REl - 0600574-76.2020.6.21.0099 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/11/2023 às 14:00

VOTO

Os recursos são adequados, tempestivos e devem ser conhecidos.

1. Preliminares arguidas pelas partes

1.1 - Inépcia da petição inicial

Em suas razões, os recorrentes sustentam a inépcia da petição inicial. Alegam que os fatos foram descritos genericamente pelo Ministério Público Eleitoral, sem a imputação de condutas específicas, cerceando seu direito de defesa.

A matéria foi enfrentada - e afastada - pelo juízo sentenciante em duas oportunidades (no despacho ID 44951752 e na sentença ID 44952257), ao argumento de que a petição inicial preencheu os requisitos legais de admissibilidade, com a exposição e a delimitação dos fatos, não ocasionando qualquer prejuízo ao exercício do contraditório e da defesa dos ora recorrentes.

No mesmo sentido foi a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45417637, fls. 10/11).

Conforme se depreende da petição inicial de ID 44951639, o Ministério Público Eleitoral, ao propor a ação, descreveu a ocorrência de diversos ilícitos eleitorais no Município de Gramado dos Loureiros, durante a campanha de 2020, dividindo-os em dois núcleos: a) Ilícitos relacionados à utilização indevida de recursos financeiros e da estrutura da Secretaria Municipal de Saúde, mediante distribuição e pagamento de medicamentos e realização de exames médicos em favor de eleitores, com o objetivo de favorecimento eleitoral dos recorrentes MANOEL e JOSÉ; b) Ilícitos relacionados à movimentação paralela de recursos financeiros pelos recorrentes, não declarados à Justiça Eleitoral na prestação de contas de campanha dos candidatos, e utilizados para compra de votos em benefício de suas candidaturas.

Ainda, retratou o envolvimento e a participação de cada um dos réus da ação eleitoral nos fatos descritos, bem como a anuência e o aproveitamento dos recorrentes MANOEL e JOSÉ com os ilícitos praticados, não havendo que se falar em "descrição genérica".

Ao final, postulou a condenação dos requeridos pela prática de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97) e abuso de poder, sob as rubricas política e econômica. Conforme se depreende, a narrativa dos fatos realizada pelo Ministério Público Eleitoral observou os requisitos exigidos pelo Tribunal Superior Eleitoral à admissibilidade de ações dessa natureza, uma vez que há consonância entre os fatos narrados e os pedidos. Nesse sentido:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. CANDIDATOS A PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PRELIMINARES. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL E INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. REJEIÇÃO. ABUSO DE PODER POLÍTICO. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. JORNAL IMPRESSO. PREVALÊNCIA DA LIBERDADE DE IMPRENSA. VEÍCULO DE COMUNICAÇÃO MANTIDO PELO ESTADO. PECULIARIDADES. BALIZAS MAIS ESTREITAS. USO. BEM PÚBLICO. COAÇÃO. SERVIDORES. CONDUTA VEDADA E ABUSO NÃO CONFIGURADOS. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA. INEXISTÊNCIA DE GRAVIDADE. IMPROCEDÊNCIA.1. Não é inepta a petição inicial que descreve os fatos, os fundamentos do pedido e possibilita à parte o efetivo exercício do direito de defesa, corroborada com início de prova documental. […]

(Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 060182324, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 187, Data: 26.09.2019.) (Grifei.)

Além disso, não restaram demonstradas as hipóteses descritas nos incisos do art. 330, § 1º, do Código de Processo Civil.

Assim, afasto a preliminar de inépcia da petição inicial.

1.2 - Nulidade da sentença, por ultra petita

Os recorrentes MANOEL e JOSÉ suscitam a nulidade da sentença, por considerá-la ultra petita, em face da violação ao art. 492 do Código de Processo Civil, uma vez que houve condenação às sanções de multa (no valor de 5 mil UFIR) e de inelegibilidade (por 8 anos), duas vezes, embora o Ministério Público Eleitoral, autor da ação, tenha requerido a condenação por tais fatos uma única vez (pedidos f.1 e f.2 da petição inicial).

O dispositivo citado pelos recorrentes preceitua:

Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional.

Inexistente o vício alegado.

Com efeito, conforme se constata da inicial, após narrar as supostas condutas ilícitas, foram atribuídas as práticas de atos de abuso de poder e de captação ilícita de sufrágio, pois o Ministério Público Eleitoral postulou, relativamente à ação de investigação judicial eleitoral, fosse declarada a inelegibilidade dos recorrentes pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes à eleição e, relativamente à representação por captação ilícita de sufrágio, fosse aplicada multa individual no valor 5.000 a 100.000 UFIRs.

Ou seja, o recorrido propôs a ação dividindo-a em dois núcleos distintos de ilícitos - (i) relacionados à utilização indevida de recursos financeiros e da estrutura da Secretaria Municipal de Saúde de Gramado dos Loureiros, e (ii) relacionados à movimentação paralela de recursos financeiros pelos recorrentes, atribuindo a cada um desses eixos a configuração de atos de abuso de poder econômico e de captação ilícita de sufrágio. O magistrado a quo, ao compreender estarem comprovados os fatos, aplicou as penas correspondentes aos abusos e à captação ilícita de sufrágio em relação aos fatos narrados - multa de 5.000 mil UFIRs e a sanção de inelegibilidade em relação à ilicitude de movimentação paralela de recursos financeiros e no que diz respeito à captação ilícita de sufrágio.

Sublinho que, nos termos do art. 322, § 2º, do CPC, "a interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé". No caso dos autos, ao requerer fosse reconhecida a prática de atos distintos de abuso de poder e de captação ilícita do sufrágio, restou evidente a pretensão do Ministério Público Eleitoral de condenação por todos os fatos atribuídos. A descrição assegurou observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, não havendo prejuízo aos recorrentes.

Ademais, conforme bem ressaltado pela Procuradoria Regional Eleitoral, "em se tratando de processo eleitoral, a eventual extrapolação dos limites do pedido encontraria amparo no entendimento firmado pelo TSE, no sentido de que os contornos do pedido são demarcados pela 'ratio petendi' substancial, ou seja, segundo os fatos imputados à parte passiva e não pela errônea capitulação legal que deles se faça" (ID 45417637, fl. 10).

Afasto, pois, a prefacial.

1.3 - Nulidade da prova emprestada

Por fim, os recorrentes MANOEL e JOSÉ ORESTES reiteraram a preliminar de nulidade processual, de utilização de prova emprestada produzida sem suas participações, haja vista a ausência de identidade de partes entre a ação eleitoral proposta pelo Ministério Público Eleitoral e as pessoas que foram objeto das medidas cautelares deferidas pelo magistrado da origem. Requereram o reconhecimento de nulidade de todas as provas produzidas em decorrência daquelas, em respeito à teoria dos frutos da árvore envenenada.

A arguição de nulidade foi afastada pelo juízo sentenciante em duas oportunidades (no despacho de ID 44951752 e na sentença de ID 44952257), sob o argumento de que fora determinado o levantamento do sigilo dos autos 0600496-82.2020.6.21.0099, o que permitiu o integral acesso às provas produzidas. Ainda, o magistrado de primeiro grau aplicou ao caso a doutrina do encontro fortuito de provas, a autorizar o compartilhamento de eventuais provas que atribuam aos recorrentes a prática de ilícitos eleitorais, assegurando-lhe o contraditório diferido. Por fim, ressaltou que a doutrina e jurisprudência do TSE autorizam a utilização de prova emprestada em ações eleitorais.

