REl - 0600790-22.2020.6.21.0007 - Divirjo em Parte com o(a) Relator(a) - Sessão: 09/11/2023 às 14:00

 

VOTO DIVERGENTE

DESEMBARGADORA PATRÍCIA DA SILVEIRA OLIVEIRA

 

Eminente Presidente:

 

Pedi vista dos autos para melhor análise das razões de reforma da decisão recorrida, especialmente diante dos judiciosos argumentos trazidos da tribuna e da severidade das sanções previstas para a hipótese de procedência de ação de investigação judicial eleitoral por alegada prática de abuso de poder político e econômico.

Inicialmente, ressalto que acompanho o ilustre Relator, Desembargador Caetano Cuervo Lo Pumo, quanto ao acolhimento da preliminar de preclusão em relação ao fato envolvendo o então Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, e de afastamento do pedido de formação de litisconsórcio passivo entre os investigados e o Chefe do Executivo Federal, pois o fato envolvendo Jair Bolsonaro efetivamente não foi objeto das razões recursais, conforme bem observado no voto condutor.

De outra banda, entendo que no caso em tela deve ser suscitada de ofício a preliminar de ilegitimidade passiva da Coligação Bagé, Orgulho do Brasil para responder à ação, uma vez que os partidos e as coligações não podem sofrer as sanções previstas em caso de procedência da ação de investigação judicial eleitoral.

A jurisprudência está sedimentada no sentido de que pessoas jurídicas não são legitimados para figurar no polo passivo por não restarem alcançados pelas penalidades de cassação de registro ou diploma e declaração de inelegibilidade. Nesses termos, colaciono aresto do TSE:

REPRESENTAÇÃO. INVESTIGAÇÃO JUDICIAL. ALEGAÇÃO. ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. USO DE TRANSPORTE OFICIAL. ATOS DE CAMPANHA. AUSÊNCIA DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO PELAS DESPESAS EFETUADAS. INFRAÇÃO AOS ARTS. 73, I, E 76 DA LEI Nº 9.504/97. PRELIMINARES. FALTA DE INDICAÇÃO DE REPRESENTADOS. INÉPCIA DA INICIAL. REJEIÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. ARQUIVAMENTO. (...) Pessoas jurídicas não podem integrar o polo passivo em ação de investigação judicial eleitoral pela razão de não estarem sujeitas às penas previstas na Lei Complementar nº 64/90. É pacífica a jurisprudência do TSE no sentido de que não é exigível a formação de litisconsórcio passivo necessário nas ações de investigação judicial da referida norma complementar. Não configurado o abuso de poder político e econômico, julga-se improcedente a representação”.

(TSE. RP nº 1033 - BRASÍLIA – DF, Relator (a) Min. Francisco Cesar Asfor Rocha, DJ - Diário de justiça, Data 13/12/2006, Página 169) - Grifei

Por se tratar de vício insanável, é desnecessária a intimação das partes acerca do tema, restando ausente qualquer prejuízo porque as peças processuais foram apresentadas de forma conjunta por todos os investigados, ora recorridos.

Por tal razão, em sede preliminar, julgo extinto o feito sem resolução de mérito em relação à recorrida Coligação Bagé, Orgulho do Brasil, com fundamento no art. 485, inc. VI, do CPC.

No mérito, o pedido condenatório fundamenta-se no reconhecimento da prática de uso indevido, desvio ou abuso de poder político e econômico mediante publicação de vídeo na página pessoal do Facebook do Prefeito de Bagé e candidato à reeleição Divaldo Lara, gravado na manhã de quarta-feira, dia 11.11.2020, 4 dias antes da eleição municipal datada de 15.11.2020, a partir das 09h34min, na forma de live - transmissão ao vivo que permanece divulgada na rede social -, na qual, com outros empresários, secretários municipais e políticos locais, o prefeito recebeu Luciano Hang em visita ao terreno onde seria instalada uma nova unidade das Lojas Havan (https://www.facebook.com/divaldolaraoficial/videos/1067991400280219/).

No vídeo, o Prefeito Divaldo Lara profere discurso em prol de sua reeleição, e a seguir colhe a manifestação do empresário Luciano Hang a favor de sua campanha e em desfavor dos candidatos adversários, especialmente Luiz Fernando Mainardi, que concorreu pelo Partido dos Trabalhadores, conforme transcrição das falas que consta do voto condutor.

O eminente Relator, na sessão de julgamento de 7.11.2023, em judiciosas razões, concluiu que “as circunstâncias não revelam o uso indevido ou exorbitante de recursos público ou privados para alavancar ou prejudicar determinado candidato na realização do vídeo. Tampouco as circunstâncias evidenciam de modo cabal e induvidoso a utilização de expediente de temor, ameaça ou coação eleitoral capaz de afetar a legitimidade do pleito”.

Pois bem.

