ED no(a) PCE - 0602920-35.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/10/2023 às 14:00

VOTO

Os embargos de declaração são adequados, tempestivos e comportam conhecimento.

No mérito, o candidato, com os embargos declaratórios, apresenta novos documentos que reputa capazes de sanear as irregularidades reconhecidas no julgado embargado, incluindo instrumentos contratuais, notas fiscais e contas retificadoras (ID 45527786 a 45531891).

Sobre os motivos que conduziram à apresentação extemporânea da documentação, o embargante limita-se a referir que “estava com dificuldades em encontrar alguns contratos e notas apontados no v. Acórdão e que pudessem sanar as omissões dos gastos em campanha”, de modo que “conseguiu localizar os contratos e notas fiscais que ora se junta a estas razões recursais para que, na busca pela verdade real e para evitar que o candidato devolva valores ao Tesouro que foram comprovadamente gastos, serem analisados e abatidos do montante a ser devolvido”.

Não ignoro que o Tribunal Superior Eleitoral possui entendimento no sentido de que “julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra, a juntada de novos documentos” (TSE, AgReg no RESPE n. 239956, Relatora Min. Rosa Weber. DJE: 31.10.2016).

Todavia, na hipótese presente, a apresentação de novos documentos com os embargos de declaração não representa prejuízo à tramitação do processo, especialmente quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer de plano as irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou de diligências complementares.

O interesse público na transparência das contas de campanha, aliado à ausência de prejuízo à sua célere tramitação, caracteriza a vedação de novos documentos em segundo grau como formalismo excessivo, que deve ser evitado por não servir aos propósitos do rito legal.

Com efeito, o processo de prestação de contas tem como escopo aferir a movimentação e administração de recursos de campanha de modo integral e fidedigno. Nada obstante seja formalizado mediante processo judicial, não há um litígio ou contencioso típicos, salvo quando oferecida impugnação às contas.

Assim, formalismos processuais excessivos devem ser mitigados em favor do fim precípuo de controle pela Justiça Eleitoral, ou seja, a verificação efetiva dos valores arrecadados e dos gastos realizados, notadamente para conferir máxima efetividade à transparência das contas e aos direitos políticos relacionados.

Nessa mesma linha de entendimento, o seguinte julgado:

Eleições 2022. Embargos de declaração. Pedido de efeitos infringentes. Prestação de contas. Candidata. Desaprovação. Novos documentos comprobatórios. Ordem de recolhimento de valores ao Erário reduzida. Aprovação, com ressalvas, das contas. Acolhimento. Diante da apresentação de documentos idôneos comprobatórios do quanto alegado pela Candidata, ora embargante, ainda em sede ordinária de julgamento de sua contabilidade de campanha, reconsidera–se a conclusão primeva para julgar as contas aprovadas, com ressalvas, reduzindo a ordem de devolução de recursos ao Erário ao importe de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). Embargos de declaração acolhidos.

(TRE-BA - PCE: 06039210220226050000 SALVADOR - BA, Relator: Des. Abelardo Paulo Da Matta Neto, Data de Julgamento: 11/09/2023, Data de Publicação: Relator (a) Des. Abelardo Paulo Da Matta Neto.) (Grifei.)

 

Outrossim, das irregularidades reconhecidas no acórdão decorreu a imposição de recolhimento de valores aos cofres públicos.

Dessa forma, saneadas as falhas por documentos hábeis e de pronta constatação, quando ainda não encerrada a instância ordinária, não é razoável que a preclusão processual consolide situações manifestamente indevidas de recolhimento de quantias ao Tesouro Nacional, sob pena de chancelar o locupletamento sem causa da União em detrimento da verdade substancial posta nos autos.