Em sua manifestação, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo afastamento da nulidade processual, uma vez que fora garantido aos recorrentes o exercício diferido do contraditório sobre as provas produzidas, o que ocorreu durante a instrução processual da presente ação (ID 45417637, fls. 11/21).

Novamente, não cabe razão aos recorrentes.

Inicialmente, convém ressaltar que, conforme jurisprudência consolidada no TSE, "não há óbice à utilização de prova emprestada em feitos eleitorais, admitindo-se, em AIJE, o compartilhamento de provas produzidas inclusive em procedimento investigativo criminal, desde que resguardados os postulados do contraditório e da ampla defesa no processo em que tais provas serão aproveitadas" (AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060039833, Acórdão, Relator Min. Raul Araújo Filho, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 152, Data: 08.8.2023). (Grifei.)

Logo, a utilização das provas produzidas nos autos da medida cautelar n. 0600496-82.2020.6.21.0099, judicialmente autorizadas pelo magistrado de primeiro grau, para fins de instruir a presente ação eleitoral, não configura qualquer irregularidade processual.

Também, o fato de os recorrentes MANOEL ADILIO ALVES DA SILVA e JOSÉ ORESTES DO NASCIMENTO não integrarem o polo passivo da referida ação cautelar não impede que as provas lá produzidas sejam utilizadas nas ações eleitorais, haja vista que, no caso de produção cautelar de provas, inclusive em razão da própria natureza de tais medidas, onde a prévia ciência e manifestação das partes poderia acarretar o perecimento da prova, é natural que o exercício do contraditório e da ampla defesa sejam assegurados de forma diferida, ou seja, posteriormente, durante a instrução processual nos autos em que a prova foi aproveitada, conforme garantido pelo juízo de primeira instância, ao levantar o sigilo do processo cautelar e determinar a juntada de cópia ao presente feito.

Nesse sentido:

ELEIÇÕES 2018. RECURSOS ORDINÁRIOS. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. AIJE. ABUSO DE PODER. DEPUTADO ESTADUAL. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS. NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS ORDINÁRIOS. […] 3. De pronto, ressalta-se a validade dos elementos de prova oriundos da busca e apreensão - regularmente autorizada na fase investigativa -, notadamente o laudo pericial elaborado pela Polícia Federal acerca dos dados contidos nos celulares apreendidos, tendo em vista a natureza cautelar da referida prova, a qual se submete ao contraditório diferido, a ser realizado apenas na fase judicial. Nesse sentido: RHC nº 0600025-11/RO, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 3.2.2022. […]

(RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL n. 060174546, Acórdão, Relator Min. Raul Araujo Filho, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 66, Data: 13.04.2023.)

Ora, desde que garantido aos recorrentes o exercício ao contraditório e à ampla defesa, a ausência de identidade entre os demandados da ação cautelar e da ação eleitoral não impede a utilização da prova produzida naqueles autos, notadamente diante da possibilidade de ocorrer o encontro fortuito de elementos de provas que possam atribuir a terceiros, que não tenham sido objeto da medida cautelar, a prática de ilícitos eleitorais. Pensar de forma diversa equivaleria a determinar que os órgãos de fiscalização, ao se depararem com provas de atos ilícitos, abstenham-se de adotar as providências cabíveis, pelo simples fato de os agentes não integrarem o polo passivo da ação cautelar, onde autorizadas tais medidas.

Assim, tenho por inexistente a alegada nulidade em relação ao compartilhamento e à utilização das provas produzidas nos autos do PBACrim n. 0600496-82.2020.6.21.0099.

Afasto, por suposto, as preliminares arguidas.

2. Preliminar de ofício. Terceiros não candidatos. Captação ilícita de sufrágio.

Reputo relevante trazer, de ofício, questão preliminar que trata da legitimidade passiva – em verdade, da ausência dela –, relativamente às recorrentes MARLENE TOSI, MARLEI ALVES DA SILVA CASAL, IVANDRA DE FÁTIMA ROSSETTO, NATHANA SERPA CATAFESTA e JOSCENI MARIA CANTON, quanto às acusações de prática de compra de votos – a chamada captação ilícita de sufrágio.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem se posicionado no sentido de conferir interpretação literal ao caput do art. 41-A da Lei das Eleições e, portanto, compreender de forma estrita que somente “o candidato” pode praticar a captação ilícita de sufrágio.

Nessa linha:

“[...] Captação ilícita de sufrágio. Configuração. Terceiro não candidato. Ilegitimidade passiva. Precedentes. [...] 1. Embora o ato ilícito possa ser levado a efeito por terceiro não candidato, esse não possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda fundada no art. 41–A da Lei nº 9.504/1997. Precedentes [...] 3. Na espécie, a despeito de o ora agravado ter praticado a conduta descrita no art. 41–A da Lei das Eleições, não possui legitimidade para responder pelo ilícito eleitoral, visto que não era candidato no pleito em questão [...]” (Ac. de 24.9.2020 no AgR-REspe nº 55136, rel. Min. Edson Fachin; no mesmo sentido o Ac. de 22.4.2014 no RO nº 692966, rel. Min. Laurita Vaz.)

 

Evidente que não desconheço as qualificadas opiniões em sentido oposto.

Na doutrina, o saudoso Ministro Francisco de Assis SANSEVERINO admitia a aplicação das sanções do art. 41-A a terceiros, “na medida em que concorrem para a prática do fato – exercendo a conduta prevista no tipo (coautoria), seja contribuindo para tanto, embora não praticando diretamente a conduta prevista no tipo” (Direito Eleitoral. Verbo Jurídico, 2012, 4ªEd, p. 278), e ZILIO, ao aprofundar o debate, traz nada menos do que sete fortes argumentos para concluir que

“[…] tanto a pessoa física – seja cabo eleitoral, correligionário, simpatizante, familiar ou mesmo terceiro sem vinculação direta com o candidato – seja responsabilizado pela infração do art. 41-A da LE, já que ganha mais relevo a prática da conduta ilícita em si (seja de forma direta ou indireta), do que a condição pessoal de candidato” (Direito Eleitoral. JusPodivm, 7ª Ed., 2020, p. 698).

ZILIO, aliás, possui artigo específico sobre o tema – “Do terceiro não-candidato e da aplicação das sanções pela captação ilícita de sufrágio” (Resenha Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, Florianópolis, v. 11, n. 1, p. 40-57, jan./jun. 2004.

No campo jurisprudencial, esta Corte já se posicionou de tal forma. Em 20.7.2017, no julgamento do recurso eleitoral n. 152-05.2016.6.21.0128, Relator o então Des. Eleitoral Luciano André Losekann, decidiu-se à unanimidade ser cabível condenação a representados que atuavam como cabos eleitorais dos candidatos da chapa majoritária, ocasião em que houve análise – e superação pontual – da jurisprudência do TSE.

Segue a ementa:

RECURSOS. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. PREFEITO E VICE. VEREADOR. IMPROCEDÊNCIA. CABOS ELEITORAIS. PROCEDÊNCIA. MULTA. ELEIÇÕES 2016.

1. Oferecimento de vantagem pecuniária - pagamento de despesas para a liberação de veículo, multas e impostos atrasados - em troca do voto. Simulação de contrato de prestação de serviços para justificar a entrega dos valores a eleitor que se encontrava em gozo de benefício previdenciário por incapacidade laboral. Caderno probatório composto por prova documental e testemunhal, a revelar a ocorrência da captação ilícita. Manutenção da condenação imposta aos representados que atuavam como cabos eleitorais dos candidatos da chapa majoritária.

