REl - 0600790-22.2020.6.21.0007 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/11/2023 às 14:00

VOTO

I - Da Admissibilidade

O recurso interposto é regular, adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

II - Da Preliminar de Preclusão e do Litisconsórcio Passivo Necessário em Relação ao Fato Envolvendo o então Presidente Jair Bolsonaro

Na ação proposta na origem, a Coligação Unidos por Bagé (PT/REDE/PSB/PCdoB) alegou a prática de abuso de poder político e econômico por parte dos representados Divaldo Vieira Lara (prefeito reeleito do Município de Bagé), Mario Mena Kalil (vice-prefeito eleito do Município de Bagé) e Luciano Hang (sócio majoritário das lojas Havan), no decorrer da campanha eleitoral da 2020, mediante dois fatos:

a) fato 1 – participação da empresa HAVAN, por meio de seu sócio majoritário, Luciano Hang, na campanha eleitoral de Divaldo Lara mediante a divulgação, via internet, de discurso do referido empresário, nas vésperas da eleição municipal de 2020, vinculando a futura instalação das Lojas Havan em Bagé com a reeleição do candidato Divaldo Lara; e

b) fato 2 – utilização, pelo então candidato à reeleição, Divaldo Lara, em sua propaganda eleitoral, de trecho de vídeo contendo publicidade acerca da realização de obra com recursos federais no Município de Bagé/RS (construção de uma barragem para solucionar problema de abastecimento de água), bem como manifestação de apoio político à reeleição do então prefeito, vídeo esse produzido e transmitido pelo Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, das dependências de prédio oficial (Palácio da Alvorada).

Em relação ao segundo fato mencionado, em contrarrazões, Divaldo Lara alega que a coligação autora não recorreu da sentença quanto ao tema e, caso seja conhecido o ponto, sustenta que deverá ser julgada extinta a demanda, com resolução de mérito, em vista do transcurso do prazo decadencial para a propositura da ação sem a formação do litisconsórcio passivo necessário com o suposto responsável pela conduta vedada, ou seja, Jair Bolsonaro.

Ocorre que a questão atinente à necessidade de litisconsórcio passivo necessário foi enfrentada e afastada por este Tribunal, nestes mesmos autos, por ocasião do julgamento do recurso eleitoral interposto pelo COLIGAÇÃO UNIDOS POR BAGÉ em face da primeira sentença do Juízo Eleitoral da 007ª Zona que extinguiu ação diante pelo reconhecimento da decadência e da ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos beneficiários e o autor do fato tido como ilícito (ID 44917456), culminando na seguinte ementa:

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AIJE. ELEIÇÕES 2020. MAJORITÁRIA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. AUSENTE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. PRELIMINAR DE PRECLUSÃO CONSUMATIVA NÃO ACOLHIDA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. MÉRITO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL QUANTO À NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO. APLICABILIDADE DA JURISPRUDÊNCIA AO CASO. REFORMA DA SENTENÇA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA INSTRUÇÃO. PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que reconheceu a ilegitimidade passiva da coligação recorrida e extinguiu, sem resolução de mérito, Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE, diante do reconhecimento da decadência por ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos beneficiários e o autor do fato tido como ilícito, com fundamento no art. 487, inc. II, do Código de Processo Civil. 2. Matéria preliminar. Arguida preclusão consumativa da matéria quanto à decisão que declarou a ilegitimidade da coligação recorrida. A questão relativa à legitimidade ad causam é matéria de ordem pública afeta às condições da ação, que pode ser conhecida de ofício na instância recursal consoante permite expressamente o § 3º do art. 485 do CPC. Considerando que o § 8º do art. 73 da Lei n. 9.504/97, ao tratar das penalidades por prática de condutas vedadas, prevê que a sanção de multa se aplica “aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem”, deve ser afastada a declaração de ilegitimidade passiva ad causam, entendendo que a entidade é legitimada para responder à ação no que tange à eventual prática de condutas vedadas aos agentes públicos. 3. Feito precipitadamente extinto na origem em decorrência de não formação de litisconsórcio passivo necessário. Firmada jurisprudência no sentido de não mais ser essencial a formação do litisconsórcio passivo necessário entre candidato beneficiado e autor da conduta ilícita em sede de AIJE por abuso de poder político. Retorno dos autos ao juízo a quo para instrução do feito e aferição dos fatos. 4. Improcedente a alegação defensiva quanto à inaplicabilidade da jurisprudência referenciada aos casos envolvendo possíveis condutas vedadas. Inexistência de tal ressalva no precedente evocado. Fundamentação utilizada para alteração jurisprudencial aplicável ao caso. Possibilidade de verificação de abuso de poder, após a instrução, nos fatos aduzidos. 5. Reforma da sentença que extinguiu o feito sem resolução de mérito e retorno dos autos à origem para instrução. 6. Provimento.

(TRE-RS - RE: 06007902220206210007 BAGÉ/RS 060079022, Relatora: DESA. ELEITORAL KALIN COGO RODRIGUES, Data de Julgamento: 08/02/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico) Grifei.

 

Na oportunidade, o voto condutor do tema, de lavra da eminente Desembargadora Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues, anotou que: “diante da nova jurisprudência do TSE firmada no RO n. 0603030-63/DF, aplicável a partir das eleições de 2018, a qual estabeleceu não ser mais essencial a formação de litisconsórcio passivo necessário entre candidato beneficiado e autor da conduta ilícita em Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) por abuso do poder político, dispensável se mostra essa análise”.

Além disso, o Tribunal indicou que a matéria referente à formação de litisconsórcio necessário entre Divaldo Lara e o então Presidente da República não tem qualquer repercussão em relação ao primeiro fato, envolvendo Luciano Hang, em que a ação atende todos as condições e pressupostos, consoante o seguinte trecho do acórdão:

No tocante aos fatos narrados, verifica-se que são independentes entre si. Assim, a controvérsia sobre a necessidade de litisconsórcio passivo entre o agente público responsável e o candidato beneficiado pelo ilícito, em sede de Ação de Investigação Judicial Eleitoral por abuso de poder político e econômico, residiria apenas sobre o segundo fato narrado, vinculado ao Presidente da República, agente que, no entendimento do juízo sentenciante, deveria integrar o polo passivo da lide.

Em relação ao primeiro fato, todos os envolvidos integrariam o polo passivo da ação.

Registro que, em face da decisão denegatória de recurso especial interposto contra o referido acórdão, Luciano Hang interpôs agravo de instrumento ao TSE, o qual teve o seguimento negado por decisão do Ministro Sérgio Silveira Banhos (ID 45131777), cujo trânsito em julgado sobreveio em 16.05.2022 (ID 45131778).

Além disso, o fato envolvendo os vídeos de apoio do então Presidente Jair Bolsonaro, embora mencionados no tópico recursal que trata do histórico do processo, sob o título “síntese da demanda”, não foi objeto de impugnação específica da sentença no tópico próprio, “Da Decisão Atacada”, ou em qualquer outro ponto das razões recursais (ID 45131990).

