REl - 0601039-30.2020.6.21.0085 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/11/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e encontram-se presentes todos os demais pressupostos de admissibilidade recursal, de modo que a irresignação está a merecer conhecimento.

1. Preliminar.

1.1. Desistência recursal.

O tema da desistência recursal será tratado em sede preliminar por questão lógica, pois, acaso se entenda pela desistência do recurso, o mérito da demanda à evidência não será analisado.

Adianto que, nos termos da manifestação da d. Procuradoria Regional Eleitoral, tenho que o pedido de desistência recursal não teve o condão de gerar efeitos jurídicos.

O Parquet posiciona-se, em síntese, no sentido de que o relevante caráter público de demandas, como a que ora se analisa - Ação de Impugnação de Mandato Eletivo -, "não admite desistência ou composição entre as partes". Cita a balizada doutrina de José Jairo Gomes, e faz referência jurisprudencial em relação ao Ministro Paulo Brossard de Souza Pinto, que, no julgamento do Recurso Especial n. 8.536, oriundo de Alagoas (Diário da Justiça de 24.3.1993, p. 4.722), destacou que a natureza pública da matéria impediria admissões de desistência recursal, sob pena de estimular complô contra a legalidade.

Adiro expressamente a tal posicionamento, e vou além. Tenho que entender como válida a desistência apresentada - e, ato contínuo, desfeita - seria atentar, no caso concreto, ao princípio da autonomia partidária, nos termos do art. 17, § 1º, da Constituição Federal.

Nessa linha, ainda que os recorridos tenham indicado, com razão, que o art. 998 do Código de Processo Civil refere a desistência de recurso como ato despido da necessidade de aquiescência da parte adversa, ou mesmo de homologação judicial (sobre isso, é pacífica a jurisprudência), é certo que veio aos autos, de forma efetiva, documento esclarecedor das circunstâncias da realização do pedido de desistência, com a comprovação da ocorrência de atos investigatórios e decisórios no ambiente intrapartidário (Processo Administrativo n. 3/2022, ID 44989657).

No expediente administrativo do PSDB, são narradas (1) situações fáticas de conflito interno, constatadas antes mesmo da apresentação da petição de desistência, bem como (2) o estatuto jurídico aplicável, pois a Comissão Provisória do PSDB de Torres se tratava de "órgão instituído livremente por deliberação da Comissão Executiva Estadual, sendo que a sua destituição obedece ao mesmo critério", nos termos do art. 45 do Estatuto do PSDB.

Em suma, foi possível observar a ocorrência de manobras internas, resultantes em manifestação eivada de "vício de vontade" do PSDB de Torres, ou, dito de outro modo, desistência recursal contrária aos interesses do partido, quer por ter sido emanada a partir de interesses pessoais, quer pela retirada de legitimidade daqueles que a realizaram, com a dissolução da Comissão Provisória local, pelo Diretório Estadual do PSDB, e instauração de processo administrativo.

Assim, tenho por privilegiar o respeito a mandamento constitucional, qual seja, o da autonomia partidária, entendido pela doutrina como garantia fundamental que assegura o funcionamento das agremiações e delimita a atuação do Poder Judiciário no controle dos estatutos e dos atos interna corporis dos partidos políticos (nessa linha, por todos, a obra Autonomia Partidária, Uma teoria geral. BARROS, Ezikelly, 2021, Almedina).

Lembro, ademais, que a Resolução TSE n. 23.478/16 determina a aplicação do Código de Processo Civil, nas demandas eleitorais, de forma supletiva e subsidiária, mediante a submissão ao vetor da "compatibilidade sistêmica", nos termos do art. 2º, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.478/16, de modo que o art. 998 e o art. 999, igualmente acrescento, não devem ser aplicados ao caso posto, por incompatibilidade.

Por suposto, tenho que não houve desistência recursal válida, pelo que vai afastada a preliminar arguida.

1.2. Fraude e abuso de poder. AIME e AIJE.

Trato também de forma prévia à questão de fundo de causa, a abordagem dada pelo recorrente à prática de abuso de poder. Em resumo, o PSDB de Torres cumula às alegações da prática de fraude à cota de gênero a prática de abuso de poder de parte dos recorridos.

São necessários esclarecimentos preambulares.

É consabido que as ações cíveis eleitorais são típicas, isto é, correspondem à veiculação de uma pretensão específica de direito material, dotadas de objeto, objetivo e hipóteses próprias de cabimento.

Nessa linha, a AIME - Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo -, única ação eleitoral expressamente indicada na Constituição (art. 14, §§ 10 e 11 da CF), possui como hipóteses específicas (i) fraude, (ii) corrupção ou (iii) abuso do poder econômico, e é ação que visa a proteger a normalidade e legitimidade da eleição, além do interesse público da lisura eleitoral (art. 14, § 9º, da CF). Tem o efeito, com a procedência, de desconstituir o mandato eletivo, de forma a torna insubsistente a diplomação.

É certo, igualmente, que a jurisprudência alargou o conceito de "fraude", termo usado para o ajuizamento de AIME, com vistas a comportar, em tal espécie de demanda, a fraude à cota de gênero. Nessa linha, vale por todos o primoroso artigo de NETO, GRESTA e SANTOS (Fraude à cota de gênero como fraude à lei: os problemas conceituais e procedimentais decorrentes do combate às candidaturas femininas fictícias, 2016), que indica a virada de jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no tratamento da fraude eleitoral, notadamente por ocasião do julgamento do REspE n. 1-49/PI (Relator Min. Henrique Neves, DJe 21.10.2015, p. 25-26), sobretudo no que diz respeito ao elemento temporal.

Até o referido julgamento, a jurisprudência havia se firmado no sentido de que somente a fraude ocorrida nos momentos da votação e da apuração das eleições seria hábil para embasar uma AIME. A partir do REspE n. 1-49/PI, contudo, a fraude aferível via AIME passou a ser aquela ocorrente ao longo de qualquer momento do processo eleitoral, e se "configuraria pela violação indireta do Direito Eleitoral, independentemente de qualquer elemento subjetivo" (op. cit.), passando a admitir as alegações de fraude ao percentual de gênero como objeto de AIME.

Por seu turno, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE é ação disciplinada em Lei Complementar - art. 22 da LC n. 64/90. Possui como hipóteses de cabimento o abuso de poder econômico, o abuso de poder de autoridade ou político, bem como a utilização indevida dos meios de comunicação social. Busca tutelar a normalidade e a legitimidade das eleições, conforme o art. 14, § 9º, da CF.