Importa desde já consignar que embora não se desconheça o precedente desta Corte julgado na sessão de 16.05.2022, nos autos do processo REl n. 0600658-54.2020.6.21.0042, originário de Santa Rosa, da relatoria do eminente Desembargador Amadeo Henrique Ramella Buttelli, muito invocado nos autos, a presente ação trata de fato diverso, provas diferentes, discursos distintos, sendo esse o caderno probatório que será considerado nas presentes razões.

Precisamos ter em mente que o fundamento legal da presente ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) é o § 9o do art. 14 da CF e o art. 22 e seus incisos XIV e XVI, da LC n. 64/90, e de plano insta considerar que nenhum desses dispositivos legais exige que os atos sejam praticados com expressa contrapartida do voto do eleitor, ou coação para a obtenção do voto:

Constituição Federal:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

(…)

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)

Lei Complementar n. 64/90

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(…)

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;

(Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

(…)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

(Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

Na AIJE, a causa de pedir são os abusos genericamente previstos, praticados com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta ou reflexa, na disputa do pleito. Parte-se do fato de que a interferência na igualdade entre os candidatos está entrelaçada à prática abusiva, sendo desnecessário o pedido de votos porque a interferência no resultado do pleito é inevitável, previsível, e intencional.

Exige-se apenas a evidência de que os atos foram praticados com gravidade das circunstâncias.

A doutrina define o abuso de poder econômico como “vantagem dada a uma coletividade de eleitores, indeterminada ou determinável, beneficiando-os pessoalmente ou não, com a finalidade de obter-lhe o voto” (COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 531).

Conforme leciona Decomain, o abuso de poder econômico, consiste no “(...) emprego de recursos produtivos (bens e serviços de empresas particulares, ou recursos próprios do candidato que seja mais abastado), fora da moldura para tanto traçada pelas regras de financiamento de campanha constante da Lei nº 9.504/97” (Decomain, Pedro Roberto. Elegibilidade e Inelegibilidades. São Paulo: Dialética, 2004, p. 197).

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral “O abuso de poder econômico ocorre quando determinada candidatura é impulsionada pelos meios econômicos de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a própria legitimidade do pleito” (Recurso Especial Eleitoral n. 470968, acórdão de 10/05/2012. Relatora Min. Nancy Andrighi).

Tecidas essas breves considerações, impõe-se a este Tribunal examinar a legitimidade da atuação do candidato à reeleição como Prefeito Municipal Divaldo Vieira Lara e de Luciano Hang no âmbito da disputa eleitoral, e se as condutas praticadas, por meio da vinculação da empresa privada Lojas Havan com a campanha, caracterizam quebra da igualdade entre os candidatos do pleito em benefício dos recorridos.

De igual modo, importa enfrentar as teses defensivas, em especial as alegações de que não houve condicionamento da instalação da loja à vitória dos candidatos, de que a fala do empresário não ultrapassou os limites de sua liberdade de expressão, e de que o fato não ostentou gravidade suficiente para influenciar na normalidade e na legitimidade do resultado do pleito.

Neste cenário, o olhar a ser lançado sobre os autos deve estar focado na existência ou não de um desequilíbrio do pleito de Bagé, na atuação com finalidade de conquista do eleitorado em prejuízo da disputa entre os demais candidatos, na presença de vício que extrapola de forma grave a isonomia entre os concorrentes em razão de uma vantagem capaz de influir de modo grave no transcurso normal do processo eleitoral.

A primeira questão que entendo ser relevante para o exame do caso em tela é o fato de que a gravação foi realizada no ápice da campanha, 4 dias antes do pleito, teve duração de cerca de 20 minutos, e foi transmitida no perfil de Facebook do Prefeito e candidato à reeleição Divaldo Lara.

A live permanece divulgada na rede social, e no recurso a Coligação Unidos por Bagé afirma que a divulgação obteve 146.000 (cento e quarenta e seis mil) visualizações, mais de 2.400 (dois mil e quatrocentos) comentários e mais de 3.200 (três mil e duzentas) curtidas, ou seja, um engajamento altíssimo.

Esses dados podem ser verificados na consulta atual ao endereço do link de divulgação  (https://www.facebook.com/divaldolaraoficial/videos/1067991400280219/), merecendo registro o fato de a inicial apontar que a transmissão ao vivo ocorreu para mil expectadores, circunstância também reconhecida pelos recorridos em sede de contrarrazões. 

Outra circunstância a ser considerada é o fato público e notório de que, em razão da crise sanitária decorrente da pandemia causada pela covid-19 (novo coronavírus), a campanha eleitoral de 2020 se concentrou precipuamente na internet e nas propagandas em rádio e televisão, uma vez que a própria Justiça Eleitoral expediu recomendações com a finalidade de reduzir a manifestação em rua e evitar aglomerações de modo a garantir a manutenção do período de quarentena.