O art. 1.013 do CPC, ao consagrar o princípio tantum devolutum quantum appellatum, é expresso ao prever que a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, podendo ser objeto de apreciação e julgamento todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas por inteiro em primeira instância, mas desde que relativas ao capítulo impugnado.

Na hipótese, o recurso não impugnou especificamente o mérito decisório da questão envolvendo as manifestações de Jair Bolsonaro (fato 2), encontrando-se o tema precluso.

Nesses termos, a Súmula n. 26 do TSE enuncia: “é inadmissível o recurso que deixa de impugnar especificamente fundamento da decisão recorrida que é, por si só, suficiente para a manutenção desta”.

 

Dessa forma, acolho a preliminar suscitada apenas para reconhecer a preclusão das questões envolvendo o fato 2 descrito na petição inicial, relativo ao então Presidente da República, estando atendidos os princípios da devolutividade e da delimitação recursal somente em relação ao fato 1, envolvendo Luciano Hang.

 

III - Do Mérito

No mérito, a controvérsia recursal abarca o fato 1 descrito na exordial, consoante a qual, a partir das 09h34min do dia 11.11.2020, Divaldo Lara, então no efetivo exercício do cargo de Prefeito de Bagé, iniciou uma transmissão ao vivo em sua página pessoal no Facebook, na qual, com outros empresários, secretários municipais e políticos locais, recebeu Luciano Hang em visita ao terreno onde será instalada uma nova unidade das Lojas Havan.

De acordo com as razões recursais, a sentença equivocou-se ao afastar o caráter oficial do encontro e sua transformação em um ostensivo ato de campanha, como resultado de um concluiu entre o candidato e o empresário, os que se valeram, respectivamente, das suas posições políticas e econômicas privilegiadas.

Os recorrentes insurgem-se, igualmente, contra o não reconhecimento do caráter abusivo do discurso proferido por Luciano Hang, que teria promovido ameaças de não instalação do empreendimento caso não fosse eleito Divaldo Lara ou no caso de vitória do adversário Mainardi, e, assim agindo, consoante a narrativa acusatória, “o empresário fez, na prática, discursos em que condicionou a instalação da loja à opção que os eleitores fariam do dia 15/11/2020”.

Tais circunstâncias caracterizariam a prática de abuso do poder político e econômico, impondo a cassação dos diplomas dos mandatos dos candidatos eleitos e a cominação de inelegibilidade aos responsáveis.

A prova central consiste em vídeo acostado aos autos (ID 44081133 a 44081283) e publicado na página pessoal de Divaldo Lara na rede social Facebook (ID 44080933), o que é incontroverso nos autos.

A gravação principia apresentando Divaldo Lara, com um adesivo de campanha colado ao peito, caminhando em uma calçada defronte a um lote vazio e falando do novo empreendimento e de outras realizações de governo até encontrar Luciano Hang, o qual, então, passa a descrever o projeto, enaltecer o candidato à reeleição e a tecer críticas ao candidato Luiz Fernando Mainardi e ao Partido dos Trabalhadores.

A gravação tem duração de 20 minutos e 38 segundos, quase integralmente preenchidos com o discurso de Luciano Hang, assim transcrita, com grifos, na exordial:

Cinegrafista:

(00:05) Prefeito, estamos ao vivo aqui no Facebook, fale pra nós sobre a chegada do empresário Luciano na cidade:

 

Divaldo Lara:

(00:09) Muito feliz com a chegada de Luciano e de toda essa comitiva, nós que já recebemos o Bolsonaro aqui, recebemos nosso governador, agora recebendo esse mega empresário aqui, agora com a área já adquirida para levantar em pouco tempo uma Mega Havan em Bagé, 250 empregos ou seja, os bageenses podendo ficar na nossa cidade, as famílias, tô muito feliz com isso, é isso que Bagé precisa né, barragem com Bolsonaro, emprego com a cidade aberta gerando oportunidade, agora chegando um grande empresário chegando na nossa cidade, aí só felicidade do povo de Bagé. É isso, é trabalho, é emprego, é água, é Bagé conectada com o governo federal e o governo do estado. (01:02)

 

Luciano

(01:13) Olha, estou muito feliz, inclusive ao lado do Prefeito, dos empresários que são nossos parceiros aqui na entrada da cidade, BR-293, nós gostamos desse tipo de lugar, é amplo para nossa "Estátua da Liberdade", uma loja de quase dez mil metros quadrados, área de alimentação. Quero deixar bem claro que nós viemos aqui pra somar com a cidade, desenvolvimento, trabalho, emprego, ótimos salários, e o principal, fazer a alegria da cidade. Estamos hoje muito felizes, prefeito, já entregamos o projeto aqui, o projeto está tramitando na prefeitura. Nós estamos inaugurando mais uma loja no estado, loja de número 10 em Guaíba, loja de número 152 no Brasil, a Havan tem 20.000 empregos diretos, 120.000 empregos indiretos, nós somos uma empresa que acredita no país, diferentemente do que falou o candidato do PT aqui, eu vi um vídeo dele dizendo que a Havan é uma empresa que vende quinquilharia, que vende produtos da China, aliás são mal informados, aliás são maldosos, a Havan é uma empresa que vende 90,95% de produtos brasileiros, eu acredito no país, eu quero gerar empregos aqui no Brasil, esse pessoal só pregam mentira, eles vivem da mentira, odeiam trabalhar, odeiam quem trabalha, odeiam empresário, aliás aquela Chauí um dia deu uma palestra pra toda a cúpula do PT e ela dizia o seguinte eu odeia a classe média, sabe porque a esquerda odeia a classe média, porque eles querem tudo miserável para poder botar você na coleira, dar bolsa, bolsa disso, bolsa daquilo com o dinheiro dos outros, não é com o dinheiro dele, né, porque esses caras não trabalham, não pagam impostos, pergunta pra esse Mainardi se ele já deu aí já de carteira assinada, nada, nada, sempre dando esmola com o dinheiro dos outros. É tudo vagabundo! Quero dizer pra você aqui de Bagé e de toda região, só se você tiver memória curta, a pior crise desse país foi feita pelo PT em 2015, há cinco anos atrás, quebraram o país, 14 milhões de desempregados. Eu sei que vocês fizeram um levante aqui aquela caravana frustrada do PT e mandaram eles pra Cuba que os pariu, esse pessoal merece ir pra Cuba, eles falam de Venezuela, eles faram de Cuba mas eles não vão morar lá. aliás tem ai o Marco Maia aí que foi Presidente da Câmara dos Deputados, petista do Rio Grande do Sul, foi Presidente da Câmara dos Deputados, descobriram que ele tinha um apartamento em Miami, então é o seguinte, pobreza pros outros e riqueza pra eles, eles quere ir pra Miami, pros Estados Unidos, ficam tentando enganar, turma de enganador. Vim aqui hoje para plantar uma semente, a semente do emprego, do desenvolvimento, da alegria, Bagé merece muito mais do que um prefeito petista, esses petistas, esses vermelhos estão em desuso, estão fora de moda, o negócio hoje é verde e amarelo, o Brasil que queremos só depende de nós, depende de você, no dia 15 agora de novembro pelo amor de Deus não erra, quando vote aperta o 13 e confirma explode, perda total, PT, perda total, não esquece isso. (05:19)