Ainda no ano de 2016, pouco após o julgamento do REspE n. 1-49/PI, o TSE compreendeu ser cabível também o manejo de AIJE para a análise de fraude na construção de cota de gênero das chapas proporcionais, no REspE n. 243-42/PI (Relator Min. Henrique Neves, DJe de 11.12.2016, p. 65-66), sendo possível "[...] verificar, por meio da investigação judicial eleitoral, se o partido político efetivamente respeita a normalidade das eleições [...] ou se há o lançamento de candidaturas apenas para que se preencha, em fraude à lei, o número mínimo de vagas previsto para cada gênero.

E, como no REspE n. 631-40/SC (Relator Min. Luiz FUX, DJe de 5.10.2016, p. 68-70), o TSE fez consignar que "a rigor, a fraude nada mais é do que espécie do gênero abuso de poder", não haveria óbice a que o autor/recorrente tivesse ajuizado, de forma conjunta, AIME e AIJE para a apuração dos mesmos fatos - conforme inclusive este Plenário decidiu recentemente, de forma unânime, no julgamento conjunto dos recursos eleitorais na AIME n. 0601005-29.2020.6.21.0029 e AIJE n. 0600995-82.2020.6.21.0029, aos 12.6.2023, em lapidar voto do então componente desta Corte, Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle.

De todo modo, apenas a AIME fora ajuizada.

Portanto, convém deixar claro, desde logo, que a presente análise se circunscreverá à elucidação de ocorrência - ou a não ocorrência - de fraude à cota de gênero no âmbito da AIME proposta, em que as eventuais consequências jurídicas são sutilmente diversas de uma hipotética condenação em AIJE, ação não veiculada pelo PSB de Torres relativamente aos fatos narrados na presente controvérsia.

Realizado tal esclarecimento, passo ao exame do mérito.

2. Mérito.

2.1. Fraude à cota de gênero. Legislação. Jurisprudência.

Inicialmente, estabeleço as premissas legais e jurisprudenciais sobre as quais serão analisados os fatos narrados e a prova colhida.

A previsão legal originária consta na Lei das Eleições, a Lei n. 9.504/97, especialmente no art. 10, § 3º:

Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 100% (cem por cento) do número de lugares a preencher mais 1 (um).

[...]

§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. (Grifei.)

 

Ou seja: o legislador ampliou a participação feminina no processo político-eleitoral ao estabelecer percentual mínimo de registro de candidaturas de cada gênero. A partir do ano de 2009, via Lei n. 12.034/09, uma das frequentes "minirreformas" eleitorais que este País tem notícia, o comando passou a ser aplicado sobre as candidaturas efetivamente requeridas pelo partido, quando do registro de candidatura, a fim de garantir mais efetivamente à norma.

Para as eleições do ano de 2020, o Tribunal Superior Eleitoral reforçou o cerco à realização de fraude, e fez constar na própria Resolução TSE n. 23.609/19, art. 17, § 6º, que a inobservância da cota de gênero seria causa suficiente para o indeferimento do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), caso a irregularidade não fosse sanada.

Contudo, o que a experiência dos tribunais tem demonstrado é que a fraude ocorre em momento posterior aos regulares registro e julgamento das candidaturas, ou seja, quando já aperfeiçoada a formalidade da percentagem mínima de gênero exigida para deferimento do DRAP.

Dito de outro modo, é ao longo da campanha eleitoral (grifo deste relator) que se revelam as "candidaturas laranjas", evidenciadas por comportamentos contrários àquelas pessoas que se propõem a disputar cargo eletivo de forma real e verdadeira.

É certo que os candidatos possuem direito de renunciar à candidatura (art.13 da Lei n. 9.504/97), circunstância que, aliás, obriga ao restabelecimento da cota em dadas situações.

Contudo, nos casos fraudulentos não há renúncia formal. Há, isto sim, desistência, abandono dos atos de campanha e presença meramente formal na nominata de candidaturas, exatamente para que se mantenha uma aparência de cumprimento da cota de gênero, quando, na realidade, o que há é o desequilíbrio, a desproporção entre os efetivos candidatos homens e as candidatas mulheres. A candidata não realiza atos de campanha, não se empenha, e, sobretudo, não tem para si destacados, pela grei partidária, recursos (materiais, humanos, etc.) indispensáveis ao bom andamento de uma candidatura.

É um mundo de faz de conta!

Assim, em casos de fraude, o partido deve ser chamado à responsabilidade, pois é seu o ônus de manter o percentual legal. Lembro aqui que (1) a agremiação é responsável por incentivar as políticas de participação feminina interna corporis (inclusive recebem valores públicos especificamente para o fomento da participação feminina na política), e (2) no sistema eleitoral brasileiro, somente é possível ser candidata por intermédio de partidos políticos. As agremiações são responsáveis pela oferta de nomes aptos a concorrer, bem como pelo comportamento ativo e passivo dos candidatos no curso do processo.

A Justiça Eleitoral tem estado atenta ao relevante tema, e é nítida a evolução jurisprudencial.

O caso pioneiro é o Recurso Especial Eleitoral n. 19.392, de relatoria do Min. Jorge Mussi, no qual o Tribunal Superior Eleitoral apreciou demanda oriunda do Município de Valença do Piauí/PI, Eleição de 2016, e definiu parâmetros iniciais à caracterização da fraude: a) pedir votos para candidato que dispute o mesmo cargo pelo qual a candidata concorra; b) ausência ou míngua de realização de gastos eleitorais; c) votação ínfima (geralmente a candidata não possui sequer o próprio voto), em panorama que acarreta a d) nulidade que contamina todos os votos obtidos pela coligação ou partido. Segue a ementa:

 

RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2016. VEREADORES. PREFEITO. VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ART. 22 DA LC 64/90. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. 1. O TRE/PI, na linha da sentença, reconheceu fraude na quota de gênero de 30% quanto às candidaturas das coligações Compromisso com Valença I e II ao cargo de vereador nas Eleições 2016, fixando as seguintes sanções: a) cassação dos registros das cinco candidatas que incorreram no ilícito, além de sua inelegibilidade por oito anos; b) cassação dos demais candidatos registrados por ambas as chapas, na qualidade de beneficiários. 2. Ambas as partes recorreram. A coligação autora pugna pela inelegibilidade de todos os candidatos e por se estender a perda dos registros aos vencedores do pleito majoritário, ao passo que os candidatos pugnam pelo afastamento da fraude e, alternativamente, por se preservarem os registros de quem não anuiu com o ilícito.