2. Ausência de provas que indiquem a participação no ilícito, mesmo que indireta, dos representados candidatos aos cargos de prefeito, vice e vereador. Necessária a comprovação de que a prática tenha sido anuída, consentida ou tolerada pelos candidatos, o que não se demonstrou in casu.

3. Reprimenda imposta em valor adequado, considerando-se as circunstâncias pessoais dos representados sancionados. De ofício, conversão da multa para Reais, em substituição à fixação em UFIR.

Provimento negado.

 

Decisão:

Por unanimidade, negaram provimento aos recursos, readequando, de ofício, a multa imposta para R$ 3.192,30 (três mil, cento e noventa e dois reais e trinta centavos) a cada um dos representados. (Acórdão de 18/07/2017. Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 127, Data 20.07.2017, Página 6)

No caso, minha posição pessoal dar-se-ia pela punibilidade de terceiros não candidatos, fundamentalmente por entender ser esta a solução que melhor atenderia ao escopo ao qual a norma se destina, qual seja, combater a compra de votos, verdadeira chaga da democracia brasileira.

De todo modo, lembro que o papel dos tribunais regionais é o de Corte de passagem, e uma das atribuições de tal papel é o de alinhamento das decisões oriundas do primeiro grau em relação aos tribunais superiores, sempre com vistas ao atendimento ao art. 926 do Código de Processo Civil.

Assim, reconheço, de ofício, nos termos do art. 337, § 5º, do Código de Processo Civil, MARLENE TOSI, MARLEI ALVES DA SILVA CASAL, IVANDRA DE FÁTIMA ROSSETTO, NATHANA SERPA CATAFESTA e JOSCENI MARIA CANTON partes ilegítimas para figurarem na presente demanda, no que diz respeito às acusações de captação ilícita de sufrágio, nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.

Ressalto que, tendo havido a condenação de MARLENE, MARLEI, IVANDRA, NATHANA e JOSCENI em primeiro grau, e sobretudo para facilitar o necessário reexame da prova dos autos, as condutas praticadas pelas recorrentes seguirão, eventualmente, constando como objeto de análise de ilicitude, ainda que não possam, obviamente, redundar em aplicação de sanção, pois compõem o conjunto fático também de outros delitos – abuso de poder –, sendo inviável dissociar os eixos de prova.

Ademais, as representadas não candidatas seguem integrando a demanda no que diz respeito às acusações de prática de abuso de poder, sob os vieses econômico e político.

3. Mérito

Conforme se constata da sentença de ID 44952257, ao julgar procedente o pedido contido na ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) e parcialmente procedente a representação por captação ilícita de sufrágio, propostas cumulativamente pelo Ministério Público Eleitoral, o Juízo da 99ª Zona Eleitoral entendeu estar comprovada a prática de abuso de poder político e econômico e a captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97) pelos recorrentes.

Os fatos chegaram ao conhecimento do órgão ministerial em 07.10.2020, após depoimento prestado por Iride Maria Toniazzo, que denunciou a utilização da estrutura da Secretaria Municipal de Saúde de Gramado dos Loureiros para distribuição de medicamentos e agendamento de exames, mediante burla à ordem de preferência, em troca de apoio eleitoral aos então candidatos MANOEL ADILIO ALVES DA SILVA e JOSÉ ORESTES DO NASCIMENTO.

Em razão disso, o órgão ministerial protocolou pedido cautelar de busca e apreensão, a ser cumprida na residência dos recorrentes NATHANA, MARLEI e NELCI ADILIO ALVES BATISTA, bem como na empresa "Drogaria Eduglan Ltda. ME" e na farmácia municipal, visando à apreensão de celulares, agendas, notas fiscais e outros documentos que interessassem à apuração dos fatos. O pedido ocasionou a distribuição do processo PBACrim n. 0600496-82.2020.6.21.0099 e foi deferido pelo juízo eleitoral em 1º.11.2020, sendo cópia integral dos referidos autos juntada à presente ação eleitoral (IDs 44951755 a 44951818).

Da análise dos dados extraídos dos celulares apreendidos, o Ministério Público Eleitoral concluiu que os recorrentes também fizeram uso de movimentação paralela de recursos financeiros durante a campanha, os quais não foram declarados à Justiça Eleitoral na prestação de contas dos candidatos (constituição de "caixa 2"), usados para a compra de votos em benefício da candidatura de MANOEL e JOSÉ.

3.1 - Da captação ilícita de sufrágio e abuso de poder político e econômico relacionados à utilização de recursos financeiros e da estrutura da Secretaria Municipal de Saúde

Em relação ao presente grupo de fatos, o magistrado a quo reputou que as condutas atribuídas aos recorrentes configuraram: i) abuso de poder político e econômico, condenando MANOEL ADILIO ALVES DA SILVA, JOSÉ ORESTES DO NASCIMENTO e MARLENE TOSI à sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à ocorrida no ano de 2020; ii) captação ilícita de sufrágio, condenando MANOEL ADILIO ALVES DA SILVA, JOSÉ ORESTES DO NASCIMENTO, MARLENE TOSI, NATHANA SERPA CATAFESTA, IVANDRA DE FÁTIMA ROSSETTO e JOSCENIA MARIA CANTON à pena de multa de 5.000 (cinco mil) UFIRs, cada.

3.1.1 - Captação ilícita de sufrágio

No presente ponto afasto, desde já, as condenações aplicadas a MARLENE TOSI, IVANDRA DE FÁTIMA ROSSETTO, NATHANA SERPA CATAFESTA e JOSCENI MARIA CANTON, dado o reconhecimento de ilegitimidade para figurarem no polo passivo, conforme entendimento já explicitado anteriormente.

Segundo a sentença, os recorridos subverteram a ordem anteriormente adotada para o fornecimento de remédios ausentes ou não distribuídos pela farmácia pública municipal.

O esquema teria sido autorizado pela então Secretária Municipal de Saúde, a recorrente MARLENE, irmã de MARLEI e do candidato ao cargo de prefeito MANOEL ADILIO, e consistia em autorizar que os eleitores retirassem medicamentos na Farmácia Eduglan, independentemente da demonstração de urgência na aquisição e da consulta acerca da existência do medicamento na farmácia pública. NATHANA repassava as notas fiscais e realizava a cobrança junto à Secretaria Municipal de Saúde, que emitia a nota de empenho e pagava pelas despesas, sempre mediante induzimento e solicitação para que os beneficiados votassem nos candidatos MANOEL e JOSÉ.

Segundo consta da petição inicial, tal modus operandi foi aplicado em relação ao fornecimento do medicamento "Venzer 8mg" ao eleitor Neri Sebastião Fidélix, no valor de R$ 54,00 (cinquenta e quatro reais), e do medicamento "Adera, de 5000I" à eleitora Keli Bruna da Silva, no valor de R$ 74,87 (setenta e quatro reais e oitenta e sete centavos), conforme notas de empenho que instruem a inicial.

Além disso, os recursos da saúde foram utilizados para quitar uma dívida no valor de R$ 111,00 (cento e onze reais) que a eleitora identificada como "Porfíria" possuía na farmácia e que restou paga pelo município. O pagamento de tal dívida pelo órgão público foi intermediado pela recorrente JOSCENI MARIA CANTON, de apelido "Bia", que, à época, gerenciava a farmácia pública de Gramado dos Loureiros.

