REl - 0600103-67.2022.6.21.0074 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/11/2023 às 14:00

VOTO

Preliminarmente, anoto que, em que pese a recorrente não possua advogado constituído nos autos, a circunstância não obsta o conhecimento do apelo, tendo em vista que o procedimento atinente à apuração de ausência de mesário aos trabalhos eleitorais e à aplicação de multa ostenta natureza administrativa, para o qual não há imposição legal de representação por advogado, na esteira da jurisprudência consolidada deste Regional:

RECURSO ELEITORAL. NOMEAÇÃO DE MESA RECEPTORA. ELEIÇÕES 2018. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE ADVOGADO. ADMISSIBILIDADE. MÉRITO. MESÁRIO FALTOSO. AUSENTE JUSTO MOTIVO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA. MULTA. DESPROVIMENTO.

1. Preliminar. Entendimento desta Corte no sentido de permitir o prosseguimento do feito, ainda que ausente procurador constituído nos autos, diante da natureza administrativa da atividade judicial sancionatória contra a qual se insurge a recorrente.

2. Devidamente convocada para prestar serviço eleitoral como 2º mesário, a recorrente deixou de comparecer na data em que ocorreu o segundo turno, sem a apresentação de justificativa. Atestado médico oferecido a destempo, informando impedimento por motivo de saúde em período diverso do abrangido pela realização do pleito eleitoral.

3. Aplicação de multa. Desprovimento.

(TRE-RS, RE 7238, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Data de Julgamento: 27.01.2020, Publicação: DEJERS, Tomo 15, 04.02.2020, p. 4.) (Grifei.)

 

No mérito, THAILLA ALESSANDRA DA COSTA SOARES, convocada para exercer a função de Secretária da Seção n. 215, instalada no Município de Alvorada, compareceu à mesa receptora de votos, no segundo turno das eleições de 2022, às 10 horas, tendo sido direcionada para outra seção eleitoral em função do atraso, conforme ata juntada aos autos (ID 45457246).

Em função do atraso, referida eleitora foi aproveitada na Seção n. 310, da qual um dos componentes da mesa havia sido transferido, às 08h10min, para a Seção n. 187, em razão de ausência de outro mesário, e, segundo constou na ata, às 15h47min a “Secretária Thailla Alessandra da Costa com número título 125802060442 foi embora sem avisar abandonando a mesa receptora” (ID 45457247).

Em face disso, foi promovida a autuação de processo próprio acerca do abandono dos trabalhos, em que foi registrada informação prestada pelo Cartório Eleitoral, vazada nos seguintes termos (ID 45457233):

INFORMO, consoante artigos 763 e 764 da CNJE, que a eleitora THAILLA ALESSANDRA DA COSTA SOARES, inscrição eleitoral 125802060442, CPF 089.957.579-06, foi convocada para atuar como Secretária na Seção 215 do local de votação NOSSA SENHORA APARECIDA E.E., desta 074ª Zona Eleitoral de Alvorada/RS, nas Eleições 2022, 2º turno, dia 30/10/2022, mas chegou atrasada (às 10h00), conforme consta na ata da citada seção (em anexo), tendo sido encaminhada para atuar outra mesa receptora de votos (seção 310). Informo, também, que a eleitora abandonou os trabalhos eleitorais (às 15h47min), conforme consta na ata da seção 310, também em anexo. Informo, ainda, que em contato com a eleitora, em 03/11/2022, via aplicativo whatsapp, a mesma alega ter passado mal em função de falecimento de sua avó, com quem ela teria passado a noite - por isso teria ocorrido o atraso -; o que a levou a ter que ir ao hospital, buscar atendimento para si, no dia do pleito - por isso teria saído antes. Informo, outrossim, que pedi à eleitora que enviasse documentação comprobatória (atestado de óbito da avó, boletim médico do hospital) do alegado, o que não ocorreu até esta data. Informo, além de tudo, que a referida mesária recebeu R$45,00 (quarenta e cinco reais) referente ao auxílio-alimentação, o que não seria devido, segundo orientação da Seção de Planejamento e Apoio às Eleições (SEPAE) do TRE-RS, pois atuou menos que 6 (seis) horas durante o pleito, tendo este Chefe de Cartório devolvido, do "próprio bolso", o valor à União via GRU (Guia de Recolhimento à União), junto com os demais valores monetários que sobraram, uma vez que sou o Responsável Financeiro desta Zona no que tange ao tema. Informo, por fim, que segue em anexo, além das atas já citadas: I) informações com detalhes da convocação da referida eleitora, extraídas do sistema de convocação de mesários e mesárias do TRE-RS; e II) espelho do cadastro da eleitora, com o respectivo registro da ausência aos trabalhos eleitorais (art. 756 da CNJE).