PRELIMINAR. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. DIRIGENTES PARTIDÁRIOS. SÚMULA 24/TSE. REJEIÇÃO. 3. O TRE/PI assentou inexistir prova de que os presidentes das agremiações tinham conhecimento da fraude, tampouco que anuíram ou atuaram de modo direto ou implícito para sua consecução, sendo incabível citá-los para integrar a lide como litisconsortes passivos necessários. Concluir de forma diversa esbarra no óbice da Súmula 24/TSE.

TEMA DE FUNDO. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ROBUSTEZ. GRAVIDADE. AFRONTA. GARANTIA FUNDAMENTAL. ISONOMIA. HOMENS E MULHERES. ART. 5º, I, DA CF/88. 4. A fraude na cota de gênero de candidaturas representa afronta à isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 - a partir dos ditames constitucionais relativos à igualdade, ao pluralismo político, à cidadania e à dignidade da pessoa humana - e a prova de sua ocorrência deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso, o que se demonstrou na espécie. 5. A extrema semelhança dos registros nas contas de campanha de cinco candidatas - tipos de despesa, valores, data de emissão das notas e até mesmo a sequência numérica destas - denota claros indícios de maquiagem contábil. A essa circunstância, de caráter indiciário, somam-se diversos elementos específicos. 6. A fraude em duas candidaturas da Coligação Compromisso com Valença I e em três da Coligação Compromisso com Valença II revela-se, ademais, da seguinte forma: a) Ivaltânia Nogueira e Maria Eugênia de Sousa disputaram o mesmo cargo, pela mesma coligação, com familiares próximos (esposo e filho), sem nenhuma notícia de animosidade política entre eles, sem que elas realizassem despesas com material de propaganda e com ambas atuando em prol da campanha daqueles, obtendo cada uma apenas um voto; b) Maria Neide da Silva sequer compareceu às urnas e não realizou gastos com publicidade; c) Magally da Silva votou e ainda assim não recebeu votos, e, além disso, apesar de alegar ter sido acometida por enfermidade, registrou gastos - inclusive com recursos próprios - em data posterior; d) Geórgia Lima, com apenas dois votos, é reincidente em disputar cargo eletivo apenas para preencher a cota e usufruir licença remunerada do serviço público. 7. Modificar as premissas fáticas assentadas pelo TRE/PI demandaria reexame de fatos e provas (Súmula 24/TSE).

CASSAÇÃO. TOTALIDADE DAS CANDIDATURAS DAS DUAS COLIGAÇÕES. LEGISLAÇÃO. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. 8. Caracterizada a fraude e, por conseguinte, comprometida a disputa, não se requer, para fim de perda de diploma de todos os candidatos beneficiários que compuseram as coligações, prova inconteste de sua participação ou anuência, aspecto subjetivo que se revela imprescindível apenas para impor a eles inelegibilidade para eleições futuras. Precedentes. 9. Indeferir apenas as candidaturas fraudulentas e as menos votadas (feito o recálculo da cota), preservando-se as que obtiveram maior número de votos, ensejaria inadmissível brecha para o registro de "laranjas", com verdadeiro incentivo a se "correr o risco", por inexistir efeito prático desfavorável. 10. O registro das candidaturas fraudulentas possibilitou maior número de homens na disputa, cuja soma de votos, por sua vez, contabilizou-se para as respectivas alianças, culminando em quociente partidário favorável a elas (art. 107 do Código Eleitoral), que puderam então registrar e eleger mais candidatos. 11. O círculo vicioso não se afasta com a glosa apenas parcial, pois a negativa dos registros após a data do pleito implica o aproveitamento dos votos em favor das legendas (art. 175, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral), evidenciando-se, mais uma vez, o inquestionável benefício auferido com a fraude. 12. A adoção de critérios diversos ocasionaria casuísmo incompatível com o regime democrático. 13. Embora o objetivo prático do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 seja incentivar a presença feminina na política, a cota de 30% é de gênero. Manter o registro apenas das candidatas também afrontaria a norma, em sentido contrário ao que usualmente ocorre.

INELEGIBILIDADE. NATUREZA PERSONALÍSSIMA. PARCIAL PROVIMENTO. 14. Inelegibilidade constitui sanção personalíssima que incide apenas perante quem cometeu, participou ou anuiu com a prática ilícita, e não ao mero beneficiário. Precedentes. 15. Embora incabível aplicá-la indistintamente a todos os candidatos, constata-se a anuência de Leonardo Nogueira (filho de Ivaltânia Nogueira) e de Antônio Gomes da Rocha (esposo de Maria Eugênia de Sousa), os quais, repita-se, disputaram o mesmo pleito pela mesma coligação, sem notícia de animosidade familiar ou política, e com ambas atuando na candidatura daqueles em detrimento das suas.

CASSAÇÃO. DIPLOMAS. PREFEITA E VICE-PREFEITO. AUSÊNCIA. REPERCUSSÃO. SÚMULA 24/TSE. 16. Não se vislumbra de que forma a fraude nas candidaturas proporcionais teria comprometido a higidez do pleito majoritário, direta ou indiretamente, ou mesmo de que seria de responsabilidade dos candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito. Conclusão diversa esbarra na Súmula 24/TSE.

CONCLUSÃO. MANUTENÇÃO. PERDA. REGISTROS. VEREADORES. EXTENSÃO. INELEGIBILIDADE. IMPROCEDÊNCIA. CHAPA MAJORITÁRIA. 17. Recursos especiais dos candidatos ao cargo de vereador pelas coligações Compromisso com Valença I e II desprovidos, mantendo-se cassados os seus registros, e recurso da Coligação Nossa União É com o Povo parcialmente provido para impor inelegibilidade a Leonardo Nogueira e Antônio Gomes da Rocha, subsistindo a improcedência quanto aos vencedores do pleito majoritário, revogando-se a liminar e executando-se o aresto logo após a publicação (precedentes).

(Recurso Especial Eleitoral n. 19392, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 193, Data: 04/10/2019, Página 105/107)

 

Após o caso de Valença do Piauí, esta Corte gaúcha igualmente passou a examinar situações envolvendo fraude à cota de gênero. Destaco o recurso eleitoral n. 0000495-85.2016.6.21.0003, relator o Des. El. Eduardo Augusto Dias Bainy, primeira oportunidade em que este Tribunal firmou posição, por unanimidade, no sentido de que a fraude à cota de gênero atinge a validade do Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP) da coligação, com o efeito de revogação do deferimento dos registros de candidatura de toda a chapa proporcional. Naquela ocasião, identificou-se um lastro probatório com elementos como (1) votação zerada da candidata, (2) a existência de outro candidato, ao mesmo cargo, na família da candidata, (3) incoerência de justificativa para a desistência, e (3) existência de diálogo no sentido de que não pretendia realizar campanha, pois seu nome fora lançado apenas "para legendar".