A terceira questão que trago à luz é que a pandemia da covid-19 causou impactos na economia mundial e desencadeou a maior crise econômica global em mais de um século, com extensão dos danos na economia brasileira que se refletem até os dias atuais (https://valor.globo.com/coronavirus/a-economia-na-pandemia/). Merece destaque o resultado das pesquisas no sentido de que o desemprego durante a pandemia foi maior que o estimado (https://veja.abril.com.br/economia/ibge-desemprego-durante-a-pandemia-foi-maior-que-o-estimado).

Nessa perspectiva, deve-se ter em mente que a campanha majoritária de Bagé, em 2020, contava com 7 candidatos, e que a conduta impugnada nos autos, materializada na transmissão de Facebook divulgada pelos recorridos, deve ser examinada sob a ótica do desequilíbrio do pleito em relação aos 6 demais candidatos que participavam da disputa.

Repiso, a gravação foi realizada por prefeito em exercício, candidato à reeleição, em dia útil, uma quarta-feira, 4 dias antes do pleito, ocasião em que Divaldo Lara, com um adesivo de sua campanha colado ao peito, encontrou-se com o famoso empresário Luciano Hang, proprietário da grande rede de lojas Havan, que passa a fazer um discurso em prol dos recorridos e contra a campanha dos demais candidatos.

Pedindo redobradas vênias ao entendimento em sentido contrário, fazendo a análise do conteúdo do vídeo em questão, do contexto de sua divulgação e do momento sensível em que as eleições ocorreram, entendo que a conduta dos recorridos ultrapassou os limites de uma campanha igualitária em relação aos demais concorrentes do pleito.

Veja-se que, em sua fala, o candidato Divaldo Lara reporta-se a Luciano Hang referindo a existência de área “para levantar em pouco tempo uma Mega Havan em Bagé”, apontando que o empreendimento fornecerá 250 empregos aos cidadãos bageenses.

Ou seja, o candidato coloca-se em situação de desmedida vantagem em relação aos seus adversários devido à capacidade de gerar número específico de empregos em razão de sua associação ao proprietário de vultoso empreendimento privado.

A seguir, o empresário afirma que pretende instalar no local uma loja com quase dez mil metros quadrados e área de alimentação, e afirma que irá “somar com a cidade” mediante “desenvolvimento, trabalho, emprego, ótimos salários”, fazendo referência ao fato de que “a Havan tem 20.000 empregos diretos, 120.000 empregos indiretos”.

Reforçando a situação de vantagem do candidato da situação para com os demais adversários, Luciano Hang faz alusão às dificuldades econômicas enfrentadas naquele momento pela população, afirmando que “Nesse ano difícil de Corona vírus a Havan está distribuindo PPR programa de participação de resultados” mediante pagamento de “14º salário”.

E mais, Luciano foi expresso ao fazer pedido de não voto no candidato apontado em pesquisa eleitoral como o maior concorrente dos recorridos, vinculando seu pedido de votos a melhores salários caso os candidatos fossem eleitos.

Diante do conteúdo das afirmações do empresário, refleti sobre o histórico de ativismo político de Luciano Hang, invocado pela defesa e no precedente de Santa Rosa, e penso que essa circunstância não tem o condão de mitigar a abusividade da conduta, pois a proibição de influência abusiva do poder econômico nas eleições têm justamente a finalidade de impedir a conquista de votos da maneira como entabulada pelos recorridos, que se utilizaram de investimento privado altamente expressivo em termos patrimoniais para garantir a manutenção no poder, tornando quase impossível, ou no mínimo extremamente difícil, que outro candidato vencesse a eleição.

Num discurso de propaganda eleitoral, um candidato certamente pode enaltecer suas qualidades e se mostrar bem relacionado com pessoas que detêm determinada parcela de poder de modo a se apresentar ao eleitorado como o mais preparado ao cargo, mas o fato retratado nos autos passa muito longe de uma mera promoção pessoal.

Isso porque, no caso dos autos, a finalidade de atrelar o voto no candidato à construção da megaloja privada e à geração de empregos dela advinda foi explícita. O empresário relacionou o partido adversário ao desemprego, referindo que no governo antagonista houve perda de emprego, e que isso “é o que eles querem, eles querem a miséria, o sem emprego, pra poder segurar o cidadão pelo pescoço”.

A gravidade ganha especial relevo porque houve uma exploração nitidamente eleitoreira da empresa com a mera finalidade de aliciamento do eleitores, dado que a loja da Havan jamais foi instalada em Bagé, mesmo com a vitória de Divaldo Lara.

O condicionamento da realização do empreendimento privado ao voto dos eleitores no candidato Divaldo Lara foi óbvio e ululante, tendo o empresário explicado que só instalaria a empresa no município caso Divaldo fosse eleito.

Esse tom apelativo, de “não voto” nos candidatos adversários e em Mainardi, e de voto nos recorridos, foi de todo contundente, pois a manifestação do pensamento do empresário ultrapassou o limite da liberdade de expressão, com influência incontestável na intenção de voto pelo uso de seu poder econômico.