(05:31) Nesse ano difícil de Corona vírus a Havan está distribuindo PPR programa de participação de resultados, é o 14º salario, eu até faço questão de pagar o 14º para eliminar o número 13, a Havan não tem doca 13 , não tem caixa 13 e nem guarda volume 13, porque guarda volume 13 de repente é um perigo, então eu já desapareci com o número 13, é isso (06:00)

Divaldo Lara

(06:00) Mas o 14 tá aí (06:02)

Luciano

(06:02) Tá o 14 aqui (batendo no peito de Divaldo) Vocês estão hoje com o Presidente Bolsonaro do lado de vocês, vocês estão com o governador do lado de vocês, o vice-presidente do lado de vocês, vocês vão escolher o número 13 , nem pensar, nem pensar, número 13 é número de azar. Eu sei que o pessoal de Bagé tá precisando de álcool, de água e de emprego, é isso, vocês tem problema de estiagem vocês não tem rio aqui, vocês não tem agua, então precisam de agua, de emprego, então pra ter isso precisam de união, eu peço também pro povo de Bagé o voto útil, votar em quem está em primeiro, e quem possa vencer essa desgraça do pé, entendesse, então vota no Divaldo todo mundo aí, não adianta votar naquele que tem 5 %, naquele que tem 2%, tem 4%, vota, descarrega os votos contra o PT, pra votar contra o PT, Divaldo número 14, é um a mais do que que o 13, igual meu 14º, o 14º que dou pros meus colaboradores, 14, quem conseguir um emprego na Havan, nós vamos gerar 200 empregos diretos, as construções vão gerar, a terraplanagem daqui, nos vamos gerar emprego, Estátua da Liberdade, quem ganhar e conseguir um emprego na Havan, melhor emprego do Brasil, ganha bem, trabalha num um lugar lindo e maravilhoso, tem 14ª salario, e uma empresa que vem pra somar no município, não e uma empresa que vem pra dividir, nós não viemos pra tirar dinheiro do município, nós não viemos pra dividir o comércio, quanto comercio, mais indústria, mais emprego, o cidadão pode escolher onde quer trabalhar e que salario que ganhar. Quando as pessoas não tem emprego, quando há uma crise econômica que nem a provocada pela Dilma em 2015 a primeira coisa que desvaloriza é o ser humano, o ser humano não tem mais valor nenhum, você perde seu emprego, o seu carro desvaloriza, a sua propriedade desvaloriza, mas é o que eles querem, eles querem a miséria, o sem emprego, pra poder segurar o cidadão pelo pescoço, daí você vai ter que trabalhar na prefeitura, no sub emprego, vai ter que ganhar bolsa miséria, é esse

o Brasil que eu não quero, é esse o pais que o PT quer, ok pessoal não esqueça. (08:33)

(08:45) A Havan não vinha pro Rio Grande do Sul porque na época tinha governo do PT, tinha os prefeitos do PT, eu fui uma vez pra Porto Alegre, a primeira filial nossa era pra ser em Porto Alegre, aí eu entreguei lá, o governador era o Olívio Dutra, o bigodão, o prefeito era o Raul Pont quando eu levei em janeiro o projeto lá eu disse quero inaugurar a loja esse ano, ele disse esse ano agente nem vaio olhar o projeto, mas é janeiro, eu quero inaugurar em outubro, quando eu falei em outubro, ele disse de que ano, vagabundo, é vagabundo, trabalhava na prefeitura lá de Porto Alegre, pra começar tira a Estátua da Liberdade, por que nós somos contra os Estados Unidos, se não tirar a estátua o projeto não vai ser aprovado, demorei 3 anos e não consegui aprovar o projeto, na época do Raul Pont, na época do bigodão, o governado Olívio, é cada um que vocês escolhem no resultado que, meu Deus, e depois de 17 anos eu voltei pra cá nas mãos do governador Sartori, já estamos fazendo a 4ª hidrelétrica no estado, 400 milhões de investimento, milhares de empregos, impostos ai na região de Santa Maria, Quevedo, já estamos inaugurando a 10ª loja em Guaíba amanhã, loja linda e maravilhosa eu tenho mais 13 lojas, 12 lojas pra inaugurar, 13 não tem, ou é 12 ou 14, 12 lojas pra inaugurar e uma dessas, então depende da prefeitura, da aprovação, a gente começa a loja, vamos inaugurar em 2000, nos próximos meses, essa loja linda e maravilhosa, a Estátua da Liberdade tem 35m, quem passa na BR vai ver a mãozinha chamando pra entrar em Bagé, pra chamar as pessoas pra cá (11:27)

(12:15) Pessoal de Bagé, meu muito obrigado, não esqueça, domingo é um dia muito especial a base das eleições de 2022 começa domingo, é a eleição de vereador, eleição de prefeito, quando você vota nos vermelhos você pensa na sua família, aliás eu fiz um carimbo, eu esqueci do carimbo do carimbo hoje, carimbo na testa, tenho até uma ideia, eu sou burro e vacilão e voto nos vermelhão. Não é isso? O cara quando vai lá e aperta a tecla desses vermelhos tem que pensar que está destruindo a família e o futuro dos seus filhos, não pode. O cara tem que pensar a longo prazo, empresário pensa a longo prazo, a gente está olhando 5, 10 anos na frente, o cidadão, o próprio empresário aqui de Bagé não pode apoiar outras pessoas, a gente tem que somar, unir pra vencer, então você lá que está com seu candidato com 5, 6 %, esquece, vai tudo num candidato, o grande perigo, o curto circuito é se entrar o PT de volta, de repente entra o PT de volta, não tem segundo turno, e ele não gosta de mim, o Mainardi não gosta de mim, o PT é antagonista do empreendedor, é antagonista do empresário, o prefeito estava me falando aqui que quando o PT era prefeito aqui não funcionava o aeroporto aqui é verdade? é verdade? Como é que eu estaria chegando aqui hoje se não tivesse um aeroporto, o aeroporto é importantíssimo pra cidade, ele traz a oportunidade, ele traz as vezes o empresário, a pessoa que quer investir na cidade, parabéns prefeito, de ter aberto o aeroporto, mas que dizer, é o tamanho do célebro (sic) desses, caras, eles tem um célebro (sic) de azeitona, aliás, azeitona é verde, não dá pra dizer que eles tem azeitona, eles são vermelhos, eles tem um célebro (sic) tão pequeno que eles não querem nada, não querem desenvolvimento, eles querem pra eles, é que nem em cuba, é que a Rússia, eu estive na Rússia, eu estive na Alemanha Oriental, eu fiz um vídeo muito bonito essa semana, na segunda feira fez 31 anos da queda do muro de Berlim, e pra onde você acha que o povo foi quando caiu o muro de Berlim, foi pro lado comunista ou capitalista, foi tudo pro outro lado. Eu tive lá agora, na Alemanha Oriental, e ainda tá pobre, 31 anos depois, é que as pessoas pensam errado, e durante muito tempo a lavagem celebral (sic) colocada nas pessoas, elas votam errado, pensam errado, não dão certo na vida e ainda culpam os outros, que é o caso do PT. A maioria do pessoal do PT são pessoas recalcadas, invejosas, que não trabalham e querem que seus sonhos sejam feitos sejam pagos por quem trabalha entendeu. É assim, são recalcados, não conseguem nada na vida mas almejam o que você tem, como eles não conseguem ter porque não trabalham, eles não pensam, eles leem o livro errado eles sonham em tomar o que é teu. (16:05)

(17:26) (segurando o adesivo com o número 14) Então dia 15 vote 14, não vota no 14, pra você não destruir a sua família e principalmente com o sonho dos seus filhos.