 

Não tendo sido apresentada justificativa, sobreveio decisão do Juízo Eleitoral arbitrando multa à mesária no valor de R$ 70,28, com a imposição do dever de ressarcir o valor recebido a título de auxílio-alimentação (R$ 45,00), assim fundamentada (ID 45457238):

[…].

A convocação para as atividades eleitorais é realizada com fulcro no 120 do Código Eleitoral (CE), quando o eleitor é nomeado pelo juiz para exercer as funções junto à mesa receptora de votos. No caso de eventual abandono dos trabalhos em seu curso, a lei concede ao eleitor o prazo de três dias após a eleição para apresentação de justificativa perante o juízo eleitoral.

Da análise da documentação acostada, verifica-se que a eleitora abandonou os trabalhos e não apresentou justificativa formal para o ocorrido; nem mesmo documentação comprobatória do alegado informalmente. Desta forma, o presente procedimento deve ter continuidade, com aplicação da penalidade de multa, conforme previsto no art. 124, §4º, do CE, e Art. 764, parágrafo único, da CNJE.

Ante o exposto, arbitro a multa no valor de R$ 70,28 (setenta reais e vinte e oito centavos) pelo abandono da mesária acima referenciada, com a efetiva correção, na forma da lei, até o devido pagamento.

Ainda, Thailla deverá ressarcir ao Responsável Financeiro da 074ª Zona Eleitoral, de Alvorada/RS, os R$ 45,00 (quarenta e cinco reais) recebidos a título de auxílio-alimentação, visto que aquele recolheu o valor à União, pois recebido de forma indevida pela mesária, consoante art. 4º da Instrução Normativa TRE-RS P N. 94/2022, que dispõe sobre a concessão, a distribuição e a comprovação de pagamento do benefício para alimentação aos colaboradores e às colaboradoras convocados para auxiliar nos trabalhos relativos aos pleitos eleitorais, no âmbito do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul.

[…].

 

Na sequência, foi certificado nos autos “que, corroborando com o já informado em 30/11/2022 (ID 111383354), em 03/11/2022, Thailla havia informado que sua avó havia falecido, e que havia passado mal em decorrência disso, conforme cópia de mensagens do aplicativo whatsapp, que também segue em anexo, não tendo citado eventual doença de sua filha”, sendo juntada a irresignação da eleitora, que se cingiu a alegar que “Minha filha estava doente tive que ir embora” (ID 45457244).

Cumpre assinalar que os fatos alegados pela recorrente, seja o mal estar em razão do alegado falecimento da avó, seja a doença em sua filha, não foram por qualquer meio demonstrados a fim de justificar o atraso em sua chegada e o abandono do serviço eleitoral antes do encerramento da votação.

Assim, não merece reforma a decisão recorrida que arbitrou a multa em R$ 70,28, observando os parâmetros previstos no art. 764 da CNJE (Consolidação Normativa Judicial Eleitoral):

Art. 764. Na hipótese de membro de mesa receptora de votos ou de justificativas que abandonar aos trabalhos eleitorais, adotar-se-ão os procedimentos previstos nos artigos 755 a 762 desta Consolidação.

Parágrafo único. A multa ao membro de mesa receptora de votos ou de justificativas que abandonar os trabalhos eleitorais será arbitrada entre R$ 35,14 e R$ 70,28, aplicando-se os demais dispositivos previstos na Subseção I desta Seção.