O empresário afirma que toda a sua abordagem sobre a instalação da empresa e geração de empregos só “depende da prefeitura”, “só depende de nós, depende de você, no dia 15 agora de novembro pelo amor de Deus não erra”.

Ou seja, o empresário é categórico ao afirmar que, em caso de vitória dos adversários, os eleitores perderiam as oportunidades de emprego que sua empresa poderia promover caso Divaldo fosse eleito, pois seu poder político no Executivo municipal era de todo determinante para a concessão da vantagem.

Tanto é assim que Luciano aponta, em tom dramático: “O cara quando vai lá e aperta a tecla desses vermelhos tem que pensar que está destruindo a família e o futuro dos seus filhos, não pode”, e fazendo referência a todos os demais candidatos que não são por ele apoiados, refere “o cidadão, o próprio empresário aqui de Bagé não pode apoiar outras pessoas, a gente tem que somar, unir pra vencer, então você lá que está com seu candidato com 5, 6 %, esquece, vai tudo num candidato".

Continuando o discurso abusivo, com inequívoco conhecimento sobre a influência do seu poder econômico nas eleições exaltado pela pandemia, o empresário segura o adesivo com o número 14, e pede, 4 dias antes do pleito, “dia 15 vote 14 (…) pra você não destruir a sua família e principalmente com o sonho dos seus filhos”.

Olhos postos nos autos, tenho que a situação perpassa o mero conteúdo de propaganda eleitoral, pois a associação da instalação do empreendimento e da geração de empregos ao voto específico no candidato Divaldo foi objetiva, direta, certeira.

Da forma como realizada a fala, com transmissão ao vivo no perfil de Facebook do Prefeito em exercício, em cenário de crise econômica de pandemia, com 146.000 visualizações, mais de 2.400 comentários e mais de 3.200 curtidas, entendo que a gravidade, marcada pelo alcance da postagem e do contexto em que realizada é inegável, não importando o fato de que no momento não havia a presença massiva de público.

A tese defensiva de que a divulgação foi diminuta e sem gravidade, porque a postagem estaria restrita aos seguidores da página de Divaldo, igualmente não se confirma, pois o perfil do Prefeito no Facebook estava disponível ao público durante a realização dos atos de campanha durante o pleito de 2020, não tendo sido comprovada a existência do alegado acesso restrito.

Não se trata de mero sugestionamento de voto por meio de manifestação de apoio albergada pela liberdade de expressão do pensamento, pois a vinculação do grande empreendimento à vitória do candidato apoiado pelo empresário é indiscutível e influi no transcurso normal e legítimo do processo eleitoral.

Devemos ter presente que na seara política não há benefício desinteressado, todos são maximizadores de seus próprios interesses. Em época de campanha, toda a generosidade é revertida em votos.

É notório que ao praticar tal abuso os recorridos conquistaram mais votos e prejudicaram de forma injusta e desigual a votação dos demais candidatos na eleição, mormente porque toda a campanha é vencida voto a voto, ainda mais se tratando de cidade do interior.

O interesse eleitoral e sua interferência na legitimidade do pleito sobressaem pulsantes, uma vez que houve ilegítimo auferimento de proveito eleitoral com a vantagem atrelada ao empreendimento privado, caso Divaldo Lara fosse eleito.

E se a disputa não foi legítima, a cassação é medida impositiva.

Considero não ser razoável ou proporcional tratar o fato como insignificante, sem relevo ou desprovido de repercussão social, sob pena de garantir-se a impunidade daqueles que se utilizam de grande parcela do poder econômico para alcançar maior número de votos no pleito.

Veja-se que esses elementos constituem exatamente a gravidade exigida pelo inciso XVI do art. 22 da LC 64/90 para a caracterização do abuso de poder, pois nas circunstâncias do caso concreto o fato apurado tem relevância jurídica no contexto da disputa eleitoral e é suficiente para gerar desequilíbrio na disputa eleitoral e causar manifesto prejuízo à lisura do processo eleitoral, com interferência na higidez e autenticidade das eleições pela influência do poder econômico e pelo exercício abusivo da função pública (AgR-REspe 1-93, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 12/2/2021).

Para a condenação, exige-se apenas que se extraia, do caderno probatório, a finalidade, a intenção de conquista do eleitorado em prejuízo da disputa justa entre os demais concorrentes, dado que não há vantagem despretensiosa em época de campanha.

Quanto ao abuso de poder político ou de autoridade, considero que a quebra do princípio da isonomia ou igualdade, que sobressai incontestável, ganha peso porque o Prefeito se valeu da ascendência de sua posição funcional e proximidade com o empresário para desequilibrar a eleição em benefício de sua candidatura.