Com esse posicionamento, colaciono a seguinte ementa:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ELEIÇÕES 2022. PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS. DOCUMENTOS JUNTADOS SOMENTE APÓS O JULGAMENTO DAS CONTAS. CONHECIMENTO DOS DOCUMENTOS EXCLUSIVAMENTE PARA AFASTAR A DETERMINAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. POSSIBILIDADE. DOCUMENTOS NOVOS, COM DATA RETROATIVA. PERMANÊNCIA DAS IRREGULARIDADES ENSEJADORAS DA DETERMINAÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE RECURSOS AO ERÁRIO. EMBARGOS REJEITADOS. 1. É cabível a oposição de embargos de declaração sempre que na decisão judicial houver obscuridade, contradição, omissão ou erro material (artigo 1.022, I e II, do CPC c.c. art. 275 do Código Eleitoral). 2. Nos processos de prestação de contas não se admite a juntada extemporânea de documentos quando a parte foi anteriormente intimada para suprir a falha, haja vista a incidência dos efeitos da preclusão e a necessidade de se conferir segurança às relações jurídicas. Precedentes desta Corte. 3. A documentação apresentada a destempo pode ser conhecida exclusivamente para fins de se afastar o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, de modo a evitar o enriquecimento sem causa do poder público. 4. A confecção de contratos posteriores, assinados com data retroativa, não são aptos a corrigir irregularidade consistente na juntada de documentos incompletos anteriormente, especialmente quando cláusulas contratuais são alteradas sem qualquer justificativa. 5. Não se admite, para fins de comprovação de gastos de campanha efetuados com emprego de verbas públicas, a apresentação de documentos com rasuras grosseiras, incidindo sobre parte relevante. 6. Embargos conhecidos e rejeitados.

(TRE-PR - PCE: 06024487220226160000 CURITIBA - PR 060244872, Relator: Des. Claudia Cristina Cristofani, Data de Julgamento: 05/09/2023, Data de Publicação: 12.9.2023.) (Grifei.)

 

Finalmente, é preciso considerar que a juntada de documentos em grau recursal tem sido considerada por este Tribunal nos processos de prestação de contas de campanha quando dispensável o retorno ao órgão técnico, com base no art. 266, caput, do Código Eleitoral, consoante ilustra o seguinte julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. AUSÊNCIA PARCIAL DE DOCUMENTOS OBRIGATÓRIOS. ARTS. 47, 49 e 53 da RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. INEXISTÊNCIA DE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA NA CAMPANHA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO PARCIAL. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de diretório municipal de partido político, referente às eleições gerais de 2022, em virtude de não apresentarem todas as peças obrigatórias, consoante previsto nos arts. 47, 49 e 53 da Resolução TSE n. 23.607/19. 2. Documentos juntados com o recurso. No âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal Regional Eleitoral tem concluído, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal, ainda que não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura for possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica. 3. Processo autuado a partir da certidão de inadimplência do partido que, após notificação, apresentou as contas do 1º turno compostas por demonstrativos zerados. Havendo elementos mínimos que possibilitem a análise dos registros contábeis, deve ser afastado o julgamento das contas como não prestadas. Ausência de indícios de participação da agremiação na campanha. Juntada de extratos bancários que demonstram a ausência de movimentação financeira na campanha. 4. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - REl: 06001443620226210138 CASCA - RS, Relator: Des. Mario Crespo Brum, Data de Julgamento: 05/09/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 166, Data: 11.9.2023.) (Grifei.)

 

Não ignoro, no contexto do pleito de 2022, o julgamento do ED-PCE n. 0602936-86.2022.6.21.0000, sendo Relatora a eminente Desembargadora Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues, em que rejeitados os embargos de declaração, nos quais “o embargante retificou integralmente sua contabilidade, juntando aos autos um extenso volume de documentos, inviáveis de serem examinados neste momento processual, diante da necessidade de reabertura da instrução para nova análise técnica”, com a seguinte ementa:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. DESAPROVAÇÃO. AUSENTES AS HIPÓTESES PREVISTAS PARA OPOSIÇÃO. ACÓRDÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. TENTATIVA DE REVERTER O JULGAMENTO DAS CONTAS. AUSENTE VÍCIO A SER SANADO. REJEIÇÃO.