(17:40)

(18:48) Como foi a última visita do Lula em Bagé? Parabéns, parabéns, você que tem coragem de afrontar esses vagabundos agora tem que ter a consciência e a inteligência de votar certo, então é seguinte pessoal, aqui, vota 14, esse pessoal que tá trocando de cor, me dá uma foto aqui, minha assessora pra assuntos de política, me dá aqui, 1000 pessoas ao vivo, então vem cá, não esqueça, nesse domingo voto útil, esse pessoal aí é da turma do fique em casa, pense na sua família, não vote errado, eu tenho uma melhor, sabe o que esses caras são, são tudo camaleão, agora não são mais vermelho, tão mudando de cor pra enganar você, não tão mais abraçadinho com o Lula, cá Dilma, agora desaparece, não é mais Lula Livre, não é mais Fidel Castro, vamos despetizar o brasil, fora petezada (20:38)

 

Postos os fatos, é importante destacar que, conforme bem indicou a Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer escrito: “não constitui irregularidade o fato do empresário, enquanto pessoa física e na condição de cidadão como outro qualquer, aparecer junto com políticos cuja linha de pensamento se assemelhe à sua e, nesse momento, declarar o seu apoio, bem como tecer críticas a partidos e políticos de oposição”.

Nesse contexto, a participação de Luciano Hang em vídeo de campanha eleitoral, ainda que pedindo votos ao candidato de sua preferência e desqualificando o concorrente e seu partido, não implica desrespeito à legislação eleitoral ou abuso de poder político e econômico, uma vez que a pessoa física do empresário detém direito à participação política e à livre manifestação de seu pensamento.

Nessa linha, a jurisprudência consolidou-se pela possibilidade de manifestação político de empresários e figuras públicas na propaganda eleitoral, a qual se insere na livre manifestação do pensamento constitucionalmente protegida (art. 5º, inc. IV, da CF/88):

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2018. PRESIDENTE E VICEPRESIDENTE DA REPÚBLICA. PRELIMINARES. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. IMPRESTABILIDADE DA PROVA. REJEIÇÃO. DEPOIMENTO PESSOAL. MEIO DE PROVA. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. CONSENTIMENTO DA PARTE. POSSIBILIDADE. LIMITES. DEMANDA. PEDIDO E CAUSA DE PEDIR. PRINCÍPIO. ADSTRIÇÃO. ALEGAÇÃO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ELEMENTOS. CARACTERIZAÇÃO. USO. RECURSOS PÚBLICOS OU PRIVADOS. GRAVIDADE. DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. ENGAJAMENTO. EMPRESÁRIO. CAMPANHA DE CANDIDATO. PRESERVAÇÃO DA IGUALDADE DE CONDIÇÕES NA DISPUTA. COAÇÃO. EMPREGADOS. INICIATIVA PRIVADA. CONFIGURAÇÃO. ATO ABUSIVO. EXIGÊNCIA. PROVA SEGURA. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.

(...)

10. Não configura prática abusiva o engajamento de empresário na campanha de determinado candidato, mediante o encaminhamento de vídeo a seus funcionários, no qual se limita a convidálos a participar de ato de campanha, sem exteriorizar ameaças ou retaliações aos que não aderirem à iniciativa.

11. Inexistência, nesse caso, de acervo probatório seguro a demonstrar a prática de condutas concretas de manifesto constrangimento, capazes de incutir em contingente expressivo de pessoas a ideia de que o fato de determinado candidato não se eleger poderá ocasionar prejuízos a sua relação de trabalho.

12. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional e fundamento em provas robustas admitidas em direito, verificar a existência de grave abuso de poder, suficiente para ensejar as rigorosas sanções de cassação do registro, diploma ou mandato e inelegibilidade. Precedentes.

13. Ação de Investigação Judicial Eleitoral que, rejeitadas as questões preliminares, se julga improcedente.

(TSE. Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 060157558, Relator Min. Jorge Mussi, DJE 28/03 /2019)

 

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2018. PRESIDENTE E VICEPRESIDENTE DA REPÚBLICA. PRELIMINARES. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. REJEIÇÃO. DEPOIMENTO PESSOAL. MEIO DE PROVA. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. CONSENTIMENTO DA PARTE. POSSIBILIDADE. PRESCINDIBILIDADE NO CASO CONCRETO. ALEGAÇÃO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ELEMENTOS. CARACTERIZAÇÃO. USO. RECURSOS PÚBLICOS OU PRIVADOS. GRAVIDADE. DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. APRESENTAÇÕES ARTÍSTICAS. CANDIDATO. PRESERVAÇÃO DA IGUALDADE DE CONDIÇÕES NA DISPUTA. CONFIGURAÇÃO. ATO ABUSIVO. EXIGÊNCIA. PROVA SEGURA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.

(…).

7. Não configura prática abusiva a divulgação, em turnê de apresentações no País, sem aporte de recursos públicos, de opiniões pessoais de artista estrangeiro, condizentes com suas convicções políticas, com a veiculação de críticas a autoridades e empresários de diversas partes do mundo, as quais constituem mero exercício da garantia constitucional a todos assegurada de livre manifestação de pensamento.

8. Inexistência, neste caso, de acervo probatório seguro a demonstrar a prática de condutas concretas de manifesta realização de propaganda eleitoral negativa, capaz de incutir em contingente expressivo de pessoas a ideia de que determinado candidato esteja vinculado a práticas antidemocráticas.

9. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional e fundamento em provas robustas admitidas em direito, verificar a existência de grave abuso de poder, suficiente para ensejar as rigorosas sanções de cassação do registro, diploma ou mandato e inelegibilidade. Precedentes.

10. Ação de Investigação Judicial Eleitoral que, rejeitadas as questões preliminares, se julga improcedente.

(Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 060185189, Acórdão, Relator (a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 48, Data 12/03/2019)

 

De seu turno, as razões recursais buscam caracterizar o abuso a partir da alegação de que o encontro iniciou em um ato oficial transmudado em evento de campanha e realizado em horário de expediente da Prefeitura Municipal e aproveitando-se do aparatado público.

Apesar do esforço argumentativo da recorrente, não há nos autos indícios mínimos de que o encontro estava inserido dentro de uma agenda oficial da Prefeitura Municipal, que tenha sido direta ou indiretamente custeado com recursos públicos ou efetuado por meio do uso de servidores públicos em jornada de trabalho.

