AJDesCargEle - 0600037-81.2023.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/11/2023 às 14:00

VOTO

Eminentes colegas,

JONAS DALAGNA DE OLIVEIRA, vereador eleito nas Eleições 2020 pelo Partido NOVO no Município de Canoas-RS, ajuizou Ação de Justificação de Desfiliação Partidária, com fundamento no não atingimento, pela agremiação, da cláusula de desempenho nas Eleições 2022 (§ 5º do art. 17 da Constituição Federal), na ocorrência de grave discriminação política pessoal (art. 22-A, inc. II, da Lei n. 9.096/95) e na mudança substancial do programa partidário (art. 22-A, inc. I, da Lei n. 9.096/95).

Inicialmente, registro que a agremiação não apresentou defesa e não constituiu representante nos autos. Ainda que os prazos processuais contra o demandado devam ser contados a partir da publicação das decisões no Diário de Justiça Eletrônico, é de se considerar que o art. 345, inc. II, do Código de Processo Civil estabelece que a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor  não produz efeitos se o litígio versar sobre direitos indisponíveis. Em relação aos temas fidelidade partidária e pertencimento de mandatos, José Jairo Gomes bem coloca que “Trata-se, por óbvio, de direito indisponível. Embora possa ser objeto de renúncia, o mandato não pode ser disposto livremente pelo seu titular, como se fosse um produto no mercado de consumo” (Direito Eleitoral, 14 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018, p. 143).

Sob tal prisma devem, então, ser analisados os argumentos contidos na inicial.

Antes de analisar cada um dos pedidos, retomo que o “instituto da fidelidade partidária, vinculando o candidato eleito ao partido, passou a vigorar a partir da resposta do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta n. 1.398, em 27 de março de 2007” (STF, MS 26602, Relator Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 04.10.2007), sendo aplicável aos mandatos obtidos no sistema proporcional.

Nesse sentido, foi editada a Resolução TSE n. 22.610/07, na qual constam as previsões acerca do processamento das ações da espécie. As hipóteses de justa causa para desfiliação partidária que originalmente estavam previstas na mencionada resolução foram superadas com a publicação da Lei n. 13.165/15, que inseriu o art. 22-A na Lei n. 9.096/95 e passou a reger a matéria.

O referido artigo prevê a perda do mandato do detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito, salvo nos casos de mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário (inc. I); grave discriminação política pessoal (inc. II); e mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente (inc. III).

A relevância que adquiriu a questão da fidelidade partidária é evidenciada por sua inclusão em normas que foram editadas desde sua regulamentação pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Após a edição da já indicada Lei n. 13.165/15, em 2017, a Emenda Constitucional n. 97 acrescentou o § 5º ao art. 17 da Constituição Federal, prevendo que, ao eleito por partido que não preencher os requisitos impostos na cláusula de barreira, “é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os tenha atingido”.

Em 2021, a Emenda Constitucional n. 111 veio estabelecer nova hipótese de justa causa, a anuência do partido. Ficou estabelecido que os “Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei”.

Finalmente, ainda em 2021, foi publicada a Lei n. 14.208/21, que inseriu dispositivo na Lei dos Partidos Políticos para estabelecer que “Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, de partido que integra federação” (art. 11-A, § 9º).

Na hipótese, o autor afirma a existência de três hipóteses de justa causa, o que se passa a averiguar.

 

1 - Da hipótese de justa causa constitucional – art. 17, § 5º

Conforme relatado pelo autor, o NOVO não atingiu a cláusula de desempenho nas Eleições 2022, o que é demonstrado pela juntada aos autos do ANEXO III da Portaria TSE n. 10, de 12 de janeiro de 2023 (45417972 - Pág. 4).

Como se sabe, a Emenda Constitucional n. 97/17 estabeleceu condições para que os partidos políticos registrados no país tenham acesso aos recursos do Fundo Partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão a partir das Eleições 2018. Ao inserir o § 5º no art. 17 da Constituição da República, a mencionada emenda também estabeleceu que, ao “eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão”.

Assim, o autor, eleito pelo NOVO nas Eleições 2020, vem requerer a declaração da justa causa para desfiliação, a fim de garantir seu mandato de vereador.