Ainda visando favorecer a candidatura de MANOEL e JOSÉ, os recorrentes também teriam burlado a fila para a realização de exames, beneficiando as eleitoras identificadas como Maria e Claudineia Matiasso em troca de votos para aqueles, tendo o último custado aos cofres públicos o valor de R$ 237,50 (duzentos e trinta e sete reais e cinquenta centavos). A intermediação para a liberação do exame da eleitora Maria teria sido realizada pela recorrente IVANDRA DE FÁTIMA ROSSETTO, irmã de MARLENE e MANOEL.

O ponto é importante, desde já, mesmo em sede de hipótese, pois adianto que me alinho ao posicionamento exarado pela Procuradoria Regional Eleitoral (parecer de ID 45417637, fl. 78), no sentido de que inexiste elemento de prova que atribua ao recorrente JOSÉ ORESTES DO NASCIMENTO a prática dos fatos acima descritos ou a anuência com tal prática, sendo inviável a presunção de sua responsabilidade em razão do mero aproveitamento de eventuais benefícios advindos das condutas, razão pela qual merece ser acolhido seu recurso em relação ao presente eixo fático, para fins de afastar as penas de multa e inelegibilidade aplicadas pela sentença guerreada.

Vou adiante.

O mesmo raciocínio deve ser aplicado em relação ao recorrente MANOEL, uma vez que não há, igualmente, demonstração de participação ou anuência, não sendo possível sua responsabilização, com a aplicação das severas sanções previstas pela legislação eleitoral (multa e inelegibilidade), pelo simples fato de ser irmão de algumas das pessoas envolvidas, ou pela alegação de eventual beneficiamento com as condutas, haja vista a ausência de comprovação de seu conhecimento dos fatos.

Diante disso, reconheço a ilegitimidade de MARLENE, NATHANA, JOSCENIA e IVANDRA para figurarem como representadas pela prática de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97), e afasto a condenação dos recorrentes MANOEL e JOSÉ ORESTES, em razão da ausência de prova de participação e anuência com os fatos.

3.1.2 -Abuso de poder político e econômico

Antecipo que, em relação ao reconhecimento de que os fatos acima mencionados configuraram, ainda, abuso de poder político e econômico pelos recorrentes MANOEL ADILIO ALVES DA SILVA, JOSÉ ORESTES DO NASCIMENTO e MARLENE TOSI, necessário o provimento de seus recursos, com o objetivo de afastar a sanção de inelegibilidade aplicada pelo juízo de primeiro grau.

Com efeito, além de não haver prova do envolvimento de MANOEL e JOSÉ, as condutas praticadas não denotaram potencialidade para lesar a higidez e a normalidade do pleito. Há fatos em relação aos eleitores Neri, Kelly, Perfíria, Maria e Claudinea envolvendo o fornecimento de remédios e exames avaliados em, aproximadamente, R$ 500,00 (quinhentos reais).

Sobre o tema, José Jairo Gomes ensina que:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições. Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663)

Embora reprováveis e caracterizadoras de captação ilícita de sufrágio, as condutas não ostentam a gravidade citada pelo art. 14, § 9º, da Constituição Federal, que visa à tutela da normalidade e à legitimidade do pleito. Mister salientar, por imperioso, que os mandados de busca e apreensão deferidos pelo juízo eleitoral foram cumpridos no dia 06.11.2020 (ID 44951755, fl. 93), ou seja, nove dias após o pleito municipal, resultando na apreensão de milhares de documentos (notas de empenho, notas fiscais, autorização de compras de medicamentos, receituários médicos e outros), conforme documentos de ID 44951755 a 44951792, além dos telefones celulares dos recorrentes.

Contudo, em que pese a farta documentação, há a descrição de três atos de captação ilícita de sufrágio em relação às irregularidades no fornecimento de medicamentos (fornecimento a Neri e Kelly e pagamento da dívida de Porfíria) e de dois casos de agendamento de exames sem observância da fila de espera (Maria e Claudineia Matiasso), a evidenciar que não houve a alegada utilização sistemática da estrutura da Secretaria Municipal de Saúde para beneficiar a candidatura de MANOEL e JOSÉ ORESTES.

Nesse sentido:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. IMPROCEDENTE. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA POR INDEFERIMENTO DA PROVA PERICIAL. REJEITADA. MÉRITO. PRÁTICA DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. FAVORECIMENTO. PREFEITO E VICE-PREFEITO. AUSÊNCIA DE PROVA FIRME E CONTUNDENTE. MANTIDA A SENTENÇA. DESPROVIMENTO. […] 4. O conceito de abuso de poder é indeterminado e aberto, não sendo definido por condutas taxativas. Destarte, os atos abusivos serão assim interpretados nas hipóteses em que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito. A quebra da normalidade e legitimidade das eleições está vinculada à gravidade das circunstâncias aptas a afetarem a lisura da disputa, sem a necessidade de ser demonstrado que, sem a conduta abusiva, o resultado das urnas seria diverso. De acordo com o entendimento do TSE, o abuso do poder econômico caracteriza-se pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade do certame, sendo imprescindível, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, que a Justiça Eleitoral, mediante provas robustas, verifique a existência de grave abuso de poder, suficiente para ensejar as rigorosas sanções de cassação do registro, diploma ou mandato, e inelegibilidade. Para a captação ilícita de sufrágio, é necessária a participação do candidato beneficiado, ou ao menos seu conhecimento, em qualquer das condutas previstas no art. 41-A da Lei Eleitoral ocorridas entre a data do registro de candidatura e a eleição, bem como o dolo específico, consistente na intenção de obter o voto do eleitor. 5. Não demonstrada, no conjunto probatório, a ocorrência de fato com dimensão para comprometer gravemente a normalidade e a legitimidade do pleito, objetos perseguidos pelo meio processual em questão. Não comprovada a prática de captação ilícita de sufrágio ou de abuso do poder por prova firme e contundente, deve ser confirmada a sentença que julgou improcedente a ação. 6. Desprovimento. (Recurso Eleitoral n. 060054522, Acórdão, Relator Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 26.08.2022.) (grifo deste relator)

Diante disso, reputo necessária a reforma da sentença, para afastar o reconhecimento da prática de abuso de poder econômico e político por MANOEL ADILIO ALVES DA SILVA, JOSÉ ORESTES DO NASCIMENTO e MARLENE TOSI, bem como a sanção de inelegibilidade.

3.2 - Captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico decorrente da realização de movimentação paralela de recursos financeiros (caixa 2)

O presente núcleo fático foi indicado pelo Ministério Público Eleitoral, após análise das conversas extraídas dos aparelhos celulares e do material apreendido em cumprimento aos mandados de busca e apreensão da medida cautelar de n. 0600496-82.2020.6.21.0099, e consiste na constituição de "caixa 2" (movimentação paralela de recursos financeiros) pelos candidatos MANOEL ADÍLIO e JOSÉ ORESTES, inclusive para a compra de votos, e que contou com a colaboração e organização das recorrentes MARLENE TOSI, MARLEI CASAL e IVANDRA ROSSETTO, irmãs de MANOEL.

Conforme a sentença, do final do mês de setembro ao dia 12.11.2020, constatou-se intensa e incompatível movimentação de recursos financeiros na conta bancária de MARLENE. Tais recursos teriam sido utilizados em benefício da campanha eleitoral de MANOEL e JOSÉ, sem declaração à Justiça Eleitoral, inclusive para a compra de votos, de acordo com conversas extraídas dos telefones celulares apreendidos e das anotações contidas na agenda e nos documentos encontrados nas residências dos recorrentes. Ainda, semelhante movimentação atípica teria ocorrido em conta bancária pertencente à recorrente MARLEI entre o período de 08.10.2020 a 30.10.2020, quando realizados diversos "saques avulsos" de recursos financeiros, que totalizaram R$ 89.000,00 (oitenta e nove mil reais).