1. Oposição de aclaratórios, com pedido de atribuição de efeitos infringentes, contra acórdão que desaprovou a prestação de contas relativas às eleições gerais de 2022 e determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

2. Recurso manejado com o propósito único e específico de reverter o julgamento de contas, sem invocar qualquer das hipóteses previstas no art. 1.022 do CPC, ou expor as justificativas para tal desiderato. Ademais, o embargante sequer identifica a quais falhas se referem os pagamentos que teriam sido desconsiderados no acórdão embargado.

3. Acórdão devidamente fundamentado, demonstrando de forma clara o raciocínio percorrido para o alcance da conclusão, não havendo que se falar em atribuição de efeitos modificativos quando a decisão não apresenta nenhum vício passível de aclaramento.

4. Rejeição.

(ED-PCE n. 0602936-86.2022.6.21.0000, Relatora: DESA. ELEITORAL KALIN COGO RODRIGUES, Publicação:  DJE/TRE-RS, edição n. 43/2023, de 10.3.2023)

 

Cuida-se, no entanto, de contexto fático diverso, posto que a ilustre Relatora salientou a imprescindibilidade da análise técnica naquele caso e que "o embargante sequer identifica as falhas a que se referem os pagamentos que teriam sido desconsiderados".

Na hipótese em tela, diferentemente, a análise técnica não se faz necessária e as falhas estão especificamente cotejadas com documentos singelos, dos quais as repercussões sobre os apontamentos podem ser facilmente verificadas.

Assim, ante as peculiaridades da espécie processual, entendo que o Tribunal deve primar pela potencialização do direito de defesa no âmbito dos processos de prestação de contas, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar a conclusão pela retidão na aplicação de recursos e realização de despesas.

Dessa forma, à exceção das contas retificadoras, que, em princípio, demandariam detida análise técnica, conheço dos contratos, recibos de pagamentos e notas fiscais acostadas com os embargos declaratórios, por se tratarem de documentos simples, capazes de, em tese, por si sós, esclarecerem as irregularidades apontadas, independentemente da reabertura instrutória.

Nessa medida, passo à avaliação dos documentos apresentados.

O acórdão embargado julgou desaprovadas as contas de RENAN BERLEZE RECCHIA e determinou o recolhimento de R$ 20.868,00 ao Tesouro Nacional, em razão de irregularidades no dispêndio de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), relacionadas à falta de apresentação de documentos fiscais emitidos pela fornecedora ELIZETE COSTA VICEDO, nome de fantasia CUCA PRODUÇÕES, na quantia de R$ 16.000,00, e à omissão dos contratos de prestação de serviços firmados com pessoal de militância, na cifra de R$ 4.868,00.

Em relação ao primeiro apontamento, constou no acórdão embargado:

No entanto, quanto aos dispêndios com ELIZETE COSTA VICEDO, nome de fantasia CUCA PRODUÇÕES, CNPJ n. 24.736.110/0001-84, examinando-se os extratos bancários eletrônicos, vê-se que foram direcionados recursos no total de R$ 20.500,00 a essa pessoa jurídica, sendo comprovados os gastos de apenas R$ 4.500,00, consoante notas fiscais juntadas aos autos, nas quantias de R$ 3.000,00 (ID 45273948) e 1.500,00 (ID 45273949).

Não havendo documento fiscal comprobatório das demais despesas com essa fornecedora, no total de R$ 16.000,00, está caracterizada irregularidade por descumprimento ao art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo a importância ser ressarcida ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 79 do mesmo diploma normativo.

 

Em anexo às razões de embargos, o prestador de contas acostou os documentos fiscais faltantes, quais sejam, a NF n. 101, emitida em 24.8.2022, no valor de R$ 10.000,00 (ID 45527792), e a NF n. 102, lançada em 30.8.2022, no valor de R$ 6.000,00 (ID 45527793).

Assim, vindo aos autos os documentos comprobatórios então pendentes, na forma exigida pelo art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, deve ser reconhecido o saneamento da falha e afastada a determinação de recolhimento da quantia equivalente ao Tesouro Nacional.