Pois bem.

Embora o Tribunal Superior Eleitoral tenha sido provocado a se manifestar sobre a aplicabilidade da permissão constitucional aos vereadores (Consultas n. 0601755-74 e 0601975-72) ainda em 2018, aquela Corte não firmou posicionamento sobre o tema até o momento.

Este Tribunal Regional Eleitoral, no entanto, em julgamento ocorrido em 03 de agosto de 2023, sob a relatoria da Desa. Eleitoral Elaine Maria Canto da Fonseca, decidiu que o “texto constitucional não impôs qualquer exigência de justificativa para reconhecer a justa causa, tampouco estabeleceu termo para que os titulares do direito nele veiculado possam ingressar em juízo, para obter seu reconhecimento”.

Reproduzo a ementa que sintetiza o julgado:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. VEREADORES. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DEFERIMENTO. INEXISTÊNCIA DE DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE A PERDA DO MANDATO SER OBJETO DA DISCIPLINA ESTATUTÁRIA. PARTIDO QUE NÃO ATINGIU A CLÁUSULA DE BARREIRA. HIPÓTESE PREVISTA NO ART. 17, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DESNECESSIDADE DE JUSTIFICATIVA ADICIONAL. DEMONSTRADOS OS REQUISITOS CONSTITUCIONAIS PARA A MIGRAÇÃO. EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A DESFILIAÇÃO. PROCEDÊNCIA.

1. Ação declaratória de justa causa para desfiliação partidária proposta por vereadores, com fundamento no art. 17, § 5º, da Constituição Federal, o qual estabeleceu nova hipótese de justa causa para a desfiliação partidária, baseada no não atingimento da chamada “cláusula de desempenho” pelos partidos políticos, prevista no § 3º do mesmo dispositivo constitucional. Tutela antecipatória deferida.

2. Ação que visa lastrear os pedidos de desfiliação com base no regramento contido na Resolução TSE n. 22.610/17 e no art. 17 da CF, modificado pela Emenda Constitucional n. 97/17. Partido que não alcançou a cláusula de barreira, requisito necessário para garantir à agremiação o acesso ao Fundo Partidário e à divulgação gratuita em rádio e televisão.

3. Verificado, quando da análise do pedido de tutela de urgência, que os fatos em evidência guardam perfeita correlação com o normativo constitucional mencionado, uma vez que seu texto é expresso e objetivo, ao prever que, ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3 º do mencionado dispositivo, é assegurado o cargo eletivo e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro que os tenha atingido. Essas, portanto, as únicas condições exigidas pelo texto constitucional, para se falar em justa causa para desfiliação partidária. O texto constitucional não impôs qualquer exigência de justificativa para reconhecer a justa causa, tampouco estabeleceu termo para que os titulares do direito nele veiculado possam ingressar em juízo, para obter seu reconhecimento. Preenchido o critério legal para desfiliação sob a égide da norma prescrita no art. 17 da Constituição Federal.

4. Inexistência de decadência. O regramento constitucional não encerra termo para a desfiliação do parlamentar. De seu turno, o art. 1º, § 2º, da Resolução TSE n. 22.610/07, corresponde ao prazo para que o partido formule requerimento, visando à manutenção do mandato para a sigla. Nestes termos, manifesta a tempestividade da ação.

5. Regras estatutárias. A relação institucional com o parlamento, com a consequência jurídica da perda do mandato por efeito de infidelidade partidária, não pode ser objeto da disciplina estatutária de partido político, sob pena de atrair sobre o caso o manto da incerteza jurídica, na medida em que cada agremiação poderia disciplinar a matéria de forma diversa.

6. Procedência. Reconhecida a existência de justa causa para a desfiliação partidária.

(AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA/PERDA DE CARGO ELETIVO n. 060007071, Acórdão, Relatora Des. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 143, Data 07.08.2023.)

 

Penso ser o caso de prestigiar tal precedente, também levando em conta o disposto no art. 926 do Código de Processo Civil, que é lei processual geral, portanto aplicável ao caso, e que determina que os “tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.