 

Noutro giro, o comando de ressarcimento ao “Responsável Financeiro da 074ª Zona Eleitoral, de Alvorada/RS” de R$ 45,00, recebido pela mesária como auxílio-alimentação, deve ser corrigido de ofício, uma vez que o valor deverá ser ressarcido ao Tesouro Nacional, e não ao servidor da Justiça Eleitoral.

Veja-se que, quanto ao ponto, não há de se falar em violação ao princípio da non reformatio in pejus, pois não se está agravando a ordem de recolhimento ou o quantum devido, mas, tão somente, o destino da verba, para que esteja adequado à legislação de regência.

Na hipótese, o Chefe do Cartório, responsável financeiro pelos recursos destinados ao custeio das despesas com alimentação dos colaboradores convocados para auxiliar nos trabalhos eleitorais, no âmbito da Zona Eleitoral, findou, em outro expediente, por recolher aquele valor à União, pois teria sido recebido de forma indevida pela mesária, de acordo com o art. 4º da Instrução Normativa TRE-RS P n. 94/2022, que assim prescreve:

Art. 4º Somente será concedido auxílio-alimentação aos colaboradores e às colaboradoras que fizerem jornada diária superior a 6 (seis) horas.

Parágrafo único. A critério do Juízo Eleitoral, poderá ser concedido o benefício às pessoas referidas no inciso V do parágrafo único do art. 3º que fizerem jornada até 50% inferior ao limite do caput.

 

Segundo o art. 28 da mesma instrução, na hipótese de recebimento do benefício de modo antecipado por quem, posteriormente, não exerça as funções para as quais foi convocado, o responsável financeiro deverá “solicitar a devolução dos valores ao erário, por meio de GRU”, e, não havendo a restituição, “caberá à Zona Eleitoral diligenciar na sua recuperação ou, se necessário, adotar as medidas legais de cobrança da dívida”.

Transcrevo o texto do dispositivo em comento:

Art. 28. O beneficiário ou a beneficiária do auxílio-alimentação que eventualmente não exercer suas funções deverá devolver os valores recebidos no prazo de até 5 (cinco) dias úteis, a contar da data das eleições, mediante GRU, que será emitida pela Zona Eleitoral.

§ 1° Caso o valor tenha sido recebido antecipadamente por usuário ou usuária posteriormente substituído, a pessoa responsável financeira deverá solicitar a devolução dos valores ao erário, por meio de GRU, para aquele(a) que recebeu por meio de ferramenta digital, com o prazo de até 5 (cinco) dias úteis, a contar da data das eleições, para o ressarcimento.

§ 2° Não havendo restituição dos valores recebidos indevidamente no prazo constante no caput e no § 1°, caberá à Zona Eleitoral diligenciar na sua recuperação ou, se necessário, adotar as medidas legais de cobrança da dívida.

 

A Instrução Normativa TRE-RS P n. 94/2022 não prevê a restituição dos valores indevidamente recebidos pelo mesário ou mesária diretamente ao servidor da Justiça Eleitoral.

E nem poderia ser esse o caso, porquanto, nos termos da legislação que regula a responsabilização e a forma de cobrança dos valores daquele mesário ou daquela mesária que se apropriou indevidamente de quantias públicas, restaria inviabilizada a formação de um título executivo passível de execução forçada na Justiça Eleitoral.

Por essa razão, deverá a mesária providenciar o ressarcimento do valor recebido a título de auxílio-alimentação aos cofres públicos, por meio de Guia de Recolhimento da União, e não à pessoa física do Chefe de Cartório Eleitoral, o qual deverá postular, em vias próprias, a eventual restituição do seu indébito.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso e por corrigir, de ofício, a determinação de ressarcimento de R$ 45,00 (quarenta e cinco reais), recebidos a título de auxílio-alimentação, que deve ser realizada por meio de Guia de Recolhimento da União, mantidos os demais termos da decisão recorrida.