Além disso, a recorrente IVANDRA, utilizando-se de conta bancária de seu marido (Arnaldo Rossetto), teria emprestado R$ 34.000,00 (trinta e quatro mil reais) à campanha de seu irmão MANOEL, sendo R$ 8.000,00 (oito mil reais) depositados na conta bancária de Douglas Lanzarin e R$ 26.000,00 (vinte e seis mil reais) na conta bancária da recorrente MARLENE. Tais valores não foram declarados pelos candidatos na prestação de contas entregue à Justiça Eleitoral, configurando movimentação paralela de recursos financeiros ("caixa 2"), em fatos que seriam de conhecimento e contariam com a anuência de MANOEL, previamente informado por suas irmãs, e de JOSÉ ORESTES, cacique da aldeia indígena existente no Município de Gramado dos Loureiros, sobre a qual "mantém rígido controle da população" e onde está situada a Linha Alta Alegre, local em que se haveria de concentrar a compra de votos.

Em razão disso, MANOEL, JOSÉ, MARLENE, MARLEI e IVANDRA foram condenados à sanção de inelegibilidade por 8 (oito) anos, por abuso de poder econômico, e à pena de multa no valor de 5.000 (cinco mil) UFIRs cada, por captação ilícita de sufrágio.

3.2.1 - Quanto ao abuso de poder econômico

Nos termos da jurisprudência consolidada do TSE, o abuso do poder econômico "caracteriza-se pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade da disputa" (TSE, AIJE n. 0601851-89/DF, j. 23.12.2018, rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 12.3.2019). Além disso, "o ilícito se caracteriza pela utilização desmedida de aporte patrimonial que, por sua vultosidade e gravidade, é capaz de viciar a vontade do eleitor, desequilibrando a lisura do pleito e seu desfecho" (TSE, AI n. 685-43/PA, j. 4.3.2021, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 19.3.2021).

As provas produzidas nos autos foram consistentes para demonstrar a ocorrência do abuso de poder econômico praticado pelos recorrentes MANOEL, MARLENE, MARLEI e IVANDRA, razão pela qual, em relação a esses, adianto, a sentença merece ser integralmente mantida.

Quanto ao recorrente JOSÉ ORESTES DO NASCIMENTO, contudo, o recurso merece provimento – como bem ressaltado pela Procuradoria Regional Eleitoral, diga-se de passagem –, pois não foram produzidas provas que demonstrem anuência ou participação, sendo inviável a condenação pelo alegado beneficiamento de sua candidatura, ou pelo fato de ser cacique de aldeia indígena. Transcrevo parte do parecer da Procuradoria, a qual adoto como razões para decidir:

A justificativa contida na sentença, de que José Orestes Nascimento, por sua condição de Cacique da terra indígena em Gramado dos Loureiros, tinha pleno conhecimento da compra de votos, inclusive porque um dos locais em que a compra de votos se concentrou (o que se verifica da análise das anotações constantes na agenda apreendida com Marlene) trata-se da Linha Alto Alegre cuja maior parte da população (se não a integralidade) é indígena, não se mostra plausível, pois decorre de mera presunção do magistrado e não tem por base nenhum elemento de prova a corroborar tal conclusão. Desse modo, o afastamento das penalidades aplicadas a José Orestes do Nascimento é medida que se impõe (ID 45417637, fl. 79).

Da consulta ao sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (disponível em https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86762/210000768408) constata-se que MANOEL ADILIO ALVES DA SILVA e JOSÉ ORESTES DO NASCIMENTO, ao apresentarem suas contas de campanha à Justiça Eleitoral, declararam a obtenção de receitas totais no valor de R$ 11.397,85 (onze mil trezentos e noventa e sete reais e oitenta e cinco centavos), dos quais R$ 10.407,85 (dez mil quatrocentos e sete reais e oitenta e cinco centavos) decorrem de recursos próprios de MANOEL e R$ 990,00 (novecentos e noventa reais) de doação realizada por Vania Lúcia Stradiotti da Silva.

Contudo, as mensagens de WhatsApp trocadas entre as recorrentes MARLENE, MARLEI e IVANDRA, bem como entre NATHANA (que não foi imputada em relação aos presentes fatos) e Itauana, demonstram que as recorrentes, com a ciência e anuência de MANOEL, realizaram intensa movimentação paralela de recursos financeiros durante as eleições municipais de 2020, mediante constituição de "caixa 2", utilizados principalmente para a captação ilícita de sufrágio em benefício da candidatura de MANOEL, sem serem computados e declarados à Justiça Eleitoral. Tal movimentação paralela restou suficientemente demonstrada pelos extratos bancários acostados aos autos.

Com efeito, conforme se extrai da degravação das conversas extraídas de seus telefones celulares, apreendidos após determinação judicial, MARLENE, MARLEI e IVANDRA demonstravam intensa preocupação com o resultado do pleito de 2020, debatendo abertamente sobre a necessidade de "melhor empregar" os recursos financeiros disponíveis, em benefício da campanha de MANOEL e JOSÉ.

Citam-se as seguintes conversas elencadas na sentença a quo e que evidenciam o emprego de recursos privados em benefício da candidatura de MANOEL e JOSÉ ORESTES, as quais deixo de transcrever na íntegra para fins de evitar desnecessária repetição:

a) conversa entre MARLEI e IVANDRA, ocorrida em 13.10.2020, na qual as recorrentes debatem a necessidade de "cuidar onde tão investindo dinheiro", pois "quem tem que comprar pode ser pra última semana", alegando que "a Marlene tá colocando dinheiro fora". Mencionam que "Seu Ari" conversou com o pai das interlocutoras e orientou a ter cuidado para quem estavam dando dinheiro, pois "esses que tão vindo pedi, pedi, tão precisando, tão precisando, é mando dos outros e vão, na última hora vão vota contra", concluindo que, "se os outros não tem dinheiro deixe pra comprar no final da da, não vai fazer diferença Marlei, não vai fazer diferença, se não tivessem começado dá mas agora começaro dá, vão te que dá um jeito e corta, porque quem pega o dinheiro não vai votar a favor, pra que que eu vo votar a favor se eu já peguei o dinheiro". Na mesma conversa, MARLEI informa ter cientificado ADILIO da situação, ao mencionar "mas já coloquei o Adílio a par", "amanhã temos gravação com ele a tarde" e "vamos sentar e conversar", a configurar plena ciência e anuência do recorrido com as condutas.

b) conversa entre MARLENE e IVANDRA, ocorrida em 15.10.2020, na qual aquela questiona se IVANDRA poderia emprestar R$ 75.000,00 à taxa de juros de 1,3% ao mês, tendo esta respondido que aceitaria fazer o empréstimo, desde que fosse à taxa de juros de 1,5% mensais, sendo o valor devolvido no prazo de dois anos, sob a responsabilidade de ADILIO. Na mesma conversa, MARLENE sustenta que também emprestaria R$ 75.000,00, cujo dinheiro seria obtido mediante financiamento bancário. Novamente, ao mencionarem que o recorrente ADILIO se responsabilizaria pela devolução dos valores, fica evidenciada a anuência com os fatos, bem como que tais valores seriam utilizados em benefício de sua candidatura.