No TSE, a decisão foi mantida de forma unânime, consoante ementa que reproduzo, no que importa ao momento, e rogo atenção dos pares aos itens 7, 8 e 9, que vão grifados:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. FRAUDE À QUOTA DE GÊNERO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. LICITUDE. CASSAÇÃO DOS REGISTROS E DOS DIPLOMAS VINCULADOS AO DRAP VICIADO. RETOTALIZAÇÃO DOS VOTOS.

SÍNTESE DO CASO

1. Trata-se de recurso especial eleitoral manejado em face de acórdão do TRE/RS que manteve a sentença que julgou procedente a AIME em relação à fraude à quota de gênero, declarando a invalidade da constituição da Coligação Unidos por Viadutos, indeferindo-lhe o registro para as eleições proporcionais, cassando os mandatos obtidos por ela na eleição proporcional, declarando nulos todos os votos que lhe foram atribuídos na aludida eleição para a Câmara de Vereadores e redistribuindo as vagas por ela conquistadas aos partidos e às coligações adversárias que alcançarem o quociente eleitoral.

[...]

7. No julgamento do REspe 193-92, de relatoria do Min. Jorge Mussi, cujo julgamento foi concluído em 17.9.2019, esta Corte Superior considerou que as circunstâncias indiciárias relativas à elaboração das prestações de contas, associadas aos elementos de prova particulares de cada candidata - relações de parentesco entre candidatos ao mesmo cargo, votação zerada ou ínfima, não comparecimento às urnas, ausência de atos de propaganda, entre outros -, seriam suficientes para demonstrar, de forma robusta, a existência da fraude no cumprimento dos percentuais de gênero previstos no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97.

8. Na espécie, a conclusão acerca da ocorrência da fraude teve como lastro, ao lado dos elementos indiciários concernentes à votação zerada e à existência de outro candidato ao mesmo cargo na família da suposta candidata, a incoerência entre a justificativa apresentada por ela para a desistência de campanha e os fatos relatados em depoimento por sua filha, bem como a sua própria confissão, captada em gravação ambiental, no sentido de que não pretendia realizar campanha, salvo para o seu cunhado, já que seu nome foi lançado apenas "para legendar".

9. A partir das premissas fixadas no aresto regional, cuja revisão é inviável em sede extraordinária, a conclusão a respeito da ocorrência da fraude se baseou em elementos de prova suficientemente robustos.

10. A análise da questão alusiva à incidência do art. 224 do Código Eleitoral às eleições proporcionais, dado o momento da conclusão do presente julgamento, está prejudicada, por perda de objeto, em face do término da legislatura referente ao pleito de 2016.

CONCLUSÃO Recurso especial a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 49585, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 142, Data: 03/08/2021, Página 0) (Grifo nosso)

 

Ou seja, é nítido que os tribunais eleitorais têm se debruçado sobre o conjunto de situações que se prestam a identificar as "candidaturas laranjas". Vale extrair, ainda do julgamento do processo oriundo de Viadutos, a manifestação do Ministro Alexandre de Moraes, que bem resume o panorama:

[…]

No mérito, a questão restringe-se a saber se o conjunto dos fatos - votação zerada, inexistência de atos de campanha, incongruência na justificativa de desistência do pleito e interceptação ambiental de conversa em que a candidata revelou que seu nome foi indicado apenas para preenchimento de legenda - é capaz de configurar fraude à cota de gênero e o consequente indeferimento do registro da Coligação Unidos por Viadutos para as eleições proporcionais.

Conforme defendi no julgamento dos Recursos Especiais 0602016-38 e 0602033-74, o fato de a candidata não ter realizado nenhum ato de campanha aliado à votação zerada já seria suficiente, no meu entender, para o reconhecimento da fraude, uma vez que a argumentação no sentido da desistência da candidatura deve sempre ser acompanhada por elementos mínimos que comprovem que a candidatura, de fato, existiu, o que não ocorreu na hipótese. (Grifo do signatário)

 

Mais recentemente, o precedente regional que merece destaque é o julgamento conjunto dos recursos eleitorais na AIJE n. 0600995.82.2020.6.21.0029 e na AIME n. 0601005-29.2020.6.21.0029, de relatoria do Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, julgado por unanimidade em 05.6.2023 e relativo à fraude em cota de gênero praticada nas Eleições de 2020. O precedente traz balizas acerca da responsabilidade das agremiações na implementação efetiva das candidaturas femininas, repercutindo avanço jurisprudencial. Transcrevo a ementa, ao que importa, e solicito especial atenção aos itens 6 e 7, por mim grifados:

 

RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). JULGAMENTO EM CONJUNTO. PROCEDÊNCIA. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. MATÉRIA PRELIMINAR. INDEFERIDO REQUERIMENTO DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS. REJEITADA A ARGUIÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DISCUTIDA NO MÉRITO. AUSENTE IRREGULARIDADE NA JUNTADA DE DOCUMENTO EM GRAU RECURSAL. MÉRITO. DIRETIVAS JURISPRUDENCIAIS. COMPROVAÇÃO DA FRAUDE POR RELATOS E ELEMENTOS FÁTICOS. CONFIGURADA AÇÃO PREMEDITADA DE CANDIDATOS A VEREADOR E A PREFEITO COM O OBJETIVO DA FRAUDE. NÃO DEMONSTRADO AUXILIO E INCENTIVO DO PARTIDO ÀS CANDIDATURAS FEMININAS. DESCONSTITUIÇÃO DE DECISÃO QUE DEFERIU O DEMONSTRATIVO DE REGULARIDADE DOS ATOS PARTIDÁRIOS (DRAP). DEMONSTRADA A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO PRESIDENTE DA LEGENDA NO MUNICÍPIO. INELEGIBILIDADES. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE RECONHECEU A PRÁTICA DA FRAUDE À COTA DE GÊNERO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE VOTOS. DETERMINADA A CASSAÇÃO DE DIPLOMAS. RECÁLCULO DE QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. CORREÇÃO DE OFÍCIO DE ERROR IN JUDICANDO DA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DE CANDIDATO A CARGO MAJORITÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO DO APELO REMANESCENTE PARA AFASTAR A SANÇÃO DE INELEGIBILIDADE DOS DEMAIS RECORRENTES.

[...]