Nessa linha, e considerando que o autor foi eleito em 2020 por partido que, na ocasião, tinha atingido a cláusula de barreira (https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/prt/2019/portaria-no-48-de-25-de-janeiro-de-2019) e que, nas Eleições 2022, a agremiação não preencheu os requisitos do § 3º do art. 17 de Constituição, estão atendidas as condições necessárias para a procedência do pedido e a confirmação da liminar deferida, com a observação de que filiação posterior do autor deva se dar em agremiação que tenha atingido os índices de desempenho.

Isso porque a autorização para desfiliação do partido demandado deve ser acompanhada de determinação para que o autor providencie sua imediata filiação a outra agremiação que tenha atingido os índices de desempenho previstos na emenda constitucional.

Nessa linha, colho do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, de lavra do Dr. José Osmar Pumes (ID 45532182):

Diante disso, tem-se como preenchidos os requisitos necessários ao deferimento da desfiliação postulada, pois o texto constitucional suscitado é expresso e objetivo, assegurando o cargo ao eleito e facultando a este a filiação, sem perda do mandato, a outra agremiação que os tenha atingido, não exigindo nenhuma outra justificativa nem estabelecendo termo para que os titulares do direito nele veiculado ingressem em juízo para obter o reconhecimento da justa causa.

Assim, sem necessidade de apreciação das demais alegações contidas na inicial, referentes à grave discriminação pessoal e à mudança substancial no estatuto do Partido NOVO, tem-se que a situação dos autos amolda-se perfeitamente ao regramento trazido pelos §§ 3º e 5º da EC nº 97/2017, motivo pelo qual deve ser reconhecida ao autor a existência de justa causa para sua desfiliação partidária sem a perda do mandato, desde que sua filiação posterior se dê a uma agremiação que tenha atingido os índices de desempenho previstos pela Constituição Federal.

 

Como bem observado pelo digníssimo Procurador Regional Eleitoral, o texto constitucional é expresso em relação à necessidade de filiação do trânsfuga a partido que tenha atingido a cláusula de barreira, exigência que deve ser observada pelo autor.

Nesse sentido vem se posicionando este Tribunal Regional Eleitoral, podendo ser indicado, ilustrativamente, o julgado na Ação de Justificação de Desfiliação Partidária n. 0600043-88.2023.6.21.0000, de relatoria da Desa. Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA. VEREADOR. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA INDEFERIDO. ART. 17, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRELIMINAR. DECADÊNCIA. NÃO RECONHECIMENTO. MÉRITO. DEMONSTRADOS OS REQUISITOS LEGAIS. CONDIÇÃO DE ELEITO DO REQUERENTE. NÃO ATINGIMENTO PELO PARTIDO DA “CLÁUSULA DE DESEMPENHO”. ALEGAÇÕES DEFENSIVAS. NORMA INTERNA DA LEGENDA SEM HIERARQUIA SOBRE O TEXTO CONSTITUCIONAL. DESFILIAÇÃO NO PERÍODO DE “JANELA PARTIDÁRIA”. RECONHECIDA A JUSTA CAUSA. AUTORIZADA A DESFILIAÇÃO SEM PERDA DO MANDATO. IMEDIATA FILIAÇÃO A OUTRO PARTIDO QUE TENHA ATINGIDO OS ÍNDICES DE DESEMPENHO. PROCEDÊNCIA.

[...]

6. A faculdade mencionada pelo § 5º do art. 17 da CF reside na discricionariedade conferida ao detentor do mandato eletivo em permanecer no partido político que não alcançou os requisitos da cláusula de barreira ou migrar para outra agremiação partidária que tenha atingido tais requisitos, e não na possibilidade de, após a desfiliação do partido originário, manter–se sem vínculos com qualquer agremiação, o que permitiria a existência de detentor de mandato eletivo proporcional sem vinculação partidária. Reconhecida a justa causa. Autorizada a desfiliação postulada, sem perda do mandato, condicionada à imediata filiação a outra agremiação partidária que tenha atingido os índices de desempenho previstos no texto constitucional.