No ponto, o ilustre Relator entendeu pela ausência de provas de que o encontro estava inserido na agenda oficial da Prefeitura Municipal, ou que tenha sido direta ou indiretamente custeado com recursos públicos ou efetuado por meio do uso de servidores públicos em jornada de trabalho.

A Procuradoria Regional Eleitoral, da mesma forma, entende que não houve abuso de poder político por parte de Divaldo Lara porque não há provas nos autos demonstrando a utilização de bens públicos para a realização e divulgação do ato.

Contudo, o TSE possui uma compreensão abrangente sobre o ilícito, apontando que o abuso de poder político também se dá por intermédio do desvio de finalidade eleitoreiro de prerrogativas de chefe do Executivo, não dependendo da comprovação de emprego de recursos patrimoniais públicos, sendo esse o caso dos autos (TSE - AIJE: 06008148520226000000, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE 01.08.2023).

Ademais, o próprio TSE entende que o abuso de poder político “só pode ser praticado por quem detém a condição de agente público e se vale de sua condição funcional para desequilibrar o prélio eleitoral” (Recurso Ordinário Eleitoral nº 060452427, Rel. Min. Raul Araujo Filho, DJE19/05/2023).

É preciso considerar que o próprio empresário, na presença do Prefeito, afirmou que o empreendimento somente seria realizado devido ao apoio da prefeitura e que, em governos geridos pelo PT, as lojas não eram instaladas. Além disso, foi expresso ao apontar que, se Divaldo não fosse eleito, haveria perda total do que estava sendo proposto.

O interesse público da lisura eleitoral (art. 23 da LC n. 64/90) não é mitigado pela falta de comprovação de que se tratou de evento oficial com uso de bens públicos, pois tanto o candidato à reeleição como o empresário fizeram expressa referência à posição política de Divaldo Lara, candidato da situação, ao benefício abusivo que estavam divulgando.

É preciso considerar que a exploração eleitoral de símbolos do Poder Público afeta bens impassíveis de serem estimados financeiramente e transmite sentidos perceptíveis pelo eleitorado que podem redundar em quebra de isonomia. Nesse aspecto, o abuso político se revela porque o candidato se valeu da sua posição de Prefeito – que é infungível – para obter vantagem eleitoral mediante promessa de instalação de empresa geradora de empregos somente em caso de sucesso na reeleição.

No caso, a promessa de instalação da Havan somente era factível por meio da presença e anuência do Prefeito Municipal que era igualmente candidato à reeleição e, nessa condição, usou de sua condição funcional para obter vantagem na campanha – sobretudo quando verificado que, de fato, a aludida empresa jamais se instalou no município (mesmo com o sucesso eleitoral do candidato).

Devido ao poder político que o Prefeito Municipal candidato à reeleição ostentava, tenho que não houve mero benefício com a prática de abuso de poder econômico, mas efetiva participação e anuência sobre a influência de seu poder político à frente da administração municipal no empreendimento. Divaldo Lara não apenas compareceu ao evento, sendo fundamental a sua atuação para corroborar a fala do empresário.

Ao examinar os conceitos que dominaram todas as discussões sobre o estudo da semiótica - teoria filosófica e científica que se ocupa de tudo o que carrega consigo algum sentido, que leva em conta os signos sob todas as formas e manifestações que assumem (linguísticas ou não) - Umberto Eco explica que a presença de signos e símbolos é determinante para a compreensão de seu conteúdo (Semiótica e filosofia da linguagem. São Paulo: Ática, 1991), sendo inegável que a Presença do Prefeito, enquanto símbolo da administração municipal, representava o apoio da Prefeitura às falas abusivas de Luciano Hang.

Naquele momento, não se diferenciou a posição de prefeito da posição de candidato. Tanto é assim que o cinegrafista se reporta a Divaldo dizendo “Prefeito, estamos ao vivo aqui no Facebook, fale pra nós sobre a chegada do empresário Luciano na cidade”, ao que Divaldo responde “Muito feliz com a chegada de Luciano e de toda essa comitiva, nós que já recebemos o Bolsonaro aqui, recebemos nosso governador, agora recebendo esse mega empresário aqui, agora com a área já adquirida para levantar em pouco tempo uma Mega Havan em Bagé, 250 empregos”.

De igual modo, Luciano Hang, ao se dirigir para Divaldo Lara, se pronuncia afirmando: “Olha, estou muito feliz, inclusive ao lado do Prefeito, dos empresários que são nossos parceiros aqui na entrada da cidade, BR-293, nós gostamos desse tipo de lugar, é amplo para nossa Estátua da Liberdade”.

Aqui relembro a lição de que “Abuso de poder de autoridade é todo ato emanado de pessoa que exerce cargo, emprego ou função que excede aos limites da legalidade ou de competência” (Zilio, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 5ª. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 558), e consigno que a conduta do prefeito extrapolou os limites da legalidade no âmbito da disputa eleitoral igualitária e isonômica.