Do vídeo acostado, extrai-se que o encontro ocorreu na rua, em frente ao terreno em que seria instalado o novo empreendimento, sem a presença massiva de público e sem a realização formalidades ou protocolos oficiais.

Outrossim, Divaldo Lara, na condição de agente político, não se submetia a jornada fixa de trabalho, de modo que deve ser aceita certa flexibilidade na conciliação entre sua agenda oficial na Prefeitura e seus compromissos de campanha, o que também advém da sistemática vigente que faculta a candidatura a um segundo mandato aos cargos ao Poder Executivo sem necessidade de afastamento do titular (art. 14, §§ 5º e 6º, da CF/88).

O mesmo deve ser considerado em relação a eventuais vereadores e secretários municipais que se fizeram presentes, porquanto, nos termos da jurisprudência do TSE, “tais agentes não estão submetidos a controle de jornada, o que impede que sejam adequadamente divisados os períodos de trabalho” (TSE – AI n. 29571/RS, Relator: Ministro Og Fernandes, Monocrática, DJE de 11.02.2020). No mesmo sentido: TSE; REspe n. 57680/RS, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 5.4.2018, e Rp n. 145-62/DF, Relator: Min. Admar Gonzaga, DJe de 27.8.2014.

Ademais, a dinâmica e o conteúdo do vídeo revelam características claras de propaganda eleitoral e não dissimulam essa natureza, tendo sido transmitido em sítio pessoal e privado do candidato, também utilizado para a veiculação de outras peças de campanha.

Nessa linha, irreparável a sentença que bem concluiu pela inexistência de provas sobre a natureza oficial ou sobre o uso de recursos públicos na realização do encontro:

Alega o autor que, referente a visita de Luciano Hang ao Município de Bagé, teria havido abuso de poder político por parte do então candidato à reeleição Divaldo Lara, pois teria transformado ato institucional em ato político, e abuso de poder econômico por parte de Luciano Hang ao condicionar o prosseguimento do projeto de sua empresa no município à vitória do candidato, ora representado.

Primeiramente, no tocante a se tratar de ato institucional não há provas nos autos a fazer crer que se tratava de ato institucional, não se podendo presumir portanto. Expressão esporádica, como a dita pelo cinegrafista nomeando o candidato Divaldo Lara como prefeito, como citado na petição inicial, não é suficiente para fazer crer que se tratava de ato público, tampouco prospera a alegação de que estaria o prefeito, candidato à reeleição, em horário de expediente, pois como já decidiu o TSE, Chefes do Poder Executivo são agentes políticos, não necessitando cumprir horário de expediente fixo.

Outrossim, a referida live foi transmitida através de perfil pessoal e não através de canal institucional.

Assim, uma vez que não foram trazidas aos autos provas que comprovem a utilização de bens públicos para a realização e/ou divulgação do ato, não há que se falar em abuso de poder político quanto ao fato em comento.

 

A mesma conclusão é acolhida no parecer escrito da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45478532):

Quanto à alegada prática de abuso de poder político por parte de Divaldo Lara, tem-se que merece ser mantido o julgamento de improcedência da ação, vez que, como referido na sentença, não há provas nos autos demonstrando a utilização de bens públicos para a realização e divulgação do ato, tampouco de que se tratava, de fato, de ato institucional. Conforme ressaltado pelo Juízo, a live realizada com a presença de Luciano Hang foi transmitida no perfil pessoal do candidato, sem vinculação com a Prefeitura. O mesmo ocorre no tocante à reprodução da mensagem de apoio do Presidente da República, gravada no interior do Palácio da Alvorada, sua residência oficial.

Nítido, desse modo, a diferença entre o caso em tela e a decisão liminar referendada pelo Plenário do TSE nos autos da AIJE n. 0601002-78.2022.6.00.0000, invocada como possível paradigma pela coligação recorrente.

Nesse caso julgado pela Corte Superior, houve a concessão de tutela inibitória antecipada para proibir a veiculação de material de propaganda eleitoral que utilizasse imagens do Presidente da República capturadas durante o desfile cívico-militar de comemoração do Bicentenário da Independência, no qual não havia dúvidas de se tratar de “evento oficial custeado com mais de R$ 3.000.00,00 de recursos públicos”.

De qualquer modo, ainda não houve exame do caso sob a perspectiva do abuso de poder, pois o Tribunal Superior, ao referendar a liminar, expressamente ressaltou que “esse exame não se confunde e não antecipa a conclusão final de mérito, momento no qual deverão ser avaliados in concreto os efeitos das condutas praticadas, a fim de estabelecer se são graves o suficiente para conduzir à cassação de registro ou diploma e à inelegibilidade”.

Destarte, não merece reforma a sentença em relação ao ponto.

Outro aspecto realçado nas razões recursais refere-se ao próprio conteúdo da fala de Luciano Hang, o qual teria excedido os limites da sua liberdade de expressão e do mero proselitismo político para emitir um “discurso ameaçador”, condicionando o investimento na nova loja a um resultado das urnas favorável ao então Prefeito, o que estaria evidenciado nos trechos destacados da transcrição antes apresentada.

Nesse ponto, merece atenção o julgamento deste Tribunal do REl n. 0600658-54.2020.6.21.0042, da relatoria do eminente Desembargador Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, procedente de Santa Rosa, na sessão de 16.05.2022, em que analisado fato bastante semelhante: encontro entre os candidatos ao cargo majoritária municipal e o empresário Luciano Hang a pretexto de anunciar a instalação de uma unidade da rede varejista Havan no Município, em julgado assim ementado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). PREFEITO E VICE-PREFEITO ELEITOS. PREFEITO À ÉPOCA DOS FATOS. DEPUTADO FEDERAL. EMPRESÁRIO. IMPROCEDÊNCIA. MATÉRIA PRELIMINAR. NÃO CONHECIDAS AS PETIÇÕES E OS DOCUMENTOS PROTOCOLADOS APÓS O PARECER DA PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL. REJEITADAS AS PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL E INÉPCIA DA INICIAL. MÉRITO. NÃO CONFIGURADA PRÁTICA DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO. SHOWMÍCIO NÃO CARACTERIZADO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. NÃO CONFIGURADO ABUSO DE PODER POLÍTICO. AGENTE POLÍTICO EM GOZO DE FÉRIAS. NÃO CONFIGURADO USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. MANTIDO O JUÍZO DE IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA. PROVIMENTO NEGADO.

1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) em face de prefeito e vice-prefeito eleitos nas eleições de 2020, coligação, prefeito à época dos fatos, deputado federal e empresário, em virtude da ausência de prova do cometimento de abuso de poder político, econômico e uso indevido dos meios de comunicação (art. 22 da LC n. 64/90).