7. Procedência.

(AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA/PERDA DE CARGO ELETIVO n. 060004388, Acórdão, Relatora Des. Patricia Da Silveira Oliveira, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 174, Data 22.09.2023.)

 

Logo, estando preenchidos os requisitos constitucionais do art. 17, § 5º, da Constituição Federal, é de se autorizar a desfiliação postulada, sem perda do mandato, condicionada à imediata filiação a outra agremiação partidária que tenha atingido os índices de desempenho previstos no texto constitucional.

 

2 - Da grave discriminação política pessoal (art. 22-A, inc. II, da Lei n. 9.096/95)

Na inicial, o autor também afirma estar sendo submetido a grave discriminação, “inclusive com a tramitação de processo ético em que é postulado a sua expulsão da agremiação; a suspensão liminar de sua filiação; e o vazamento de notícias caluniosas à imprensa por parte de filiados com poder de mando no partido”.

Sobre a hipótese do art. 22-A, inc. II, da Lei n. 9.096/95, Rodrigo López Zilio ensina que a “discriminação ocorre quando há um tratamento diferenciado em relação aos demais filiados, de modo a causar constrangimento ou expor determinada situação de desigualdade”. O doutrinador também acrescenta que “deve ser grave, ou seja, relevante, intensa, denotando reflexos negativos na manutenção do status quo do filiado” (Direito Eleitoral – 6. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2018, pp. 138-139).

O Tribunal Superior Eleitoral, na mesma linha, fixou que “Meras divergências partidárias, incluindo eventual falta de apoio político para candidatura em pleito vindouro, não evidenciam por si só grave discriminação pessoal, sendo necessária efetiva prova de claro desprestígio ou de afastamento do mandatário do convívio interno da grei” (Recurso Ordinário Eleitoral n. 060003494, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 229, Data 13.12.2021).

Ainda, "a hipótese de discriminação pessoal que caracteriza justa causa para a desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de afastar o mandatário do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição" (REspe 0600207–67, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 7.5.2020). Na mesma linha: REspe 1153–17, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 31.10.2016; Pet 581–84, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 1º.7.2016).

No caso dos autos, foram juntados documentos demonstrando que o autor foi notificado da abertura de processo administrativo disciplinar em seu desfavor e que, “em face da gravidade do fato denunciado e do risco de danos à imagem do partido” foi determinada “a suspensão liminar de sua filiação”. O mesmo documento, enviado em 15.02.2023, ressaltou que o “processo é sigiloso, de molde a resguardar a intimidade de Vossa Senhoria, devendo todos os órgãos partidários zelar pelo seu sigilo” (004/2023 - ID 45417973).

As denúncias que deram origem ao processo disciplinar descrevem o afastamento das rotinas de acompanhamento do mandato, “crescentes sinais de atuação parlamentar desalinhada com o partido”, atuações parlamentares questionáveis e suspeitas de peculato envolvendo as últimas contratações feitas pelo gabinete. Também é relatado que o mandatário não teria respondido às solicitações de reunião para acompanhamento do mandato e que não estaria preenchendo mensalmente informações sobre “gastos, economias, justificativas de votações, presença e apresentação dos projetos protocolados” para serem disponibilizadas ao público em https://espaco-novo.novo.org.br/dam/gastos/. No entanto, a própria denúncia menciona respostas recebidas do denunciado. São questionados também os critérios utilizados para a contratação de assessores para o gabinete, já que não teria sido observada a realização de processo seletivo (ID 45417973).

Apesar da expressa menção ao sigilo do processo, no dia seguinte ao envio do e-mail, foi publicada nota na imprensa (gauchazh.clicrbs.com.br) expondo a situação do autor.

Colho da notícia o seguinte trecho (ID 45417974):

SOB SUSPEITA/NOTÍCIA

Partido Novo suspende filiação de vereador de Canoas

Jonas Dalagna é alvo de denúncias que estão sendo analisadas pela comissão de ética do partido

16/02/2023 - 17h13min

Atualizada em 16/02/2023 – 18h44min

O vereador de Canoas Jonas Dalagna teve a filiação ao Partido Novo suspensa nesta semana, por decisão da Comissão de Ética Partidária (CEP). A decisão foi anunciada na quarta-feira (15). Em nota, o partido informou que recebeu "graves denúncias" sobre o mandato de Dalagna e solicitou esclarecimentos ao vereador, "que não foram atendidos adequadamente".