Segundo o TSE: “Aquele que presencia atos tidos como abusivos e deixa a posição de simples expectador para, assumindo os riscos inerentes, participar diretamente do evento e potencializar a exposição da sua imagem não pode ser considerado mero beneficiário” (RESPE n. 34087, Rel. Min. Jorge Mussi, DJE 1.10.2019). A propósito:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. GOVERNADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO, DE AUTORIDADE E ECONÔMICO. CONDUTA VEDADA A AGENTES PÚBLICOS. PROVIMENTO PARCIAL. IMPOSIÇÃO DE MULTA.

Do abuso de poder político e econômico (art. 22 da LC 64/90), do abuso de autoridade (art. 74 da Lei 9.504/97) e das condutas vedadas a agentes públicos (art. 73, IV, VI, b, e § 10, da Lei 9.504/97).

1. Abuso de poder político configura-se quando agente público, valendo-se de condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, desequilibra disputa em benefício de sua candidatura ou de terceiros, ao passo que abuso de poder econômico caracteriza-se por emprego desproporcional de recursos patrimoniais, públicos ou privados, de forma a comprometer a legitimidade do pleito e a paridade de armas entre candidatos. Precedentes.

(…)

(Recurso Ordinário nº 378375, Acórdão, Relator(a) Min. Antonio Herman De Vasconcellos E Benjamin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 107, Data 06/06/2016, Página 9-10) – Grifei.

Com esse ponto de vista, concluo que a disputa não foi legítima e que, por todas essas razões, merece ser tratada como gravíssima, e justificadora da decretação da cassação e da sanção de inelegibilidade, pois reconheço, no fato analisado, a prática de abuso de poder político e econômico.

Observo, ainda, acerca do precedente do recurso AgR no AREspe 0600427-08.2020.6.24.0086, no qual, por maioria, o TSE, a partir do voto vencedor do Ministro Alexandre de Moraes na sessão de 4.5.2023, cassou os mandatos do prefeito e vice-prefeito de Brusque/SC, impondo a eles e ao empresário Luciano Hang a sanção de inelegibilidade, que a Corte Superior Eleitoral considerou na condenação, dentre outras práticas, a utilização das Lojas Havan de modo a “esvaziar” as candidaturas adversárias e a obter apoio aos candidatos apoiados pelo empresário, com sucessivas manifestações contrárias aos partidos tidos como de “esquerda”, acompanhadas de diversos pedidos de “não voto” em tais candidatos, e participação dos candidatos em vídeos, havendo, inclusive, live de apoio. Transcrevo a ementa:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE-PREFEITO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. INDEVIDA VINCULAÇÃO DE PESSOA JURÍDICA À CAMPANHA ELEITORAL. COMPORTAMENTOS SUCESSIVOS DESAUTORIZADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 4.560. ILÍCITO CONFIGURADO. SUBSTANCIAL TRANSGRESSÃO À IGUALDADE DE CHANCES ENTRE OS CANDIDATOS. GRAVIDADE DEMONSTRADA. PROCEDÊNCIA DA AIJE. ART. 22, XIV, DA LC 64/90. RECONHECIMENTO DA INELEGIBILIDADE. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.

1. A ordem constitucional vigente, considerando entendimento firmado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no julgamento da ADI 4.650, revela-se absolutamente hostil à participação de pessoas jurídicas no processo eleitoral, de modo a inibir que a formação da vontade popular e o resultado das eleições sofram indevida influência do poder econômico decorrente da atuação de entes empresarias.

2. Na relação entre o poder econômico e a preservação da regularidade do processo democrático, "o grande desafio da Democracia representativa é fortalecer os mecanismos de controle em relação aos diversos grupos de pressão, não autorizando o fortalecimento dos ‘atos invisíveis de poder’, que tenham condições econômicas de desequilibrar o resultado das eleições e da gestão governamental” (ADI 5.394, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Pleno, DJe de 18/2/2019).

3. A orientação jurisprudencial do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL é firme no sentido de que "a caracterização do abuso do poder econômico resulta do excesso de aproveitamento da capacidade de geração de riqueza, apto a desequilibrar o pleito eleitoral, em benefício de candidato” (RO 0603902-35, Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, DJe de 12/11/2020).

4. Caso concreto em que, a partir da sucessão de comportamentos atribuídos, verifica-se a existência de modus operandi comum nas redes sociais, iniciado no período crítico de campanha, que, por meio do emprego de logomargas e da estrutura das lojas Havan, evidencia uma estável atuação da pessoa jurídica no processo eleitoral, tendo em vista a participação na estratégia organizada visando a "esvaziar" as candidaturas adversárias e a obter apoios aos candidatos Recorridos.

5. A possibilidade de empresários, tal como qualquer cidadão, participarem da disputa eleitoral e manifestarem apoio a candidatos não autoriza que o legítimo exercício da liberdade de expressão se converta na atuação dos próprios entes empresariais na campanha eleitoral.