2. Matéria preliminar. 2.1. Não conhecidas as petições e os documentos protocolados após o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, os quais não contribuem para o deslinde do feito. Mantidos no processo para eventual irresignação dirigida à instância superior. 2.2. Rejeitada preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral em virtude de prerrogativa de foro de deputado federal. Não aplicado o art. 102, inc. I, al. “b”, da Constituição Federal, uma vez que o presente feito não abarca o julgamento de infrações de natureza penal. 2.3. Rejeitada inépcia da inicial por ter requerido a cassação dos direitos políticos do demandado. O aludido pedido deve ser interpretado com base nos fundamentos jurídicos da AIJE, portanto, a cassação dos direitos políticos referida na inicial diz, em verdade, com a sanção de inelegibilidade prevista no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, não incorrendo em violação ao art. 15 da Constituição Federal. Ademais, nos termos da Súmula 62 do TSE, os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial.

3. Alegada ocorrência de abuso de poder econômico. 3.1. Afastada a alegação de realização de showmício na chegada do empresário à cidade. O referido evento foi de diminuta expressão e frequência, não podendo ser caracterizado como showmício e, sobretudo, não ostentando gravidade apta a ensejar abuso do poder econômico. 3.2. Não caracterizada a prática de qualquer conduta eleitoralmente abusiva ou ilegal com gravidade suficiente para macular a regularidade do pleito e o equilíbrio da disputa eleitoral. Não verificada nenhuma conduta que pudesse ser enquadrada como de elevada reprovabilidade e que demonstrasse o uso indevido de recursos financeiros a fim de alavancar a candidatura dos recorridos à chefia do Poder Executivo do município. O discurso do empresário não ostenta gravidade suficiente a configurar abuso de poder econômico a fim de ver desconstituído o mandato eletivo concedido aos demandados. Conduta não vedada pelo ordenamento jurídico, pois amparada inequivocamente pelo direito fundamental de liberdade de expressão, o qual possibilita ao indivíduo externar sua opinião de maneira ampla nos moldes da Constituição. Inocorrência, na espécie, de prática de abuso de poder econômico a ensejar a responsabilização do empresário, bem como do prefeito eleito e do prefeito à época dos fatos. 3.3. Inexistente a responsabilidade de deputado federal pela suposta prática de abuso de poder econômico. Ausente qualquer prova nos autos de que o deputado tenha responsabilidade pela divulgação nas mídias sociais dos atos supostamente abusivos. Ademais, durante as “lives”, o deputado manteve conduta passiva, limitando-se a ouvir as falas do empresário, sem tecer qualquer comentário. 3.4. Inexistência de responsabilidade por parte do candidato a vice-prefeito, vez que a própria petição inicial traz a informação de que o mesmo está sendo incluído no polo passivo diante do pedido de cassação de diploma e da indivisibilidade da chapa.

4. Não configurado abuso de poder político envolvendo o então prefeito à época dos fatos, uma vez demonstrado que o mesmo estava em pleno gozo de férias do seu cargo no executivo municipal, quando acompanhou a visita do empresário e manifestou apoio político aos candidatos. Não demonstrada a prática de ato utilizando-se da estrutura do Poder Executivo para beneficiar os candidatos que estava apoiando. O fato de ser autoridade, por si só, não retira a liberdade de expressão, podendo externar publicamente a sua posição política, opiniões, inclusive indicando candidatos e partidos.

5. Não configurado uso indevido dos meios de comunicação social. Não houve praticamente nenhuma manifestação político-eleitoral do empresário nos vídeos alegadamente veiculados. Em transmissão ao vivo, não vislumbrada intenção do órgão de imprensa em utilizar indevidamente o meio de comunicação social para beneficiar determinada candidatura.

6. Inexistência de conjunto probatório que possa conduzir à alteração da sentença de primeiro grau. Mantido o juízo de improcedência da demanda com relação às práticas de abuso de poder econômico e político, bem como de utilização indevida dos meios de comunicação social imputadas aos demandados.

7. Provimento negado.

(TRE-RS, REl 0600658-54.2020.6.21.0042, Relator: DES. ELEITORAL AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, julgamento: 16.05.2022, DJE/TRE-RS, edição n. 93/2022, de 27.05.2022, unânime) Grifei.

 

Naquele caso, houve a transmissão do evento, ao vivo, nas redes sociais do candidato ao pleito majoritária e em portal de notícias local (Portal Plural), com a presença do então Prefeito Alcides Vicini, do Deputado Federal Osmar Terra, dos candidatos a Prefeito e Vice, Anderson Mantei e Aldemir Ulrich, e do empresário Luciano Hang.

A parte inicial daquele vídeo está, inclusive, anexada à exordial do presente processo (ID 44080883).

Na ocasião, Luciano Hang, ainda na pista de pouso pela qual chegou na localidade, com o avião da empresa Havan ao fundo, prolatou um discurso bastante similar ao que ora se avalia, destacando os vários Municípios que percorria com a mesma finalidade, inclusive Bagé, como se evidencia do seguinte fragmento daquela fala, colhida do voto do Relator do caso (grifei):

(...)

 

Olha, nós vamos entregar aí o projeto para a Prefeitura né, depende aí do prefeito, nós temos obras em andamento nesse momento, hoje no Brasil, a Havan tem quinze lojas em andamento, ela deu prioridade para aqueles prefeitos, aqueles municípios, que eu, eu não tô pedindo nada de graça, nada, não peço nada que todo mundo ganha, nada, não quero terreno, não quero nada, nós viemos aqui é menos burocracia, aliás, o PT e a esquerda são campeões de burocracia né (…)” (ID 43568633, minuto 2:49 em diante e ID 43568483, fl. 4 em diante)

(…) O empresário, quando não investe, o empresário, o emprego precisa de uma empresa, e uma empresa precisa de um empresário, o pessoal da esquerda odeia o empresário, odeia quem trabalha, porque eles querem todo mundo na miséria, para eles estarem no poder, tomar o dinheiro da sociedade, e dar uma bolsa miséria para esse pessoal viver, e quando eles estão dando essa bolsa miséria, e eles tocam o terror na sociedade, eles mantêm o cidadão preso, eu quero liberdade do cidadão, por isso que eu estou aqui em Santa Rosa, pedindo para você, no dia quinze, vote no onze, vote no onze, vamos vencer essa esquerda, o povo daqui é trabalhador, o povo daqui é inteligente, sabe que a esquerda voltando para o município é um atraso para a cidade e para o Rio Grande do Sul (…)

 

[…].

[Luciano] Então seguinte, nós somos do trabalho, da ordem, da família e do progresso. Estou hoje aqui com muita satisfação, amanhã vou inaugurar a nossa loja lá em Guaíba, né, fiz questão de passar aqui, passei em Bagé, estou indo agora para Porto Alegre e vou pra Guaíba. Parabéns prefeito que esteve lá comigo, me chamando pra cá, Osmar Terra, então dia 15, domingo, pense na sua família, nas próximas gerações, voto útil, aquele que tem dois três por cento, cinco por cento, não vai ganhar, não vai ganhar, e você corre o risco, corre o risco de o PT voltar, né, não sei se você viu, eu soltei um vídeo no final agora no dia 11, agora lá na segunda-feira, fazem trinta anos que derrubou o muro de Berlim, trinta e um anos, né. Quando caiu o muro de Berlim, o pessoal foi pro lado comunista ou o lado capitalista? Olha o vídeo que eu soltei na segunda-feira. Então assim, ninguém quer voltar atrás, ninguém que teve uma gestão dos vermelhos, não tem uma má impressão, não tem pesadelos, pesadelos, então não esqueçam o que aconteceu no nosso país, dia quinze vote no Mantei, tá, e aí a Havan tá aqui nos próximos meses, tenho certeza disso, porque ainda corre o risco desses vermelhos voltar e desfazer tudo do que vocês fizeram, que vocês foram atrás das pessoas para investir, atrás dos empreendedores, eles não gostam, eles vão lá e arriscam tudo. Porto Alegre eu fiquei três anos e não consegui aprovar o projeto, fui embora, e nunca mais voltei.