"O Novo exige ética, transparência e integridade em todos os mandatos, sem tolerância para condutas que vão contra esses valores. Todos os fatos serão devidamente apurados para que medidas necessárias sejam tomadas", salienta o comunicado.

Embora o Novo não confirme oficialmente, as denúncias dizem respeito a uma suposta prática de peculato, conhecida como "rachadinha", no gabinete do parlamentar.

Em nota, Dalagna afirma que prestará esclarecimentos ao partido e acusa o ex-deputado Fábio Ostermann de "fazer alegações caluniosas e difamatórias" sobre sua atuação.

"Ressalto que todos os esclarecimentos serão prestados dentro da Comissão de Ética Partidária, e as graves acusações feitas pelo ex-deputado serão tratadas dentro dos meios legais", diz a nota.

O comunicado menciona Ostermann em razão do vazamento de mensagem enviada pelo ex-deputado a um grupo de filiados do Novo em que são citadas as acusações às quais o vereador responde internamente.

Também em nota, Ostermann afirmou que sente-se no dever de trazer a público os "fatos graves" dos quais teve conhecimento.

"Lamento que tenhamos que passar por esse tipo de situação no Partido Novo, mas acredito que a forma célere como se está tratando o caso deixa um sinal muito claro de que aqui esse tipo de desvio não será permitido", diz o ex-deputado.

Leia a nota emitida pelo Novo

"A Comissão de Ética Partidária (CEP) do Partido Novo decidiu nesta semana pela suspensão liminar da filiação do vereador de Canoas, Jonas Dalagna. Foram recebidas graves denúncias sobre seu mandato e solicitados esclarecimentos ao vereador, que não foram atendidos adequadamente. Será garantido direito à ampla defesa no processo disciplinar aberto contra ele.

O Novo exige ética, transparência e integridade em todos os mandatos, sem tolerância para condutas que vão contra esses valores. Todos os fatos serão devidamente apurados para que medidas necessárias sejam tomadas.

Bernardo Henrique Howes

Presidente Estadual do Novo"

Leia a nota emitida pelo vereador Jonas Dalagna

"A Comissão de Ética Partidária apresentou um Processo Administrativo Disciplinar, o qual ocasionou a suspensão da minha filiação, e estabelecem um prazo para defesa de 10 dias corridos. Ressalto que o presente processo é sigiloso, de molde a resguardar a intimidade das partes, devendo todos os órgãos partidários zelar pelo seu sigilo.

Me causa surpresa o Ex-deputado Fábio Ostermann, que é parte mencionada no processo, fazer alegações caluniosas e difamatórias em relação a conduta da minha atuação, gerando constrangimento não apenas para mim, mas para minha equipe e meus familiares.

Ressalto que todos os esclarecimentos serão prestados dentro da Comissão de Ética Partidária, e as graves acusações feitas pelo Ex-deputado serão tratadas dentro dos meios legais.

Jonas Dalagna, Vereador de Canoas."

Leia a nota divulgada pelo ex-deputado Fábio Ostermann

"O que o vereador Jonas, que demitiu seu assessor jurídico para botar um amigo no lugar, parece não saber é que eu, por não ser parte no processo, não tenho nenhum dever de sigilo.

Como político, e, mais ainda, como alguém que confiou nele e o apoiou em sua candidatura, sinto-me no dever de trazer a público os fatos graves dos quais tive conhecimento. Fiz uma manifestação em um grupo interno do partido por uma questão de transparência para com os meus eleitores.

Lamento que tenhamos que passar por esse tipo de situação no Partido NOVO, mas acredito que a forma célere como se está tratando o caso deixa um sinal muito claro de que aqui esse tipo de desvio não será permitido. Não deveria ser permitido em nenhum partido, aliás, mas sabemos que a nossa missão de mudar a cultura política brasileira está só começando.

Seguirei fazendo a minha parte, tendo ou não mandato, para que casos como esse sejam elucidados e, caso comprovados, exemplarmente punidos."

