REl - 0600021-92.2023.6.21.0044 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/11/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e, presentes todos os pressupostos de admissibilidade, está a merecer conhecimento.

À análise.

O argumento central do recorrente é, em resumo, que “a ação de querela nullitatis tem serventia jurídica de permitir a declaração de ineficácia de decisão proferida em processo judicial eivado de defeito grave, denominado vício transrescisório pela doutrina processual”.

Destaca, ainda, que “o fato em torno da ausência de procuração nos autos dos processos de prestação de contas deixou de ser causa para o julgamento de 'não prestadas', com a revogação do § 3º, do art. 74, da Resolução nº 23.607/2019 do TSE”.

O recurso não prospera, adianto, conforme bem explicitado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral. Andou bem a sentença ao reconhecer ausência de interesse processual – notadamente a inadequada via para impugnar - extemporaneamente - a sentença que julgou não prestadas as suas contas, alegando revogação do § 3º do art. 74 da Resolução TSE n. 23.607/19, não merecendo reparo a indicação do art. 485, inc. I, do Código de Processo Civil.

A querela nullitatis é frequentemente usada quando há alegações de vícios ou irregularidades graves em uma decisão judicial, resultando em sua nulidade, o que não é o caso dos autos. Trata-se de medida altamente excepcional, somente apta a desconstituir o trânsito em julgado em hipóteses específicas, segundo o pacífico entendimento do e. Tribunal Superior Eleitoral.

De fato, o TSE, no julgamento da Instrução n. 0600749-95/DF, Relator Ministro Edson Fachin, DJe de 23.12.2021, alterou a Resolução TSE n. 23.607/19, revogando o § 3º do art. 74, o qual estabelecia o julgamento de contas como não prestadas, na hipótese de ausência do instrumento de mandato para constituição de advogado. Ocorreu mudança de posicionamento, o qual não tem o condão de possibilitar nova visita a decisões transitadas em julgado, obviamente.

Assim, revela-se absolutamente inviável o manejo da querela nullitatis quando inexistente vício transrescisório, uma vez que a presente demanda está amparada em revogação de artigo que surgiu depois da coisa julgada, sendo que a decisão da Corte Superior alterou a resolução, mas não declarou, por exemplo, inconstitucional o comando revogado e, igualmente, não indicou aplicação retroativa. Nesse sentido, destaco o seguinte precedente do TSE:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. JULGAMENTO DAS CONTAS COMO NÃO PRESTADAS. AUSÊNCIA DE REGULARIZAÇÃO PROCESSUAL TEMPESTIVA. JURISPRUDÊNCIA DO TSE. PROVIMENTO DO AGRAVO E DO RECURSO ESPECIAL. 1. O Juízo de primeiro grau julgou não prestadas as contas de campanha do candidato por ausência de regularização processual tempestiva. 2. Por ocasião do julgamento da Instrução nº 0600749-95/DF, esta Corte Superior aprovou a alteração da Res.-TSE nº 23.607/2019 e revogou o § 3º do art. 74 da referida norma, que impunha o julgamento das contas como não prestadas na hipótese de ausência de procuração outorgando os devidos poderes ao patrono do candidato, passando a prevalecer o entendimento de que a ausência de instrumento de mandato não pode representar, por si só, a não prestação de contas. 3. Este Tribunal firmou a compreensão de que os termos do novo regramento administrativo devem ser aplicados de forma retroativa aos feitos de 2020, notadamente na hipótese em que o vício na representação processual é sanado ainda nas instâncias ordinárias, como ocorreu na espécie. 4. Agravo e recurso especial providos, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que, afastada a irregularidade da representação processual, sejam julgadas as contas do candidato.

(Ac. de 12.8.2022 no AREspEl nº 060050681, rel. Min. Mauro Campbell Marques.) grifei

 

Nessa linha se dá, igualmente, o posicionamento do Procurador Regional Eleitoral (ID 45475039), em trecho que transcrevo e adoto, expressamente, como razões de decidir:

Com efeito, toda a argumentação apresentada no recurso diz respeito à necessidade de rever o fundamento da decisão que julgou as contas não prestadas. Ou seja, o recorrente não sustenta que o processo correu à sua revelia, sem que tenha sido citado validamente, mas que a sentença se valeu de um fundamento que, atualmente, não mais é capaz de sustentar a conclusão a que chegou o Juízo. No direito processual eleitoral, conforme ensina Frederico Franco Alvim (Curso de Direito Eleitoral. 2ª. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 54-55, apud REL nº 0600021-66.2022.6.21.0161), vigora o princípio da tipicidade das ações eleitorais, o que afasta a pretensão do recorrente: o arcabouço legislativo eleitoral estabelece um rol numerus clausus de instrumentos passíveis de ser invocados, cada qual com as suas especificidades. No campo em estudo, em princípio, inadmite-se o ajuizamento de ações genéricas (ou ordinárias), de modo que o controle jurisdicional da regularidade dos pleitos eletivos somente se exerce nos estritos termos das fórmulas processuais constantes do catálogo normativo. Assim, de acordo com o TSE, Não há como se admitir ilimitado Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 800 - Fone (51) 3216-2000 CEP 90010-395 – Porto Alegre/RS - http://www.prers.mpf.mp.br 4/5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL NO RIO GRANDE DO SUL exercício do direito de ação na Justiça Eleitoral porque isso implicaria a insegurança dos pleitos, comprometendo o processo eleitoral como um todo, também regido por normas constitucionais, que atendem ao interesse público, daí decorrendo a tipicidade dos meios de impugnação que vigora nesta Justiça Especializada. (AAG 4598/PI. DJ,13.08.05) De todo modo, convém salientar que o recorrente tinha conhecimento do processo de prestação de contas nº 0600463- 63.2020.621.0044, no âmbito do qual foi citado pessoalmente e intimado, da mesma forma, da prolação da sentença (ID’s 107030736 e 108865033 dos autos nº 0600463-63.2020.621.0044), uma vez constatada a ausência do instrumento de mandato. Não há nulidade na citação do prestador e, com isso, os pressupostos processuais de existência estão presentes, devendo-se afastar o cabimento da ação anulatória.

 

Nesses termos, e na linha de entendimento da d. Procuradoria Regional Eleitoral, deve ser mantida a decisão recorrida.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.