c) conversa entre MARLENE e IVANDRA, mantida em 22.10.2020 e 30.10.2020, na qual MARLENE informa o número de uma conta bancária e, em resposta, IVANDRA envia dois comprovantes de transferência, o primeiro no valor de R$ 8.000,00, em benefício de Douglas Lanzarin, e o segundo no valor de R$ 26.000,00, em benefício de MARLENE. Nota-se que, alguns dias após MARLENE questionar se IVANDRA poderia emprestar valores à campanha de seu irmão, esta realiza duas transferências bancárias, totalizando R$ 34.000,00. A defesa não logrou comprovar as razões de tais transferências, tendo suas afirmações sido peremptoriamente afastadas pelo magistrado a quo, em análise aprofundada das provas produzidas.

d) conversa entre NATHANA e Itauana, ocorrida em 30.10.2020, onde a primeira demonstra preocupação com a forma como estava sendo utilizado o dinheiro durante a campanha de MANOEL e JOSÉ ORESTES, citando o pagamento de R$ 5.000,00 a "Basílio", concluindo que "o Basílio é compra de último dia". Na mesma conversa, Itauana menciona "e que nem a Marlei, dá dinheiro pra qualquer um, gente, não é dinheiro pra qualquer um. Imagina dar cinco mil pro Basílio. Meu Deus do céu, é coisa sem sentido. Daqui uns dias vai faltar dinheiro, daí quero ver uma coisa. Vão tirar dinheiro do cu, daí", ao que NATHANA responde "[...] E outra que, tipo, gente, tão fazendo cada brique, sabe? Tipo esses do Basílio, primeiro deram mil real; aí, esses dias, ontem eu acho, que se acharam com ele não sei aonde. E daí diz que a Marlei e a Marlene correram pro lado dele. Ah, Basílio, porque tu tem que ser companheiro nosso. Três mil na mão do Basílio. Já é quatro. Aí deram pra ele... prum filho dele, eu acho, que nem vota. Deram 700 e poucos, 800 real. Olha bem! Quatro mil e pouco, quase cinco conto. Gastado co Basílio. E o Basílio, gente, é chegar no sábado de noite e dizer ó Basílio, tá aqui ó, dois mil real, amanhã vem o resto. Entendeu? Tipo, gente, eu tô muito indignada, assim, sabe? E tô bem desanimada, Tau". Ao final, Itauana menciona que "o dinheiro está sendo mal administrado" e NATHANA conclui "Taú, só que o causo é o seguinte, entendeu? Nóis já temo botando dinheiro, caralho! De certo querem que vá lá pro meio do mato dar tiro, também? Pô, techê, olha aquela piazada vagabundiando lá no Alto Alegre, naquele comitê. Tão fazendo o quê? Ma, gente, já tamo financiando janta e tudo, daqui a pouco vamo ter que dá as roupa também! Ma que vão trabaiá. O negócio é espremer, ma não tem essa história. O negócio, agora, seria o Adilio ir lá, como candidato, e dizer: ó, piazada, a coisa tá acirrada, nós temo que dar umas prensa na galera, entendeu? Conto com a parceria de voceis e vamo pra estrada. O negócio agora é largar um pouquinho o comitê e ir pro mato, e não poupem bala de revólver que é o que nós mais temo".

Da conversa entre NATHANA e Itauana conclui-se que a gestão dos recursos que integravam o "caixa 2" era feita por MARLENE e MARLEI, responsáveis, inclusive, pela compra de votos em favor da candidatura do irmão, e não há dúvidas de que os recorrentes se utilizaram de recursos privados, não declarados à Justiça Eleitoral, para a prática sistêmica de captação ilícita de sufrágio no Município de Gramado dos Loureiros, destacando-se a menção ao pagamento de R$ 5.000,00 à pessoa identificada por "Basílio".

Além disso, na agenda apreendida na residência de MARLENE (ID 44951665, fl. 5/6), abaixo da expressão "compra", há uma lista com cerca de 35 nomes – supostos eleitores da linha Alto Alegre, interior do município. Ao proferir sua sentença, o magistrado realizou acurada análise da movimentação financeira demonstrada pelos extratos da conta bancária de MARLENE (agência 1079, conta n. 3503879804, do Banrisul), e que ora transcrevo:

[…] no período de 01 de outubro a 12 de novembro de 2020, ocorreram diversas movimentações na conta bancária que Marlene mantém no Banrisul, inclusive movimentações de elevados valores, circunstância que não se mostra crível se comparada aos rendimentos auferidos pela requerida Marlene (que à época exercia a função de Secretária Municipal de Saúde do Município de Gramado dos Loureiros/RS - vencimentos mensais de R$ 3.704,06), cuja informação consta no portal transparência do Município de Gramado dos Loureiros na rede mundial de computadores. Note-se que do fim de setembro a 12 de novembro de 2020, ocorreram movimentações de elevados valores, incompatíveis com os vencimentos percebidos pela requerida, conforme antes mencionado. Os extratos bancários revelam, ainda, que a movimentação na conta bancária de Marlene intensificou-se (excepcionalmente) no pleito eleitoral e, aliada as demais provas constantes nos autos demonstra a ocorrência de abuso do poder econômico.

Saltam aos olhos, a partir da análise do extrato da conta bancária de MARLENE (ID 44952176), as seguintes operações financeiras: i) resgate de R$ 20.000.00, que estavam aplicados, e emissão de cheque para terceiros, no mesmo valor, em 21.09.2020; ii) resgate de R$ 49.000,00, que estavam aplicados, recebimento de transferências bancárias de R$ 15.000,00, R$ 31.515,68 e R$ 49.000,00, bem como saque de R$ 1.500,00 e transferência e pagamento de R$ 49.000,00, cada, tudo ocorrido em 07.10.2020; iii) duas transferências de R$ 1.500,00, realizadas no dia 09.10.2020; iv) emissão de cheque no valor de R$ 6.000,00, descontado em 14.10.2020; v) recebimento de R$ 65.000,00 no dia 21.10.2020, dos quais R$ 62.000,00 foram aplicados e R$ 1.000,00 foram sacados em espécie; vi) resgate de R$ 26,000.00, que estavam aplicados, e emissão de cheque para terceiros, no valor de R$ 23.000,00, ambos em 27.10.2020; vii) compensação de cheque de R$ 40.000,00 em 12.11.2020.

Em relação à movimentação financeira constatada na conta bancária de MARLEI, conclui que "no período de 08/10/2020 a 30/10/2020 foram efetuados diversos saques avulsos que somados ultrapassam a quantia de cerca de R$ 89.000,00, ao passo que no mês de setembro não ocorreu um único saque na conta da requerida Marlei."

Ou seja: os extratos bancários que instruem o processo evidenciam que MARLENE e MARLEI movimentaram suas contas bancárias de forma atípica durante o período eleitoral de 2020, a evidenciar a alegada movimentação paralela de recursos financeiros, em corroboração com as conversas mantidas entre as recorrentes, e acima destacadas, bem como que eram elas as responsáveis pela gestão dos recursos paralelos, inclusive em relação à distribuição aos eleitores, em troca de seu voto.

Além disso, destaco o "empréstimo" de R$ 34.000,000 realizado por IVANDRA, dos quais R$ 8.000,00 foram repassados a Douglas Lanzarin e R$ 26.000,00 a MARLENE. Tais valores foram repassados após conversa mantida entre ela e MARLENE, na qual combinaram o auxílio financeiro à campanha de MANOEL e JOSÉ ORESTES.