(grifos meus)

 

Em outra página na internet (https://realnews.com.br/ex-deputado-fabio-ostermann-acusa-vereador-jonas-dalgna-de-peculato/), ficou evidenciado que conversa havida em um grupo de Whatsapp do partido se tornou pública. A imagem contida na captura de tela de ID 45417968 – p. 9 foi reproduzida, e nela se verifica o seguinte trecho que se refere ao autor “Quando questionado por mim, optou pelo pior caminho possível: o de se fazer de ofendido, de perder mais uma oportunidade de elucidar os questionamentos, chegando ao ponto de instigar sua noiva a me enviar pelo WhatsApp uma tragicômica e mal-escrita “Carta de Resposta” (sic) com pretensões intimidatórias por meio de seu advogado”.

Anoto que a divulgação desses fatos ocorreu em meados de fevereiro e que a presente ação foi ajuizada em 03.03.2023.

Em alegações finais, o autor trouxe aos autos novos documentos, os quais devem ser conhecidos por fazerem prova de fatos ocorridos depois daqueles articulados na inicial e a estes diretamente relacionados, nos termos do art. 435 do Código de Processo Civil.

Tais documentos demonstram que, após o processamento do processo administrativo disciplinar, ficou constatada a omissão do autor em prestar contas do mandato, foi fixada a sanção de advertência pública, e a nomeação de assessores sem respeito a critérios técnicos foi punida com suspensão dos direitos do denunciado. Em relação à conduta de “’peculato”, sob a forma de “rachadinha’”, “não foi verificada a ocorrência das supostas suspeitas” (decisão datada de 24.05.2023 - ID 45536587).

Em 18.08.2023, o autor foi notificado para apresentação de defesa prévia em um novo processo administrativo disciplinar (007/2023 - ID 45536588), sendo que a denúncia menciona “desinteresse do vereador em exercer um mandato parlamentar compatível com o nível de qualidade propugnada pelo NOVO”, assessores com desconhecimento em áreas essenciais de suas funções e recusa em submissão da assessoria à avaliação de competência mínima (ID 45536588).

Foi também colacionada a seguinte captura de tela, de conversa em aplicativo de mensagens (ID 45536588 – Pág. 15):

 

A conversa acima reproduzida bem expõe a situação dos autos.

O autor foi submetido a escrutínio público, em processo que deveria ser sigiloso, por grave acusação que se revelou descabida. Finalizada a apuração, sobreveio nova investigação, acompanhada de novos insultos no grupo partidário.

A divulgação das apurações e o clima de animosidade nos grupos internos do partido são revestidos de potencialidade para atingir não só a convivência intrapartidária, mas também o nome e a imagem do vereador, comprometendo a avaliação de seu trabalho pelo eleitorado do Município de Canoas.

Considerando tal situação, aliada à circunstância da ocorrência de revelia nos presentes autos, é de admitir que a prova produzida demonstrou a ocorrência de grave discriminação política pessoal, uma vez que evidenciado o claro desprestígio de JONAS DALAGNA DE OLIVEIRA no Partido NOVO, bem como as evidentes barreiras impostas pela grei ao convívio interno com o mandatário.

Assim, voto por reconhecer a existência da justa causa para desfiliação partidária prevista no art. 22-A, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

 

3 - Da mudança substancial do programa partidário (art. 22-A, inc. I, da Lei n. 9.096/95)

A última tese do autor diz respeito à suposta ocorrência de mudança substancial no programa partidário do NOVO, a qual teria ocorrido a partir da aprovação de alteração estatutária para permitir que a agremiação utilize recursos do Fundo Partidário.

Para comprovar suas alegações, o autor juntou aos autos cópia do estatuto do Partido Novo (ID 45417975), onde se lê, no art. 87, § 1º, que o “NOVO não utilizará recursos oriundos do fundo partidário para a implantação ou manutenção da sua estrutura partidária, a qualquer título, exceto os usos obrigatórios por força de lei”.