[Vicini] Quem era o prefeito lá?

[Luciano] Era o governador bigodudo lá, Olívio Dutra, e Raul Pont.

 

Na hipótese ocorrida em Santa Rosa, destacam-se a divulgação, ao vivo, do encontro, não apenas na página de campanha do candidato, mas também em portal de notícias da região; a ostentação de avião da empresa como fundo dos acontecimentos e a participação de parlamentar federal no encontro, circunstâncias não evidenciadas no fato ocorrido em Uruguaiana.

De todo modo, nesse caso originário de Santa Rosa, entendeu o Pleno deste Tribunal, por unanimidade, pela manutenção da sentença de improcedência da AIJE, ante a inexistência de conduta eleitoralmente abusiva e com gravidade suficiente a justificar a desconstituição do mandato eletivo, cabendo colher a seguinte passagem do voto do douto Relator daquele caso:

Do cotejo da narrativa trazida na inicial diante do conjunto probatório reunido aos autos, não é possível concluir pela prática de qualquer conduta eleitoralmente abusiva ou ilegal com gravidade suficiente para macular a regularidade do pleito e o equilíbrio da disputa eleitoral.

Isso porque, ao analisar os vídeos trazidos na exordial, não verifiquei qualquer conduta que pudesse ser enquadrada como de elevada reprovabilidade e que demonstrasse o uso indevido de recursos financeiros a fim de alavancar a candidatura dos recorridos à chefia do Poder Executivo do Município de Santa Rosa.

Não desconheço que os vídeos contidos nos autos demonstram de forma inequívoca a posição política do recorrido Luciano Hang, inclusive com crítica mordaz e direta ao Partido dos Trabalhadores e às ideologias de esquerda.

Contudo, não se pode concluir que tal discurso ostente gravidade suficiente a configurar abuso de poder econômico a fim de ver desconstituído o mandato eletivo concedido aos demandados.

É de conhecimento público e notório que o empresário Luciano Hang, proprietário das Lojas Havan, uma rede varejista com mais de cem unidades de grande porte, tem posições políticas liberais vinculadas à extrema-direita. São diversas suas publicações nas redes sociais nesse sentido, sendo personagem conhecido e propagado nos noticiários nacionais, sempre criticando negativamente as ideologias e partidos de esquerda, dentre eles o Partido dos Trabalhadores.

Homem de marketing, conhecido como “véio da Havan” (apelido criado e popularizado nas redes sociais), suas aparições são sempre extremamente chamativas. Há algum tempo passou a utilizar um terno verde bandeira, acompanhado de camisa branca e gravata amarela, cores da bandeira nacional adotadas pela atual política de direita e que simbolizam o nacionalismo com o qual busca se identificar e, consequentemente, ser reconhecido pela população.

Em breve pesquisa no Google, acessível a qualquer pessoa, é possível verificar que o nome Luciano Hang está atrelado a figuras nacionais de direita como o Presidente Bolsonaro, do qual é leal apoiador. E com a mesma facilidade é possível extrair incontáveis manifestações críticas aos partidos de esquerda, ao comunismo, socialismo, cor vermelha e a tudo que possa se relacionar a ideologias de esquerda.

Na mesma pesquisa é possível notar que suas viagens pelo país, promovendo e inaugurando suas lojas e propagando novos investimentos, são sempre cercadas de manifestações políticas, não sendo uma novidade tais acontecimentos.

“Em 2018, vendo a necessidade de contribuir ainda mais com o Brasil, decidi me tornar um ativista político. Desde então, uso a minha imagem para levar mensagens sobre a realidade brasileira, empreendedorismo e motivação.” É assim que o empresário se descreve no seu perfil do Linkedin.

Pouco conhecido até 2018, a partir de então começou a tornar-se popular em face da polarização política enfrentada nas eleições presidenciais daquele ano. Sempre com críticas ácidas ao Partido dos Trabalhadores e a seus representantes, como a figura de maior destaque daquela agremiação, o ex-Presidente Lula.

Portanto, suas manifestações não consistem em novidade. Diria até que são previsíveis.

E, nesse cenário, não foi diferente em Santa Rosa, no dia 11.11.2020. Tratou-se de uma visita à cidade com vistas a divulgar as futuras instalações de uma unidade da Havan naquela localidade, cujas tratativas remontam ao ano de 2018. O discurso obviamente foi o mesmo. Exaltou os políticos de direita e criticou negativamente os de esquerda. Nada diferente do que faz todos os dias. E, principalmente, conduta não vedada pelo ordenamento jurídico, pois amparada inequivocamente pelo direito fundamental de liberdade de expressão, o qual possibilita ao indivíduo externar sua opinião de maneira ampla nos moldes da Constituição.

Desse modo, apesar de duras, ácidas, enérgicas, as críticas lançadas ao partido opositor do candidato e Prefeito eleito Anderson Mantei, assim como benévolas e generosas as palavras de apoio dirigidas a este, tais palavras não podem ser compreendidas como um ato de coação por meio do qual eleitores se veriam forçados a votar no candidato exaltado pelo empresário.

 

Conforme bem analisou o eminente Desembargador Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli em seu voto, o ativismo político de Luciano Hang é notório e até folclórico, sendo por todos conhecidas a sua conduta extravagante, suas atuações performáticas e suas falas radicais contra os partidos de esquerda e em favor de matizes ideológicas próximas ao “bolsonarismo” e à “extrema-direita”.

Outrossim, tanto na hipótese ocorrida em Santa Rosa como no caso de Bagé, ora em análise, o empresário afirma que seus projetos de investimentos nos Municípios estariam oportunizados e garantidos a partir da manutenção de candidatos alinhados às suas concepções políticas, bem como relaciona os candidatos e partidos de esquerda a obstáculos e atrasos, em razão da “burocracia”, do “ódio ao empresário”, de serem “tudo vagabundo”, dentre outras pretensas vicissitudes que sustenta existirem.

Retornando especificamente ao caso sub judice, várias enunciações destacadas pelos recorrentes e pela Procuradoria Regional Eleitoral são bastante sugestivas de que a instalação da nova loja estaria comprometida ou seria mais morosa no caso de vitória de Mainardi, trazendo certa dúvida.

Contudo, tal como compreendido no feito proveniente de Santa Rosa, as frases referidas não denotam uma coação explícita e inequívoco ao eleitorado de Bagé.