4. A questão controvertida nos autos encontra moldura fática hábil à caracterização de fraude em relação a duas candidaturas femininas no pleito proporcional, com o objetivo de burlar a cota de gênero. As provas apresentadas sobre a existência de fraude em relação a uma das candidatas são robustas. No entanto, a não apresentação de recurso por ela inviabiliza a apreciação da matéria nesse grau de jurisdição. Existência de prova da fraude considerando que ambas as candidatas afirmaram não terem vontade de concorrer nas eleições e a realidade fática demonstrar que, efetivamente, obtiveram votação zerada ou apenas um voto, ausência de campanha, inclusive com indicação de destruição dos materiais recebidos. Uma não realizou a abertura da conta de campanha e outra teve a conta aberta, porém sem movimentação financeira. As candidatas mantiveram-se inertes durante todo o processo eleitoral, comportando-se como se não disputassem a eleição.

5. Arguição de ilegitimidade. As razões pelas quais ambas as candidatas colaboraram para a fraude, seja porque "não quis negar um pedido do cunhado", "dar uma força", seja porque "estava sem trabalho por causa da pandemia" e foi "pressionada e coagida", não são motivos bastantes para afastar a legitimidade de ambas para figurarem no polo passivo das ações, pois o cerne da controvérsia é a comprovação de que a postulação era fictícia, concorrentes lançadas apenas para preencher o requisito formal do registro das candidaturas, a fim de resguardar a participação dos demais candidatos do partido (todos do sexo masculino) no certame eleitoral.

6. Os candidatos a vereador e a prefeito tinham consciência da necessidade de atingir a cota de 30% de concorrentes femininas a fim de viabilizar as candidaturas proporcionais. Configurada ação premeditada com o objetivo de (má-fé ou dolo) burlar a regra de proporcionalidade mínima entre homens e mulheres estabelecida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97. A fraude à cota de gênero se configura pelo lançamento de candidaturas de mulheres que, na realidade, não disputaram efetivamente o pleito. Os nomes dessas candidatas foram incluídos apenas para atender à necessidade de preenchimento do percentual mínimo legal, em evidente burla à regra legal.

7. Não demonstrado que o partido tenha efetivamente auxiliado e incentivado as candidaturas femininas. Uma vez verificada a ausência de atos condizentes com quem deseja concorrer ao pleito, é responsabilidade do partido político auxiliar no que for necessário na condução das ações de campanha ou formalizar a desistência das candidaturas, a fim de substituí-las por quem efetivamente almeje concorrer, providência não tomada na hipótese dos autos. Merece reprimenda as condutas dolosas das organizações partidárias que, de forma livre e consciente, incluem, em suas fileiras de candidatos, mulheres sem interesse em concorrer ao pleito eleitoral, com a finalidade única de atender, formalmente, à exigência legal do percentual de gênero. O reconhecimento da fraude implica desconstituição da decisão anterior que deferiu o Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP), com a consequente cassação dos diplomas de todos os que participaram da fraude ou dela se beneficiaram, de forma direta ou indireta. Nesse sentido, entendimento do TSE.

8. Diversamente do que se verifica em relação à incidência da sanção de cassação de diplomas/registros da totalidade das candidaturas que formam a chapa proporcional (candidatos eleitos, suplentes e candidatos não eleitos de ambos os sexos), que decorre automaticamente do reconhecimento da ocorrência de fraude à cota de gênero, a inelegibilidade derivada da procedência de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral é de natureza personalíssima, incidente apenas em relação a quem cometeu, participou ou anuiu com a prática ilícita, e não ao mero beneficiário. Na hipótese, a inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou deve se restringir aos candidatos à vereança que, agindo em conluio, registraram candidatura fictícia perante a Justiça Eleitoral, assim como em relação ao candidato ao cargo de prefeito. Demonstrada a responsabilidade subjetiva do presidente da legenda no município por ter participado ou, pelo menos, consentido com a prática da ilicitude. Comprovado que tratou diretamente com a candidata, via WhatsApp, sobre as questões alusivas ao encaminhamento do registro da candidatura desta. Incidência na inelegibilidade cominada na legislação de regência.

9. Manutenção da sentença que reconheceu a prática da fraude à cota de gênero. Declarados nulos os votos conferidos às candidatas e aos candidatos que disputaram as eleições proporcionais pelo partido. Determinada a cassação dos diplomas expedidos (titulares e suplentes), devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário. Correção de ofício de error in judicando da sentença para fazer constar prazo de inelegibilidade de 8 anos a contar das eleições de 2020. Inocorrência de reformatio in pejus. Negado provimento ao recurso de candidato a cargo majoritário. Parcial provimento do apelo remanescente para afastar a sanção de inelegibilidade dos demais recorrentes. (Grifei.)

 

Repiso: sobre tais premissas é que serão sopesados os fatos narrados e a prova contida nos presentes autos virtuais.

Passo à análise.

2.2. Fatos e contexto probatório.

O recurso sob exame cuida de alegado cometimento de fraude à integração de cota de gênero, de parte da chapa proporcional - candidatos a vereador - do Partido REPUBLICANOS nas Eleições de 2020 no Município de Torres. Teria havido, conforme as razões de recurso, o registro fraudulento da candidata KARLA PEREIRA DOS SANTOS, de modo a cumprir a cota de 30% (trinta por cento), piso de proporção de candidaturas de cada gênero conforme a legislação de regência - art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, a Lei das Eleições.

O juízo de primeiro grau, alinhado ao parecer exarado pelo Ministério Público Eleitoral atuante perante a 85ª Zona Eleitoral (Torres), entendeu pela improcedência dos pedidos, de acordo com a decisão que transcrevo em sua integralidade.

[...]

Relatados, decido.

O processo se encontra regular, tendo se apropositado o contraditório e a produção das provas que seriam relevantes ao exame do seu mérito, e uma vez que concorde com a posição adotada pelo Ministério Público em seu parecer final, peço vênia ao ínclito Promotor de Justiça Marcelo Araujo Simões para adotá-lo como razões de decidir:

