias” (ID 45508969). O pedido foi deferido (ID 45512977), porém o candidato não compareceu novamente aos autos, persistindo a falta de comprovação de devolução de valores junto ao Facebook.

Acerca do tema, no julgamento da PCE n. 0603167-16.2022.6.21.0000, sob a relatoria da eminente Desembargadora Eleitoral Elaine Maria Canto da Fonseca, em 19.6.2023, pontuei minhas preocupações a respeito de eventuais entraves criados pela empresa Meta na restituição de valores públicos creditados, mas não utilizados, especialmente quando as quantias permanecem represadas pelo fornecedor após o transcurso do período eleitoral.

Naquela oportunidade, em que restei vencido, lancei voto-vista nos seguintes termos:

(...) pedi vista dos autos para colher observações da unidade técnica deste Tribunal e aprofundar a reflexão sobre o caso concreto, uma vez que reputo inadequado o tratamento imposto unilateralmente pelo Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. para o estorno de quantias de natureza pública.

Trago à consideração também o fato de que a empresa em questão figura na primeira posição do ranking de fornecedores nas eleições de 2022, tanto no critério de número de candidatos contratantes (19.014) quanto em volume de recursos recebidos (R$ 126.591.103,83), consoante dados disponíveis do Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/consulta/doadores-fornecedores/2040602022/individual/13347016000117).

Grande parcela desse lucro alcançado provém de verbas públicas, tal como na espécie, o que recomenda maior atenção pelos órgãos de fiscalização no tocante à movimentação financeira.

No aspecto, deve a Justiça Eleitoral atuar não apenas para a recomposição dos valores aos cofres públicos, mas também com o objetivo de repelir possíveis locupletamentos ilícitos ou sem causa por meio de malversação de dotações públicas por aqueles que participam, de qualquer forma, das campanhas eleitorais.

Ressalto, ainda, que, uma vez julgadas as presentes contas, com a determinação de recolhimento de valores pelo candidato, a Justiça Eleitoral não disporá de meios para acompanhar a devolução da verba pela empresa, ou mesmo para impor a sua devida destinação, caso o fornecedor mantenha os valores em seu poder.

Ademais, ainda que a empresa efetivamente realize a transferência à agremiação, o diretório partidário tenderá a recolher também ao Tesouro Nacional, configurando a dupla restituição: pelo candidato condenado e pelo partido político.

Isso porque tal triangulação entre fornecedor, partido e candidato será de difícil constatação pelo diretório partidário, que não participou do gasto nem do processo de contas originário. Assim, sob o risco de ser penalizada por doação de pessoa jurídica, é presumível que a grei política igualmente proceda ao recolhimento em favor do Tesouro Nacional, a fim de mitigar possíveis sanções.

Pode-se cogitar, ainda, que, ignorando o incidente nas contas do candidato, o órgão partidário estorne o valor ao próprio Facebook, por reputar proveniente de fonte vedada na forma prescrita pelo art. 11, § 5º, da Resolução TSE n. 23.604/19, levando, novamente, ao enriquecimento sem causa da empresa.

Em qualquer hipótese, a intermediação pelo órgão partidário não encontra amparo legal, posto que o partido político somente faz jus aos créditos remanescentes se originários de recursos do Fundo Partidário ou de verbas privadas, a teor do art. 35, § 2º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Além disso, o procedimento pretendido pelo Facebook retira qualquer possibilidade de ação do efetivo responsável pelas contas e transfere tal encargo à agremiação, pondo fim à fiscalização sobre a operação nas pertinentes contas de campanha.

A partir de tais ponderações, entendo que a proposição de restituição dos recursos não utilizados à conta do partido político não cumpre os postulados da legalidade, da probidade e da transparência, posto que se afasta das previsões normativas, cria uma situação pendente nas contas e ao alvedrio do fornecedor de serviços, bem como prejudica o rastreamento, pela Justiça Eleitoral, do fluxo financeiro dos recursos públicos.

Não sendo cabível que o Facebook Ltda. persista na guarda desses valores pertencentes ao Tesouro Nacional, é possível depreender que a única razão jurídica para condicionar a transferência da verba à agremiação seja o desconhecimento de que os recursos são provenientes do FEFC, razão pela qual a empresa os trata como sobras de campanha em geral.

Desse modo, julgo necessário e suficiente para o saneamento da falha e para o escorreito tratamento dos recursos públicos que o fornecedor seja intimado sobre a natureza da quantia e para que providencie o seu depósito ao Tesouro Nacional, na forma do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

[...].

 

Entretanto, no caso concreto, o prestador não demonstrou, minimamente, o seu esforço na busca pela restituição dos valores.

Assim, deve ser aplicado o entendimento majoritário deste Colegiado no sentido de que, em sede de prestação de contas, a responsabilidade pela gestão dos valores destinados à campanha eleitoral cabe direta e exclusivamente ao candidato, a qual não é mitigada pela omissão de fornecedor no ressarcimento dos valores, consoante a ementa havida daquele aludido julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. SUPLENTE. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. NÃO UTILIZAÇÃO DE CRÉDITO OBTIDO COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. FACEBOOK. BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato que alcançou a suplência ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

2. Persistência de irregularidade quanto à utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Sobra de valores públicos, relativos a montante despendido em impulsionamento no Facebook, os quais devem retornar ao erário, na forma do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Responsabilidade do candidato pela gestão dos recursos destinados à própria campanha eleitoral, não cabendo à Justiça Eleitoral oficiar à empresa que detém o crédito impugnado para que restitua os valores, como pretendido pelo prestador.

3. Falha que representa 2,37% da arrecadação, permitindo a aprovação das contas com ressalvas, mediante a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

4. Aprovação das contas com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 0603167-16.2022.6.21.0000, PORTO ALEGRE - RS, Relator: Desa. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Data de Julgamento: 19/06/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Edição 111/2023, Data: 22/06/2023) (Grifei.)

 

Nessa esteira, possíveis conflitos ou danos havidos na relação contratual devem ser resolvidos posteriormente, na instância comum, uma vez que a conduta dos fornecedores não exime o candidato ou a candidata de sua responsabilidade pela regularidade das contas prestadas à Justiça Eleitoral, especialmente em relação ao destino de recursos públicos.

Vale dizer, o candidato não se desincumbiu do ônus quanto à devolução das verbas públicas não utilizadas ao Tesouro Nacional, impondo-se o reconhecimento da irregularidade e a determinação do recolhimento do aludido valor ao Tesouro Nacional, nos termos do arts. 35, § 2º, inc. I, e 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Do Julgamento das Contas

Assim, estão evidenciadas irregularidades quanto ao uso de recursos de origem não identificada (RONI), no valor de R$ 142,89, e quanto à aplicação irregular de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), na quantia de R$ 15.095,11, totalizando R$ 15.238,00, que representa 2,31% do total arrecadado (R$ 657.675,60), monta percentual que, na linha do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, permite a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para que os registros contábeis sejam aprovados com ressalvas, em conformidade com a jurisprudência pacífica desta Corte.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de MÁRCIO CHAGAS DA SILVA, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 15.238,00, nos termos da fundamentação.