Os valores utilizados ultrapassam, em muito, o total de receitas declaradas pelos candidatos em sua prestação de contas e, somados, o próprio limite de gastos a ser observado pelos candidatos aos cargos do Executivo nas eleições municipais de 2020, qual seja, R$ 123.077,42, conforme informado pela Justiça Eleitoral (disponível em: https://drive.google.com/file/d/1JW-ctMsAsdDxOh3ULtNIo081H5F0x5og/view?pli=1), estando caracterizado o uso desproporcional de recursos financeiros por parte de MANOEL, MARLENE, MARLEI e IVANDRA, com potencialidade de viciar a vontade do eleitor e macular a lisura do pleito, ainda que tenham perdido as eleições. Nessa linha:

RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CANDIDATOS ELEITOS. SERVIDOR PÚBLICO. REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PRELIMINAR DE ILICITUDE DAS GRAVAÇÕES AMBIENTAIS. VÁLIDA A DECISÃO QUE DEFERIU A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRELIMINARES DE NULIDADE DA EXTRAÇÃO DE DADOS DOS APARELHOS CELULARES, DE SUSPEIÇÃO IRREGULAR DAS TESTEMUNHAS, DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E DE AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS. REJEIÇÃO. MÉRITO. PRÁTICA GENERALIZADA DE CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CADERNO PROBATÓRIO EXAUSTIVA E CRITERIOSAMENTE ANALISADO. DISTRIBUIÇÃO DE CESTAS BÁSICAS. AÇÃO PLANEJADA E REITERADA. FLAGRANTE ABUSO DE PODER ECONÔMICO. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PATRIMONIAIS PÚBLICOS. ABUSO DE PODER POLÍTICO. USO INDEVIDO DO CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA. CONDUTA GRAVOSA. COMPROVAÇÃO DO USO DE VALORES PARTICULARES (CAIXA 2) PARA OFERECIMENTO DE VANTAGENS. CONJUNTO PROBATÓRIO INÁBIL PARA DEMONSTRAR A PARTICIPAÇÃO OU ANUÊNCIA DO CANDIDATO A PREFEITO. IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS. INELEGIBILIDADE. MULTA. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. NOVAS ELEIÇÕES MAJORITÁRIAS NO MUNICÍPIO. PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DO PREFEITO. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS REMANESCENTES. […] 6. A configuração do abuso de poder econômico não se delimita a uma constatação meramente aritmética sobre aportes financeiros, importando aferir também a finalidade da norma, porquanto "a vedação ao uso abusivo do poder econômico, prevista no art. 22 da LC n. 64/90, visa a tutelar a igualdade de oportunidades entre os candidatos e o livre exercício do direito de sufrágio a fim de salvaguardar a normalidade e a legitimidade das eleições e, a despeito da inexistência de parâmetros objetivos, a aferição da gravidade é balizada pela vulneração dos bens jurídicos tutelados pela norma, em face das circunstâncias do caso concreto suscetível a adelgaçar a igualdade de chances na disputa eleitoral" (AgR-REspe n. 452-83, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 7.2.2020, e AgR-REspe n. 419-16/RO, j. 19.5.2020, rel. Min. Sérgio Banhos, DJe 19.6.2020). Na hipótese, comprovado o uso de valores particulares ("caixa 2") para oferecer vantagens a diversos eleitores e instrumentalizar a compra de votos, com reiteração de condutas bastante graves e aptas a afetar a normalidade e legitimidade do pleito. Condutas que integravam um conjunto contumaz, sistematizado e conjugado de ações ilícitas visando a captação de sufrágio por meio da doação de combustíveis e da intermediação de serviços de retroescavadeiras, utilizando, para esses últimos, de recursos públicos, em atos graves e ofensivos à normalidade e à legitimidade das eleições, configurando a prática de abuso de poder econômico. 7. Parcial provimento ao recurso interposto pelo prefeito e desprovimento aos demais. Cassação dos diplomas. Inelegibilidade. Multa. Recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, considerando nulos para todos os efeitos os votos atribuídos ao vereador. Novas eleições majoritárias no município. (RECURSO ELEITORAL n. 060024527, Acórdão, Relator Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 260, Data: 09.12.2022.)

Há, portanto, amplo suporte de provas da constituição de "caixa 2" durante a campanha de MANOEL ADILIO e JOSÉ ORESTES, sem que possam ser considerados verossímeis argumentos defensivos de ausência de dolo, ou que as anotações contidas na agenda apreendida evidenciariam a realização de "transações financeiras lícitas, com finalidade comercial e profissional". Os recorrentes não apresentaram sequer um contraponto de prova que indicasse a existência de relação financeira lícita, comercial ou profissional, com as pessoas indicadas na agenda apreendida na residência de MARLENE.

Também não prospera a alegação de que as transcrições contidas na sentença se resumem a "diz-que-diz-que" ou de "conversas de esquina, de mesa de bar", como defende MARLENE, MARLEI e IVANDRA. São conversas claras, algumas delas levadas nitidamente em tom de tensão, que esclarecem os fins ilícitos da atípica movimentação de recursos financeiros.

Igualmente inverossímeis, aliás, as alegações de que o valor de R$ 8.000,00 teria sido transferido por IVANDRA a Douglas Lanzarin para pagamento de materiais de construção, e de que o valor de R$ 26.000,00, remetido a Arnaldo Rossetti, marido de MARLENE, refere-se à venda de um veículo. Convém destacar as constatações extraídas pela sentença atacada, em trecho que, inclusive, estampa imagens de documentos, os quais indico presentes no ID 44952257:

A defesa dos requeridos Marlene Tosi, Marlei Alves da Silva Casal, Ivandra de Fatima Rossetto, Nelci Adilio Batista da Silva, Nathana Serpa Catafesta e Josceni Maria Canton sustenta que o valor de R$ 8.000,00 (transferido da conta de Arnaldo Rossetto, marido de Ivandra) refere-se a pagamento de dívida de Marlene para Douglas Lanzarin. Para fins de comprovar tal alegação, juntou recibo firmado por Douglas, datado de 31/10/2020. [...] Trata-se de prova unilateral (recibo contendo apenas a expressão genérica de "pagamento de dívida"), o qual, em tese, teria sido firmado em 31/10/2020, ao passo que a transferência foi feita ainda no dia 22/10/2020. Ademais, há que se destacar que a transferência de R$ 8.000,00 foi feita diretamente da conta de Arnaldo Rossetto para a conta de Douglas, no dia 22/10/2020, (e não para a conta de Marlene para posterior pagamento a Douglas) não havendo justificativa para tal operação. Não há sequer justificativa da origem da suposta dívida de R$ 8.000,00 da requerida Marlene para Douglas Lanzarin. Ademais, é incoerente tal alegação de débito de Marlene e empréstimo de valores por parte do cunhado Arnaldo, tendo em vista que Marlene possuía expressivos valores depositados e aplicados em sua conta bancária no mês de outubro de 2020, conforme se verá a seguir em análise a quebra de sigilo bancário. Não foi juntada aos autos nenhuma comprovação de que a transferência do referido valor tenha sido, de fato, para efetuar pagamento de dívida de Marlene com Douglas, o que poderia facilmente ter sido feito através de juntada de print de conversa de whatsapp (Marlene encaminhando mensagem avisando Douglas sobre a transferência ou Arnaldo encaminhando mensagem avisando Marlene sobre a efetivação da transferência do valor para a conta de Douglas), ou oitiva de testemunhas. Inobstante tenha questionado a razão pela qual tal pessoa não foi ouvida perante a Promotoria de Justiça, curiosamente a defesa também deixou de arrolar Douglas Lanzarin como testemunha deixando assim de ouvi-lo em juízo. Do mesmo modo, não foi postulada a oitiva de Arnaldo Rossetto para fins de serem esclarecidas as circunstâncias do suposto empréstimo no valor de R$ 26.000,00 concedido à Marlene, tampouco foi postulada a oitiva do representante da revenda de veículos para o qual Marlene afirma ter efetuado um pagamento relativo à aquisição de um veículo, representado por um cheque de R$ 23.000,00 que teria sido adimplido no final de outubro de 2020. Registra-se, por outro lado, que o extrato da conta bancária mantida por Marlene no Banrisul revela que no mês de outubro de 2020 a mesma possuía consideráveis valores aplicados naquela instituição (CDB), circunstância que se mostra incompatível com a alegação dos requeridos no sentido de que Arnaldo teria emprestado dinheiro à Marlene. Por outro lado, verifica-se, que a requerida teve debitado em sua conta um cheque no valor de R$ 23.000,00 no dia 27/10/2020, conforme afirmou na contestação. [...] Contudo, naquela data, a requerida possuía saldo suficiente para o pagamento da referida quantia, conforme se verifica do print de tela abaixo colacionado: [...]