"Os elementos colhidos nos autos não são suficientemente robustos para afastar o resultado das urnas. Com efeito, tem-se nos autos como cerne da discussão o eventual descumprimento do percentual de gênero exigido pela Lei 9504/1997, no caso, 30 por cento das candidaturas para o gênero feminino. É bem verdade que há indicativos de que o partido demandado, notadamente na pessoa de seu presidente e da candidata KARLA PEREIRA DOS SANTOS, agiram pelo menos de forma negligente no tocante às correções exigidas para registro de candidatura desta última. E isso se diz porque seu domicílio eleitoral está registrado em cidade catarinense de Jacinto Machado, a candidata manteve-se inerte ao ser notificada para correção dos apontamentos, o presidente do partido atribuiu ao setor jurídico o equívoco pela omissão na correção dos dados e pouco ou nada relativo à campanha eleitoral se vê em relação à referida candidata. Tais dados, todos diligentemente apontados pelo demandante, não são, na compreensão do Ministério Público, robustos o suficiente para ensejaram a constatação da alegada fraude ou, em outros termos, para configuração do dito abuso de poder, situações que poderiam ensejar, sem dúvida alguma, a alteração do resultado das urnas e nova composição da nominata de vereadores do Município de Torres. O indeferimento do registro de candidatura da referida candidata, vale dizer, aponta para inúmeras omissões e negligências da parte demandada, beirando ação amadorística sua condução no que se refere a esta fase do pleito eleitoral. Tal sentir, entretanto, não equivale à configuração de prova robusta e indiscutível de fraude, esta sim necessária e inafastável a trazer alteração do voto das urnas. Tem-se, pois, que não estão suficientemente demonstradas as fraude alegada pela parte demandante, tampouco o referido abuso de poder, de forma que a improcedência do pedido parece ser o caminho natural a ser trilhado."

Diante do exposto, julga-se improcedente a presente demanda.

Sem custas e honorários.

Publique-se, registre-se e intimem-se.

Torres, 31 de março de 2022.

Jefferson Torelly Riegel

Juiz Eleitoral"

 

Superada a questão da desistência, o PSDB de Torres apresentou razões de recurso que, no que diz respeito ao contexto fático, traz as seguintes situações:

i. O Requerimento de Registro de Candidatura - RRC - de KARLA (Rcand n. 0600374-14.2020.6.21.0085) foi indeferido. A decisão de indeferimento do registro (e, por óbvio, de procedência da impugnação ao registro), ID 44984203, faz constar que KARLA não estava quite com a Justiça Eleitoral por ausência às urnas em 4 (quatro) eleições, não era eleitora do Município de Torres (mas sim do Município de Jacinto Machado/SC) e não era filiada ao REPUBLICANOS;

ii. KARLA foi notificada para exercer defesa em relação às alegações de ausência de condições de elegibilidade em impugnação ao registro de candidatura e permaneceu silente, manifestando-se nos autos somente para incluir links relativos aos perfis de mídia social, ID 44984203 do presente processo.

iii. Nem KARLA e nem o REPUBLICANOS apresentaram alegações finais no processo de registro/impugnação de candidatura, e sequer recorreram da sentença de indeferimento de registro, ID 44984203, a qual transitou em julgado em 07.11.2020;

iv. o REPUBLICANOS buscou a filiação de KARLA mediante meio inadequado (e-mail), em 03.4.2020 - ID 44984254 -, de modo que, por ocasião do protocolo do DRAP, em 24.9.2020, a agremiação tinha ciência da ausência de filiação partidária;

v. KARLA não realizou campanha eleitoral, tendo, inclusive, compartilhado em redes sociais propaganda positiva de candidatos adversários, tanto de chapa majoritária quanto de chapa proporcional, ID 44984206, e não obteve votos, ID 44984210, fl. 4;

vi. Ata notarial - ID 44984255 - na qual consta diálogo de KARLA com a tesoureira do REPUBLICANOS de Torres, Daiana, a demonstrar que KARLA tinha consciência do iminente indeferimento do registro, fazendo referência de que já havia pedido para sair, em demonstração de consciência acerca da sua falta de condições de elegibilidade.

vii. Os materiais de campanha de KARLA, adquiridos com os recursos públicos, foram trazidos aos atos em imagens que comprovam estar sempre armazenados, e, em alguns casos, lacrados - ID 44984264 a ID 44984269.

Por seu turno, os recorridos, em contrarrazões, ID 44984370, aduzem, em síntese, que a sentença deve ser mantida, pois não há prova robusta e suficiente para a constatação de fraude, situação que ensejaria a alteração do resultado das urnas e nova composição da nominata de vereadores; que a negligência de KARLA não configura prova indiscutível de fraude, pois ficou demonstrado, por testemunhas, que a candidatura de KARLA não foi fictícia, e que JOÃO ALEXANDRE NEGRINI DE OLIVEIRA, vereador eleito, não praticou ato que pudesse afetar a vontade do eleitor e tisnar os sufrágios que recebeu.

Adianto que me alinho ao posicionamento exarado pela Procuradoria Regional Eleitoral, ID 45439590, pelo que o recurso merece provimento.

É certo que a cassação do registro ou do diploma de candidatos, bem como a consequência da anulação de votos atribuídos à legenda, são efeitos gravíssimos, que somente podem advir calcados em prova demasiado consistente, da qual se extraia, de forma cristalina, o objetivo de burlar o mínimo de isonomia entre gêneros.

Não bastam, por suposto, presunções ou indícios.

No caso trazido para análise, os fatos comprovados ultrapassam a linha da mera negligência, ou "ação amadorística", quer da candidata, quer do REPUBLICANOS de Torres. Com tranquilidade, e estreme de qualquer dúvida, nota-se contexto probatório farto e apto a caracterizar a prática de fraude na construção das cotas de gênero. Cuida-se, aqui, de típico manejo ilusório de candidatura feminina, sem que ela, a candidatura, tenha realmente ocorrido em termos fáticos.

Em primeiro lugar, sublinho que as situações elencadas acima, nos itens i a vii, concernem a fatos comprovados nos autos. KARLA não possuía domicílio eleitoral em Torres e nem era filiada ao REPUBLICANOS. Não fez sequer um voto nas Eleições de 2020. Compartilhou, nas redes sociais, manifestações de candidaturas adversárias e enviou áudios à tesoureira do REPUBLICANOS com fala em nítido posicionamento de abandono de campanha eleitoral, em 28.10.2020, bem antes do trânsito em julgado da sentença de indeferimento do registro, ocorrido em 07.11.2020.

O processo de requerimento do registro é um pungente exemplo do descaso com que fora tratada a candidatura de KARLA. Ausentes várias das condições de elegibilidade - quitação eleitoral, filiação e domicílio na circunscrição do pleito -, o requerimento foi impugnado pelo Ministério Público Eleitoral, e em momento algum a candidata ou o REPUBLICANOS se manifestaram nos autos, trouxeram esclarecimentos ou sanaram as irregularidades, de modo que restou bem lançada a sentença de indeferimento do registro e procedência da impugnação, de parte da colega Marilde Angélica Webber Goldschmidt, então Juíza Eleitoral da 85ª ZE.

Destarte, não se sustenta a narrativa dos recorridos no sentido de que envidaram esforços para a concretização da candidatura de KARLA, até porque os atos se resumem à troca de mensagens com o Cartório Eleitoral da 85ª ZE e um pedido por via equivocada, diga-se de passagem - e-mail - de inclusão de KARLA na lista de filiados do REPUBLICANOS.