De seu turno, a segunda irregularidade reconhecida no acórdão embargado refere-se à omissão de contratos ou documentos equivalentes para a comprovação dos gastos com pessoal, assim analisados no acórdão recorrido:

O primeiro dispêndio, no dia 27.9.2022, com JOSÉ RONALDO PEDROSO, CPF n. 393.955.450-20, no valor de R$ 2.960,00, que estaria expresso pelo documento fiscal n. 092701, segundo o órgão técnico, não se encontra devidamente comprovado, pois a “documentação apresentada não possui a descrição detalhada da operação, sendo necessária a descrição qualitativa e quantitativa dos serviços prestados e ou documento adicional de forma a comprovar a prestação efetiva do serviço, em conformidade com art. 60 da Resolução TSE 23.607/2019”, ao mesmo tempo em que a documentação comprobatória “dos gastos com pessoal não apresenta a integralidade dos detalhes previstos no §12 do art. 35 da Resolução TSE 23607/2019, tais como locais de trabalho, horas trabalhadas, especificação das atividades executadas e justificativa do preço contratado”.

Dada a lacônica e genérica indicação das falhas, esquadrinhei os autos em busca dos documentos apresentados pelo candidato pertinentes ao apontamento sub examine.

Verifiquei, em relação a esse gasto, que foi apresentado unicamente o comprovante de pagamento bancário ao fornecedor dos serviços, mediante PIX, cuja chave é o número de CPF do beneficiário, no valor de R$ 2.960,00 (ID 45273946), não estando presente nos autos o contrato de prestação de serviços ou documento equivalente.

Destaco, por oportuno, que o documento bancário não contém registro de quaisquer informações adicionais atinentes ao fato gerador do pagamento, que poderiam ter sido lançadas pelo pagador no instrumento bancário, no campo próprio.

Entretanto, para a comprovação de despesas com pessoal é exigido que o documento contenha dados complementares, de modo que, a rigor, seria necessária a apresentação de contrato para o atendimento do que dispõe o art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19:

[...].

Ainda que o art. 60, § 1º, da citada Resolução admita “qualquer meio idôneo de prova” dos gastos, certo é que o mero comprovante bancário de pagamento, sem informações adicionais, não basta para comprovar dispêndio com pessoal, máxime quando o pagamento é efetuado com verbas públicas.

Dessa maneira, restou configurada a irregularidade no emprego de recursos do FEFC, impondo-se a glosa da despesa, com recolhimento dos valores aos cofres públicos.

De igual modo, no que se refere a dispêndio com ENILDA F. PEDROSO para prestação de serviços vinculados a atividades de militância e mobilização de rua, no valor de R$ 1.500,00, pago no dia 23.9.2022, por meio de PIX, cujo código usado foi o CPF da prestadora dos serviços (ID 45273945), não houve também a juntada do respectivo contrato ou de documentos que lhe suprissem a ausência.

Logo, está caracterizada a irregularidade, devendo ser comandado ao candidato a restituição do montante correspondente ao erário.

Idêntico vício ocorre no que tange ao gasto com ROSIANE TORMES NUNES, no importe de R$ 408,00, quitado mediante PIX, em que a chave se identifica com o número de CPF da contratada (ID 45273942), pois não foi apresentado o contrato de prestação de serviços de militância e mobilização de rua e nem elementos subsidiários.

 

Agora, com os embargos de declaração, o candidato juntou aos autos os instrumentos contratuais, recibos de quitação e comprovantes bancário de Pix de cada uma das despesas com pessoal relacionadas no acórdão (ID 45527786, 45527788 e 45527790), de modo que não subsistem lacunas ou vícios na comprovação dos gastos.

Assim, integralmente superadas as irregularidades anteriormente apuradas por meio de documentos idôneos e de avaliação primo icto oculi, juntados ainda durante o julgamento na instância ordinária e dispensando a reabertura de exame técnico, impositiva a revisão do acórdão embargado ao efeito de aprovar as contas, sem a imposição de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo acolhimento dos embargos de declaração com efeitos infringentes com o fim de julgar aprovadas as contas de RENAN BERLEZE RECCHIA, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, e afastar a determinação do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.