6. A plena possibilidade jurídico-constitucional de empresários apoiarem candidatos não pode confundir-se com a prática de reiterados comportamentos - revestidos de ilicitude - que, por meio de ostensiva utilização de logomarca, estrutura e/ou funcionário, culmine por estabelecer nítido vínculo associativo entre pessoas jurídicas e determinados candidatos.

7. Autorizar que empresas e candidaturas estabeleçam, durante a campanha, íntima e estável vinculação, com exploração, perante o eleitorado, do poder econômico de que dispõem os entes empresariais, significa repristinar, por via oblíqua, o modelo que precedeu o julgamento da ADI 4.650, subvertendo a ordem constitucional e, consequentemente, tornando o processo eleitoral suscetível a sofrer interferências do poder econômico, em claro prejuízo à igualdade de chances entre os candidatos.

8. Os comportamentos retratados nos autos revelam evidente situação do abuso do poder econômico, modo que a transgressão à jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, representada pela utilização da estrutura das Lojas Havan na campanha eleitoral, legitima a formulação de acentuado juízo de reprovabilidade, considerando a substancial violação aos bens jurídicos tutelados pelas normas que regem o processo eleitoral, notadamente no que se refere à igualdade entre os participantes do pleito.

9. Agravo Regimental provido, para DAR PROVIMENTO ao Recurso Especial, a fim de julgar procedente a AIJE e, em consequência: i) reconhecer a inelegibilidade de todos os Recorridos para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes ao pleito de 2020; ii) determinar a cassação dos diplomas do Prefeito e Vice-Prefeito do município de Brusque/SC, com comunicação ao TRE/SC para imediato cumprimento.

(TSE - REspEl: 060042708 BRUSQUE - SC, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Data de Julgamento: 04/05/2023, Data de Publicação: 26/06/2023)

No julgamento, o TSE considerou que “não se revela viável conferir legitimidade jurídico-constitucional a associações indevidas, notadamente àquelas ocorridas no período crítico de campanha, entre candidatos e pessoas jurídicas, tendo em vista a circunstância de que tal comportamento, em nítida manifestação abusiva de interferência do abuso do poder nas eleições, constitui clara transgressão à vedação à participação de tais entes na campanha eleitoral estabelecida pela legislação vigente, bem como à orientação jurisprudencial que a SUPREMA CORTE firmou sobre a matéria”.

Consta do acórdão que o Supremo Tribunal Federal, a partir dos princípios constitucionais norteadores do processo político e da legitimidade das eleições, estabeleceu clara diretriz interpretativa a repeito da atuação de pessoas jurídicas nas campanhas eleitorais a fim de proibir o abuso do poder econômico, e que por conta disso há não apenas vedação à doação por pessoas jurídicas, mas, também, claro posicionamento que direciona a restringir a participação de empresas no processo eleitoral com o intuito de proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico.

Tal objetivo, de acordo com o TSE “significa, pois, impedir que o resultado das eleições seja norteado pela lógica do dinheiro e garantir que o valor político das ideias apresentadas pelo candidato não dependa do valor econômico do vetor comunicacional que as veicula” (ADI 4.650, Rel. Min. LUIZ FUX, voto Min. JOAQUIM BARBOSA, Pleno, DJe de 24/2/2016).

Ao ressaltar que “a caracterização do abuso do poder econômico resulta do excesso de aproveitamento da capacidade de geração de riqueza, apto a desequilibrar o pleito eleitoral, em benefício de candidato” (RO 0603902-35, Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, DJe de 12/11/2020 e AgR-REspe 0600229-61, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, julgado em 17/3/2022), o TSE ponderou que não se trata de impor limitações à livre manifestação de pensamento em decorrência da circunstância objetiva de determinado cidadão ser um empresário.

Porém, esclareceu que “a possibilidade de empresários, tal como qualquer cidadão, participarem da disputa eleitoral e manifestarem apoio a candidatos não autoriza que o legítimo exercício da liberdade de expressão se converta na atuação ativa da própria pessoa jurídica na campanha eleitoral”, sendo essa a hipótese dos autos.

Embora os fatos ora analisados sejam diversos daqueles tratados no precedente de Brusque, entendo que no caso dos presentes autos houve abusiva utilização do poder econômico da pessoa jurídica Loja Havan e de seu proprietário para favorecer as candidaturas dos recorridos, o que equivale a uma atuação da empresa de forma ativa e ostensiva no cenário eleitoral de Bagé de modo a alavancar a candidatura dos recorridos.

Em conclusão, com as mais respeitosas vênias ao entendimento contrário, entendo que o fato caracteriza abuso de poder político e econômico com gravidade e relevância suficiente para ferir a legitimidade da eleição majoritária de Bagé.

Por tudo o que dos autos consta, reconheço a incidência das penalidades previstas no inciso XIV do art. 22 da LC n. 64/90, razão pela qual os recorridos, Divaldo Vieira Lara, Mario Mena Abunader Kalil, merecem ser condenados à pena de cassação do diploma de candidatos eleitos.