Ademais – e tal fato não escapou, igualmente, da análise do juízo da origem –, o veículo que Marlene alega ter adquirido possuía valor significativamente menor que o alegadamente pago, o que geraria a situação no mínimo inusitada de compra em valor bem acima da tabela FIPE. Em outubro de 2020, um VW Fox 1.0 Mi Total Flex 8v 5p possuía cotação de R$ 20.409,00. O normal, natural, conforme experiência, e até mesmo o que indica o senso comum, é a compra por valores abaixo da tabela de referência. Além disso, o cheque fora descontado em 27.10.2020, quando MARLENE possuía saldo considerável, e a transferência do valor de R$ 26.000,00 da conta de Arnaldo Rossetto para a conta de Marlene foi efetuada somente em 30.10.2020, em circunstâncias que evidenciam a inexistência de relação com compra de veículo.

Assim, tenho que a sentença não merece reparos, no ponto. Houve exaustiva apreciação das provas dos autos. Acrescento, apenas, que o documento para transferência da propriedade do alegado veículo foi assinado somente em 1º.3.2021 (ID 44951742, fl. 2), ou seja, após a propositura da ação pelo Ministério Público Eleitoral (e meses depois do alegado pagamento), em clara tentativa de acobertamento de ilícitos.

Assim, voto por negar provimento aos recursos de MANOEL ADILIO ALVES DA SILVA, MARLENE TOSI, MARLEI ALVES DA SILVA e IVANDRA DE FÁTIMA ROSSETTO no presente tópico, de forma a manter as condenações pela prática de abuso de poder econômico.

Dou provimento, contudo, ao recurso interposto por JOSÉ ORESTES DO NASCIMENTO, uma vez que, ao sentir deste Relator, não foi devidamente comprovada sua participação nos fatos descritos ou anuência com a prática, nos termos da fundamentação.

3.2.2 - Da Captação ilícita de sufrágio

No presente ponto afasto, desde já, as condenações aplicadas a MARLENE TOSI, MARLEI ALVES DA SILVA CASAL e IVANDRA DE FÁTIMA ROSSETTO, pelo reconhecimento da ilegitimidade para figurarem no polo passivo, tratado exaustivamente em tópico próprio.

Os fatos comprovados também caracterizam, contudo, a prática de captação ilícita de sufrágio da parte de MANOEL ADILIO ALVES DA SILVA, que, em conjunto com as representadas, utilizou recursos privados para oferecer e entregar benefício (dinheiro) a eleitores de Gramado dos Loureiros com a finalidade de obter votos. A relação de eleitores cooptados pode ser extraída da agenda apreendida na residência de MARLENE, irmã de MANOEL e uma das responsáveis pela gestão e distribuição do "caixa 2" da campanha, inclusive mediante utilização de sua conta bancária pessoal, destacando-se a lista de eleitores que seguem à expressão "compra" (!), em nítida referência à compra de votos ocorrida na Linha Alto Alegre, ID 44951665, fls. 5/6:

 

 

 

Como se tal prova não bastasse, há a conversa de NATHANA e Itauana, ocorrida em 30.10.2020, na qual debatem a necessidade de melhorar a "gestão" da compra de votos, inclusive com críticas ao pagamento de aproximadamente R$ 5.000,00 ao eleitor "Basílio", e o fato de que MARLEI "dá dinheiro para qualquer um", sugerindo que "o Basílio é compra de último dia", de forma que se mostra imperiosa a manutenção da condenação do recorrente MANOEL pela prática de inúmeros atos de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97), em relação ao presente núcleo de ilicitudes, pois responsável geral do esquema de compra de votos, como bem demonstrado na sentença. As circunstâncias de íntimo parentesco, bem como o fato de que, aqui, as verbas terem origem privada e trânsito nas contas bancárias dos envolvidos, deixam bastante claro o envolvimento do candidato ao cargo de prefeito, de modo que a sentença não merece reparos em relação à sua culpabilidade.

Afasto, apenas, a condenação de JOSÉ ORESTES, uma vez que inexistem provas de sua participação e anuência com os fatos.

Entendo, portanto, por manter a multa aplicada na origem a MANOEL, equivalente a 5.000 (cinco mil) UFIRs, haja vista a gravidade dos fatos descritos.

Diante do exposto, VOTO para afastar as preliminares suscitadas pelos recorrentes, reconhecer, de ofício, a ilegitimidade passiva de MARLENE TOSI, MARLEI ALVES DA SILVA CASAL, IVANDRA DE FÁTIMA ROSSETTO, NATHANA SERPA CATAFESTA e JOSCENI MARIA CANTON para figurarem como representadas pela prática de captação ilícita de sufrágio e, no mérito, para dar parcial provimento aos recursos interpostos, nos termos seguintes:

a) no que diz respeito ao item 3.1.1, reconhecer como ilegítimas, para figurarem no polo passivo da representação, no que toca à captação ilícita de sufrágio, as recorrentes MARLENE TOSI, IVANDRA DE FÁTIMA ROSSETTO, NATHANA SERPA CATAFESTA e JOSCENI MARIA CANTON, afastando a responsabilização de MANOEL ADILIO ALVES DA SILVA e JOSÉ ORESTES DO NASCIMENTO e a multa aplicada por tais fatos, pela inexistência de provas do envolvimento;

b) afastar a condenação de MANOEL ADILIO ALVES DA SILVA, JOSÉ ORESTES DO NASCIMENTO e MARLENE TOSI pela prática de abuso de poder político e econômico, referente aos fatos descritos no item 3.1.2 da presente decisão;

c) manter a condenação de MANOEL ADILIO ALVES DA SILVA, MARLENE TOSI, MARLEI ALVES DA SILVA e IVANDRA DE FÁTIMA ROSSETTO pela prática de abuso de poder econômico, em razão dos fatos descritos no item 3.2.1 da presente decisão, e afastar a responsabilização de JOSÉ ORESTES DO NASCIMENTO por tais fatos;

d) no que diz respeito ao item 3.2.2, reconhecer como ilegítimas, para figurarem no polo passivo da representação, no que se refere à captação ilícita de sufrágio, as recorrentes MARLENE TOSI, MARLEI ALVES DA SILVA CASAL e IVANDRA DE FÁTIMA ROSSETTO, manter a condenação de MANOEL ADILIO ALVES DA SILVA à pena de multa de 5.000 (cinco mil) UFIRs, correspondente a R$ 5.320,50 (cinco mil trezentos e vinte reais e cinquenta centavos), e afastar a responsabilização de JOSÉ ORESTES DO NASCIMENTO por tais fatos.