Também foram colacionadas inúmeras reproduções de publicações em redes sociais que destacam que o partido não usa recursos do Fundo Partidário; que intenta destinar tais valores para áreas como educação, segurança e saúde; que é contra que dinheiro público seja usado para financiar partidos e campanhas políticas; que o NOVO trabalha pelo fim do dinheiro público para partidos e campanhas políticas; “não apoie quem usa o Fundo Eleitoral e o Fundo Partidário” (ID 45417976), bem como artigo no mesmo sentido (ID 45417977).

Está nos autos, ainda, nota de jornal intitulada “Novo se rende”, que afirma que “foi-se o tempo da fantasia” e que o partido, “que sempre se vangloriou de não usar dinheiro, mudou o estatuto e vai usar os rendimentos do fundo partidário” (ID 45417978). Também se lê texto de site de internet que afirma que a “proposta enfrentava resistência justamente pelo fato de que o não uso do fundo partidário sempre foi explorado pelo Novo e por seus candidatos como marco da diferenciação entre esta e outras legendas” ID 45417978), além de outras publicações.

O requerente encartou também cópia da Resolução Interna n. 49/23, de 28 de fevereiro de 2023, do partido demandado, que “estabelece normas para a utilização dos rendimentos financeiros dos investimentos provenientes das cotas do fundo partidário”, a fim de comprovar a mudança do estatuto partidário (ID 45536586).

No caso dos autos, mesmo que comprovada a mudança na orientação partidária em relação ao uso dos recursos públicos, tenho que essa não se evidencia como substancial em relação ao ideário partidário.

Ainda que a não utilização do Fundo Partidário tenha sido uma bandeira do Partido Novo, a sigla também possui outras características que a distinguem.

O próprio caso dos autos dá amostra disso: a primeira hipótese examinada nos autos demonstra a preocupação da grei com a transparência dos mandatos, a prestação de contas do trabalho realizado pelos filiados eleitos e a preocupação com a seleção dos assessores e sua qualificação técnica.

Se assim não se entendesse, qualquer alteração nos estatutos partidários autorizaria a desfiliação de filiados eleitos com manutenção dos mandatos, o que destoa da vontade da lei, que prevê a justa causa de forma excepcional. Nessa linha, a qualificação “substancial” constante no texto legal indica, nas palavras de Rodrigo Lópes Zilio, que “a modificação deve ocorrer na essência do programa partidário, apresentando contornos veementes de que o plano partidário recebeu influxo completamente diverso do concebido originariamente” (Direito Eleitoral – 6. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2018, p. 138).

Ainda, a justa causa poderia ser reconhecida acaso se verificasse que a alteração tenha especificamente tornado inviável a permanência do requerente nos quadros da agremiação pela qual foi eleito, em razão de incongruência com plataforma defendida em campanha eleitoral.

Na hipótese, nenhuma prova foi produzida no sentido de que o não recebimento de recursos públicos fosse a bandeira mais significativa da plataforma política do autor, a ponto de a alteração do estatuto gerar constrangimento perante seus eleitores.

Dessa forma, entendo não estar configurada a justa causa descrita no art. 22-A, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Em desfecho, tendo em vista os pedidos formulados na ação, tenho por preenchidos os requisitos do art. 17, § 5º, da Constituição Federal, confirmando a liminar concedida para o fim de autorizar a desfiliação do autor do partido pelo qual foi eleito, sem perda do mandato, condicionada à imediata filiação a outra agremiação partidária que tenha atingido os índices de desempenho previstos no texto constitucional. Da mesma forma, reconheço a existência da justa causa para desfiliação partidária prevista no art. 22-A, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Entretanto, o pedido fundamentado no art. 22-A, inc. I, da Lei dos partidos Políticos, deve ser julgado improcedente.

 

Ante o exposto, voto por julgar parcialmente procedente os pedidos, confirmando a liminar deferida, para o fim de autorizar a desfiliação de JONAS DALAGNA DE OLIVEIRA do Partido NOVO, sem perda do mandato, condicionada à imediata filiação a outra agremiação partidária que tenha atingido a cláusula de desempenho, nos termos do art. 17, § 5º, da Constituição Federal, e para reconhecer a  existência da justa causa para desfiliação partidária prevista no art. 22-A, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

É como voto.