Reconheço, também, para Divaldo Vieira Lara e Luciano Hang, a incidência da inelegibilidade sanção, prevista no inciso XIV do art. 22 da LC n. 64/90, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes ao pleito de 2020.

O candidato a vice-prefeito Mario Mena Abunader Kalil segue alcançado pela sanção de cassação do diploma por força do princípio da indivisibilidade da chapa majoritária, previsto no art. 91 do Código Eleitoral: “O registro de candidatos a Presidente e Vice-Presidente, Governador e Vice-Governador, ou Prefeito e Vice-Prefeito, far-se-á sempre em chapa única e indivisível, ainda que resulte a indicação de aliança de partidos”.

Todavia, não há nos autos elemento algum a demonstrar tenha o candidato a vice-prefeito participado ativamente do episódio narrado, razão pela qual não deve sofrer as demais penalidades aplicáveis ao cabeça da chapa, conforme também entende a Procuradoria Regional Eleitoral:

Quanto à responsabilidade pelo abuso de poder econômico, esta recai diretamente sobre o investigado Luciano Hang, pois decorre das afirmações feitas por ele, dirigidas à população de Bagé. Contudo, o candidato à reeleição Divaldo Vieira Lara também deve ser considerado responsável pelo ilícito, pois, além de participar dos atos, divulgou o vídeo de Luciano Hang acima referido no seu perfil pessoal de campanha no Facebook, angariando vantagem política em decorrência de tal fato.

Ademais, está evidente que Divaldo articulou-se com Luciano Hang para, valendo-se do poder econômico deste, anunciar benesses condicionadas ao resultado eleitoral, criando estados mentais nos eleitores para que associassem a vitória do seu adversário político à perda de investimentos que o empresário afirmava que levaria para a cidade. Esclarecedor, nesse sentido, é o fato de que em nenhum momento Divaldo interrompeu o discurso de Luciano Hang para impedi que tal associação ocorresse, de forma que foi conivente com o abuso de poder econômico praticado, com o claro intuito de se beneficiar no resultado do pleito.

Por outro lado, não vislumbramos responsabilidade por parte do candidato a Vice-Prefeito, Mario Mena Kalil, uma vez que não está demonstrada sua participação nos fatos. A propósito, a própria petição inicial refere que sua inclusão no polo passivo do feito deve-se ao pedido de cassação de diploma, considerando a indivisibilidade da chapa.

Destarte, encontra-se bem demonstrada a ocorrência de abuso de poder econômico, nas eleições de 2020, no município de Bagé/RS, praticado pelo investigado Luciano Hang em conjunto com o investigado Divaldo Vieira Lara, em benefício da chapa à eleição majoritária encabeçada por este último, estando os candidatos investigados sujeitos à cassação do diploma e os investigados Luciano Hang e Divaldo Vieira Lara à sanção de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que verificado o abuso de poder econômico, nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/90 c/c o art. 14, § 9º, da Constituição da República.

Como consequência das condenações impostas, determino sejam realizadas novas eleições suplementares no Município de Bagé, na forma do art. 224 do Código Eleitoral, consignando que, de acordo com o entendimento firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral, essa determinação não fica condicionada ao trânsito em julgado do acórdão, cabendo a esta Corte adotar as providências necessárias para o novo pleito (TSE, ED em RESPE n. 22232, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, Publicado em Sessão, 06.12.2016).

ANTE O EXPOSTO, acompanho o Relator no acolhimento da preliminar de preclusão em relação ao fato envolvendo o então Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, e de afastamento do pedido de formação de litisconsórcio passivo entre os investigados e o Chefe do Executivo Federal, julgo extinto o feito sem resolução do mérito em relação à recorrida Coligação Bagé, Orgulho do Brasil, com fundamento no art. 485, inc. VI, do CPC, e no mérito VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto, reconhecendo a prática de abuso de poder político e econômico, para o fim de:

a) cassar os diplomas expedidos a DIVALDO VIEIRA LARA e MARIO MENA ABUNADER KALIL;

b) declarar a inelegibilidade de DIVALDO VIEIRA LARA e de LUCIANO HANG para os oito anos seguintes à eleição municipal de 2020;

c) determinar a realização de novas eleições no Município de Bagé, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral, e de resolução a ser aprovada por este Tribunal;

d) determinar, após publicado o acórdão, a comunicação da Zona Eleitoral para imediato cumprimento, mediante afastamento imediato de DIVALDO VIEIRA LARA e de MARIO MENA ABUNADER KALIL dos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito de Bagé, assumindo o comando do Executivo municipal o presidente da Câmara de Vereadores;

e) considerar prequestionada toda a matéria de defesa invocada nos autos, a fim de facilitar o acesso à instância recursal;

f) determinar o registro das condenações nos sistemas pertinentes.