Ademais, há nos autos imagens do material de campanha de KARLA - ID 44984264 até ID 44984270. A sutileza perceptível é que, em todas as fotografias, o material de fato se encontra totalmente acondicionado, e, por várias vezes, inclusive lacrado. Nesse contexto, não há na instrução processual prova efetiva da realização de campanha eleitoral de KARLA. Ainda que a época dos fatos demandasse cuidados nos contatos pessoais devido à COVID-19, a máxima de experiência demonstra que a imensa maioria de candidatos realizou campanha eleitoral de rua, ainda que, repiso, em menor intensidade.

Há, de fato, perante o primeiro grau, depoimentos testemunhais de que KARLA teria realizado campanha, mas, obviamente, tais testemunhos devem ser recebidos com as reservas típicas dos processos eleitorais. Os recorridos, mister salientar, não apresentaram um registro documental - uma foto da efetiva campanha de KARLA, por exemplo -, registros esses tão comuns em época de eleições.

Além do mais, para apoiar candidaturas adversárias, KARLA manifestou-se inclusive nas redes sociais - em 11.11.2020 -, de forma favorável a candidatos adversários do REPUBLICANOS - Carlos Souza e Dr. Amoretti, chapa majoritária, e Gimi Vidal, candidato ao cargo de vereador pelo PROGRESSISTAS, ID 44984206.

Ora, não pode ser levada a sério uma candidatura que apoia os candidatos adversários!

De outra face, tenho como pouco crível o argumento (de todo comum em demandas como a que ora se examina) de que a candidata seria pouco afeita ao manejo de redes sociais (Facebook, no caso), e que seriam os filhos menores de idade que a movimentavam, além do que KARLA teria mantido a postagem pela "ingenuidade do filho".

É sabido e ressabido que pretensão à eleição a cargo eletivo, e a posterior submissão do nome ao eleitorado, demanda atenção e seriedade, incluídas aqui as manifestações em redes sociais. Mesmo que considerada verossímil, aliás, a versão que indica permissão de acesso de menores a uma conta de rede social de campanha eleitoral, tal circunstância somente evidencia o já citado descaso com a candidatura.

Ainda, a ata notarial ID 44984255, trazida aos autos pelos recorridos em sede de contestação, bem demonstra a inexistência de uma candidatura legítima. Transcrevo, na íntegra, o documento que reflete áudios, remetidos por KARLA em 28.10.2020 (lembro que, devido à Pandemia COVID-19, o primeiro turno das Eleições de 2020 ocorreu em 15.11.2020), via aplicativo de mensagens Whatsapp, à tesoureira do REPUBLICANOS de Torres, sra. Daiana:

"Dona Daiana a mim não foi impugnada ainda, não saiu a sentença ainda, eu fui, eu entrei hoje eu acabei de ver tá, eu ainda sou candidata eu pedi pra saí, mas eu ainda continuo sendo candidata, não foi impugnada, não saiu o resultado tá, ainda tá com a juíza, outra coisa assim ó, á, já veio a verba tá, do partido na segunda feira e já era pra ter dividido, te dado cada uma sua parte, como é que eu vou pagar meus cabo eleitoral que tavam trabalhando, as coisas, e daí, veio e onde é que foi, pra quem que foi o que é meu, a minha parte, pra mim pagar meus cabo eleitoral e o pessoal que tava trabalhando comigo" [...] "já foi depositada segunda feira a verba do partido" [...] "se tão me tirando para inocente dona Daiana, ou que não sabe das coisa, eu sei muito bem das coisa [...]" (Grifei.)

 

Expressamente, KARLA refere que pediu para sair!

No mais, e relativamente às referências de pagamento a cabos eleitorais, ao "pessoal que estava trabalhando", saliento que, na prestação de contas de campanha de KARLA, não houve a indicação de pagamento a cabos eleitorais (processo PC n. 0600632-24.2020.6.21.0085), o que faz concluir que o argumento fora usado na ocasião pela candidata como mero subterfúgio para o percebimento de valores oriundos do partido. No ponto, cabe a transcrição do bem-lançado parecer ministerial devido à acurada análise realizada e, com o fito de evitar desnecessária repetição, expressamente incorporo às presentes razões de decidir:

"[...]

Depreende-se que Karla tinha plena consciência do indeferimento do seu registro, demonstrando inclusive espanto ao saber que ainda era candidata naquele momento, fazendo referência, ademais, ao fato de que já havia pedido para sair, ou seja, há demonstração de que houve uma desistência prévia, frente à ciência inequívoca acerca da sua falta de condições de elegibilidade.

Verifica-se também que Karla, diante da informação de que seu registro ainda não havia sido indeferido, visou obter vantagem junto ao partido e receber os recursos destinados às candidaturas femininas, alegando para Daiana que precisava pagar as pessoas que haviam trabalhado em sua campanha.

Contudo, tem-se que tal argumento foi mero subterfúgio para a obtenção de vantagem financeira junto ao partido, visto que ausente declaração de serviços de pessoal na sua prestação de contas de campanha (PC nº 0600632-24.2020.6.21.0085 -ID 100717430). Deveras, na referida prestação de contas identificou-se, tão somente, o recebimento de R$ 378,50 em valor estimável, com recursos do FEFC, referente a publicidade "por adesivos" (R$ 197,60) e "materiais impressos" (R$180,90), ou seja, a suposta realização de serviços de militância referidos por Karla, ao que tudo indica, não ocorreu.

De se destacar, ademais, que os materiais adquiridos com os recursos públicos em questão constam nas imagens de IDs 44984264 a 44984269, estando todos lacrados, o que leva à conclusão de que sequer foram utilizados na campanha, o que é corroborado por uma total ausência de demonstração, tanto por parte do partido quanto por parte da candidata, de que de fato a campanha ocorreu.

Ressalte-se que tal prova poderia ser facilmente produzida com a juntada de imagens e/ou vídeos eventualmente divulgados no período eleitoral. Não bastasse isso, apurou-se também que Karla reproduziu em suas redes sociais (ID 44984206), em 11.11.2020, propaganda positiva da campanha de adversários políticos do Partido Republicanos na eleição majoritária (Carlos Souza e Dr Amoretti) e do candidato ao cargo de vereador Gimi Vidal, do PP, também adversário, o que demonstra claramente seu total descomprometimento com a sua campanha e com o partido pelo qual lançou a candidatura."