Cabe considerar que as colocações sensacionalistas e exageradas, quase anedóticos, são bastante conhecidas por típicas da militância do empresário.

Ao cabo, o empresário defende, em síntese, que o grupo político ligado ao PT atuaria para dificultar suas iniciativas empresarias, o que ocorreria de modo geral, bem como que ainda dependeria de aprovações da Prefeitura para o andamento do projeto em Bagé, razão pela qual apoiava Divaldo Lara e pregava o voto contra o candidato Mainardi, o que se insere dentre da liberdade de manifestação de certa perspectiva política.

Também se constata que a protocolo do projeto de instalação da futura loja ocorreu na Prefeitura de Bagé em 14.01.2021 (ID 44083933), ou seja, cerca de 20 meses antes do pleito.

Assim, nada de concreto e sério é dito a ponto de fazer crer que um resultado diferente na eleição poderia retirar, por vontade de uma única pessoa, seja do candidato concorrente ou do empresário, o investimento já iniciado em Bagé.

Cumpre também cotejar o presente caso com o precedente estabelecido no julgamento do AgR no AREspe 0600427-08.2020.6.24.0086, no qual, por 5 votos a 2, o Plenário do TSE cassou os mandatos do prefeito e vice-prefeito de Brusque/SC, impondo a eles e ao empresário Luciano Hang a inelegibilidade por 8 anos subsequentes ao pleito de 2020, por abuso do poder econômico.

Nesse caso analisado pela Corte Superior, constou no voto condutor, proferido a partir de vista pelo Ministro Alexandre de Moraes, o reconhecimento de que houve reiterada e massiva utilização da estrutura das lojas na campanha eleitoral, inclusive com assédio a funcionários e fornecedores da empresa, conforme trechos que reproduzo:

Na hipótese dos autos, conforme se depreende da sucessão de comportamentos atribuídos aos Recorridos, verifica-se a existência de um modus operandi comum nas postagens impugnadas, iniciado no período crítico da campanha, que, por meio do emprego de logomarcas e da estrutura das Lojas Havan, evidencia uma atuação estável da pessoa jurídica no processo eleitoral, tendo em vista a utilização de estratégia organizada visando a “esvaziar” as candidaturas adversárias e a obter apoio aos candidatos Recorridos.

De fato, a partir do teor das postagens, mostra-se viável constatar a reiterada prática dos seguintes comportamentos: i) utilização do interior e adjacências de Lojas Havan; ii) ostensiva exibição, nas camisetas utilizadas pelo Investigado Luciano Hang, em avião e em caminhão da logomarca da mencionada pessoa jurídica; iii) sucessivas manifestações contrárias aos partidos tidos como de “esquerda”, acompanhadas de diversos pedidos de “não voto” em tais candidatos; iv) nítido apoio aos candidatos Investigados; v) participação dos candidatos em vídeos, havendo, inclusive, live de apoio – em que o empresário, no interior das Lojas Havan, repete o padrão alusivo à camiseta com a respectiva logomarca – e ato realizado dentro de uma loja da mencionada pessoa jurídica; vi) sucessivas marcações, em postagens de conteúdo negativo, do perfil do candidato do partido Recorrente (@pauloecceloficial); vii) exibição de entrevistas com funcionários das Lojas Havan nos mencionados vídeos, inseridos em nítido contexto eleitoral.

Nesse contexto, pedindo todas as vênias às compreensões em sentido diverso, não se revela viável conferir legitimidade jurídico-constitucional a associações indevidas, notadamente àquelas ocorridas no período crítico de campanha, entre candidatos e pessoas jurídicas, tendo em vista a circunstância de que tal comportamento, em nítida manifestação abusiva de interferência do abuso do poder nas eleições, constitui clara transgressão à vedação à participação de tais entes na campanha eleitoral estabelecida pela legislação vigente, bem como à orientação jurisprudencial que a SUPREMA CORTE firmou sobre a matéria.

 

Percebe-se que o reconhecimento do abuso no pleito de Brusque/SC teve por fundamento uma sucessão de comportamentos consubstanciados na utilização ostensiva da estrutura de pessoa jurídica no âmbito da disputa eleitoral, inclusive logomarca, páginas em redes sociais, bens e funcionários.

Tais situações não são verificadas no caso em análise, em que ainda não existia loja instalada, há um único encontro sem aparenta participação de eleitores e ocorreu uma única postagem na página do próprio candidato Divaldo Lara.

Ainda, frisou o acórdão do TSE que o reconhecimento do ilícito decorreu do uso da empresa em favor dos candidatos e não somente pelo ativismo político de Luciano Hang, o qual, como qualquer cidadão, tem o direito de se manifestar politicamente:

Não se trata, aqui, de impor limitações à livre manifestação de pensamento em decorrência da condição objetiva de determinado cidadão ostentar a condição de empresário.

Realmente, o elevado número de seguidores e o fato notório a respeito da vinculação do empresário com as Lojas Havan não configuram, por si sós, o ilícito eleitoral, tendo em vista a circunstância de que, conforme ressaltei ao analisar o apoio de artistas a candidaturas, “não se veda, em momento algum, que o artista manifeste livremente sua opção eleitoral, sendo-lhe totalmente permitido o apoio a qualquer candidato” (ADI 5.970, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, voto Min. ALEXANDRE DE MORAES, Pleno, DJe de 8/3/2022).

 

Cabe rememorar que, segundo o entendimento do TSE, o abuso do poder político decorre da utilização da estrutura da administração pública para beneficiar determinada candidatura ou, ainda, como forma de prejudicar eventuais adversários (REspEl n. 40898/SC, Relator: Min. Edson Fachin, DJe n. 150, de 06.08.2019). Por sua vez, o abuso de poder econômico se caracteriza pela utilização desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade capaz de viciar a vontade do eleitor, desequilibrando a lisura do pleito e o seu resultado (AIJE n. 060177905/DF, Relator: Min. Luis Felipe Salomão, DJe n. 44, de 11.03.2021).

Em qualquer hipótese, ainda nos termos da jurisprudência do TSE, “[p]ara se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo)” (AIJE n. 060182324/DF, Relator: Ministro Jorge Mussi, DJe n. 187, Data 26.09.2019), de modo que, “se há fundadas dúvidas acerca da gravidade da conduta, é recomendável dar prevalência à vontade popular exsurgente das urnas” (REspE n. 114, Relator Min. Admar Gonzaga, DJE de 25.02.2019).

No caso concreto, entendo que as circunstâncias não revelam o uso indevido ou exorbitante de recursos público ou privados para alavancar ou prejudicar determinado candidato na realização do vídeo. Tampouco as circunstâncias evidenciam de modo cabal e induvidoso a utilização de expediente de temor, ameaça ou coação eleitoral capaz de afetar a legitimidade do pleito.

Desse modo, não há razões para alterar a decisão de primeiro grau quanto à inocorrência da prática de abuso de poder econômico pelos demandados, devendo se mantida a sentença que julgou integralmente improcedente a ação.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.