 

Desse modo, a prova testemunhal não possui, obviamente, o condão de afastar fatos documentados que demonstram ter sido a candidatura de KARLA um subterfúgio utilizado para o preenchimento - nitidamente fraudulento - da proporção de gênero exigida pela legislação.

Resumindo: o REPUBLICANOS de Torres, em especial na pessoa de seu Presidente à época, sr. Anderson Pavão, insistiu perante a Justiça Eleitoral, desde a primeira hora, em uma candidatura absolutamente inviável, por todas as circunstâncias possíveis e imagináveis. Era óbvio, nítido, cristalino, que o registro de candidatura seria indeferido, como, de fato, o foi.

Novamente, cito trecho do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, que adoto como razões de decidir, in verbis:

Insta salientar que a requerente, mesmo notificada para contestar a impugnação ao seu registro (ID 13409428 daqueles autos), permaneceu silente quanto às alegações acerca da ausência de condição de elegibilidade, somente se manifestando nos autos para incluir no RRC os links relativos aos perfis de mídia social (ID 15488649 daqueles autos).

Não bastasse isso, deixou de apresentar alegações finais no processo e não recorreu da sentença de indeferimento do seu registro, a qual transitou em julgado em 07.11.2020.

[...]

Além da ausência de quitação e de domicílio eleitoral de Karla, elementos que inevitavelmente conduziriam ao indeferimento do registro de candidatura, aportou aos autos a informação de que a requerente sequer era filiada à agremiação pela qual pretendia concorrer no pleito de 2020 (ID 44984205), tendo o partido buscado sua filiação mediante meio inadequado (e-mail), em 03.04.2020, conforme se identifica no documento de ID 44984254. Isto é, quando do protocolo do DRAP, em 24.09.2020, a agremiação requerente tinha plena ciência da ausência de filiação partidária, não tendo tomado as medidas cabíveis para sanar mais essa irregularidade eleitoral.

Mesmo diante de tais circunstâncias, que, por evidente, inviabilizariam o registro de candidatura de Karla, a grei a elencou no seu Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários - DRAP, relativo ao pleito proporcional, já ciente de que, não sendo possível o deferimento do registro da candidatura individual, certamente haveria uma alteração no número de candidaturas femininas, de modo a desrespeitar a proporção mínima de 30%.

[...]

Vê-se, diante de todo o exposto, que a formação da chapa proporcional pelo Republicanos de Torres, com a inserção do nome de Karla na nominata, deu-se de forma fraudulenta, pois nunca houve um interesse real na viabilidade de tal candidatura feminina, não apenas porque ela não possuía as condições de elegibilidade (não era nem mesmo filiada ao partido), mas também porque sequer realizou atos de campanha e porque, além disso, fez publicações alusivas às candidaturas adversárias, fatos que demonstram de forma clara que se tratou de candidatura fictícia, pois a candidata nunca teve a real intenção de concorrer.

 

De todo o acima explicitado, elementos como a votação zerada e inexistência de atos de campanha somam-se a circunstâncias como o apoio deliberado a outro candidato ao mesmo cargo e a adversários do REPUBLICANOS, e que formam um conjunto de provas contundentes a demonstrar que a candidata se manteve inerte durante todo o processo eleitoral, comportando-se como se não disputasse a eleição, em grande semelhança a fatos presentes nos precedentes indicados no tópico 2.1., e caracterizadores de fraude à cota de gênero.

Ante o aduzido, acolho o recurso intentado e julgo procedente o pedido do PSDB de Torres, de forma a excluir a candidatura de KARLA PEREIRA DOS SANTOS da nominata constante no DRAP do REPUBLICANOS de Torres, nas Eleições 2020, com o que resta desobedecida a proporção legal de cotas de gênero, pois as candidaturas femininas passam a representar apenas 25% do total (12 candidatos, 9 homens e 3 mulheres), em descumprimento ao comando do art. 10, §3º, da Lei das Eleições.

Assim, forçosa a determinação de recontagem do quociente eleitoral e partidário, diante da fraude reconhecida, que contamina a chapa proporcional como um todo, pois é atingida a validade do próprio DRAP - Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários - de toda a nominata de candidatos a vereador, pelo REPUBLICANOS de Torres, nas Eleições de 2020.

À guisa de desfecho, reporto-me ao item 2.1, supra, e registro que o TSE entendeu, recentemente, que a verificação de prática de fraude à cota de gênero no bojo de AIME não conduz a declarações de inelegibilidade, pois, "[...] Diferentemente da AIJE, em que é possível a aplicação da sanção da inelegibilidade além da cassação do registro ou diploma, em sede de AIME, a verificação da fraude à cota de gênero tem como consequência apenas a desconstituição dos mandatos dos candidatos eleitos e de seus suplentes":

"[...] AIME. Vereador. Cota de gênero. Fraude. Art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997. [...] Configuração do ilícito. Afastada a inelegibilidade. [...] no tocante à inelegibilidade em sede de AIME, tendo em vista que essa Corte já firmou o entendimento de que [...] Diferentemente da AIJE, em que é possível a aplicação da sanção da inelegibilidade além da cassação do registro ou diploma, em sede de AIME, a verificação da fraude à cota de gênero tem como consequência apenas a desconstituição dos mandatos dos candidatos eleitos e de seus suplentes, de modo que nesta ação é desnecessária a diferenciação entre o candidato que tem ciência ou participa da fraude e aquele simplesmente favorecido pelo abuso. (AgR em REspEl nº 162/RS, Acórdão de 11.2.2020, Rel. Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, DJE 29.6.2020), razão pela qual ela deve ser afastada na espécie. [...]"

(Acórdão de 9.2.2023 no AgR-AREspE n. 060000282, Relator Min. Raul Araújo)

 

Diante do exposto, VOTO para:

a) dar PROVIMENTO ao recurso, reformar a sentença, reconhecer a prática da fraude à cota de gênero para o cargo de vereador do REPUBLICANOS de Torres, nas eleições de 2020, e declarar nulos os votos conferidos às candidatas e aos candidatos que disputaram as Eleições Proporcionais de 2020 pelo REPUBLICANOS de Torres;

b) determinar a cassação dos diplomas expedidos (titulares e suplentes) em relação aos candidatos do REPUBLICANOS de Torres nas Eleições de 2020 e ordenar a realização de recálculo dos quocientes eleitoral e partidário por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19, objeto de confirmação, pelo Tribunal Superior Eleitoral, por ocasião do julgamento do RO n. 603900-65.2018.6.05.0000, Rel. Min. Sergio Silveira Banhos, DJE de 26.11.2020.

Comunique-se, após a publicação do acórdão, esta decisão à respectiva Zona Eleitoral para cumprimento.